07 outubro 2008

 

A redescoberta da banalidade

A entrevista concedida por Maria José Morgado e Saldanha Sanches e que veio ontem na “Pública” é interessante, não propriamente pelo que eles dizem de si, que releva de um certo imaginário (de uma certa representação imaginária que eles fazem de si próprios), como sempre sucede quando falamos de nós próprios, mas pelo que revelam de uma época. Uma época em que a Revolução era uma mística, “uma coisa missionária, quase religiosa”, com um corpo doutrinário dogmático, cujo desvio tinha como consequência ser renegado (excomungado) e, portanto, um credo (que “não se explica,” - MJM) pelo qual se aceitava ser mártir (“A única forma eficaz de combater o regime era aceitar com quase alegria, com entusiasmo, os sacrifícios, a cadeia” – S.S.), implicando uma forma de vida ascética (“éramos muito frugais, vestíamos muito modestamente” – MJM). Não admira, assim, que desmoronado o dogma com a crise ou a queda (no seu sentido simbólico, religioso e político), esvaída a fé e surgida a descrença, os protagonistas dessa época revolucionária tivessem ficado vacinados (“Fiquei vacinada”, diz MJM).
É curioso constatar que pessoas que viveram tão intensamente essa fé revolucionária, à qual se entregaram com tanta paixão religiosa, tenham feito dessa época das suas vidas uma época a esquecer, a proscrever (ou melhor: uma espécie de não-tempo), o que nem será exactamente o caso de MJM e SS. Zita Seabra, por exemplo, foi retomar o fio da sua vida justamente no ponto em que o tinha quebrado com o encetamento da vida militante, passando a viver e casando com o namorado do tempo do liceu. Também do ponto de vista colectivo, a Rússia quis apagar da História esse tempo revolucionário, retomando simbolicamente o seu curso no tempo antes da Revolução, o tempo dos czares, agora reabilitados, vivenciando essa época pré-revolucionária de uma forma revivalista.
No caso de MJM e S.S., para voltarmos à experiência individual, a redescoberta pós-revolucionária incidiu sobre o “gosto da banalidade”, assim mesmo assumido (voltar à ideia de ter um fim-de-semana, almoçar e jantar com a família, ir ao cinema. (“É o mundo da banalidade” – MJM; “É o mundo com o heroísmo doméstico de pagar a casa, as contas" – S.S.).





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