29 setembro 2014

 

Primárias

Os nossos cronistas, em uníssono ou quase, saudaram as “primárias” do PS como um grande avanço cívico e democrático, quase que um novo 25 de Abril… Eu não acho assim e digo já porquê. O que me importa é o “método”, não o ato eleitoral de ontem. E o que digo é que, pelo menos como método de escolha de candidatos a cargos unipessoais, as “primárias” não acrescentam nada à democracia, antes pelo contrário. As “primárias” é um conhecido processo de escolha de candidatos partidários nos EUA. E aí têm razão de ser. Os partidos norte-americanos não são propriamente organizações partidárias; são antes comissões eleitorais… Os partidos dos States não têm “militantes” (palavra obviamente suspeita naquelas paragens), não têm programa político, não têm estruturas dirigentes permanentes, presidentes ou órgãos diretivos. São partidos que se organizam em função dos atos eleitorais. Então aparecem “voluntários” a candidatos pelo partido e este tem que escolher e essa escolha é alargada a quem quiser inscrever-se como “simpatizante”, porque verdadeiramente não há militantes. As primárias são para a escolha da pessoa do candidato, não de um programa eleitoral. O candidato sorri muito, fala com voz forte ao lado da mulher e dos filhos, e as pessoas acreditam ou não no “carisma” do candidato. É o “carisma” que importa, porque é o que dá votos. Na Europa, como sabemos, as coisas são (ainda?) muito diferentes. Todos os partidos, mesmo os de direita, têm atividade política permanente, programas políticos, e não apenas eleitorais. Os partidos existem e subsistem para lá das eleições, procuram permanentemente, através dos seus militantes, influenciar a sociedade, as escolhas políticas aos diversos níveis. Têm militantes inscritos e uma estrutura organizada. São os militantes que “entranham” o partido na sociedade, que se empenham na difusão das “mensagens” do partido, com o partido estão “comprometidos”, e por isso são eles que escolhem todos os dirigentes e candidatos partidários, dos locais aos nacionais. Sendo assim, não tem nenhum sentido num partido a sério, isto é, num partido de militantes, “abrir” o partido de forma a diluir a condição de militante, ao ponto de a fazer equivaler, em direitos, nomeadamente no direito de escolha de candidatos eleitorais, à dos simples simpatizantes, cujo grau de compromisso com o partido é necessariamente precário. Essa equivalência traduz-se não num reforço de participação democrática, mas sim numa concessão a um populismo calculista, que inevitavelmente enfraquece o partido enquanto organização política, e o encaminha para uma organização vocacionada fundamentalmente para disputar eleições, para as ganhar, não em função dum determinado programa e dum certo projeto de sociedade, mas sim de uma mera “mensagem”, fluida, plástica, “líquida”, protagonizada por um candidato escolhido segundo critérios de “imagem”, para melhor “vender” a dita mensagem. As “primárias” não são um suplemento de democracia. São um alçapão populista.





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