24 fevereiro 2015
Excesso por excesso
Não há dúvida que,
depois da atitude da Grécia, as coisas nunca mais voltarão a ser na mesma na
União Europeia. A ela há-de caber o mérito, ao menos, de ter tido a ousadia de
abalar o que tenho chamado de “O Muro de Berlim”. E isso há-de dar frutos, como,
aliás já está a dar. Não só em relação a ela (Grécia), mas em relação a todos os países periféricos da
União e mesmo em relação à democracia dentro dela. Já é um grande mérito que se
critique de forma tão aberta a célebre troika e que o presidente da Comissão Europeia
tenha vindo falar de “pecado contra a dignidade dos povos grego, português e
irlandês”, no tempo em que Durão Barroso foi presidente da mesma Comissão.
É claro que isto não
podia ser reconhecido por quem, não só esteve consonante em quase tudo com as
medidas da troika, como as aplicou ainda com maior rigor. Esta ironia com que a
História vai tecendo contraditoriamente os seus fios tinha fatalmente de ser
recusada por esses.
Também o papel
desempenhado pelos representantes portugueses na reunião do Eurogrupo vai sendo
vergastada duramente mesmo por personalidades que se situam no mesmo campo ideológico daqueles.
Na verdade, o excesso que se viu ali, na aplicação das medidas da troika, não
podia deixar de ter o seu equivalente neste excesso de identificação com o manda-chuva
germânico das finanças europeias.
21 fevereiro 2015
Grécia: a vitória possível
O acordo arrancado pela Grécia ao Eurogrupo (quer dizer, à Alemanha) não foi uma vitória rotunda, nem poderia sê-lo. Mas, além de vários aspetos importantes do ponto de vista financeiro, a vitória principal terá sido de ordem política: ter a Grécia assumido (e imposto esse reconhecimento) o papel de parceiro nas negociações, e não de mero objeto dos ditames do Eurogrupo (ou seja...) e da fiscalização dos funcionários da troika... O velho abutre teutónico, encarrapitado no seu poleiro de rodas, bem agitou as suas asas sinistras, indignado com a falta de respeito dos (destes) gregos, ainda agora chegados e já perturbando a tranquilidade e a ordem pacífica na gaiola. Ele não vai desistir de dar bicadas cortantes nos recém-chegados. Para isso tem o apoio da pequena falcoaria ibérica e outras aves de pequeno porte, mas mau íntimo, e beneficia da passividade ou temor de outras espécies, outrora com melhor estatuto, mas ultimamente muito depenadas. Uma coisa é certa: a guerra está instalada na capoeira, acabou a "pax germanica".
É tudo um "supônhamos"...
Muito badalado tem sido um artigo publicado por uma advogada no Boletim da respetiva Ordem, onde "denuncia" uma série de irregularidades num processo pendente e famoso, embora não citado diretamente. Aliás, a própria "denúncia" também não é direta, é feita sob a fórmula de "suponhamos que...", uma estranha forma de intervenção para quem quer alertar a opinião pública para as referidas irregularidades processuais. Mas o procedimento não parece o mais adequado para atingir esse fim. Em primeiro lugar, as nulidades e irregulqaridades processuais arguem-se em sede própria, ou seja, no processo onde foram cometidas, e não no Boletim da Ordem. Em segundo lugar, quando se quer apenas alertar a opinião pública, assume-se uma posição frontal e transparente, sem subterfúgios retóricos como o da mera "suposição" da verificação da situação denunciada. Passou-se ou não se passou? Concretamente o quê? Que reação foi assumida por parte dos lesados? O que se seguiu? Transparência, sim! Charadas, não!
18 fevereiro 2015
Luísa Dacosta
Li há poucos momentos atrás que
Luísa Dacosta tinha falecido e tinha sido cremada hoje no crematório de
Matosinhos.
Fiquei sinceramente consternado.
Há coisa de dois anos, com o meu hábito de entremear o trabalho com pequenos
textos, li um livro dela que aguardou na estante durante bastante tempo, até chegar
a sua vez de ser lido. É um diário com muitas lacunas temporais, embora mantido
durante anos a fio. Chama-se Na Água Do
Tempo. É um livro de elegantíssima e de muito vernácula prosa. E não só: é
um livro de prosa poética. Proporcionou-me tão agradáveis e felizes momentos,
que quis que a sua água límpida, fresca e rejuvenescedora manasse
indefinidamente.
Parece impossível como há tantos tesouros
escondidos em pequenos livros e pequenos textos (refiro-me apenas ao formato),
que não merecem os favores do público, moldado pelo markting para aceitar determinados géneros literários (ou nem
tanto) que primam sobretudo pela extensão, cada vez mais desalmada e mais em
desarmonia com o nosso tempo acelerado, e não necessariamente mais portadores
de beleza e de emoção estética.
Desejei ardentemente encontrar a
escritora (afinal, quase minha vizinha e com a qual já emparceirei, nos
primeiros anos da década de 80, num seminário sobre liberdade de imprensa que
se realizou na Casa da Imprensa, em Lisboa) e ter a oportunidade de lhe agradecer
os suavíssimos momentos com que me ajudou a suportar as agruras de um trabalho
muitas vezes árido. Faleceu sem que o destino nos tivesse proporcionado esse,
por certo, gratificante encontro para nós ambos.
A outra face da inflexibilidade
Estou inteiramente de acordo com
o Maia Costa, quando defende que a Maioria tem um programa político-ideológico
que tem vindo a executar à risca e que quer levar o mais longe possível até às
eleições e a um ponto de não retorno. Esse programa, que encontrou um
formidável pretexto na “crise” e um oportuno instrumento na política de austeridade,
que, aliás, começou por ser levada mais longe do que os objectivos da própria
troika, é o programa da direita portuguesa mais retrógrada. Há gente normalmente
conotada com a direita e, sobretudo com o
centro-direita, que não se revê nesta política e tem mesmo criticado, por vezes
de forma surpreendente, as soluções que têm sido levadas a cabo, inclusive sem cobertura no programa eleitoral que foi
apresentado ao eleitorado. Muitas dessas pessoas criticam também a excessiva
submissão dos nossos responsáveis políticos às directrizes de Berlim e de
Bruxelas (“mais Merkelianos do que a própria Merkel”, dizia, há dias, Bagão
Félix, ou “mais troikistas, do que a troika”, como também dizem alguns desses críticos), pois a política
prevalecente actualmente a nivel europeu também é radical de direita.
O encarniçamento dos nossos
responsáveis políticos contra a Grécia é evidente que assenta nesses postulados
ideológicos, mas também esconde o pânico que se apossou deles (e não só deles,
mas também dos mentores europeus que têm aplicado a receita da austeridade), ao
aperceberem-se de que as coisas poderiam mudar, pondo em causa a política
seguida. E, como os resultados dessa política têm sido muito fracos em toda a
parte onde tem sido aplicada, eles fazem tudo por hostilizar a Grécia actual e
mostrar uma face de inflexibilidade, que não é senão o medo da sua própria
fragilidade.
13 fevereiro 2015
A "teimosia" de Passos Coelho
Porque está o governo português "teimosamente" contra as propostas do novo governo grego? Para mim é simples: não é (apenas) por submissão a Berlim, é sobretudo por opção político-ideológica. Na verdade, do que se trata é de completar e consolidar o programa de "reformas", ou seja, o desmantelamento do estado social, de que a austeridade é o instrumento. Esta é a oportunidade única para a direira portuguesa levar até ao fim esse programa. Para já segue-se a venda da TAP, e por aí fora... Há que acelerar até às eleições... Negociar com a Grécia seria pôr em causa o caminho seguido, admitir que há outras soluções para a "crise", que não a austeridade, seria admitir o fracasso e renunciar a todo o programa político e ideológico que este governo vem seguindo à risca desde o princípio. Por isso, o governo português é dos mais "intransigentes". Mas pode acontecer que até Merkel venha a ter que recuar um pouco. E, por pouco que seja, o que acontecerá ao pobre do Passos?
A austeridade absurda
Os responsáveis políticos do
nosso país continuam a emitir declarações lamentáveis sobre as pretensões da
Grécia. Dá a impressão que o país, na boca deles, é um valentaço, de crista
levantada, a bazofiar a sua inexistente fortaleza. Coitado do país! Ainda mal
se levanta do chão onde o prostraram, e já há quem, por ele, queira fazer
figura de reinação sobre aqueles que julga mais fracos.
Não sei qual foi, até aqui, o
nosso feito. Temos pobreza, desemprego, forte emigração, maior dívida, poucas
perspectivas de sairmos da cepa torta de uma economia atrasada e já vendemos praticamente
todo o património, restando ainda algum de eminente alcance estratégico, como a
TAP, que está em vias de ir por água abaixo, apesar do repúdio de muita gente
com prestígio.
Sim, o que é que significa esse ar
emproado em relação à Grécia? Significa uma coisa: fraqueza que se quer
disfarçar com o bater o pé e o engrossamento da voz. Mas não adianta, porque,
como estou convencido, vai ser por via da Grécia que a austeridade absurda que
nos tem sido imposta interna e externamente vai ser desmascarada.
04 fevereiro 2015
O recuo
Em Portugal, os
políticos ligados à maioria andam em pulgas, por causa do Syriza. Um tanto
identificam o partido grego com a extrema esquerda, confundindo esta com
radicalismo e ignorando que, na situação actual, mesmo os partidos radicais,
não vão além da social-democracia – um ideário que, para um neoliberal, deve
ser de extrema esquerda - e outro tanto falam de recuo a propósito das posições
que os dirigentes do Syriza têm assumido.
O mote do recuo serve,
aliás, de leitmotiv a todos os
discursos dessa maioria. Até faz impressão. Talvez o que eles queiram, no
fundo, é esconder o seu próprio recuo. Este parece inevitável, face ao êxito
que parece adivinhar-se na campanha de sensibilização do Syriza. Há várias portas
que têm sido abertas e uma coisa parece certa: as coisas na Europa vão
modificar-se, por empenho do partido ganhador da Grécia. A austeridade vai ter
que ser inflectida e as condições de pagamento das dívidas públicas vão ter que
ser encaradas de outro modo. Até o presidente Obama se ofereceu para propiciar
um entendimento entre o Syriza e as instituições europeias, e permitiu-se
criticar a política de austeridade que tem sido adoptada, aconselhando a taxar
as maiores fortunas.
Assim, é a política da
maioria que está em vias de ser posta em causa, não só dentro do país, como tem
sido, mas agora também a nível da própria Europa. É uma derrota colossal. É
dizer que a política seguida foi totalmente errada.
É isso, provavelmente,
que eles querem encobrir.
01 fevereiro 2015
As ondas de choque do sismo da Grécia
A eleição do Syriza já
começou a produzir efeitos, tanto à esquerda, como à direita. Para uns, é a
abertura de uma passagem, ainda tacteante e incerta, mas cheia de esperança, no
espaço monolítico da União Europeia. É ver as ondas de entusiasmo que se
sucederam em diversos países, com manifestações grandiosas de afirmação de outras
alternativas à política de asfixia dos povos subjugados ao diktat alemão, como sucedeu em Espanha; para outros, é o espectro terrível
que vem ameaçar o programa ideológico que os governos dos países dominantes na União
Europeia, com destaque para a Alemanha, e com a ajuda do FMI, se propunham
levar a cabo, sacrificando sobretudo assalariados, pensionistas e classes
médias, em prol de uma Europa retintamente capitalista.
A sanha destes últimos
é indisfarçável. Veja-se o Sr. Schauble, a mover-se na sua cadeira de rodas e a
vociferar que «é difícil chantagearem-nos». Veja-se Rajoy, em Espanha, ante a
gigantesca manifestação do “Podemos”, que promete secundar o Syriza, a
discursar em autêntico histerismo que «não o permitiremos, não o permitiremos».
Veja-se o similar histerismo de Portas e a aparente frieza de Passos Coelho,
mas que não é senão capa para um ressentimento que aflora pelos interstícios.
Compare-se a cara de
pau do presidente do Eurogrupo, a espreitar através das suas lunetas germânicas,
com a determinação de Yanis Varoufakis, o novo ministro das Finanças grego, e a
despedida macaca com que aquele brindou este no final do encontro.