31 maio 2018

 

"Só 28 juízes em 2000 foram castigados no ano passado"

Esta uma notícia de 1ª página no "Público" de hoje. Aquele "só" significa sem dúvida que as expetativas punitivas do jornal foram defraudadas.
Quantos castigos serão então necessários para satisfazer o "Público"? Cem, duzentos, quinhentos? Mais, menos?

28 maio 2018

 

A propósito da eutanásia



São abomináveis os argumentos terroristas, do estilo de que a despenalização da antecipação da morte em casos extremos, em circunstâncias bem delimitadas legalmente, a pedido reiterado da própria pessoa que está em sofrimento e não tem outra saída que não seja arrastar-se em sofrimento até ao último suspiro, corresponde a uma espécie de licença para matar. Esse tipo de argumento é o mesmo que vimos ser utilizado a propósito do aborto, quando alguns pretensos defensores da vida o equiparavam ao holocausto e às câmaras de gás.
Há muita gente que considera que a vida é um dom, uma coisa sagrada, em cujo princípio e fim ninguém pode ou deve interferir, nem (para uma grande parte desses) o próprio, e eu digo que respeito essas convicções tributárias de uma concepção religiosa, mas ninguém tem o direito de impô-las a outras pessoas que têm outras concepções. No fundo, o que está em causa é uma extensão do princípio da autonomia humana à decisão sobre o termo da sua própria vida.
Claro que, no caso da eutanásia, isso implica a intervenção de terceiros (ou na ministração da substância letal, ou na ajuda ao suicídio) e tal intervenção complica tudo, mas, por isso mesmo, é que se exige uma lei que regule e imponha limites muito apertados, contemplando situações excepcionais devidamente tipificadas, e não só excepcionais, mas extremas ou irremediáveis, em termos de não existência de uma qualquer esperança na alteração do estado patológico e de sofrimento.
Uma tal consideração da eutanásia, enquanto conduzindo a uma descriminalização ou despenalização das condutas que reunam os exigentes pressupostos legais, não me repugna. Por um lado, respeita-se a autonomia do paciente que se encontra em grande e irremediável sofrimento; respeita-se a sua plena e sagrada esfera de decisão pessoal, não em nome da morte, mas de uma vida digna; por outro, não se força nenhum profissional a ter de renunciar a princípios que tenha como de exigência ética impostergável, visto que só intervém quem em sua consciência se sinta confortável e seriamente movido por um motivo altruísta.
Argumenta-se que a ciência tem evoluído no sentido de aumentar a esperança de vida e de encontrar formas para atenuar ou mesmo anular a dor. Porém, em primeiro lugar, o aumento da esperança de vida nada tem a ver com o problema em causa e, em segundo lugar, os meios paliativos não excluem a existência de situações que possam reclamar-se da eutanásia.
Numa das minhas crónicas no Jornal de Notícias, datada de 12 de Março de 1998, referi o caso do galego João Sampedro que, havia 29 anos deitado num leito não conseguia mover senão a cabeça, devido ao seu estado tetraplégico, reclamando insistentemente que o deixassem morrer, sem que lhe dessem ouvidos, até que a alma caridosa de uma amiga, mantida no anonimato até ficar fora da alçada da lei penal, colocou na esfera da sua disponibilidade um copo com uma bebida mortal, munido de uma palhinha. Sampedro gravou uma mensagem em vídeo a dizer que era sua a decisão de beber o líquido que o libertaria daquele sofrimento insuportável e que se encontrava ao seu lado. Após tal declaração, ingeriu o líquido e morreu. As autoridades abriram um processo penal para descobrirem a pessoa responsável pela colocação da beberagem mortal ao lado de Sampedro. Isto não parece sadismo legal?

O Partido Comunista vota contra as leis que despenalizam esse tipo de comportamento e que vão a votação no Parlamento. Admito que a questão é uma questão de consciência com alguma dificuldade, mas para o PC não é, pelos vistos, uma questão de consciência individual; é uma queso de obediência partidária. Ou seja, é um dogma, ainda que apresentado sob roupagem científica.

27 maio 2018

 

O PCP e a eutanásia

Foi com surpresa e até uma certa indignação que vi a posição oficial do PCP sobre a eutanásia, tão próxima afinal das mais conservadoras e católicas que foram produzidas publicamente...
A "defesa da vida" em termos tão amplos como justificação da interdição da eutanásia arrastaria igualmente a da IVG, que foi sempre um estandarte do PCP...
Por outro lado, confiar no "progresso da medicina" como "remédio" substitutivo da eutanásia é desfocar completamente a questão, que não é técnico-científica, mas ética: saber se a vida pode ser imposta pelo Estado aos cidadãos em certas hipóteses extremas.
Não admite o PCP que existe um círculo irredutível de autodeterminação pessoal?
Em nome de que valores poderá ser negado? Que transcendência pode ser invocada?

 

O futebol e os media

Há muito que o futebol conquistou o espaço mediático em Portugal, a ponto de se ter tornado num dos assuntos mais relevantes do dia-a-dia da comunicação social (não digo toda, mas quase toda), ocupando noticiários e telejornais, transmissão e relato de jogos, entrevistas, comentários e sei lá mais o quê.
A relevância conferida a tal assunto não se mede só pelo espaço que lhe é concedido, mas também pelo destaque que se lhe dá na ordem de apresentação dos noticiários e telejornais. É frequente os telejornais abrirem com imagens do futebol e ocuparem um grande espaço do noticiário, antes de qualquer outra notícia relevante a nível nacional ou internacional. Também é frequente as televisões inserirem notícias do futebol a meio dos telejornais.
Isto significa que, a nível da comunicação social e, sobretudo dos meios audiovisuais, o futebol tem vindo a ganhar tanta relevância como qualquer outro facto noticiável de carácter social, político ou económico, de projecção nacional ou internacional. No plano axiológico, é a imposição de uma escala horizontal de “valores de notícia” (chamemos-lhe assim), em que tudo se equivale, podendo a notícia de um acontecimento do mundo do futebol aparecer ao lado de uma notícia de um tremor de terra que tenha devastado uma grande quantidade de pessoas, ou de um acontecimento bélico, ou ainda de um crime de grande impacto, etc.
Em determinadas situações, o futebol até pode ser catapultado, como vimos, para a cabeça dos noticiários e telejornais, ficando à frente de qualquer outro facto, mesmo que este tenha grande relevo social ou político. Tudo isto porque o futebol passou a estar, estruturalmente, ao mesmo nível que qualquer outro acontecimento noticiável, dependendo apenas a sua localização no noticiário de um determinado dia de razões conjunturais, ou então de razões que relevam do arbítrio de quem tem a direcção da informação. Aos fins-de-semana, então, as televisões ocupam uma grande parte do seu tempo com o futebol, tornando-se difícil, a determinadas horas, encontrar, entre a multidão de canais com que as empresas de telecomunicações nos aliciam para sermos seus clientes, um canal que esteja a transmitir uma programação diferente. O mesmo se passa com algumas emissoras (públicas) de rádio, que desarticulam o seu programa habitual de noticiários para darem primazia aos programas futebolísticos.
Não se trata de promoção do desporto, mas pura e simplesmente da promoção do futebol, visto que os outros acontecimentos desportivos não têm a mesma equivalência (e, aliás, o futebol pouco tem já de desportivismo, se é que tem alguma coisa ainda).
Nem no tempo da ditadura, em que se dizia que o futebol era uma das grandes fontes de “alienação” colectiva alimentadas pelo regime, ele alcançou uma tal obsessão mediática. É certo que o futebol adquiriu uma dimensão europeia e global que não tinha há décadas atrás e esse facto fez proliferar as competições e os jogos, acentuando o carácter popular e de massa do fenómeno futebolístico. Porém, os órgãos de comunicação social, em especial os meios audiovisuais com destaque para as televisões, têm contribuído para essa acentuação com o relevo que lhe têm dado em todas as vertentes, desde a transmissão dos jogos, mesmo de competições onde não entram equipas nacionais, até ao blá-blá televisivo e radiofónico, com os inevitáveis comentadores a disputarem protagonismo aos mais graves comentadores de temas económicos, sociais, políticos e culturais.
O futebol tem, pois, vindo a tornar-se no grande factor de “alienação” da nossa sociedade democrática. “Alienação” no sentido de que uma tal projecção do futebol, incentivada pelos “media”, conduz a uma inversão de valores e de prioridades, considerando-se o futebol como a verdadeira causa de promoção social e colectiva (veja-se o desempenho do futebol na questão da importância das cidades, vilas, aldeias, e a sua ligação perigosa à política autárquica), e conduz ou pode conduzir a uma exacerbação do irracionalismo clubista e, em certos casos, à consideração do futebol como uma entidade transcendente, ocupando o lugar do sagrado, como se fosse uma religião.


Nota: Fui elaborando este texto, mais apropriado para um artigo de jornal, em vários dias da semana que passou, incentivado pelos acontecimentos do Sporting e do final da taça, mas fi-lo sempre aos “bochechos”, no meio de múltiplas solicitações e saídas do local da minha residência. Entretanto, o constitucionalista Jorge Miranda e o articulista António Guerreiro publicaram excelentes artigos no Público (o Guerreiro, no suplemento “Ípsilon”) sobre o mesmo assunto. O meu tem preocupações similares, embora divirja na forma e no conteúdo (e na riqueza das ideias), sobretudo em relação ao segundo.




22 maio 2018

 

Espanha una e eterna

O que é que pode ter levado um professor de direito e também Presidente da República de Portugal a proferir uma saudação tão espanholista, melhor castelhanista, tão parecida com a proclamação franquista de Espanha como "una, grande y libre"?
Ignora o PR de Portugal que neste momento estão presos vários dirigentes catalães, acusados dos piores crimes do CP, simplesmente porque lutam pacificamente (repito, pacificamente) pela independência da Catalunha? Um professor de direito não é sensível a esse facto?
Não será aliás excessiva essa crença na "eternidade" da Espanha "una"? Quantos anos durará ainda essa "eternidade"?
Na universidade de Salamanca, onde em 1936 Unamuno proferiu palavras sábias e corajosas contra Franco, só faltava agora um professor português desastradamente vir reabilitar a divisa franquista...

21 maio 2018

 

António Arnaut

Foi no dia 31 de Janeiro de 1969, vai quase para 50 anos (o que o tempo corre!…) que eu me encontrei frente a António Arnaut, no Teatro Avenida, em Coimbra, ele no palco e eu na plateia. Nessa conhecida casa de espectáculos, onde também tinham lugar sessões cívicas, celebrava-se o aniversário da revolta do Porto, ocasião para a Oposição se manifestar e exprimir as suas ideias perante um público mais ou menos restrito (a outra ocasião era o 5 de Outubro). Entrei com o Ricard Salvat, o encenador catalão contratado pelo CITAC com quem me cruzei na rua e que tinha manifestado interesse em assistir ao acto, ele que também era de um país fascista.
Tinha falado Orlando de Carvalho. Um discurso erudito, a explorar o conceito de res publica, cheio de cuidados para não afrontar directamente o regime, ali com os seus camuflados vigilantes espalhados pela plateia, como de costume. Veio então António Arnaut, jovem nos seus trinta e poucos anos, refulgente de vivacidade e verve. Discursou com calor, com palavras destemidas e vibrantes de “insurreição” democrática. Arrebatou a assistência. Ricard Salvat foi nesse momento um dos seus entusiastas aclamadores, como eu, como todos os que enchiam o recinto.
Esse ano de 1969 foi o ano da crise académica mais importante antes da queda do regime. Salazar já havia caído da cadeira e o regime foi virado de cangalhas seis anos depois. António Arnaut foi um dos protagonistas mais salientes da nova era democrática. A ele coube o papel fundamental da criação de um dos pilares mais emblemáticos da nossa Constituição e do Estado Social: o Serviço Nacional de Saúde. Este tem vindo a ser torpedeado ao longo dos anos e de múltiplas e ardilosas maneiras. António Arnaut foi sempre uma das vozes mais insistentes no protesto e na denúncia desse e de outros entorses à democracia. Já no fim dos seus dias, com a doença a atenazá-lo, arranjou ainda forças para, com João Semedo, do Bloco de Esquerda, propor “uma nova Lei de Bases da Saúde para defender a Democracia”, objecto de publicação pela Porto Editora (Outubro de 2017).

Com ele fora de combate, resta ver o que irão fazer desse pilar da Constituição os que, na hora ainda quente da sua memória, o brindam com o honroso nome de “Pai do Serviço Nacional de Saúde”.

17 maio 2018

 

A festa do Jamor

Registo o "muito gosto" que o PM manifestou em estar presente no Jamor no final da Taça. Efetivamente o momento é de festa no futebol português e será certamente uma oportunidade a não perder a confraternização de altos representantes do Estado com dirigentes desportivos que são uma referência da ética e da psiquiatria em Portugal.

15 maio 2018

 

Contenção

Ouvi ontem Augusto Santos Silva muito judiciosamente opinar que o que falta no Próximo Oriente é "contenção". Contenção para os israelitas, mas também para os "radicais" palestinianos. Só com a contenção de ambas as partes se conseguirá a paz.
Portanto os "radicais" palestinianos devem continuar a tentar sobreviver na Faixa de Gaza, prisão a céu aberto sem as mínimas condições de sobrevivência, e assim merecerão a contenção de Israel, que deixará de lhes abreviar os dias "manu militari" e os deixará apodrecer pacificamente até ao último habitante.
É do mais cruel cinismo pedir às vítimas que tratem bem os algozes, na esperança que estes se condoam delas.

14 maio 2018

 

Eutanásia: o meu ponto de vista

Como está em fase final a discussão pública sobre a eutanásia, deixo aqui o meu ponto de vista.


1.                  A inviolabilidade da vida humana, estabelecida pelo art. 24º, nº 1, da Constituição, é essencialmente uma garantia dos cidadãos contra o Estado, revestindo-se, nessa dimensão, de um caráter absoluto, que é explicitado no nº 2 do mesmo artigo.
Mas a proteção da vida não tem sempre o mesmo grau de intensidade.
Desde logo, a vida intra-uterina pode ser sacrificada em certos termos e situações, que a lei hoje acolhe.
Também em certas circunstâncias a vida pode ter que ceder perante outros valores relevantes (legítima defesa, estado de necessidade).
A vida, individualmente considerada, tem que ser encarada como direito, não como dever irrenunciável. Só considerações de ordem religiosa podem sustentar a irrenunciabilidade absoluta do direito à vida.
O direito à autodeterminação individual, que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana, dá cobertura ao direito a renunciar à vida.
Um direito que não é, nem poderá ser, porém, irrestrito. Nem é isso que se pretende reivindicar.
A questão colocada pela eutanásia, hoje, é a de salvaguardar o direito a renunciar à vida em situações extremas, quando a própria dignidade humana está em causa.
Nenhum obstáculo de ordem constitucional existe à consagração da eutanásia.

2.                  Com efeito, o que pretendem os defensores da despenalização da “morte assistida” é tão-só a possibilidade de antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura, a seu pedido.
A “morte assistida” compreende duas modalidades: o “suicídio medicamente assistido”, na qual o doente administra a si próprio o fármaco que lhe é disponibilizado, a seu pedido, pelo médico; e a “eutanásia voluntária”, em que é o médico que, a pedido do doente, administra o fármaco letal. Haverá sempre pedido do doente e intervenção de um médico.
Não valerá a pena enfatizar, mas sempre será bom lembrar, que a defesa da “morte assistida” nada tem a ver com preocupações de ordem eugénica ou economicista, nem assenta numa “desvalorização” da vida humana. Releva de um preconceito malévolo afirmar que a morte assistida abre as portas à progressiva eliminação dos “mais fracos”, ou que há interesses comerciais por detrás da proposta…
O que a “morte assistida” afinal visa não é desvalorizar a vida, mas sim valorizá-la como bem precioso, permitindo que a perda irreparável da dignidade da vida confira ao doente o direito de optar pela sua cessação.
É pois a dignidade da pessoa humana, o seu direito à autodeterminação, que está em causa. É o direito a “morrer em paz e dignidade”, que se pretende salvaguardar, que é afinal um dos corolários do direito à vida.

3.                  Esse direito não é porém irrestrito: a “morte assistida” não pode deixar de ser um direito invocável apenas em situações excecionais, em que a relevância da vontade do paciente seja fortemente sustentável em padrões objetivos.
Assim, não é o mero “desinteresse” pela vida que pode justificar a “morte assistida”, nem sequer quando se trate de um paciente portador de uma doença grave. É imperioso que essa doença seja grave e irreversível, segundo os conhecimentos atuais da medicina; e ainda que se verifique um sofrimento insuportável o paciente. Sem dúvida que aqui haverá inevitavelmente um grau de subjetividade difícil de transpor, mas que os mesmos conhecimentos sempre poderão matizar.



09 maio 2018

 

Justiça e celeridade processual

O presidente da República tem razão, quando diz que há processos judiciais que se eternizam e cujo desfecho será tão tardio, que não ocorrerá nos nossos dias ou, pelo menos, que virá tão longe, que, na altura em que tiver lugar, terá o efeito de um resultado pro memoriam, ou seja, apenas para ficar registado nos anais da história ou nos arquivos dos tribunais. Estará a pensar no processo crismado com o nome de “Operação Marquês”, pois esse é um processo com essas características de eternização. Melhor dizendo: não é um processo; é O Processo, designação a remeter semanticamente para o labirinto Kafkiano. Labirinto que, neste caso, não o é só por razões processuais, mas também por virtude da sua intrincada teia factual. Bem poderá ficar para a história das instituições judiciárias portuguesas como “O Processo”.
Trata-se de um processo com características especiais, que, por isso, não pode servir de padrão para se aferir a temporalidade média de resolução dos processos judiciais. Não sei se a investigação, tão alongada, poderia ter corrido mais célere, ou se o processo poderia ter sido dividido em partes autonomizáveis, como tem aventado muito boa gente, jurista e não jurista, sem quebra da sua unidade intrínseca. Sei é que não é um processo como outro qualquer. Falar de lentidão da justiça, de uma forma geral, com ele em mente, pode não ser de bom aviso. É certo que o presidente da República falou de outros processos, sempre sem mencionar nenhum em especial, mas não me parece que se possa apontar assim vários exemplos de processos mediáticos que, atendendo à sua complexiadade, tenham demorado tanto tempo a alcançar uma decisão em primeira instância, que foi a meta por si referida.
Se é verdade que, em termos apriorísticos, uma justiça lenta, mais do que o razoável, pode levar a que se façam julgamentos antecipados na comunicação social, também se deve reconhecer que a prática adoptada, em tempos recentes, por certos “media”, conduzindo a julgamentos antecipados, manipulando conhecimentos e provas obtidos directamente dos processos, passando por cima de direitos fundamentais e de princípios estruturantes do Estado de direito democrático, nada tem a ver com a excessiva demora dos processos judiciais, mas sim com a tendência sensacionalista desses “media”, a concorrência entre eles e a conquista de audiências a todo o custo, alimentando uma das mais selváticas formas de justiça popular.
Também concordo que é necessário “combater” sem tréguas os designados “crimes de colarinho branco” em geral e de corrupção, em particular, e que isso implica uma maior celeridade nos processos, mas temo que isso se transforme numa cruzada, a que o verbo “combater” poderá servir de adequado mote. Sobretudo quando tal implique mexer na Constituição e nas traves mestras do processo penal que concretizam os seus princípios.
Se se quer combate e rápido para proveito e exemplo, então que se comece por cercear ou eliminar direitos e garantias criminais e, nesse sentido, que seja o juiz de instrução a investigar, pronunciar e julgar os arguidos, como acontece no Brasil; que se institucionalize a inversão do ónus da prova; que se dê satisfação a tanta ânsia de delação (sobretudo se for premiada) e que se acabe com o princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da condenação.




08 maio 2018

 

A lentidão da justiça: modesta proposta para seu remédio, ao menos parcial

Numa longa entrevista ao "Público", o PR queixa-se da lentidão da "justiça" e lembra "outros países" em que "tem havido decisões"...
Eu acho que o PR terá ignorado o seguinte: o tempo da "justiça" não coincide com o telejornal das oito, nem com o do congresso dos partidos, é um tempo próprio, imperiosamente diverso dos tempos mediático e político. O tempo da "justiça" é um tempo necessariamente "desfasado" da emoção ou do impacto dos factos, para que a justiça seja justa. Se a "justiça" tiver a preocupação de responder prontamente às interpelações de jornalistas e políticos estará a negar-se.
Acho que deveria fazer parte da pedagogia presidencial explicar à opinião pública o inevitável e necessário desfasamento entre os diversos tempos do espaço público.
Diz o PR que "noutros países" (nem é preciso dizer quais...) "tem havido decisões". Pois é: mas em Portugal também. Só que por cá elas esbarram no emaranhado de veredas do labirinto processual, especialmente na fase de recurso...
Tenho uma modesta proposta a fazer para acelerar a "justiça" penal:
1. Abolição da instrução ou redução da mesma ao debate instrutório (não tem sentido que num processo, ainda que "mega", o prazo para requerer - apenas para requerer - a instrução seja de quase um ano!!!)
2. Execução da pena após confirmação da condenação por um tribunal superior
3. Efeito devolutivo para os recursos interpostos de condenações para o Tribunal Constitucional.
Não estou a dizer que pessoalmente concorde com esta proposta.
Apenas afirmo que assim se andava seguramente mais depressa.
E estas medidas são as que vigoram nos "tais países" virtuosos...

02 maio 2018

 

Maio de 68



O Maio de 68 foi há cinquenta anos – meio século. Cinquenta anos é muito tempo, neste tempo de evolução acelarada. Muita coisa aconteceu entretanto. De tal maneira que, sob muitos aspectos, nomeadamente no que diz respeito ao enorme salto tecnológico que foi dado e às alterações sociais que daí advieram, é quase impossível reconhecer neste tempo o tempo de Maio de 68.
Também no campo político houve mudanças de tomo, bastando lembrarmo-nos da queda do Bloco de Leste e do Muro de Berlim, ou seja, a implosão do chamado «socialismo real», dele restando hoje, apenas, alguns espaços geográficos que, reclamando-se do velho socialismo, não passam de confrangedoras caricaturas dele ou de descaradas derivas para um capitalismo de Estado, sob a disciplina férrea de um único partido, que mantém a designação de comunista e o emblema doutrinário do marxismo-leninismo.
Tanta mudança, realmente, mas o que continua de pé, revigorado por aquela implosão do «socialismo real», reinando urbi et orbi, mostrando sem rebuço a sua natureza omnívora, é, de facto, o velho capitalismo.
Cinqueta anos depois, quem imaginava ter um Trump à frente dos destinos da nação-símbolo da face imperial desse capitalismo, e ter um Putin à frente da que foi a grande pátria do socialismo?
O Maio de 68 mudou muita coisa? Mudou, mas não mudou as estruturas da sociedade dentro das quais o movimento foi gerado e contra as quais se opôs de uma forma tão radical, que parecia que elas finalmente iriam entrar em colapso irremediável.
E quanto aos revolucionário de Maio de 68, onde se encontram eles hoje?

Daniel Cohn-Bendit, o ídolo desses tempos, converteu-se à social-democracia. Quem diria? 

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