30 setembro 2013
Valeu a pena
Valeu a pena ir votar. Tirando o caso de Oeiras, que é de natureza psiquiátrica, os resultados traduzem geralmente um sentimento popular de "basta" (Braga e Guarda não são exceção). Na Madeira houve, pela primeira vez, bailinho... E os aparelhos partidários têm muito em que pensar.
Os resultados globais são muito claros. A governação vai manter-se, ninguém esperava outra coisa, o povo é que está enganado. E a troika, evidentemente, faz por ignorar que ontem houve eleições. É que para os nossos democráticos credores, os povos dos países devedores não têm direito à democracia enquanto dura a "ajuda"...
Mas, apesar de tudo, as eleições não podem deixar de fazer (mais uma) mossa... O casco já leva muitas (porém, não as suficientes ainda...).
O poeta
Já que o Maia Costa se lembrou - e bem - de António Ramos Rosa, vou transcrever um dos poemas que ele citou e que é do primeiro livro publicado pelo poeta - O Grito Claro:
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
Acabou-se a campanha
Acabou-se a campanha eleitoral.
Ela demonstrou bem, em certos
níveis, principalmente nos grandes centros urbanos, a face mais descarada,
histriónica e embusteira da política. Se alguns desses apregoadores de feira,
esbanjadores de todas as promessas, se vissem ao espelho…
Felizmente não levaram a deles
avante.
Ainda cheguei a temer que, na
minha cidade, a megalomania e o futebol entrassem por aí, levando na frente
todas as barreiras.
29 setembro 2013
Os juízes do TC e outros artistas
O Tribunal Constitucional cumpriu
mais uma vez a sua função de obstar a que a política de anulação dos direitos
fundamentais conquistados com o “25 de Abril”, nomeadamente na área laboral,
seja exaustivamente levada a cabo.
Fê-lo, como tem feito, com muita
parcimónia, salvando, das alterações legislativas, o máximo que podia salvar,
limitando a declaração de inconstitucionalidade aos pontos em que a lei era
mesmo afrontosa de direitos consagrados na Constituição, como eram aqueles
casos em que a cessação do contrato de trabalho podia ter lugar contra o
princípio da justa causa e certas
disposições relativas aos instrumentos de regulação do contrato colectivo. Quer
dizer, disposições que, de forma mais descarada, devolviam à entidade patronal
o poder de despedir segundo o seu livre arbítrio ou, pelo menos, não
acautelando a possibilidade de tal acontecer, indiscriminadamente, a coberto de
outros objectivos legais, e ainda algumas situações que feriam o conteúdo
essencial do direito de contratação colectiva, que, aliás, deveria ter
conduzido à fulminação de todas as disposições relativas a esse complexo
normativo da lei, como fez questão de sublinhar, no seu voto de vencido, o
presidente do Tribunal Constitucional.
Desta forma, o Tribunal Constitucional,
agindo com a parcimónia apontada, mais uma vez demonstrou que não se deixa
coarctar na sua independência, nem amedrontar pelas vozes funestas de certos
propagandistas, quando se trata de afirmar o núcleo mais essencial dos direitos
e princípios fundamentais da Constituição.
Com parcimónia, disse eu, não da
forma radical que os despeitados com o exercício do Tribunal têm vindo a assacar-lhe,
com uma desfaçatez encarniçada, como há uma semana Marques Mendes, na “Visão”,
que apontava a “liderança ideológica” do Tribunal (reparem: a “liderança
ideológica”), acusando os juízes de terem, como nunca, uma argumentação muito
fraca (não sei qual a profundidade jurídica de Marques Mendes, que acho que foi
político toda a vida, mas talvez tenha tido alguns intervalos jurídicos) e que
se abespinhou contra o povo português, por ter ainda uma grande “subserviência”
(sic) em relação às decisões do TC. Eu não sei é como o povo português consegue
ainda ter tanta resignação para aguentar tanta carga que lhe têm posto em cima,
mas disso não são culpados os juízes do TC; são talvez mais culpados outros artistas,
que gostariam de ver o TC em aliança ideológica com eles.
28 setembro 2013
Uma razão para votar
Sou do tempo em que os presidentes das Câmaras eram nomeados pelo Ministro do Interior.
Por isso, amanhã vou votar.
23 setembro 2013
António Ramos Rosa
Quem leu poemas como "Não posso adiar o amor para outro século", "Telegrama sem classificação especial" ("estamos nus e gramamos"), "Poema do funcionário cansado", "O boi da paciência", e tantos, tantos outros, está eternamento grato a António Ramos Rosa.
O "perfil" dos magistrados
Com alguma pompa e alarido foi divulgado um estudo do CES sobre o "perfil" dos magistrados, obtido a partir de um inquérito aos próprios magistrados (hoje a sociologia não faz mais do que sondagens...).
Os dados são abundantes, mas desconfio que tenhamos ficado a conhecer melhor os visados pelo estudo.
Um dado retenho: mais de 82% dos juízes identificam-se com o "centrão" político-partidário, 79% do procuradores fazem o mesmo. Podemos pois estar tranquilos: é tudo (quase tudo) boa gente.
Mas o mais interessante é a forma como o estudo foi rececionado pela comunicação social. Daria um bom estudo (a começar pela "perceção" do "Jornal de Notícias")...
Realmente, valeria a pena o CES fixar agora a sua atenção ("focar-se", como se diz em linguagem contemporânea) no tratamento da "justiça" na comunicação social. Não para fazer uma sondagem de opinião, mas para estudar sintonias e assintonias entre a realidade e a "perceção" jornalística...
17 setembro 2013
O "tratamento" dos abusadores
Lentamente vai fazendo caminho a proposta de um direito penal tenebroso.
Uma "investigadora" em matéria de "abusadores sexuais" conclui que a "única" forma de evitar a recincidência é submetê-los a "programas de tratamento". Não basta que os abusadores cumpram a pena em que são condenados. Têm ainda que ser "tratados". Não são apenas delinquentes, são também doentes.
Temos outra vez a defesa de uma "ideologia do tratamento". Mas agora já não se trata de "reeducar" os delinquentes, de tentar socializá-los segundo a ideologia dominante, para bem deles, e indiretamente da sociedade. Agora, mais cruamente, eles são meros objetos de tratamento: trata-se de os tornar "inofensivos", de lhes lavar o cérebro para que não tornem a reincidir, para bem exclusivo de defesa da sociedade.
É uma proposta de "biopolítica" radical, funcionando o direito penal como seu instrumento servil...
Haverá consciência da crueldade e perversidade de uma tal proposta?
Mais uma "tragédia" nos EUA
Francamente, não considero "tragédia" o que aconteceu na base naval da capital dos EUA. Trata-se de uma mera "ocorrência" normal num país em que todos estão armados (legalmente) até aos dentes. E com a proteção da Constituição.
15 setembro 2013
A luta contra o Tribunal Constitucional
Como
já se previa, a grande batalha a travar agora é contra o Tribunal
Constitucional. Se não se pode revogar a Constituição, esse empecilho, nem
sequer alterá-la, porque não existe a maioria qualificada necessária para tal
objectivo, pressionam-se e massacram-se os juízes numa campanha ideológica
miserável e contumaz.
No
âmbito dessa nova cruzada, descobriu-se agora que o problema não é da
Constituição, mas da interpretação que dela fazem os juízes. Ora vejam lá que
fabulosa descoberta. O Senhor de La Palisse não seria capaz de melhor. Logo um
bom número de comentadores e opinadores da nossa imprensa se meteu por esse
carreiro, aberto por uma qualquer luminária, como formigas que seguissem na enfiada
umas das outras, na perseguição do cibinho da interpretação, esse filão tão
espremetedor.
Ora
bolas! Um texto é um conjunto de palavras, frases, sintaxe. Acaso vale alguma
coisa sem uma interpretação? Uma lei, qualquer lei, significa algo se não for
interpretada? Nem sequer o texto mais aparentemente simples e vítreo está dispensado de interpretação,
ao contrário do que ficou expresso no brocardo latino “in claris non fit interpretatio”.
O
problema está mesmo na interpretação, claro que está. Mas nesta guerra das
interpretações a mensagem subliminar que se pretende fazer passar é a de que o
Tribunal Constitucional devia adoptar a interpretação que mais convém à
política do momento. Para tanto, invoca-se que as inconstitucionalidades
detectadas andam sempre à volta dos princípios da igualdade, da
proporcionalidade e da protecção da confiança, subentendendo-se que esses
princípios são plurívocos e que, portanto, a razão das inconstitucionalidades
não está no texto, mas na interpretação “enviesada” que daqueles faz o Tribunal
Constitucional. É preciso desfaçatez!
Esta
é uma crítica que releva de safadeza, precisamente porque invectiva o Tribunal Constitucional
por não conformar o seu critério hermenêutico com o de tais críticos, ao mesmo
tempo que deixa a descoberto a concepção de independência do poder judicial que
lhe subjaz. O que se visa é anular essa independência. Esta crítica é tão cega
ou tão sectária, que nem atenta no facto
de a maioria dos juízes que tem votado a favor das inconstitucionalidades
incluir juízes que foram indicados pelos partidos da actual maioria, o que
significa que os diplomas submetidos à apreciação do Tribunal Constitucional têm
sido de tal forma violentadores de um entendimento consensual daqueles
princípios, que não passam no crivo da
sensibilidade jusconstitucional da maior parte dos seus juízes, pesem embora as
suas diferenças ideológicas.
Um
senhor crítico chamado Tavares Moreira, ex-governador do Banco de Portugal, para
dizer que o Tribunal Constitucional estava fora de época, afirmou que os seus
juízes ainda estavam no tempo do escudo. É um ataque muito vanguardista do
ponto de vista monetário, mas o pior é que este senhor, a propósito dos
princípios da igualdade, da proporcionalidade e da protecção da confiança,
afirmou que esses eram princípios onde cabia tudo, tanto dando para um lado
como para o outro. É como os Evangelhos para certos cristãos: também lá cabe tudo.
Esta
nota de conservadorismo com que alguns ex-conservadores pretendem atingir, pelo
lado ideológico, o Tribunal Constitucional merece um reparo: é preciso
conservar alguma coisa para que nem tudo vá na enxurrada.
14 setembro 2013
A chamada convergência de regimes
Uma
coisa é a convergência das pensões entre o sector público e o privado e outra,
muito diferente, o sistema de cortes que se pretende implementar de uma forma
abrupta e retroactivamente. O sistema de convergência começou em 1993, com
Cavaco Silva no governo e aí, sim, tratava-se de um regime de convergência,
progressivo e respeitando os direitos adquiridos e as expectativas legítimas
dos beneficiários, aplicando-se apenas aos novos contratos de admissão na
função pública.
O
regime que se pretende implementar agora, pomposamente designado de “reforma do
Estado” é arbitrário, não respeitador de um Estado de Direito e passando por
cima de princípios fundamentais consolidados na ordem jurídica, como o princípio
da não retroactividade.
Já
sabemos que estes princípios não valem nada e que são diariamente amesquinhados
por quem pretende instaurar uma nova ordem baseada no não direito, ou melhor,
no direito do mais forte sobre o mais fraco, porque os direitos dos credores,
dos titulares de grandes meios de produção, dos accionistas, dos titulares de
rendas, rendimentos e dividendos, incluindo o chamado “custo de remuneração do
capital” ou capital financeiro, etc, etc, etc… são sagrados.
Não
são direitos adquiridos; são talvez direitos naturais.
11 setembro 2013
11 de setembro de 1973
Foi um dos dias mais sinistros do sec. XX, que contou muitos.
É inesquecível a imagem dos quatro generais, Pinochet sentado, de óculos escuros, rodeado pelos seus comparsas golpistas: o terror encenado/exibido sem máscara. Um autêntico ícone da malvadez.
A repressão que se seguiu desafiou os limites da imaginação mais sanguinária. O regime caiu há muito. Mas os mortos e torturados, quem os compensará, quem os lembrará? Nada será compensado, tudo será esquecido, diz Kundera num romance... Terá possivelmente razão.
06 setembro 2013
Parque jurássico
Os dinossauros podem movimentar-se por todo o território nacional, todo ele convertido num parque jurássico.
03 setembro 2013
O TC sob fogo posto
O Tribunal Constitucional é a última vítima de fogo posto. Não param os mísseis dirigidos à instituição (e já agora à Constituição...). Não basta o PM, manifestamente com falta de pontaria. Vieram reforços: o ministro dos Negócios Estrangeiros fala em falta de "diálogo entre o Governo e o TC", como se o TC tivesse como função negociar com o Governo os casos a ele submetidos, e não decidi-los de acordo com a Constituição... O ministro da Defesa, outrora advogado ilustre, reivindica o direito ao "escrutínio" das decisões do TC... Mas que tipo de escrutínio? Escrutinam-se sentenças com argumentos jurídicos, e esses não aparecem.
Quer dizer, apareceram hoje, no "Público", pelo mão de um professor de direito (há-os para todos os gostos...), Luís Pereira Coutinho. Diz ele, em síntese, que os juízes constitucionais devem ser também estadistas... E que o que o TC tem como função é defender a democracia constitucional, e não esta ou aquela norma "idolatricamente construída e aplicada".
O direito está manifestamente a passar maus dias nas nossas faculdades do mesmo (lembro-me de uma professora de Coimbra que há tempos também disse umas barbaridades sobre a fiscalização constituciobal das leis...).
Com efeito, como classificar senão como barbaridade a defesa da "fusão" entre juiz constitucional e "estadista"?
Estadista é aquele que toma decisões políticas, isto é, decisões em ordem à conformação da ordem político-social, baseadas em opções que têm a ver com critérios de oportunidade, eficiência, pragmatismo, conveniência, utilidade, etc., decisões constitutivas, portanto.
Pelo contrário, as decisões do TC, como de qualquer tribunal, são decisões de tipo declarativo: declaram o direito instituído pelos outros poderes do Estado.
Confundir as funções do Estado é um elementar erro. Mas compreende-se a intenção: os juízes do TC deveriam despir a beca e vestir o uniforme de estadistas para assim fazerem vista grossa à Constituição (demasiado extensa e pormenorizada) e manifestarem a maior compreensão pelas polémicas decisões que o Governo vem tomando em tempos de crise... E limitarem-se a defender, não as normas concretas da Constituição, mas sim o regime cponstitucional abstrato (como se o regime constitucional não assentasse em normas, como se princípios fundamentais, como o da confiança, pudessem desaparecer ou sofrer um forte abalo sem o regime democrático ruir estrondosamente...).