30 junho 2014
Insensatez ou cegueira?
Parece que há a
intenção por parte do governo de regressar aos cortes do tempo de Sócrates.
Isto significa, a meu ver, que os responsáveis políticos que presidem aos
destinos do país continuam a não perceber nada da jurisprudência que o Tribunal
Constitucional tem vindo a elaborar nesta matéria. Claro que os limites a
partir dos quais os cortes têm efeitos, assim como a taxa de incidência, significando
maior ou menor abrangência de cidadãos atingidos e afectação tolerável ou
intolerável do princípio da igualdade têm sido equacionados nas decisões do TC,
com destaque para a última. Porém, não é aí que reside o verdadeiro cerne do
problema, mas num outro dado em que o TC tem insistentemente posto o foco da
sua análise: na excepcionalidade e no carácter transitório desses cortes, para
atalhar a uma situação excepcional.
Essa situação tem
passado por uma fluidez de limites temporais, segundo declarações flutuantes de
vários dos responsáveis do governo, até parecer ter-se estabilizado com uma
célebre declaração de Vítor Gaspar, então ministro-todo-poderoso das Finanças:
a situação duraria enquanto vigorasse o chamado PAEF (Programa de Ajustamento
Económico e Financeiro). Mas eis que, no jogo de oscilação politica em que se
tem vivido, rapidamente se abandonou o próprio carácter transitório das
medidas, para se tentar a implementação definitiva dos cortes, umas vezes de
forma descarada, outras, de forma camuflada
e usando várias tácticas, ora dizendo-se que seriam transitórios no orçamento
de cada ano, mas sem fim à vista, ora colando-os com cuspe a uma pretensa
reforma estrutural do Estado, mas aplicando-se as medidas restritivas de forma
retroactiva.
Enfim, uma “bagunçada”
que não poderia nunca ter a cobertura do Tribunal Constitucional, a não ser que
os juízes fingissem ser tão míopes, como se pretendia que eles fossem.
Essas tácticas não
deram resultado, mas a verdade é que se continua a persistir nas mesmas, ou então
trata-se de verdadeira miopia. Pelo menos, assim parece. Vejamos o que vai
seguir-se para então termos uma ideia mais nítida.