06 junho 2009

 

Nós e a Europa

Ou de como devemos honestamente tirar as ilações que se impõem da campanha que temos desenvolvido para as primeiras e próximas eleições do grande ciclo eleitoral que temos pela frente.

Senhor:

Tenho passado estes dias sem dizer uma palavra sobre os acontecimentos que vão correndo por essas nossas cidades, por essas nossas vilas, por essas nossas aldeias e por todas as nossas ruas. São as eleições europeias, dizem. Mas o que é a Europa? Eu não vejo Europa nenhuma em nenhum desses sítios. Eu não enxergo ponta do velho Continente no meio dessa azáfama que vai por aí. O que eu vejo e acho que toda a gente vê é nefando. Um candidato a gritar todos os dias palavras acerbas como “roubalheira”, “tramóia”, “trampolinice”, “vigarice”, referindo-se às “trapalhadas” de um banco nosso e atribuindo-as a gente grada de uma agremiação partidária concorrente. Mas é isso a Europa? Outro candidato a clamar contra a brandura das nossas leis penais e a liberdade de que gozam os criminosos que infestam o nosso reino, apelando ao reforço da polícia, ao endurecimento das penas e ao enclausuramento dos prevaricadores. Mas é isso a Europa? Uma outra candidata a rodopiar ao som do estribilho da “roubalheira” e da “trampolinicie”, volteando alegremente sempre que se vê no meio dum ajuntamento popular. Mas é isso a Europa?
Vem então outro candidato e diz: “Se vamos a entrar por esse caminho da “roubalheira”, então nós também poderíamos acusar o senhor A e o senhor B do partido contrário de terem feito isto, aquilo e aqueloutro, querendo com isso insinuar cousas feias e indignas que mancham qualquer cidadão normal, quanto mais gente que ocupa lugares de relevo.
Francamente, Senhor, isto parece um país de salteadores e de vigaristas, um país que precisa de penitenciária e não de Europa. Isto coloca mal o nosso reino, que tem créditos firmados na democracia há muitos séculos. Como queremos emparceirar na Europa com esta imagem de larápios e de bandidos? Como é que queremos fazer uma Europa nova com esta imagem tão esquálida de vagabundos?
Depois vem outro candidato e diz que, se houve “roubalheira” e “vigarice”, o governo do nosso reino - veja bem Vossa Senhoria! – o governo do nosso reino, deu cobertura à “ladroagem”, injectando milhares de euros – a única designação europeia que teve livre curso na campanha - na instituição de crédito levada criminosamente à falência. Francamente, Senhor, o que é que este vilipêndio tem a ver com a Europa renovada onde estes senhores buscam assento? Querem eles sentar-se lá, à custa da nossa miséria e destas tricas?
Pois eu, Senhor, não tenho dito nada, porque estou abismado com esta Europa de trazer por casa e que não é a casa da Europa de que tanto se fala. Não sei o que Vossa Senhoria pensará disto, mas imagino o que lhe irá pela alma, sabendo o muito que tem pugnado por uma campanha serena, elevada, à altura de uma democracia que tem as barbas venerandas de uma velha e respeitável democracia.
Infelizmente, o que esta campanha veio pôr a nu é o quanto a Europa está longe de nós e nós longe da Europa, uma Europa que tanto tem primado pela dignidade de todos os cidadãos europeus, pelo bem-estar e igualdade sacrossanta de todos os povos que a compõem, pela melhoria social das classes menos afortunadas, em suma, por uma democracia cada vez mais choruda, isto é, rica de todas as virtudes democráticas.
Poderíamos contribuir para essa riqueza comum, se em vez de darmos essa imagem de «ladroeira» e «banditismo», nos dedicássemos a enriquecer o património das ideias europeias, discutindo mais a Europa. Já temos no cadastro a cena real da «roubalheira» dos dinheiros que para cá nos vieram à conta dos fundos comuns – uma desonra para a velha Nação que somos – e agora temos a «roubalheira» discursiva com que alegremente vamos enramalhetando a campanha para as chamadas eleições europeias. Uma vergonha sobre outra vergonha!
De maneira, Senhor, que eu atrever-me-ia a propor uma coisa honesta: acabemos com a Europa, e já!, antes que a Europa dê cabo de nós.
Jonathan Swift (1665 – 1745)





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