31 maio 2018
"Só 28 juízes em 2000 foram castigados no ano passado"
Esta uma notícia de 1ª página no "Público" de hoje. Aquele "só" significa sem dúvida que as expetativas punitivas do jornal foram defraudadas.
Quantos castigos serão então necessários para satisfazer o "Público"? Cem, duzentos, quinhentos? Mais, menos?
Quantos castigos serão então necessários para satisfazer o "Público"? Cem, duzentos, quinhentos? Mais, menos?
28 maio 2018
A propósito da eutanásia
São
abomináveis os argumentos terroristas, do estilo de que a
despenalização da antecipação da morte em casos extremos, em
circunstâncias bem delimitadas legalmente, a pedido reiterado da
própria pessoa que está em sofrimento e não tem outra saída que
não seja arrastar-se em sofrimento até ao último suspiro,
corresponde a uma espécie de licença para matar. Esse tipo de
argumento é o mesmo que vimos ser utilizado a propósito do aborto,
quando alguns pretensos defensores da vida o equiparavam ao
holocausto e às câmaras de gás.
Há
muita gente que considera que a vida é um dom, uma coisa sagrada, em
cujo princípio e fim ninguém pode ou deve interferir, nem (para uma
grande parte desses) o próprio, e eu digo que respeito essas
convicções tributárias de uma concepção religiosa, mas ninguém
tem o direito de impô-las a outras pessoas que têm outras
concepções. No fundo, o que está em causa é uma extensão do
princípio da autonomia humana à decisão sobre o termo da sua
própria vida.
Claro
que, no caso da eutanásia, isso implica a intervenção de terceiros
(ou na ministração da substância letal, ou na ajuda ao suicídio)
e tal intervenção complica tudo, mas, por isso mesmo, é que se
exige uma
lei que
regule e imponha
limites muito apertados, contemplando
situações excepcionais
devidamente
tipificadas, e não só excepcionais, mas extremas ou
irremediáveis, em termos de não existência de uma qualquer
esperança na alteração do estado patológico e de sofrimento.
Uma
tal consideração da eutanásia, enquanto conduzindo a uma
descriminalização ou despenalização das condutas que reunam os
exigentes pressupostos legais, não me repugna. Por um lado,
respeita-se
a autonomia do paciente que se encontra em grande e irremediável
sofrimento; respeita-se a sua plena e sagrada esfera de decisão
pessoal, não em nome da morte, mas de uma vida digna; por outro, não
se força nenhum profissional a ter de renunciar a princípios que
tenha como de exigência ética impostergável, visto que só
intervém
quem
em sua consciência se sinta confortável e seriamente movido por um
motivo altruísta.
Argumenta-se
que a ciência tem evoluído no sentido de aumentar a esperança de
vida e de
encontrar formas para atenuar ou mesmo anular a dor. Porém, em
primeiro lugar, o aumento da esperança de vida nada tem a ver com o
problema em causa e, em segundo lugar, os meios paliativos não
excluem a existência de situações que possam reclamar-se da
eutanásia.
Numa
das minhas crónicas no Jornal
de Notícias,
datada de 12 de Março de 1998, referi o caso do galego João
Sampedro que, havia
29 anos deitado num leito
não conseguia mover senão a cabeça, devido ao seu estado
tetraplégico, reclamando insistentemente que o deixassem morrer, sem
que lhe dessem ouvidos, até que a alma caridosa de uma amiga,
mantida no anonimato até ficar fora da alçada da lei penal, colocou
na esfera da sua disponibilidade um copo com uma bebida mortal,
munido de uma palhinha. Sampedro gravou uma mensagem em vídeo a
dizer que era sua a decisão de beber o líquido que o libertaria
daquele sofrimento insuportável e que se encontrava ao seu lado.
Após tal declaração, ingeriu o líquido e morreu. As autoridades
abriram um processo penal para descobrirem
a pessoa responsável pela colocação da beberagem mortal ao lado de
Sampedro. Isto não parece sadismo legal?
O
Partido Comunista
vota
contra
as
leis
que despenalizam
esse
tipo
de comportamento
e que
vão
a
votação
no
Parlamento.
Admito
que
a questão
é uma questão
de consciência
com
alguma
dificuldade,
mas
para
o
PC não
é,
pelos
vistos,
uma questão
de
consciência
individual;
é
uma questão
de
obediência
partidária.
Ou
seja, é um dogma, ainda que apresentado sob roupagem científica.
27 maio 2018
O PCP e a eutanásia
Foi com surpresa e até uma certa indignação que vi a posição oficial do PCP sobre a eutanásia, tão próxima afinal das mais conservadoras e católicas que foram produzidas publicamente...
A "defesa da vida" em termos tão amplos como justificação da interdição da eutanásia arrastaria igualmente a da IVG, que foi sempre um estandarte do PCP...
Por outro lado, confiar no "progresso da medicina" como "remédio" substitutivo da eutanásia é desfocar completamente a questão, que não é técnico-científica, mas ética: saber se a vida pode ser imposta pelo Estado aos cidadãos em certas hipóteses extremas.
Não admite o PCP que existe um círculo irredutível de autodeterminação pessoal?
Em nome de que valores poderá ser negado? Que transcendência pode ser invocada?
A "defesa da vida" em termos tão amplos como justificação da interdição da eutanásia arrastaria igualmente a da IVG, que foi sempre um estandarte do PCP...
Por outro lado, confiar no "progresso da medicina" como "remédio" substitutivo da eutanásia é desfocar completamente a questão, que não é técnico-científica, mas ética: saber se a vida pode ser imposta pelo Estado aos cidadãos em certas hipóteses extremas.
Não admite o PCP que existe um círculo irredutível de autodeterminação pessoal?
Em nome de que valores poderá ser negado? Que transcendência pode ser invocada?
O futebol e os media
Há
muito que o futebol conquistou o espaço mediático em Portugal, a
ponto de se ter tornado num dos assuntos mais relevantes do dia-a-dia
da comunicação social (não digo toda, mas quase toda), ocupando
noticiários e telejornais, transmissão e relato de jogos,
entrevistas, comentários e sei lá mais o quê.
A
relevância conferida a tal assunto não se mede só pelo espaço que
lhe é concedido, mas também pelo destaque que se lhe dá na ordem
de apresentação dos noticiários e telejornais. É frequente os
telejornais abrirem com imagens do futebol e ocuparem um grande
espaço do noticiário, antes de qualquer outra notícia relevante a
nível nacional ou internacional. Também é frequente as televisões
inserirem notícias do futebol a meio dos telejornais.
Isto
significa que, a nível da comunicação social e, sobretudo dos
meios audiovisuais, o futebol tem vindo a ganhar tanta relevância
como qualquer outro facto noticiável de carácter social, político
ou económico, de projecção nacional ou internacional. No plano
axiológico, é a imposição de uma escala horizontal de “valores
de notícia” (chamemos-lhe assim), em que tudo se equivale, podendo
a notícia de um acontecimento do mundo do futebol aparecer ao lado
de uma notícia de um tremor de terra que tenha devastado uma grande
quantidade de pessoas, ou de um acontecimento bélico, ou ainda de um
crime de grande impacto, etc.
Em
determinadas situações, o futebol até pode ser catapultado, como
vimos, para a cabeça dos noticiários e telejornais, ficando à
frente de qualquer outro facto, mesmo que este tenha grande relevo
social ou político. Tudo isto porque o futebol passou a estar,
estruturalmente, ao mesmo nível que qualquer outro acontecimento
noticiável, dependendo apenas a sua localização no noticiário de
um determinado dia de razões conjunturais, ou então de razões que
relevam do arbítrio de quem tem a direcção da informação. Aos
fins-de-semana, então, as televisões ocupam uma grande parte do seu
tempo com o futebol, tornando-se difícil, a determinadas horas,
encontrar, entre a multidão de canais com que as empresas de
telecomunicações nos aliciam para sermos seus clientes, um canal
que esteja a transmitir uma programação diferente. O mesmo se passa
com algumas emissoras (públicas) de rádio, que desarticulam o seu
programa habitual de noticiários para darem primazia aos programas
futebolísticos.
Não
se trata de promoção do desporto, mas pura e simplesmente da
promoção do futebol, visto que os outros acontecimentos desportivos
não têm a mesma equivalência (e, aliás, o futebol pouco tem já
de desportivismo, se é que tem alguma coisa ainda).
Nem
no tempo da ditadura, em que se dizia que o futebol era uma das
grandes fontes de “alienação” colectiva alimentadas pelo
regime, ele alcançou uma tal obsessão mediática. É certo que o
futebol adquiriu uma dimensão europeia e global que não tinha há
décadas atrás e esse facto fez proliferar as competições e os
jogos, acentuando o carácter popular e de massa do fenómeno
futebolístico. Porém, os órgãos de comunicação social, em
especial os meios audiovisuais com destaque para as televisões, têm
contribuído para essa acentuação com o relevo que lhe têm dado em
todas as vertentes, desde a transmissão dos jogos, mesmo de
competições onde não entram equipas nacionais, até ao blá-blá
televisivo e radiofónico, com os inevitáveis comentadores a
disputarem protagonismo aos mais graves comentadores de temas
económicos, sociais, políticos e culturais.
O
futebol tem, pois, vindo a tornar-se no grande factor de “alienação”
da nossa sociedade democrática. “Alienação” no sentido de que
uma tal projecção do futebol, incentivada pelos “media”, conduz
a
uma inversão de valores e de prioridades, considerando-se
o futebol como a verdadeira causa de promoção social e colectiva
(veja-se
o desempenho
do futebol na questão da importância das cidades, vilas, aldeias, e
a sua ligação perigosa à política autárquica),
e
conduz ou
pode conduzir a
uma exacerbação
do
irracionalismo clubista e,
em certos casos, à consideração do futebol como uma entidade
transcendente, ocupando o lugar do sagrado, como se fosse uma
religião.
Nota:
Fui elaborando este texto, mais apropriado para um artigo de jornal, em vários dias da semana que passou,
incentivado pelos acontecimentos do Sporting e do final da taça, mas
fi-lo sempre aos “bochechos”, no meio de múltiplas solicitações e saídas do local da minha residência.
Entretanto, o constitucionalista Jorge Miranda e o articulista António
Guerreiro
publicaram excelentes artigos no Público
(o Guerreiro, no suplemento “Ípsilon”) sobre o mesmo assunto. O
meu tem preocupações similares, embora divirja na forma e no
conteúdo (e na riqueza das ideias), sobretudo em relação ao segundo.
22 maio 2018
Espanha una e eterna
O que é que pode ter levado um professor de direito e também Presidente da República de Portugal a proferir uma saudação tão espanholista, melhor castelhanista, tão parecida com a proclamação franquista de Espanha como "una, grande y libre"?
Ignora o PR de Portugal que neste momento estão presos vários dirigentes catalães, acusados dos piores crimes do CP, simplesmente porque lutam pacificamente (repito, pacificamente) pela independência da Catalunha? Um professor de direito não é sensível a esse facto?
Não será aliás excessiva essa crença na "eternidade" da Espanha "una"? Quantos anos durará ainda essa "eternidade"?
Na universidade de Salamanca, onde em 1936 Unamuno proferiu palavras sábias e corajosas contra Franco, só faltava agora um professor português desastradamente vir reabilitar a divisa franquista...
Ignora o PR de Portugal que neste momento estão presos vários dirigentes catalães, acusados dos piores crimes do CP, simplesmente porque lutam pacificamente (repito, pacificamente) pela independência da Catalunha? Um professor de direito não é sensível a esse facto?
Não será aliás excessiva essa crença na "eternidade" da Espanha "una"? Quantos anos durará ainda essa "eternidade"?
Na universidade de Salamanca, onde em 1936 Unamuno proferiu palavras sábias e corajosas contra Franco, só faltava agora um professor português desastradamente vir reabilitar a divisa franquista...
21 maio 2018
António Arnaut
Foi
no dia 31 de Janeiro de 1969, vai quase para 50 anos (o que o tempo
corre!…) que eu me encontrei frente a António Arnaut, no Teatro
Avenida, em Coimbra, ele no palco e eu na plateia. Nessa conhecida
casa de espectáculos, onde também tinham lugar sessões cívicas,
celebrava-se o aniversário da revolta do Porto, ocasião para a
Oposição se manifestar e exprimir as suas ideias perante um público
mais ou menos restrito (a outra ocasião era o 5 de Outubro). Entrei
com o Ricard Salvat, o encenador catalão contratado pelo CITAC com
quem me cruzei na rua e que tinha manifestado interesse em assistir
ao acto, ele que também era de um país fascista.
Tinha
falado Orlando de Carvalho. Um discurso erudito, a explorar o
conceito de res publica, cheio
de cuidados para não afrontar directamente o regime, ali com
os seus camuflados vigilantes
espalhados pela plateia, como
de costume. Veio então António Arnaut, jovem nos seus trinta e
poucos anos, refulgente de vivacidade e verve. Discursou com calor,
com palavras destemidas e vibrantes
de “insurreição”
democrática. Arrebatou a assistência. Ricard Salvat foi nesse
momento um dos seus entusiastas aclamadores, como eu, como todos os
que enchiam o recinto.
Esse
ano de 1969 foi o ano da crise académica mais importante antes da
queda do regime. Salazar já havia caído da cadeira e o regime foi
virado de cangalhas seis anos depois. António Arnaut foi um dos
protagonistas mais salientes da nova era democrática. A ele coube o
papel fundamental da criação de
um dos pilares mais emblemáticos da nossa Constituição e do
Estado Social: o Serviço Nacional de Saúde. Este tem vindo a ser
torpedeado ao longo dos anos e de múltiplas e ardilosas maneiras.
António Arnaut foi sempre uma das vozes mais insistentes no protesto
e na denúncia desse e de outros entorses à democracia. Já no fim
dos seus dias, com a doença
a atenazá-lo, arranjou ainda
forças para, com João
Semedo, do Bloco de Esquerda, propor “uma nova Lei de Bases da
Saúde para defender a Democracia”, objecto de publicação pela
Porto Editora (Outubro de 2017).
Com
ele fora de combate, resta ver o que irão fazer desse pilar da
Constituição os que, na hora ainda quente da sua memória, o
brindam com o honroso nome de “Pai do Serviço Nacional de Saúde”.
17 maio 2018
A festa do Jamor
Registo o "muito gosto" que o PM manifestou em estar presente no Jamor no final da Taça. Efetivamente o momento é de festa no futebol português e será certamente uma oportunidade a não perder a confraternização de altos representantes do Estado com dirigentes desportivos que são uma referência da ética e da psiquiatria em Portugal.
15 maio 2018
Contenção
Ouvi ontem Augusto Santos Silva muito judiciosamente opinar que o que falta no Próximo Oriente é "contenção". Contenção para os israelitas, mas também para os "radicais" palestinianos. Só com a contenção de ambas as partes se conseguirá a paz.
Portanto os "radicais" palestinianos devem continuar a tentar sobreviver na Faixa de Gaza, prisão a céu aberto sem as mínimas condições de sobrevivência, e assim merecerão a contenção de Israel, que deixará de lhes abreviar os dias "manu militari" e os deixará apodrecer pacificamente até ao último habitante.
É do mais cruel cinismo pedir às vítimas que tratem bem os algozes, na esperança que estes se condoam delas.
Portanto os "radicais" palestinianos devem continuar a tentar sobreviver na Faixa de Gaza, prisão a céu aberto sem as mínimas condições de sobrevivência, e assim merecerão a contenção de Israel, que deixará de lhes abreviar os dias "manu militari" e os deixará apodrecer pacificamente até ao último habitante.
É do mais cruel cinismo pedir às vítimas que tratem bem os algozes, na esperança que estes se condoam delas.
14 maio 2018
Eutanásia: o meu ponto de vista
Como está em fase final a discussão pública sobre a eutanásia, deixo aqui o meu ponto de vista.
1.
A inviolabilidade da vida humana,
estabelecida pelo art. 24º, nº 1, da Constituição, é essencialmente uma
garantia dos cidadãos contra o Estado, revestindo-se, nessa dimensão, de um
caráter absoluto, que é explicitado
no nº 2 do mesmo artigo.
Mas a proteção da vida
não tem sempre o mesmo grau de intensidade.
Desde logo, a vida
intra-uterina pode ser sacrificada em certos termos e situações, que a lei hoje
acolhe.
Também em certas
circunstâncias a vida pode ter que ceder perante outros valores relevantes
(legítima defesa, estado de necessidade).
A vida, individualmente
considerada, tem que ser encarada como direito,
não como dever irrenunciável. Só
considerações de ordem religiosa podem sustentar a irrenunciabilidade absoluta do direito à vida.
O direito à autodeterminação individual, que deriva
do princípio da dignidade da pessoa humana, dá cobertura ao direito a renunciar à vida.
Um direito que não é,
nem poderá ser, porém, irrestrito. Nem é isso que se pretende reivindicar.
A questão colocada pela
eutanásia, hoje, é a de salvaguardar o direito a renunciar à vida em situações extremas, quando a própria
dignidade humana está em causa.
Nenhum obstáculo de
ordem constitucional existe à consagração da eutanásia.
2.
Com efeito, o que pretendem os defensores
da despenalização da “morte assistida” é tão-só a possibilidade de antecipar ou
abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura, a seu
pedido.
A “morte assistida”
compreende duas modalidades: o “suicídio medicamente assistido”, na qual o
doente administra a si próprio o fármaco que lhe é disponibilizado, a seu
pedido, pelo médico; e a “eutanásia voluntária”, em que é o médico que, a
pedido do doente, administra o fármaco letal. Haverá sempre pedido do doente e
intervenção de um médico.
Não valerá a pena
enfatizar, mas sempre será bom lembrar, que a defesa da “morte assistida” nada
tem a ver com preocupações de ordem eugénica ou economicista, nem assenta numa
“desvalorização” da vida humana. Releva de um preconceito malévolo afirmar que
a morte assistida abre as portas à progressiva eliminação dos “mais fracos”, ou
que há interesses comerciais por detrás da proposta…
O que a “morte
assistida” afinal visa não é desvalorizar a vida, mas sim valorizá-la como bem
precioso, permitindo que a perda irreparável da dignidade da vida confira ao doente o direito de optar pela sua
cessação.
É pois a dignidade da
pessoa humana, o seu direito à autodeterminação, que está em causa. É o direito
a “morrer em paz e dignidade”, que se pretende salvaguardar, que é afinal um
dos corolários do direito à vida.
3.
Esse direito não é porém
irrestrito: a “morte assistida” não pode deixar de ser um direito invocável
apenas em situações excecionais, em
que a relevância da vontade do paciente seja fortemente sustentável em padrões objetivos.
Assim, não é o mero
“desinteresse” pela vida que pode justificar a “morte assistida”, nem sequer
quando se trate de um paciente portador de uma doença grave. É imperioso que
essa doença seja grave e irreversível,
segundo os conhecimentos atuais da medicina; e ainda que se verifique um sofrimento insuportável o paciente. Sem dúvida que aqui haverá
inevitavelmente um grau de subjetividade difícil de transpor, mas que os mesmos
conhecimentos sempre poderão matizar.
09 maio 2018
Justiça e celeridade processual
O
presidente da República tem razão, quando diz que há processos
judiciais que se eternizam e cujo desfecho será tão tardio, que não
ocorrerá nos nossos dias ou, pelo menos, que virá tão longe, que,
na altura em que tiver lugar, terá o efeito de um resultado pro
memoriam,
ou seja, apenas para ficar registado nos anais da história ou nos
arquivos dos tribunais. Estará a pensar no processo crismado com o
nome de “Operação Marquês”, pois esse é um processo com essas
características de eternização. Melhor dizendo: não é um
processo; é O Processo, designação a remeter semanticamente para o
labirinto Kafkiano. Labirinto que, neste caso, não o é só por
razões processuais, mas também por virtude da sua intrincada teia
factual. Bem poderá ficar para a história das instituições
judiciárias portuguesas como “O Processo”.
Trata-se
de um processo com características especiais, que, por isso, não
pode servir de padrão para se aferir a temporalidade média de
resolução dos processos judiciais. Não sei se a investigação,
tão alongada, poderia ter corrido mais célere, ou se o processo
poderia ter sido dividido em partes autonomizáveis, como tem
aventado muito boa gente, jurista e não jurista, sem quebra da sua
unidade intrínseca. Sei é que não é um processo como outro
qualquer. Falar de lentidão da justiça, de uma forma geral, com ele
em mente, pode não ser de bom aviso. É certo que o presidente da
República falou de outros processos, sempre sem mencionar nenhum em
especial, mas não me parece que se possa apontar assim vários
exemplos de processos mediáticos que, atendendo à sua
complexiadade, tenham demorado tanto tempo a alcançar uma decisão
em primeira instância, que foi a meta por si referida.
Se
é verdade que, em termos apriorísticos, uma justiça lenta, mais do
que o razoável, pode levar a que se façam julgamentos antecipados
na comunicação social, também se deve reconhecer que a prática
adoptada, em tempos recentes, por certos “media”, conduzindo a
julgamentos antecipados, manipulando conhecimentos e provas obtidos
directamente dos processos, passando por cima de direitos
fundamentais e de princípios estruturantes do Estado de direito
democrático, nada tem a ver com a excessiva demora dos processos
judiciais, mas sim com a tendência sensacionalista desses “media”,
a concorrência entre eles e a conquista de audiências a todo o
custo, alimentando uma das mais selváticas formas de justiça
popular.
Também
concordo que é necessário “combater” sem tréguas os designados
“crimes de colarinho branco” em geral e de corrupção, em
particular, e que isso implica uma maior celeridade nos processos,
mas temo que isso se transforme numa cruzada, a que o verbo
“combater” poderá servir de adequado mote. Sobretudo quando tal
implique mexer na Constituição e nas traves mestras do processo
penal que concretizam os seus princípios.
Se
se quer combate e rápido para proveito e exemplo, então que se
comece por cercear ou eliminar direitos e garantias criminais e,
nesse sentido,
que seja o juiz de instrução a investigar, pronunciar e julgar os
arguidos, como acontece no Brasil; que se institucionalize a inversão
do ónus da prova; que se dê satisfação a tanta ânsia de delação
(sobretudo se for premiada) e que se acabe com o princípio da
presunção de inocência do
arguido até ao trânsito em julgado da condenação.
08 maio 2018
A lentidão da justiça: modesta proposta para seu remédio, ao menos parcial
Numa longa entrevista ao "Público", o PR queixa-se da lentidão da "justiça" e lembra "outros países" em que "tem havido decisões"...
Eu acho que o PR terá ignorado o seguinte: o tempo da "justiça" não coincide com o telejornal das oito, nem com o do congresso dos partidos, é um tempo próprio, imperiosamente diverso dos tempos mediático e político. O tempo da "justiça" é um tempo necessariamente "desfasado" da emoção ou do impacto dos factos, para que a justiça seja justa. Se a "justiça" tiver a preocupação de responder prontamente às interpelações de jornalistas e políticos estará a negar-se.
Acho que deveria fazer parte da pedagogia presidencial explicar à opinião pública o inevitável e necessário desfasamento entre os diversos tempos do espaço público.
Diz o PR que "noutros países" (nem é preciso dizer quais...) "tem havido decisões". Pois é: mas em Portugal também. Só que por cá elas esbarram no emaranhado de veredas do labirinto processual, especialmente na fase de recurso...
Tenho uma modesta proposta a fazer para acelerar a "justiça" penal:
1. Abolição da instrução ou redução da mesma ao debate instrutório (não tem sentido que num processo, ainda que "mega", o prazo para requerer - apenas para requerer - a instrução seja de quase um ano!!!)
2. Execução da pena após confirmação da condenação por um tribunal superior
3. Efeito devolutivo para os recursos interpostos de condenações para o Tribunal Constitucional.
Não estou a dizer que pessoalmente concorde com esta proposta.
Apenas afirmo que assim se andava seguramente mais depressa.
E estas medidas são as que vigoram nos "tais países" virtuosos...
Eu acho que o PR terá ignorado o seguinte: o tempo da "justiça" não coincide com o telejornal das oito, nem com o do congresso dos partidos, é um tempo próprio, imperiosamente diverso dos tempos mediático e político. O tempo da "justiça" é um tempo necessariamente "desfasado" da emoção ou do impacto dos factos, para que a justiça seja justa. Se a "justiça" tiver a preocupação de responder prontamente às interpelações de jornalistas e políticos estará a negar-se.
Acho que deveria fazer parte da pedagogia presidencial explicar à opinião pública o inevitável e necessário desfasamento entre os diversos tempos do espaço público.
Diz o PR que "noutros países" (nem é preciso dizer quais...) "tem havido decisões". Pois é: mas em Portugal também. Só que por cá elas esbarram no emaranhado de veredas do labirinto processual, especialmente na fase de recurso...
Tenho uma modesta proposta a fazer para acelerar a "justiça" penal:
1. Abolição da instrução ou redução da mesma ao debate instrutório (não tem sentido que num processo, ainda que "mega", o prazo para requerer - apenas para requerer - a instrução seja de quase um ano!!!)
2. Execução da pena após confirmação da condenação por um tribunal superior
3. Efeito devolutivo para os recursos interpostos de condenações para o Tribunal Constitucional.
Não estou a dizer que pessoalmente concorde com esta proposta.
Apenas afirmo que assim se andava seguramente mais depressa.
E estas medidas são as que vigoram nos "tais países" virtuosos...
02 maio 2018
Maio de 68
O
Maio de 68 foi há cinquenta anos – meio século. Cinquenta anos é
muito tempo, neste tempo de evolução acelarada. Muita coisa
aconteceu entretanto. De tal maneira que, sob muitos aspectos,
nomeadamente no que diz respeito ao enorme salto tecnológico que foi
dado e às alterações sociais que daí advieram, é quase
impossível reconhecer neste tempo o tempo de Maio de 68.
Também
no campo político houve mudanças de tomo, bastando lembrarmo-nos da
queda do Bloco de Leste e do Muro de Berlim, ou seja, a implosão do
chamado «socialismo real», dele restando hoje, apenas, alguns
espaços geográficos que, reclamando-se do velho socialismo, não
passam de confrangedoras caricaturas dele ou de descaradas derivas
para um capitalismo de Estado, sob a disciplina férrea de um único
partido, que mantém a designação de comunista e o emblema
doutrinário do marxismo-leninismo.
Tanta
mudança, realmente, mas o que continua de pé, revigorado por aquela
implosão do «socialismo real», reinando urbi et orbi,
mostrando sem rebuço a sua natureza omnívora, é, de facto, o velho
capitalismo.
Cinqueta
anos depois, quem imaginava ter um Trump à frente dos destinos da
nação-símbolo da face imperial desse capitalismo, e ter um Putin à
frente da que foi a grande pátria do socialismo?
O
Maio de 68 mudou muita coisa? Mudou, mas não mudou as estruturas da
sociedade dentro das quais o movimento foi gerado e contra as quais
se opôs de uma forma tão radical, que parecia que elas finalmente
iriam entrar em colapso irremediável.
E
quanto aos revolucionário de Maio de 68, onde se encontram eles
hoje?
Daniel
Cohn-Bendit, o ídolo desses tempos, converteu-se à
social-democracia. Quem diria?