27 agosto 2012
O que nos espera
Confirmam-se as piores
expectativas para a situação portuguesa.
Por um lado, a questão
do deslize quanto ao défice, cujo limite previsto e imposto pela “troika”, não vamos poder alcançar. Nada
que já não estivesse previsto de há muito por pessoas que pensam autonomamente
em relação ao governo, à “troika” e ao círculo de defensores acérrimos das
medidas que têm sido tomadas.
Já se sabia que, a
prazo, tais medidas iriam conduzir a um círculo vicioso que só traria mais
austeridade, mais retracção da economia, menor volume de receitas fiscais,
agravamento da situação da segurança social, mais empresas a fecharem as
portas, mais desemprego, enfim, mais empobrecimento e mais miséria. Esse
caminho, de resto, já tinha sido ensaiado, com as trágicas consequências que se
conhecem, noutros locais. O governo, porém, sempre teimou em seguir essa rota,
que era, como se vê, a do fracasso. Mas ai de quem dissesse o contrário! Os que
ousassem opor-se a esse entendimento eram “ovelhas ranhosas” que, por mero
espírito de contradição, não queriam enfileirar no rebanho pacífico e ordeiro do
bom povo português e que, por perversa miopia, não queriam ver o êxito garantido
da política seguida. Política, aliás, “recomendada” pela “troika”, cujas
soluções, como se tem visto, têm constituído um remédio eficaz para a saída da
crise. Os “experts” da troika são mesmo grandes cabeças. Quem o duvida, senão
os mal intencionados?
Assim, vamos esperar
com calma pela próxima visita, que vem a caminho. Não é o D. Sebastião que regressa
das brumas, mas é como se fosse. Eles dir-nos-ão de sua justiça,
aconselhar-nos-ão e, se Deus quiser, haveremos de resistir a mais austeridade.
Ou não?
Temos, por outro lado,
a questão da TV. Oh, se têviste!
Aqui, a solução veio do
conselheiro António Borges. E, na verdade, foi como se um oráculo tivesse
falado. Afinal, um ovo de Colombo. É muito simples. Vende-se o canal 2, que não
dá nada, pois apanha umas franjas de público muito, muito minoritárias. Os
tempos não vão de feição para perder tempo com minorias.
Quanto aos outros
canais, concessionam-se a privados e assim, o Estado, que deve, enfim, obedecer
ao figurino de magreza esquelética, livra-se desse “peso” a mais, na senda de
emagrecimento que tem almejado. Claro, há o tal “serviço público”. Uma chatice!
Mas também há uma solução ideal para ele: os próprios privados ficam
encarregados dele.
E não tenhamos dúvida
que hão-de tratar bem dele, quanto mais não seja liquidando-o, porque não há
nada que os privados não consigam fazer melhor do que o próprio Estado.
18 agosto 2012
Massacre na África do Sul
34 mineiros mortos pela polícia é uma verdadeira chacina. Uma chacina praticada não pela polícia do apartheid, mas sim pela polícia "democrática" do governo do ANC, o partido dos negros...
A verdade é esta: o fim do apartheid deu direitos cívicos e políticos aos negros, deu até o poder ao partido mais representativo da maioria negra, mas não mexeu minimamente na propriedade dos meios de produção e nas relações sociais. Os negros são pobres. Os pobres são negros. A riqueza está na posse dos brancos. A cor da pele continua a distinguir o acesso à riqueza e ao bem estar. O que aconteceu na mina foi um episódio da luta de classes (esse "anacronismo" que teima em persistir) e o ANC terá que optar, terá que mostrar, e não poderá demorar muito, de que lado está, ou seja, se pretende perpetuar a estrutura ecomómico-social herdada do regime dos brancos.
A verdade é esta: o fim do apartheid deu direitos cívicos e políticos aos negros, deu até o poder ao partido mais representativo da maioria negra, mas não mexeu minimamente na propriedade dos meios de produção e nas relações sociais. Os negros são pobres. Os pobres são negros. A riqueza está na posse dos brancos. A cor da pele continua a distinguir o acesso à riqueza e ao bem estar. O que aconteceu na mina foi um episódio da luta de classes (esse "anacronismo" que teima em persistir) e o ANC terá que optar, terá que mostrar, e não poderá demorar muito, de que lado está, ou seja, se pretende perpetuar a estrutura ecomómico-social herdada do regime dos brancos.
Assange
Digo já: Assange não é para mim nenhum herói e considero-o até uma personagem dúbia. Mas também não tenho muitas dúvidas de que está montada uma armadilha para o apanhar, para o castigar por ter divulgado os "telegramas diplomáticos" americanos. É na verdade estranho o empenhamento do governo inglês no cumprimento do MDE sueco, conhecida que é a aversão/hostilidade britânica quanto a essa forma de cooperação judiciária (lembre-se o escandaloso caso Vale Azevedo). Estranho é também o interesse sueco na perseguição das alegadas "agressões sexuais" atribuídas a Assange (ou qualquer coisa parecida, pois ainda não se percebeu qual é o crime que lhe é imputado na Suécia, ou os jornalistas não conseguem explicar....). Razoável é admitir que os EUA estão muito interessados neste caso e que se apanham Assange nas suas mãos lhe darão um tratamento ainda bem pior do que o que tem sido dispensado ao soldado Bradley Manning, o alegado autor da "entrega" dos segredos a Assange...
A concessão de asilo diplomático a Assange pelo Equador, independentemente das razões que terão movido o seu presidente, é portanto uma boa notícia.
A concessão de asilo diplomático a Assange pelo Equador, independentemente das razões que terão movido o seu presidente, é portanto uma boa notícia.
17 agosto 2012
Jornalismo televisivo
Uma televisão que, a rematar um
dos principais telejornais, dedica uns largos minutos ao discurso de Luís
Filipe Vieira, presidente do Benfica, a dirigir insultos ao presidente do
Futebol Clube do Porto, a propósito do caso Luisão, e depois vai ao encontro de
Pinto da Costa para o confrontar com essas declarações e assim provocar uma reacção de mais uns
minutos de escaramuça verbal, define todo uma concepção de jornalismo.
O que está em causa não é o
interesse público do incidente; é a volúpia do soco, da pequena briga clubista,
da permanente luta de galos entre dirigentes de clubes rivais. Estes são os critérios mediáticos que transformam um
caso corriqueiro num acontecimento e
personagens de opereta em protagonistas de uma efeméride nacional.
Não é um caso isolado; é o
protótipo do jornalismo televisivo.
Por sinal, aconteceu na televisão
pública, no selecionado canal 2.
16 agosto 2012
Repescando
Direitos sacrossantos
Eduardo
Lourenço, num livro a todos os títulos notável, como todos os que escreve e nos
deixam esmagados sob o peso de tanta lucidez, retratou os tempos conturbados,
sem bússola, confrangedoramente marcados pela perplexidade, que são estes de
implosão de todos os valores em que julgávamos (os da minha e de algumas
gerações precedentes) assentar, talvez de uma forma demasiado definitiva, uma
ordem mais justa, aquilo que talvez merecesse verdadeiramente o nome de «ordem
democrática». A esse livro chamou significativamente O Esplendor Do Caos.
Caos é a ordem
ou a desordem reinante. Um caos esplendoroso, quer dizer, ofuscante no seu
vazio. Um vazio que não é só o da «sociedade do espectáculo» de que falava Guy
Debors e que encontra no endeusamento da mercadoria a sua suprema razão de ser,
mas o resultante do esvaziamento de tudo o que de substancial, em termos (vá
lá!) de dignidade humana, se foi conquistando, com “muito sangue, suor e lágrimas”,
ao longo de séculos.
Estão neste caso
muitos, senão a maior parte, dos direitos que nos habituámos a considerar como
fundamentais ou direitos humanos e que como tais foram consagrados nas
constituições e em convenções internacionais. Como dizia Eduardo Lourenço,
agora pedem-nos que abdiquemos desses direitos. Mas não só nos pedem isso,
porque o caminho da inversão foi entretanto progredindo. Pedem-nos que
exautoremos como condenável tudo o que fez a exaltação desses direitos.
Para mais
facilmente quebrarem as resistências com que ainda nos apegamos a eles,
arranjaram um adjectivo-anátema: «sacrossanto». São os “sacrossantos direitos
adquiridos”. Chamam-lhes «sacrossantos» para os diabolizarem, os novos
sacerdotes do ideal da precariedade.
Parece escrito hoje, não parece?
Mas não. Foi escrito por mim no Jornal de Notícias de 23/06/05, em pleno consulado de Sócrates.
E esta crónica que se segue?
Direitos e privilégios
Claro que é
preciso distinguir entre direitos e privilégios. O problema, na verdade, está
em confundir os direitos com privilégios e os privilégios com direitos.
Os verdadeiros
privilégios são de poucos e, porque de poucos, tendem à intangibilidade, como
se fossem direitos adquiridos para sempre. Estão rodeados de secretismo,
eriçados de muros de silêncio e bem escondidos das vistas alheias no meio de um
denso arvoredo. Quem tente esquadrinhá-los, frequentemente é recambiado como intruso.
O último número da revista Visão dá
uma ideia dessa dificuldade.
A situação
contrária é a mais comum e a que tem actualmente mais encarniçados denunciadores.
Diz respeito aos melhores salários dos funcionários públicos, em relação aos
trabalhadores do sector privado; ao seu melhor sistema de saúde; ao seu beneficiado
regime de reforma.
Por uma questão
de simplificação, refiro-me ao sistema no seu todo, e não aos regimes
especiais, que também os há. São os direitos adquiridos neste âmbito (e falo
aqui de direitos em sentido genérico) que são taxados de privilégios. À conta
deles, atiram-se os trabalhadores do sector privado contra os funcionários
públicos, porque estes, afinal, como se tem descoberto, são os grandes
privilegiados deste país.
Há até quem não
hesite em considerar esses direitos como as «famosas conquistas revolucionárias».
E quem tome a estabilidade no emprego da função pública como um privilégio.
Qualquer dia,
todos os direitos adquiridos pelos trabalhadores em geral serão considerados
privilégios. Basta compará-los com os imigrantes, que fazem tudo muito mais barato
e com muito menos (ou mesmo nulos) direitos adquiridos.
Escrevi esta crónica também no Jornal de Notícias de 7//07/05, igualmente em pleno consulado de Sócrates.
Para se ver que nem tudo começou com a troika e o governo de Passos Coelho.
O curioso é notar o fantástico unanimismo que percorre um largo sector da nossa intelligentsia (por assim dizer): banqueiros, economistas, políticos, etc. A propósito do recente acórdão do Tribunal Constitucional, por exemplo. Ainda há dias, lá vinha mais um economista tanger a tecla do desastre que foi esse acórdão: João Salgueiro, segundo o qual é motivo para preocupação que um órgão de soberania não tenha compreendido a diferença entre os funcionários públicos e os trabalhadores do privado: melhores salários, estabilidade no emprego, blá, blá, blá.
14 agosto 2012
Fragmentos de Marilyn
Está tudo escrito sobre Marilyn Monroe.
Mas a passagem desta movimentação comunicacional sobre os cinquenta anos da sua morte são uma boa ocasião para pegar novamente nos Fragmentos, recolha de textos inéditos (poemas, escritos intimos e cartas) escritos entre 1943 e 1962, editados de forma muito cuidada em 2010 e que mostram a pessoa por detrás da personagem (com um excelente prefácio de António Tabuchi, na versão francesa).
Aparece aí uma figura de alma complexa, culta e muito inteligente, bem diferente da sua imagem de loira idiota que tantas vezes lhe associaram.
Retiro duas máximas que rascunhou (p. 183 do citado livro):
“For life
It is rather a determination not to be overwhelmed.
For work
The truth can only be recalled, never invented”.
Luís Eloy
13 agosto 2012
Encerramento dos Jogos Olímpicos ou Festival do Sudoeste?
As cerimónias de abertura e de encerramento dos JO devem servir, penso (penso), para celebrar o espírito olímpico, ou seja, a fraternidade entre a juventude de todos os povos do planeta (do nosso), ou, pelo menos, o ideal desportivo enquanto valor universal.
Mas em Inglaterra não se pensou assim. E aproveitou-se a oportunidade dos JO para uma serôdia (absolutamente serôdia) celebração do nacionalismo imperial britânico, ao som das bandas musicais da casa (toda a prata e a lata da casa), como se de um festival de verão se tratasse.
Assim bateram o Festival do Sudoeste e o de Paredes de Coura. Mas mancharam claramente o outrora chamado "ideal olímpico".
Mas em Inglaterra não se pensou assim. E aproveitou-se a oportunidade dos JO para uma serôdia (absolutamente serôdia) celebração do nacionalismo imperial britânico, ao som das bandas musicais da casa (toda a prata e a lata da casa), como se de um festival de verão se tratasse.
Assim bateram o Festival do Sudoeste e o de Paredes de Coura. Mas mancharam claramente o outrora chamado "ideal olímpico".
Supremacismo
Quando um branco acredita na superioridade da sua "raça" já não se chama racista, mas sim "supremacista". A palavra "racismo" estava demasiado estigmatizada. Reconvertido em supremacista, o racista tem outra respeitabilidade... Quem o pode acusar de racismo?
Baudelaire, Flaubert e...Pinard
Muito se escreveu sobre a relação da censura com as letras francesas no século XIX.
O interesse acrescido do livro do advogado Emmanuel Pierrat, Accusés Baudelaire, Flaubert, Levez-vous, André Versailles ed., de 2010 traduz-se em centrar essa história num dos seus personagens judiciários e denominador comum das acusações contra Baudelaire (Les Fleurs du Mal) Flaubert (Madame Bovary) e Eugène Sue (Les Mystères du Peuple): o procurador Ernest Pinard.
De forte convicção católica e muito ligado ao regime burguês e autoritário de Luís-Napoleão Bonaparte, Pinard desempenha um papel essencial nos processos citados, valendo-lhe a Legion d' honneur em 1858 e o cargo de Ministro do Interior em 1867.
Contendo abundante documentação dos casos citados, este livro representa, mais uma vez, a atenção dada noutros países à história da justiça e à história dos seus personagens, efectuada de forma séria e dedicada, sem a qual nenhuma reforma da justiça pode ter sucesso.
Luís Eloy
08 agosto 2012
Punir o vandalismo urbano
Os vândalos andam por aí e o governo está de olho neles: vem aí legislação para punir a pichagem de paredes e a vandalização do "mobiliário urbano".
A confiança na capacidade do direito penal para melhorar a vida social mantém-se. Ainda há pouco era a criminalização do furto de cobre que era reclamada/proposta... Agora é o vandalismo. Há sempre (novas) maldades humanas a penalizar e (outros) malandros a punir.
Só que, neste caso, há um pequeno (grande) problema: o que as autoridades por vezes se apressam a considerar vandalismo é por outros tido como manifestação do direito de expressão ou de criação.
Se o vandalismo é condenável, a liberdade de expressão é sagrada.
Trata-se de uma matéria altamente sensível, sobretudo em épocas de contestação política e social... Porquê esta pressa legiferante?
A confiança na capacidade do direito penal para melhorar a vida social mantém-se. Ainda há pouco era a criminalização do furto de cobre que era reclamada/proposta... Agora é o vandalismo. Há sempre (novas) maldades humanas a penalizar e (outros) malandros a punir.
Só que, neste caso, há um pequeno (grande) problema: o que as autoridades por vezes se apressam a considerar vandalismo é por outros tido como manifestação do direito de expressão ou de criação.
Se o vandalismo é condenável, a liberdade de expressão é sagrada.
Trata-se de uma matéria altamente sensível, sobretudo em épocas de contestação política e social... Porquê esta pressa legiferante?
07 agosto 2012
O eucaliptal da Europa
Agora, também parece estar em
vias de liberalização a arborização e reflorestação do país.
Segundo a proposta da Autoridade
Florestal Nacional, o que se pretende é alterar toda a legislação em vigor de
modo a flexibilizar também este
sector.
Em áreas inferiores a 5 hectares, passará a
ser livre a plantação de espécies arbóreas.
Em áreas superiores a 10
hectares, também passará a ser livre a reflorestação, ainda que implicando a
alteração de espécies arbóreas existentes.
Nenhum condicionamento se imporá
que não seja a mera comunicação ao denominado Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).
Deste modo, os eucaliptos poderão
avançar sem entraves pelo nosso país adentro, como um exército de
individualidades esgrouviadas e melancólicas, talvez saudosas das suas origens longínquas,
chupando a água dos solos com a sua imensa sede.
São, porém, árvores muito
lucrativas para a indústria da celulose e, por isso, muito cobiçadas pelos
magnatas dessa actividade industrial, que há muito espreitam a oportunidade
para as fazerem proliferar por todo o lado. E elas que crescem tão depressa,
como se fossem árvores de aviário!
Compõem uma paisagem tristonha e desolada, sobretudo quando disseminadas a
esmo, mas são bonitas do ponto de vista da sua rentabilidade económica. Isso
vale muito mais do que as nossas espécies arbóreas autóctones – pinheiros,
carvalhos, castanheiros, vidoeiros, etc. – que são naturalmente belas e de
grande relevância do ponto de vista da biodiversidade e do equilíbrio ecológico,
mas de desenvolvimento muito lento para a impaciência dos madeireiros e dos
industriais da celulose.
De resto, têm desaparecido de ano
para ano, ao longo destas últimas décadas, levadas na voragem dos fogos que
assolam sistematicamente o país, mal aperta o calor. Esse é um braseiro a que
nunca se pôs termo, deixando as nossas serras viúvas dessa velhas e seculares
companheiras. Amigas de longuíssima data, algumas do início da nacionalidade,
têm sido dizimadas em grande parte por desleixo e, porventura sacrificadas a
interesses espúrios e inescrupulosos.
O caminho tem, pois, sido
porfiada e metodicamente aberto à invasão do eucalipto.
Há trinta anos atrás, na revista Raiz E Utopia, dirigida por António José
Saraiva, já este alvitrava que o destino de Portugal era ser o eucaliptal da Europa. Levou tempo, mas
a profecia vai, finalmente, cumprir-se, agora que estamos em maré de plena
liberalização e, diz-se, de desregulação:
da saúde, do ensino, do mercado do trabalho, de serviços públicos, como o dos correios, o serviço público de
televisão, e de privatização atabalhoada das empresas do sector público da
economia e, mesmo, de sectores públicos considerados estratégicos.
Viver acima das possibilidades
Uma razão que tem sido
recorrentemente invocada, para justificar as medidas de austeridade, é a de que
temos vivido acima das nossas possibilidades. Subentende-se que não todos os
portugueses, mas aqueles que passaram a ter um padrão de vida melhor com as
condições criadas pela revolução do “25 de Abril” – uma boa fatia das tão
detestadas classes médias e as classes trabalhadoras, mais propriamente, o
operariado.
Como que a impor-se como
corolário dessa afirmação, essas classes têm sido as mais sacrificadas com a
crise. As outras, as classes que sempre exerceram o seu domínio no país,
beneficiando de condições de excepção no regime ditatorial que foi derrubado
com a revolução, não só foram, com o tempo, generosamente indemnizadas dos
prejuízos causados, como rapidamente reconstituíram o seu antigo poderio.
A par dessas, novas classes
dominantes se impuseram depois da revolução, beneficiando de condições
específicas que surgiram durante e após o “25 de Abril”, com a implantação do
regime democrático.
Nenhuma dessas, porém, sofre
verdadeiramente o impacto das medidas de austeridade, a não ser por reflexo,
como consequência da crise financeira, da retracção da economia e do efeito
nesta das medidas de austeridade, de que não são alvo directo.
A crise, originada pela chamada “bolha
imobiliária” proveniente dos Estados Unidos da América, estendeu-se à Europa,
atacando os países periféricos, de economias mais débeis: Grécia, Irlanda,
Portugal e agora Espanha e Itália. Para os países da Europa do Norte, em que
pontifica a Alemanha, eram e são os PIGS.
Todos eles viviam, pelos vistos,
à custa dos países da Europa do Norte, em particular da Alemanha. Todos esses
povos têm vivido acima das suas possibilidades. Isso mesmo se deduz da receita
da troika, que é sempre a mesma: diminuir aos salários dos trabalhadores em
geral, aumentar a carga horária de trabalho e surripiar nas indemnizações por
despedimento e nas férias, cortar nos vencimentos dos funcionários públicos e promover
o seu despedimento. Tudo isso, como é de justiça, em prol da recapitalização
dos bancos, que faliram por causa das suas arrojadas engenharias financeiras, da
rentabilidade das empresas e da competitividade.
Entretanto, o foco infeccioso da
crise vai-se aproximando da França e, em breve, da Alemanha.
É claro que esse espalhamento do
vírus se deve, naturalmente, aos trabalhadores por conta de outrem, aos funcionários
públicos, às classe médias dos países periféricos, que obrigam, agora, à
adopção de medidas de austeridade, mesmo por parte dos países que custearam os
seus elevados níveis de vida.
São eles os responsáveis pela
crise do euro e da desregulação da economia.
Uma Justiça gelada
Parece que um nosso concidadão de 22 anos, de origem Angolana e sem qualquer ligação familiar a Portugal, está em vias de ser expeditivamente repatriado (como se a pátria não fosse onde escolhemos viver) por ter furtado um gelado durante os motins de Londres do ano passado. Isto, depois de pelo mesmo gravoso facto ter cumprido uma pena de 16 meses de prisão... Conviria que os indígenas indefectíveis da justiça inglesa (e norte-americana) dissessem qualquer coisinha sobre o ponto, nomeadamente comparando o caso com aquele outro de um também nosso concidadão que já foi condenado em Portugal por crimes de colarinho branco e aguarda ad aeternum o cumprimento de um simples mandado de detenção europeu. Em regra esses indeféctiveis em situações como esta ou se calam como ratos ou explicam a bondade da situação como uma qualquer razão técnica inultrapassável. Mas o que é verdade verdadinha é que essa mesma "Justiça" que não cumpre mandados de parceiros da UE por desconfiar da fiabilidade das respectivas Justiças não se ensaia em repatriar um fulano com 22 anos por surrupiar um gelado, dando bem conta da interpretação plistocénica que faz do princípio da proporcionalidade, estruturante em qualquer Estado de Direito.
Ah como é bondosa a Justiça de Sua Magestade!
06 agosto 2012
Atrasos dos tribunais e atrasos nos tribunais
Noticia hoje o "Público" a publicação de um estudo numa revista científica sobre os "erros médicos" levados a tribunal, onde se conclui que a justiça é muito lenta, demorando em média quase oito anos a ser proferida sentença.
Lida a notícia fica-se com a ideia, se não a convicção, que os tribunais (os juízes, leia-se) empatam o processo durante quase oito anos até que se decidem, vencendo a preguiça, a tomar a decisão final...
Será assim de facto? Desde logo: aquele prazo de 8 anos (quase...) é contado a partir dos factos ou da instauração do processo? Que fatores contribuíram para o arrastamento do processo? Onde é que ele emperrou? Por culpa de quem?
Só com essas informações na mão é possível fazer um juízo sobre as responsabilidades nos atrasos.
Porque uma coisa são os atrasos dos tribunais, outra os atrasos nos tribunais...
Lida a notícia fica-se com a ideia, se não a convicção, que os tribunais (os juízes, leia-se) empatam o processo durante quase oito anos até que se decidem, vencendo a preguiça, a tomar a decisão final...
Será assim de facto? Desde logo: aquele prazo de 8 anos (quase...) é contado a partir dos factos ou da instauração do processo? Que fatores contribuíram para o arrastamento do processo? Onde é que ele emperrou? Por culpa de quem?
Só com essas informações na mão é possível fazer um juízo sobre as responsabilidades nos atrasos.
Porque uma coisa são os atrasos dos tribunais, outra os atrasos nos tribunais...