25 fevereiro 2019
A onda de greves
Tem-se
dito normalmente que a onda de greves que vai por aí se deve ao
facto de este governo ter prometido aos trabalhadores, nomeadamente
aos funcionários públicos, este mundo e o outro. A meu ver, essa
explicação não corresponde à realidade.
O
que terá desencadeado essa onda de greves terá sido, por um lado, a
sensação de que as coisas estavam a melhorar com a reposição dos
vencimentos e outras medidas que foram restituindo aos portugueses a
situação em que se encontravam antes da intervenção da troica e,
por outro, a sensação de que a situação económica no seu
conjunto estava francamente a melhorar com a economia a crescer, a
taxa de desemprego a baixar de forma muito significativa, o défice a
descer para níveis optimistas, a taxa de juro do empréstimo ao
Estado português a vir para níveis muito confortáveis, o pagamento
adiantado ao FMI, o rating da República a subir nas
principais agências de notação estrangeiras, etc., etc.
Nesse
contexto, os trabalhadores da função pública, que tinham carreiras
e vencimentos congelados, incluindo quadros superiores e corpos
especiais, começaram a pensar que era altura de reivindicarem
descongelamentos e aumentos de vencimentos que compensassem o tempo
perdido, sentimento que se foi agudizando com a aproximação do
termo da legislatura, pois o avizinhar de um processo eleitoral dava
maior urgêrncia a essas reivindicações.
Com
efeito, era preciso aproveitar a actual conjuntura de governo
socialista com apoio parlamentar do BE, do PCP e do PEV, pois as
próximas eleições poderiam dar como resultado uma fórmula
governativa mais impermeável às reivindicações, nomeadamente no
caso de o PS as ganhar com maioria absoluta, como tudo levava a crer,
ou se mostrar inviável um acordo parlamentar semelhante ao vigente.
Por outro lado, o processo poderia levar a negociações mais ou
menos demoradas, convindo assegurar antes das eleições uma posição
negocial firme e que comprometesse governos futuros. Não foi por
acaso que Mário Nogueira, presidente do Sindicato dos Professores,
afirmou que a situação ou se resolvia agora, ou nunca mais. Por
sobre isto, o facto de se estar na proximidade das eleições
incentiva os partidos à direita e à esquerda do PS a radicalizarem
posições no terreno social e político para minarem a
preponderância daquele partido, facto que há-de ter reflexo na
multiplicação de greves, sobretudo nas áreas sindicais da
influência ideológica desses partidos, o que não exclui que mesmo
sindicatos da área ideológica do partido do governo alinhem nas
greves em curso, quanto mais não seja para não perderem o comboio
das reivindicações.
Assim, por exemplo, o facto de os sindicatos de professores terem
enveredado determinadamente, desde meados do ano passado, por várias
formas de greve que se têm prolongado no tempo, não dando mostras
de qualquer cedência (não falo dos enfermeiros, porque me parece
que o processo das suas lutas se singulariza da restante onda
grevista), levou, a meu ver, uma multiplicidade de outros sectores
profissionais a radicalizarem a sua luta, pois, de outro modo,
ficariam em desvantagem em relação a quem se manifesta de forma tão
persistente, e tendo, além disso, reinvindicações semelhantes a
fazer.