27 junho 2013
Brasil:a primeira vitória do povo
O movimento popular no Brasil conseguiu há dois dias uma espetacular vitória: a rejeição pela Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 (PEC37) que visava arredar o MP da investigação criminal (com argumentos tão poderosos como estes: "não engrandece nem fortalece o MP o exercício da atividade investigatória", ou: "as instituições policiais são as únicas que contam com pessoal capacitado para investigar crimes"), e que também era conhecida por "lei da impunidade", por motivos que creio que não será preciso explicar...
A votação parlamentar foi expressiva: 430 votos contra; 9 a favor, 2 abstenções...
É uma vitória histórica, real e concreta do povo. Cabe agora ao MP brasileiro fazer jus à confiança que afinal nele é depositada.
A votação parlamentar foi expressiva: 430 votos contra; 9 a favor, 2 abstenções...
É uma vitória histórica, real e concreta do povo. Cabe agora ao MP brasileiro fazer jus à confiança que afinal nele é depositada.
24 junho 2013
Brasil: a vez do povo, ou o futebol já não é o ópio do povo
A explosão popular nas ruas e praças do Brasil é demasiado extensa e insistente para ser um fenómeno de superfície ligado a temas passageiros, como o preço dos transportes ou os custos dos estádios. Aliás, o simples facto de ser contestado o investimento no futebol, num país em que ele embriagava o povo, faz pensar.
Como faz pensar que este movimento amplíssimo aconteça quando o Brasil está aparentemente melhor, mais democrático, mais inclusivo...
A irrupção da "multidão" na rua está a tornar-se uma constante neste início de século, e sucede transversalmente pelo mundo fora. Parece querer dar razão a Negri. Mas estes movimentos são demasiado inorgânicos e abrangentes para conduzirem a qualquer solução. Eles são sobretudo um "sintoma" de mal-estar. E quem está no poder tem que saber interpretar a sintomatologia, e evitar a sempre tentadora "desvalorização", quando não repressão...
A Dilma (e toda a esquerda que a rodeia) terá que pensar mais no que está a acontecer nas ruas, do que nos sonhos de grandeza económica do Brasil, de investimentos grandiosos no estrangeiro, de competição geoestratégica. A verdade é que o povo não come geoestratégia e, depois de ter aprendido que se pode lutar contra a miséria, depois de ter renunciado à resignação, é difícil convencê-lo a voltar ordeiramente para a favela...
Uma coisa é certa: as vitórias do "escrete" (quando as há) já não chegam...
Como faz pensar que este movimento amplíssimo aconteça quando o Brasil está aparentemente melhor, mais democrático, mais inclusivo...
A irrupção da "multidão" na rua está a tornar-se uma constante neste início de século, e sucede transversalmente pelo mundo fora. Parece querer dar razão a Negri. Mas estes movimentos são demasiado inorgânicos e abrangentes para conduzirem a qualquer solução. Eles são sobretudo um "sintoma" de mal-estar. E quem está no poder tem que saber interpretar a sintomatologia, e evitar a sempre tentadora "desvalorização", quando não repressão...
A Dilma (e toda a esquerda que a rodeia) terá que pensar mais no que está a acontecer nas ruas, do que nos sonhos de grandeza económica do Brasil, de investimentos grandiosos no estrangeiro, de competição geoestratégica. A verdade é que o povo não come geoestratégia e, depois de ter aprendido que se pode lutar contra a miséria, depois de ter renunciado à resignação, é difícil convencê-lo a voltar ordeiramente para a favela...
Uma coisa é certa: as vitórias do "escrete" (quando as há) já não chegam...
A caça a Snowden está lançada
Quem o diz assim é uma senadora americana, confirmando que a cultura política de Washington não se libertou ainda da cultura dos cowboys de outrora.
Caçar os inimigos (os humanos, evidentemente) a tiro, sob a ação de um drone, ou à mão de agentes especializados, é uma tarefa indispensável para a manutenção da grandeza da democracia americana. E quem colaborar com o inimigo deverá esperar "consequências sérias"...
Em alguns aspetos, a nível internacional, os tempos estão piores do que na extinta "guerra fria".
Caçar os inimigos (os humanos, evidentemente) a tiro, sob a ação de um drone, ou à mão de agentes especializados, é uma tarefa indispensável para a manutenção da grandeza da democracia americana. E quem colaborar com o inimigo deverá esperar "consequências sérias"...
Em alguns aspetos, a nível internacional, os tempos estão piores do que na extinta "guerra fria".
18 junho 2013
Em louvor do bom governo que nos governa
(ou de como, para
governar bem, é preciso ter a ousadia de cortar a direito nas reformas que urge
empreender)
Em tempos, escrevi
«Modesta Proposta», que visava contribuir para a diminuição dos encargos do
País e tornar os filhos dos pobres úteis ao público, destinando-os ao comércio
de carne numa determinada percentagem (a restante seria afectada a fins reprodutivos) e patenteando-os ao prazer
da mesa dos ricos, de tal sorte que os pobres veriam aí uma promissora fonte de
rendimento e um incentivo para alimentarem bem os filhos destinados a serem
pitéu das classes abastadas e para continuarem a reproduzir.
Quisera agora redigir
uma proposta de teor semelhante, visando desta feita uma outra classe de
cidadãos: a dos idosos. Estes já se encontram fora do mercado de trabalho, como
agora se diz na nossa era por excelência mercantil. Constituem, por isso, um
encargo para o País, tão mais pesado, quanto mais tempo durar essa fase de
inactividade em que se encontram. Refiro-me, é claro, a uma inctividade em
termos de produção de riqueza, pois só essa conta verdadeiramente. A
prosperidade dos Estados deriva da produção de bens comercializáveis e,
portanto, destinados ao mercado, sejam eles bens dirigidos à satisfação de
necessidades materiais, reais ou imaginárias, sejam eles de outra ordem.
Ora, os idosos, no
geral marginalizados do sistema de produção de riqueza, já não contribuem com
nada para o acrescentamento da prosperidade do País. Pelo contrário: consomem o
que outros produzem, sem nada darem em troca, pelo que, em bom rigor, apenas
representam despesa, contribuindo, sim, para o défice do orçamento. Se não
fosse por parecer demasiado cru, diria que são zeros à esquerda, puras
nulidades, ou menos do que isso, porque as suas vidas não são uma soma zero,
mas uma soma em negativo.
É triste e dá mau
aspecto a uma nação decente ver esses grupos de anciãos a arrastarem os pés
pelas ruas, tolhendo a marcha das pessoas activas, ou dispersos pelos bancos dos jardins em
viciosas jogatinas, ou simplesmente apanhando o sol filtrado pela folhagem das
árvores, tossicando o seu catarro e a sua bronquite. Isto para já não falar dos
que não se movem pelo seu pé e ocupam outras pessoas activas em tarefas que se
resumem a servi-los, ou de instituições inteiramente votadas ao serviço destes
pobres seres inúteis. Um desperdício de forças, de dinheiro e de energias, que
podiam ser canalizados para actividades produtivas.
Se relativamente aos
jovens ainda se pode argumentar que a despesa que acarretam é um investimento
no futuro, em relação a esta categoria de cidadãos não há nenhum futuro que se
lhes anteveja e que possa representar uma esperança de acrescentamento de
qualquer valor. Nem sequer os seus corpos envelhecidos, fracos e doentes apresentam
qualquer préstimo no sentido de, em relação a eles, se imaginar uma saída como
a que, em tempos, propus para os filhos dos pobres e a que aludi no princípio
desta exposição.
De modo que a solução
teria de ser outra. Quisera, como disse, contribuir com uma modesta proposta
para ela, tão eficiente como aqueloutra. Porém, fui ultrapassado pelos próprios
acontecimentos. Na verdade, a solução a que engenhosamente chegou o nosso
ilustríssimo governo, com o apoio de prestigiadas instituições internacionais
que nos têm ajudado nesta hora difícil, não podia ser melhor, nem mais
consentânea com as novíssimas ideias que têm orientado os Estados modernos,
principalmente os do velho continente europeu.
Em primeiro lugar,
levar as pessoas a trabalhar até o mais tarde possível, segundo o princípio de
que se deve trabalhar enquanto houver esperança de vida.
Em segundo lugar,
cortar sem dó nem piedade nas pensões dos apelidados “reformados” (como se as
pessoas a partir de certa idade e já sem préstimo para produzirem riqueza,
tivessem reforma possível). Cortar, pois, nessas pensões o mais que se possa,
com o muito bem achado pretexto de que vivem à custa das gerações mais novas,
incitando estas a revoltarem-se contra essa classe de inúteis, e sem medo de
que tal operação de tesouraria (o chamado corte de tesoura) possa causar
perturbação ou dano à governação, porque já nem para isso aquela tem poder.
Em terceiro lugar,
reduzir ainda mais o património líquido da pensão, cortando-se-lhe mais uma boa
fatia com os impostos e sobrecarregando-a com outros adicionais.
Seria difícil imaginar
tão bem aparelhada solução.
Muitos desses idosos
deixarão, assim, de sair à rua, porque não tendo pernas para andar, também
quererão economizar nos transportes públicos, por baixos que sejam. Desse modo,
evita-se o espectáculo de ociosidade que normalmente patenteiam nos jardins
públicos.
Outros, sendo a velhice
normalmente achacada a doenças, deixarão de poder comprar a dose habitual de
medicamentos. Pois se o dinheiro mal lhes há-de chegar para alimentação, como
lhes há-de sobrar para a farmácia?
Mais depressa marcharão
todos (uns, pela solidão que definha, outros, por carência de cuidados fármacos
ou médicos), para melhor, para a outra vida, a do Além, onde viverão felizes
sem precisão de nenhuma dessas coisas.
De modo que só me resta concluir, lamentando a
minha frustração por não ter tido a sagacidade necessária para redigir uma boa
proposta, ainda que modesta, mas enaltecendo energicamente a arguciosa solução
a que chegaram os nossos governantes, com o honroso aplauso das instituições
internacionais que nos têm prestado a sua tão prestimosa ajuda.
Jonathan Swift
(1665-1745)
17 junho 2013
Processo sumário: ampliado de um lado, encurtado de outro
A Lei nº 20/2013, de 21-2, com a sua pretensão de alargar desmesuradamente o julgamento sumário, permitindo essa forma de processo sempre que haja detenção do agente em flagrante delito, acabou por esquecer-se do crime de ofensa à honra do PR (art. 328º do CP), punido com prisão até 3 anos, ou multa, e eliminou-o do elenco dos crimes "sumariáveis" (nº 2 do art. 381º do CPP, na redação daquela lei).
Resultado certamente não querido pelo legislador, mas que resulta da pressa e da incompetência.
Resultado certamente não querido pelo legislador, mas que resulta da pressa e da incompetência.
14 junho 2013
O FMI é mesmo o FIM
As instituições representativas dos
nossos credores, nomeadamente o FMI, continuam a exigir não só que lhes
paguemos as dívidas com juros usurários, como também que sigamos o modelo
político-ideológico que eles nos querem impor, em consonância com um padrão
ultraliberal.
Por outro lado, estão-se nas
tintas para os efeitos recessivos das medidas de austeridade que preconizam, ao
mesmo tempo que, em teoria, simulam defender outra coisa, ou seja, empurram-nos
para o precipício, dizendo que, caminhando no sentido por eles imposto, vamos
dar com o país em fanicos. Chama-se a isto, geralmente, um paradoxo, mas do que
se trata é de maquinação perversa.
13 junho 2013
900 milhões para swaps...
900 milhões do Orçamento retificativo são para pagar aos bancos vendedores de "produtos tóxicos" esses mesmos produtos, também conhecidos por "swaps"...
Os governantes ainda terão lata para dizer que a culpa do falhanço do orçamento é o acórdão do TC?
E note-se que com os bancos o governo resolveu negociar, quando podia (e, segundo um parecer que solicitou, devia) litigar nos tribunais. Já não procede da mesma forma quando ataca os cidadãos contribuintes.
É assim o governo: forte com os fracos, fraco com os fortes.
Os governantes ainda terão lata para dizer que a culpa do falhanço do orçamento é o acórdão do TC?
E note-se que com os bancos o governo resolveu negociar, quando podia (e, segundo um parecer que solicitou, devia) litigar nos tribunais. Já não procede da mesma forma quando ataca os cidadãos contribuintes.
É assim o governo: forte com os fracos, fraco com os fortes.
11 junho 2013
PR: não vale a pena justificar... já se percebeu tudo
O PR já percebeu que hipotecou, com o apoio expresso dado ao Governo, o seu poder de moderador, que é, no fundo, o seu poder principal. Agora está refém do Governo, está inapelavelmente colado a ele, e a sua legitimidade política tem a mesma dimensão da do Governo. Ele já percebeu isso e agora passa o tempo a explicar-se, a justificar-se, a lembrar glórias passadas e mais que duvidosas do seu tempo de governação... É um exercício penoso e inútil. Mais vale aguardar essas reflexões para um futuro livro de memórias, na pacatez da Quinta da Coelha. Ocupar o espaço de cerimónias públicas com lamentações/justificações pessoais é que é abusivo.
09 junho 2013
O FMI da madame La Garde
O FMI da madame La Garde é uma anedota. Primeiro, elabora programas de austeridade radical para os países vítimas da sua generosidade... Depois, a madame aparece a dizer que talvez tenham exagerado. Mas as equipas que andam no "terreno", como a do dr. Selassié, continuam a ter ordens da madame para aplicar os tais programas com todo o rigor... Depois, aparecem estudos "internos" (assim se demonstrando que não é só em Portugal que há violação dos segredos) a dizer que os programas têm "falhas notáveis"... A madame aparece logo a dizer que a culpa é dos outros parceiros da troika, numa aitude bastante feia, aliás, de deitar as culpas para os outros quando as coisas correm mal... É claro que o "reconhecimento" dos erros também não é para levar a sério, porque o FMI não tenciona reparar as malfeitorias infligidas aos países "ajudados"... Enfim, uma direção particularmente irresponsável por parte da madame... Não fosse ela uma senhora tão virtuosa na sua vida íntima e já teria o lugar em perigo...
08 junho 2013
Sinais de desorientação no Governo
O ministro da Finanças atribui a queda do investimento no 1º trimestre do ano às condições meteorológicas "adversas"... No mesmo dia, o PM pede aos professores que, em vez de fazerem greve aos exames, adiram à greve geral do dia 27... É mau de mais... Incompetência, iresponsabilidade, desorientação, sinais preocupantes para os portugueses governados...
07 junho 2013
Os erros de cálculo
O FMI vem agora reconhecer os
erros cometidos com o excesso de medidas de austeridade aplicadas à Grécia. O
mesmo FMI foi adepto da mesma receita aplicada a Portugal e elaborou um
relatório, a pedido do governo português, que insiste no aprofundamento dessas medidas de austeridade, apadrinhando
cortes cegos nos vencimentos, nos subsídios, nas reformas, nas indemnizações por
despedimento, no número de funcionários públicos no activo, nas despesas do
Estado que estruturam o chamado Estado social.
Caminho idêntico foi trilhado na
Irlanda com o aval do mesmo FMI.
O FMI não tem feito outra coisa
senão cometer erros de cálculo. Erros que economistas reputados tinham já antevisto
e se têm fartado de denunciar, como, entre outros, Paul Krugman.
Em suma, o FMI é uma das
instituições que mais tem contribuído, por “erro de cálculo”, para o descalabro
dos países “ajudados”. O FMI é o FIM. FIM dos países que caem sob a sua alçada.
O seu próprio acrónimo deriva de um erro que consiste na troca de uma vogal e
de uma consoante.
03 junho 2013
António Sampaio da Nóvoa
Não sei se estão lembrados do discurso de Sampaio da Nóvoa no 10 de junho do ano passado. Foi um discurso notável, pelas ideias, pela qualidade da prosa, pela firmeza e convicção da voz. (A escolha foi um manifesto equívoco do PR... que estará bem arrependido.)
Pois bem. Ouvi hoje o discurso que ele agora produziu na conferência promovida por Mário Soares em prol da esquerda. Fiquei mais uma vez impressionado. É de facto uma voz diferente de todas as que papagueiam por aí. Ao falar da necessidade de privilegiar o investimento no território e no conhecimento, propôs uma radical mudança de agulhas nas políticas que vêm sendo seguidas desde que a democracia se consolidou (é triste, mas é verdade...).
Provavelmente ficará a pregar aos peixes, que é a quem têm pregado os ilustrados portugueses, desde o grande António Vieira.
Pois bem. Ouvi hoje o discurso que ele agora produziu na conferência promovida por Mário Soares em prol da esquerda. Fiquei mais uma vez impressionado. É de facto uma voz diferente de todas as que papagueiam por aí. Ao falar da necessidade de privilegiar o investimento no território e no conhecimento, propôs uma radical mudança de agulhas nas políticas que vêm sendo seguidas desde que a democracia se consolidou (é triste, mas é verdade...).
Provavelmente ficará a pregar aos peixes, que é a quem têm pregado os ilustrados portugueses, desde o grande António Vieira.
Unidade da esquerda? Esqueçam!
Mário Soares promoveu uma conferência para unir a esquerda. Foi uma iniciativa muito mediática e juntou muita e variada gente. Sabe-se que MS tem muitas culpas no cartório, já que foi ele o grande responsável da instituição do chamado "arco da governação", um arco estreito em que só cabem o PS, o PSD e o CDS.
Mas isso são tempos idos e agora MS promove a unidade da esquerda. Tudo bem. O problema é que ele agora não está no poder e parece não ter poder sobre o próprio PS. Hoje, no "Público" Correia de Campos vem "lembrar" que tudo isso de unidade é para esquecer, que o PS tem de governar sozinho (ter uma "agenda autónoma"); e para os outros partidos de esquerda reserva a função (útil, se não mesmo estratégica, para o PS) de ser "refúgio garantido de novos descontentes, abafando qualquer movimento populista", ou seja, traduzindo: os partidos à esquerda do PS têm a função ("patriótica") de servir de almofada (canalizando para um protesto institucional/pacífico/comedido) para o descontentamento popular que a política de austeridade do atual governo e do futuro governo do PS (que deverá prosseguir o "necessário ajustamento", que significa precisamente manter a austeridade, mas com "mais tempo" e em "condições mais justas") necessariamente desencadeia.
Correia de Campos explicou, Seguro já não precisa de voltar ao tema. O "arco" não será ampliado.
Mas isso são tempos idos e agora MS promove a unidade da esquerda. Tudo bem. O problema é que ele agora não está no poder e parece não ter poder sobre o próprio PS. Hoje, no "Público" Correia de Campos vem "lembrar" que tudo isso de unidade é para esquecer, que o PS tem de governar sozinho (ter uma "agenda autónoma"); e para os outros partidos de esquerda reserva a função (útil, se não mesmo estratégica, para o PS) de ser "refúgio garantido de novos descontentes, abafando qualquer movimento populista", ou seja, traduzindo: os partidos à esquerda do PS têm a função ("patriótica") de servir de almofada (canalizando para um protesto institucional/pacífico/comedido) para o descontentamento popular que a política de austeridade do atual governo e do futuro governo do PS (que deverá prosseguir o "necessário ajustamento", que significa precisamente manter a austeridade, mas com "mais tempo" e em "condições mais justas") necessariamente desencadeia.
Correia de Campos explicou, Seguro já não precisa de voltar ao tema. O "arco" não será ampliado.
02 junho 2013
A vida e o dogmatismo "pró-vida"
Ao recusar o direito a interromper a gravidez, em nome do princípio da proteção da vida humana desde a conceção, a uma mulher cuja vida está em perigo, sendo simultaneamente o feto inviável, o ST de El Salvador demonstrou à saciedade o absurdo do dogmatismo em que assenta tal "princípio", que afinal, em vez de proteger a vida, pode abrir as portas à morte, à morte de gente viva...
A vida não é um valor abstrato, ela encarna em pessoas, em gente, e só aí é vida. Promover a vida é salvar vidas concretas, vidas reais, pessoas vivas...
Contra a vida das pessoas não podem valer os princípios abstratos, as regras dogmáticas, que recusam qualquer exceção ao seu poder totalitário.
O dogmatismo "pró-vida", levado às últimas consequências, como em El Salvador, acaba por ser inimigo da vida.
A vida não é um valor abstrato, ela encarna em pessoas, em gente, e só aí é vida. Promover a vida é salvar vidas concretas, vidas reais, pessoas vivas...
Contra a vida das pessoas não podem valer os princípios abstratos, as regras dogmáticas, que recusam qualquer exceção ao seu poder totalitário.
O dogmatismo "pró-vida", levado às últimas consequências, como em El Salvador, acaba por ser inimigo da vida.
E agora?
Porque
estamos numa terra e numa hora em que todos aqueles que têm força a fazem para
a conservarem ou ser mais. Onde os governantes protegem os ricos e engodam os
pobres, sem servir afinal a nenhuns, porque os ricos vão apodrecer de
aborrecimento e de estrangeiros de alma e os pobres vão tentar ser gente como
lhes ensinam e estrangeiros para outras terras.
(…)
Porque
é tudo uma hesitação neste regime de serventes nem se sabe de quens, cada vez
mais maiores de tão diversos e desencontrados, que ora abre torneirinhas aqui
para as fechar acolá, nos critérios de censura ou repressão, nas habilidades de
liberais muito europeus que manda fazer para desistir, nos grupos que deixa
crescer até não serem só para fazer de conta.
Tirando uma ou outra
palavra, uma ou outra expressão, este trecho poderia ter sido escrito nos
tempos escuros que estamos a viver, como se trilhássemos caminhos de antanho.
Qual a sua data? Outubro de 1973. Faltavam 6 meses para a eclosão do “25 de
Abril”. Nessa altura, Maria Velho da Costa, a autora do texto, que foi
integrado no volume Cravo (Editora
Morais, 1976), ainda não o sabia, como nós não o sabíamos. Ainda não
imaginávamos as “portas que Abril haveria de abrir”, numa ilusão que durou
algumas décadas. E agora?, interrogámo-nos nesta hora vil de incertezas
tamanhas, em que se “abrem torneirinhas aqui para as fechar acolá”, “nas
habilidades de liberais muito europeus”.
Agora,
a trincheira de cada um é o sítio em que ele trabalha e só está à espera que
apareça um fiscal do governo, a baioneta dele é a folha de despedimento, e está
morto, pode não estar morto na realidade, mas foi riscado do mundo dos que
contam, irá para a valeta e isso representa uns milésimos de centavo a menos no
défice, nas contas públicas, na folha que a pátria vai ter de apresentar aos
credores para mostrar que se porta bem, que não anda na noite, a gastar o que
não é dela.
Assim responde um
personagem no último livro de Nuno Júdice, A
Implosão (Dom Quixote, 2013), que
é uma espécie de Finis Patriae, no
contexto de uma Europa que pouco mais é do que um “manequim”, “chefiada por
criaturas que aparecem, no meio do desastre, com sorrisos forçados para a
fotografia”.