04 março 2019
A justiça e a comunicação social
A
comunicação social interessa-se pouco pela justiça. Só traz a
lume casos que real ou aparentemente desbordam dos limites tidos
como conformes a uma resolução correcta e justa dos litígios.
Normalmente, casos criminais (não há dúvida que os juízes do
crime têm mais esse incómodo a suportar no seu quotidiano, para
além de outros geradores de grande ansiedade). Casos sobretudo
relacionados com certas áreas sensíveis, ou que se vão tornando
sensíveis na sociedade e que, muitas vezes, têm os seus lóbis
atentos ao que se vai decidindo.
Porém,
se pode haver razões para um “alarme” nos “media” a
propósito deste ou daquele caso, o que nem sempre acontece,
normalmente a informação é deficiente e truncada, quando não
distorcida, e a discussão pública que despoleta, com a grande
ressonãncia nas “redes sociais”, é quase sempre míope,
ignorante, descambando com frequência no linchamento. Discute-se sem
as mínimas bases de seriedade. Mesmo pessoas que terriam a obrigação
de se informarem devidamente, para discutirem com conhecimento de
causa, caem frequentemente no erro de considerarem como fonte
primária indiscutível o que leram ou ouviram nos “media”.
Uma
das consequências extremamente negativas do comportamento lacunar
dos “media”, limitando-se a difundir casos pontuais susceptíveis
de causar algum alarme na opinião pública e, mesmo assim, com as
deficiências apontadas, é gerar uma falsa percepção do
funcionamento da justiça. A partir de dois ou três casos,
avolumados pela comunicação social, fazem-se generalizações
indevidas, criando-se uma imagem geral do funcionamento da justiça
pouco ou nada abonatória. Pessoas com responsabilidade política e
social caem nesse logro. Daí a nada, cada qual dá a sua sentença:
é a justiça que funciona mal; são os juízes que precisam de mais
formação nesta ou naquela área; é necessário criar tribunais
especiais, etc, etc, etc… Até já há houve quem, tão democrata
de formação, viesse pôr em causa a independência dos juízes. E,
às vezes, parece que não há forma de inverter esta errada
percepção das coisas da justiça. Formou-se o preconceito e age-se
em função dele. Por exemplo, na abertura do ano judicial, a
comunicação social, de uma forma generalizada, depreciou o discurso
do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não ligando
absolutamente nada ao esforço que ele fez para cimentar em números
as suas considerações sobre a melhoria que se vem verificando no
funcionamento da justiça, relegando-o para a minoria corporativa e
desprezível dos discursos que vão contra a corrente geral. Não
encaixava no estereótipo. Em contrapartida, com pouca seriedade,
enfaixou os discursos dos convidados de fora (presidente da
República, presidente da Assembleia da República, bastonário da
Ordem dos Advogados) na costumeira diatribe contra o mau
funcionamento da justiça, pegando numa ou noutra frase, desgarrada
do contexto, que aparentava soar de acordo com essa toada geral.
Por
isso, acho uma boa ideia a da Associação Sindical de Juízes que
entendeu levar a cabo um estudo sério e rigoroso, por pessoas
competentes, sobre aspectos onde mais tem incidido a crítica feita
nos “media”. Essa é uma boa ideia. Já me parece uma infeliz
ideia a da mesma Associação, que entendeu comemorar o dia
internacional da mulher com um workshop sobre maquilhagem. Não
é que o tema não mereça seriedade. Trataram-no grandes feministas,
como Simone de Beauvoir, mas é, a meu ver, inoportuno e, nesta
altura, parece frívolo.