24 fevereiro 2013
O cerco
Um
dos alertas divulgados nos últimos dias diz respeito ao aumento do número de
condóminos que têm deixado de pagar o condomínio e as consequências que isso
implica para a degradação do parque habitacional.
Infelizmente,
são por demais conhecidos os efeitos funestos que as medidas de austeridade
adoptadas têm tido na vida económica e social do país, pondo em causa os
direitos mais fundamentais que a Constituição consagra, como o direito à
habitação. Como se não bastasse o rebaixamento dos salários, a supressão ou
redução substancial dos benefícios sociais e a sobrecarga da classe média com
impostos e sobretaxas que raiam o confisco, tem-se elevado constantemente o
custo de vida com o encarecimento de todos os produtos de consumo e serviços essenciais
e, de um modo geral, com a “actualização” de todas as prestações, taxas e
rendas, como sucede com a nova legislação do arrendamento, que, além disso,
facilita e desformaliza os despejos. É um cerco claustrofóbico que se tem
armado sobre determinadas classes sociais.
Os
indivíduos da minha geração e seguintes foram coagidos pelas circunstâncias a
adquirir casa mediante empréstimos concedidos pelos bancos - empréstimos pagos ao longo dos anos com
imensos sacrifícios -, pois não havia casas para arrendamento no mercado de
habitação. Pois agora têm o castigo merecido por se terem “armado” em
proprietários. Derreiam-nos com mais uma subida astronómica do imposto sobre
imóveis – o denominado IMI.
Enquanto
andaram a pagar a casa, foram esmifrados pela banca; quando, finalmente,
julgavam a casa sua, são sugados pelo fisco. Proprietários in nomine, em qualquer dos casos.
Ajoujados
de impostos, de cortes, de taxas e sobretaxas, de subidas do custo de vida,
como hão-de estes falsos proprietários aforrar para manter e conservar a casa
que dizem ser sua?
Primeiro,
deixam de pagar o condomínio; depois, se entretanto não tiverem perdido a casa,
só lhes resta vê-la cair sobre a cabeça.
22 fevereiro 2013
A impunidade vai acabar
Saiu ontem no DR a última (mais uma) revisão dos diplomas penais (CP, CPP e CEP). Sem embargo de algumas soluções pontuais adequadas em matérias secundárias, cuja análise poderei fazer depois, o que quero desde já referir (e denunciar, com toda a crueza dessa palavra) é a lógica punitiva que a enforma, repassada por uma intenção de pura demagogia populista de “exterminação da impunidade”, que procura capitalizar em favor do poder governante os desencantos e frustrações populares com as dificuldades notórias do sistema judiciário em enfrentar a “criminalidade dos poderosos”.
A partir de agora, sim, a impunidade vai acabar! E vós, impunes que passeais impunemente a vossa impunidade, dizei adeus a ela! O vosso fim está perto! O “Correio da Manhã”, os motoristas de táxi e outros pensadores ilustres venceram a batalha!
A estratégia de combate assenta basicamente na celeridade. A partir de agora, com o alargamento do processo sumário a quase todos os crimes (desde que haja flagrante delito, evidentemente), não se percebendo aliás a exclusão dos previstos na al. m) do art. 1º do CPP, a justiça penal vai parecer-se com uma fábrica de chouriços (com pedido de desculpas às fábricas de chouriços): um indivíduo entra como detido no sistema, e sai condenado (de preferência) em poucos dias, se tudo funcionar como deve! É tudo “já a seguir” (não se levante do sofá)! E não estamos a falar de bagatelas penais, mas sim de crimes graves, como o homicídio! Vai ser uma mina para a comunicação social. O tempo da justiça vai finalmente ser o tempo mediático. Vai ser melhor do que as telenovelas… porque vão ser telerrealidades… e em direto! (E o sistema também poupa: um único juiz vai fazer o papel de três…)
Estou a exagerar? Eu quero pensar que sim!
Liberdade de expressão ou alibi?
Não
creio que seja a liberdade de expressão que está em causa no caso Relvas, como
tem sido enfatizado por alguns. O que, na realidade, aconteceu foi um acto de
boicote político à sua intervenção. É claro que ele foi privado de usar da
palavra, mas o que me parece evidente é que os manifestantes não o fizeram por
razões de lhe quererem coarctar o direito a exprimir livremente as suas ideias
e, muito menos, por uma questão de censura. O que o ministro fosse dizer, num
debate promovido pela TVI no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e
Emprego, era irrelevante do ponto de vista dos manifestantes, fosse qual fosse
o conteúdo do seu discurso.
Muitos
deles têm sido privados de continuarem os seus estudos, ou prosseguem-nos muito
dificultosamente, sentindo na pele os apertos financeiros das suas famílias,
para além de todos os obstáculos conhecidos no acesso ao emprego. Ora, os
manifestantes quiseram exprimir a sua revolta por uma política que execram e
isso na pessoa de um ministro, que, por sinal, tem sido alvo de especial
impopularidade. Sem dúvida que manifestaram intolerância e foram, porventura,
além do admissível no âmbito do direito de manifestação, mas essa intolerância
tem também na sua base situações de desespero sentidas como intoleráveis,
devido a uma política de austeridade que tem vindo a ultrapassar os limites. Em
face disso, o problema da violação da liberdade de expressão é um alibi.
21 fevereiro 2013
A democracia em perigo (por abalroamento) ou "ai aguenta aguenta"
Há preocupações na área governamental com o direito de liberdade de expressão... dos ministros... A democracia corre mesmo, dizem, sérios perigos de "abalroamento", porque há quem não deixa os ministros fazerem as suas palestras calmamente para o bom povo, que avida e serenamente quer ouvir as suas mensagens recheadas de boas notícias. Anda aí a mãozinha de alguém que se esconde (o nosso bom povo é pacífico) e quer à viva força obrigar os ministros a aprender a letra da "Vila Morena"... Pede-se-lhes que adotem estoicamente o "princípio Ulrich" (um dos nossos grandes pensadores): "ai aguenta aguenta!"
A democracia ainda não corre perigo grave, é certo. Mas entretanto a PSP vai procedendo diligentemente à identificação de alguns abalroadores da dita. Esquece-se, porém, de indicar o crime cometido... Será que não conhece o art. 250º do CPP?
A democracia ainda não corre perigo grave, é certo. Mas entretanto a PSP vai procedendo diligentemente à identificação de alguns abalroadores da dita. Esquece-se, porém, de indicar o crime cometido... Será que não conhece o art. 250º do CPP?
15 fevereiro 2013
Ronald Dworkin
14 fevereiro 2013
Um herói americano na clandestinidade
O heróis americanos são todos guerreiros ou pistoleiros. É neles, naqueles que matam com eficiência ou nos que ordenam as expedições e cruzadas com que procuram pacificar este mundo em desordem, que a "América" se revê. Ainda há pouco a "América" se curvou perante o cadáver do comandante da guerra do Golfo (Pérsico), o general que derrotou Saddam Hussein em 1990 e que tinha nome germânico (Schwarzkopf). A sua figura foi exaltada e deu entrada no panteão olímpico dos EUA.
Agora é um herói de certo modo mais modesto, mas simbolicamente muito relevante: é o executor de Osama Bin Laden, o inimigo figadal (ex-amigo e aliado) da "América". O problema deste herói indiscutível é que, por razões de segurança, é anónimo. Anda na rua e ninguém sabe quem ele é, o que ele fez, o que toda a "América" lhe deve... É um herói clandestino, condição essa que lhe nega todos os louros (e lucros) da heroicidade. É um paradoxo que ele transporta, porque a publicidade é condição da heroicidade.
Agora é um herói de certo modo mais modesto, mas simbolicamente muito relevante: é o executor de Osama Bin Laden, o inimigo figadal (ex-amigo e aliado) da "América". O problema deste herói indiscutível é que, por razões de segurança, é anónimo. Anda na rua e ninguém sabe quem ele é, o que ele fez, o que toda a "América" lhe deve... É um herói clandestino, condição essa que lhe nega todos os louros (e lucros) da heroicidade. É um paradoxo que ele transporta, porque a publicidade é condição da heroicidade.
12 fevereiro 2013
Bento XVI: a dignidade e a sapiência da resignação
A resignação de Bento XVI é uma decisão reveladora da lucidez e da dignidade de um homem. Abandonar o palco imenso do Vaticano, renunciar ao seu poder, não é fácil. O antecessor arrastou-se penosamente (para não dizer pior) até às últimas, não teve a humildade de reconhecer as suas (humanas) limitações.
Deixou ao seu sucessor uma Cúria minada por fações e interesses, alguns duvidosos. Bento XVI sentiu o seu isolamento, a sua falta de forças físicas (as tais limitações humanas que os papas também têm...). Achou certamente por bem abrir o caminho a alguém mais novo, mais enérgico, proveniente possivelmente de outras áreas geográficas, com outras cores de pele...
Difícil é prognosticar que mudanças vai haver, se é que alguma coisa vai mudar...
Mas esta resignação de alguma forma inscreveu, para sempre, no exercício papal a marca da temporalidade, e reflexamente da responsabilidade. Também a eleição do papa não bastará para garantir uma legitimidade por tempo ilimitado...
Isso parece irreversível. E é uma autêntica revolução na Igreja (e para bem da Igreja).
Deixou ao seu sucessor uma Cúria minada por fações e interesses, alguns duvidosos. Bento XVI sentiu o seu isolamento, a sua falta de forças físicas (as tais limitações humanas que os papas também têm...). Achou certamente por bem abrir o caminho a alguém mais novo, mais enérgico, proveniente possivelmente de outras áreas geográficas, com outras cores de pele...
Difícil é prognosticar que mudanças vai haver, se é que alguma coisa vai mudar...
Mas esta resignação de alguma forma inscreveu, para sempre, no exercício papal a marca da temporalidade, e reflexamente da responsabilidade. Também a eleição do papa não bastará para garantir uma legitimidade por tempo ilimitado...
Isso parece irreversível. E é uma autêntica revolução na Igreja (e para bem da Igreja).
10 fevereiro 2013
O bom povo portugês
Ao reler uma parte da História de
Portugal coordenada por Rui Ramos, referente ao período liberal (uma época que revisito
de vez em quando em diversos manuais), deparei com aquela fase de apodrecimento
do regime que já vinha de trás, mas que se acentuou a seguir ao ultimatum e à revolta abortada do “31 de Janeiro”. Na sucessão rápida de
governos, cumprindo o ritual de um rotativismo esgotado entre o partido regenerador
e o progressista, em 1892, em situação de declínio económico e financeiro, que
acrescia ao apodrecimento da situação política, formou-se mais um governo,
desta feita de independentes, sob a presidência de Dias Ferreira (o conceituado
professor de direito da Universidade de Coimbra), tendo como ministro da
Fazenda Oliveira Martins.
Escreve a propósito Rui Ramos:
No ambiente de alarme financeiro, Martins agravou os impostos, cortou
os ordenados dos funcionários (até 20%), deduziu 30% nos juros da dívida
pública interna e suspendeu as admissões na função pública.
Isto fez-me lembrar dolorosamente
o nosso presente, embora não haja equivalência entre a situação da época e a
actual e eu não acredite em retornos cíclicos. O que, porém, mais me impressionou
foram as apreciações íntimas (em correspondência epistolar) de Oliveira Martins
sobre a situação, nestes termos:
Isto nem forças tem para se sublevar. O cáustico dos impostos e deduções
quase que foi recebido com bênçãos. Somos um povo excelente cujo fundo é a
fraqueza bondosa e uma grande passividade.
Isto de sermos um povo excelente
tem sido amplamente glosado na época presente. Gaspar, que não é Oliveira
Martins, elevou a apreciação até à quinta essência: Somos o melhor povo do mundo. E embora se não referisse (mas talvez
pensasse) no cáustico dos impostos como
bênçãos, atirou sobre o lombo dos
contribuintes uma tenebrosa carga de impostos. E já não sei se isso de as
elites considerarem o povo português como excelente
ou o melhor do mundo é um elogio
ou uma confiada aposta na sua fraqueza
bondosa e na sua grande passividade.
08 fevereiro 2013
O direito de circulação na Europa
A Europa gosta muito de apregoar os "direitos humanos". Gosta particularmente de se arvorar em autora/tutora desses direitos e de se autolegitimar para examinar o resto do mundo (com exceção dos EUA, claro) quanto aos respeito por esses mesmos direitos, e condenar asperamente os infratores. Esquece-se, porém, de se examinar a si própria. Esquece-se, não. Refugia-se em argumentações hábeis (ou nem tanto), que mal escondem o desprezo pelos que não fazem parte do clube dos ricos. A Europa-fortaleza espezinha e devolve à procedência os magrebinos e africanos que procuram o solo europeu para trabalhar, para fugir à miséria dominante nos seus países ex-colonizados e atualmente governados por amigos dos colonizadores. O direito de circulação universal, que outrora os juristas europeus teorizaram quando convinha à colonização e à expansão territorial ou meramente económica dos europeus, nas primeiras fases do capitalismo, é agora repudiado. A entrada na Europa é só para quem tem dinheiro para gastar/investir. Eventualmente também para os detentores de habilitações qualificadas. Nunca para os desqualificados, os indiferenciados, os párias do mundo. Esses não interessam ao capitalismo vigente, esses estão a mais, não prestam para nada, não têm valor de troca nem de uso...
Mas a xenofobia tem vindo a agravar-se. Agora no interior da própria Europa há fortalezas umas dentro das outras. A de muros mais altos chama-se Inglaterra. Invocando sempre os seus pergaminhos liberais (que, no entanto, não evitaram a exploração colonial impiedosa e cruel de grande parte do mundo, a começar pela vizinha Irlanda), julga-se no direito de descriminar cidadãos europeus, como romenos e búlgaros, negando-lhes a entrada no seu sagrado território, mesmo que seja violando a legislação europeia... A França (outro farol da civilização) também já fizera o mesmo com os ciganos romenos no tempo do napoleãozeco Sarkozy...
Os cidadãos europeus já são objeto de classificação conforme a região geográfica: os arianos/trabalhadores do Norte, os preguiçosos/malandros do Sul, os perigosos delinquentes do Leste...
Os "direitos humanos" são a "grande narrativa" europeia, um canto de sereia que encantou o mundo. Mas cada vez mais desafinado...
Mas a xenofobia tem vindo a agravar-se. Agora no interior da própria Europa há fortalezas umas dentro das outras. A de muros mais altos chama-se Inglaterra. Invocando sempre os seus pergaminhos liberais (que, no entanto, não evitaram a exploração colonial impiedosa e cruel de grande parte do mundo, a começar pela vizinha Irlanda), julga-se no direito de descriminar cidadãos europeus, como romenos e búlgaros, negando-lhes a entrada no seu sagrado território, mesmo que seja violando a legislação europeia... A França (outro farol da civilização) também já fizera o mesmo com os ciganos romenos no tempo do napoleãozeco Sarkozy...
Os cidadãos europeus já são objeto de classificação conforme a região geográfica: os arianos/trabalhadores do Norte, os preguiçosos/malandros do Sul, os perigosos delinquentes do Leste...
Os "direitos humanos" são a "grande narrativa" europeia, um canto de sereia que encantou o mundo. Mas cada vez mais desafinado...
07 fevereiro 2013
Boas práticas em transportes e papel
O Ministério da Justiça apela aos juízes para boas práticas em matéria de transportes e consumíveis de escritório. Sobre eses últimos o apelo é particularmente impressivo. Recomenda-se a preferência pela comunicação eletrónica em vez do papel, e especialmente que a impressão de documentos em papel "seja reservada para situações em que haja necessidade legal da existência de documento impresso". E mais: se tal impressão for necessária, o papel deve ser utilizado nas duas faces.
Seguir-se-ão novas recomendações sobre boas práticas. Uma incidirá sobre o papel higiénico, que vai passar a ser disponibilizado apenas na versão eletrónica, devendo igualmente ser utilizado na frente e verso.
Seguir-se-ão novas recomendações sobre boas práticas. Uma incidirá sobre o papel higiénico, que vai passar a ser disponibilizado apenas na versão eletrónica, devendo igualmente ser utilizado na frente e verso.
05 fevereiro 2013
A verdadeira cor do dr. Selassié
Criticar alguém chamando à colação a cor da respetiva pele, mesmo em contexto irónico ou jocoso, é equívoco e perigoso. O problema do dr. Selassié não é a cor da pele, é a cor ideológica, é o facto de ser um funcionário/servidor/servente do FMI, organismo alegadamente criado pela ONU para ajudar os países com dificuldades financeiras, mas que se tornou num difusor ideológico do neoliberalismo, aplicando o garrote da miséria aos países que recorrem aos seus préstimos, saindo, depois da "cura", completamente depenados, embora com as contas equilibradas!!! Miseravelmente equilibradas... Para esse organismo piedoso trabalham serventes de todas as cores, brancos, pretos, amarelos, vermelhos. E até "escurinhos" como o dr. Selassié. E são todos a mesma corja.
A excitação que o álcool provoca na esfera do poder
Há sempre quem, aproveitando a
embalagem de medidas restritivas adoptadas numa situação de crise, se sirva da
parcela de poder que detém para encurtar o espaço de liberdade dos cidadãos.
Assim parece acontecer com a mais
recente congeminação dos Ministérios da Saúde e da Administração Interna – a proibição
de venda de álcool a menores de 18 anos de idade e, sobretudo, a dificultação
do acesso a bebidas alcoólicas a toda a gente, pelo seu encarecimento e
oneração com impostos (caramba! parece que a panaceia universal está na descoberta
de mais um imposto sobre o que quer que seja) e a proibição de venda dessas
bebidas, que são um psicotrópico –
note-se bem o chavão – nas estações de serviço das auto-estradas.
Tudo isto com que fundamento? Com
o de se ter vindo a registar um aumento de suicídios em Portugal e, em
situações de crise, as pessoas se refugiarem mais no álcool.
Não sei que relação científica
haverá entre o consumo de álcool e o aumento de suicídios, a menos que as
pessoas se suicidem com álcool, bebendo, por exemplo, até ficarem atestadas e
depois pegarem num fósforo e atearem o fogo ao bafo que sai da boca, como
quando se chega lume ao bico de gás dum fogão, e o corpo começar a arder como
uma tocha. Digamos que é uma forma de suicídio estrambótica.
Quanto às pessoas se refugiarem mais
no álcool em situações de crise, é outra história. A mim parece-me uma violência
e uma hipocrisia proibir as pessoas de procurarem no álcool um momento de
catarse ou simplesmente de onirismo para esquecerem as tristes agruras que lhes
são infligidas pelas estruturas do poder nas situações de crise. Só não será
assim, quando a bebedeira desemboca em agressão a valores fundamentais da
comunidade. Mas, para isso, lá está a repressão penal; não é preciso o poder acudir
à situação com mais uma medida preventiva de carácter sanitário.
No que se refere à proibição de
venda de bebidas alcoólicas nas estações de serviço, está a querer passar-se
além das marcas, saltando do terreno da saúde pública e da prevenção razoável para
o da repressão cega. Não se percebe por que é que se não hão-de vender bebidas
alcoólicas nesses locais. Mesmo que os condutores não devessem tomar bebidas
alcoólicas, o que não é exactamente verdade, nem só condutores viajam pelas
auto-estradas.
As sociedades em que vivemos
tendem a ser totalitárias, pelo controle total que pretendem exercer sobre os
cidadãos, e a política da saúde e da administração dos corpos é hoje um dos veículo principais desse totalitarismo.
04 fevereiro 2013
A linguagem-máscara II
Já aqui escrevi sobre a linguagem-máscara, a propósito de termos como flexibilização e ajustamento.
A linguagem engana, mascara, deturpa. Nos tempos que vão correndo, de revisão ideológica
da linguagem, todos os dias se forjam termos e expressões para encobrir ou
distorcer a realidade, em conformidade com a visão do mundo que se pretende
inocular ou, mais prosaicamente, com os objectivos que se pretendem alcançar.
Ainda a propósito de ajustamento, este termo tem sido usado
insistentemente para designar as transformações que se têm operado, a pretexto
ou a coberto do programa da troika,
como se se tratasse de um simples afinamento ou regulação de certas peças na
“máquina social”, quando, na realidade, do que se trata é de provocar mudanças
estruturais nas relações económicas, sociais e políticas, subvertendo as
conquistas alcançadas com o “25 de Abril”.
Fala-se de cortes na despesa, como se o que
estivesse em causa fosse reduzir os gastos supérfluos do Estado ou obter a racionalização
desses gastos, mas, na realidade, o que essa expressão significa (isto é, oculta) são as reduções drásticas de
salários, a eliminação de subsídios de férias e de Natal, os cortes brutais nas
prestações sociais, no ensino, na educação, e na saúde pública, o despedimento
em grande escala de funcionários. Tudo isso se reduz a uma simples operação de
contabilidade pública.
Está em curso o que
pomposamente se designa de “refundação” ou “reforma do Estado”, mas o que se
quer dizer com isso é que é preciso reduzir o Estado às suas funções mínimas,
amputando de forma séria as funções do Estado Social.
Mesmo uma expressão
como “empregadores” não é nada inocente. Com ela pretende-se iludir ou elidir a
posição que ocupam no processo produtivo os proprietários das empresas,
tradicionalmente designados de “patrões”. Como se houvesse uma categoria ou
classe social de “empregadores”. Como se os “empregadores” também não fossem
“desempregadores”. Com efeito, que se há-de chamar a um patrão ou entidade
patronal que procede ao despedimento de uma série de trabalhadores?
01 fevereiro 2013
L' appel des écrivains pour l'Europe (Le Monde, 25 de Janeiro)
Par : Bernard-Henri Lévy, Salman Rushdie, Claudio Magris, Antonio Lobo
Antunes, Fernando Savater, Julia Kristeva, Juan-Luis Cebrian, Peter
Schneider, Vassilis Alexakis, Hans-Christoph Buch, Umberto Eco, Gÿorgy
Konrád,
L’Europe n’est pas en crise, elle est en train de mourir.
Pas l’Europe comme territoire, naturellement.
Mais l’Europe comme Idée.
L’Europe comme rêve et comme projet.
Cette Europe selon l’esprit célébrée par Edmund Husserl dans ses deux
grandes conférences prononcées, en 1938, à Vienne et à Prague, à la
veille de la catastrophe nazie.
Cette Europe comme volonté et représentation, comme chimère et comme
chantier, cette Europe qu’ont relevée nos pères, cette Europe qui a su
redevenir une idée neuve en Europe, qui a pu apporter aux peuples de
l’après seconde guerre mondiale une paix, une prospérité, une
diffusion de la démocratie inédites mais qui est, à nouveau, sous nos
yeux, en train de se déliter.
Elle se délite à Athènes, l’un de ses berceaux, dans l’indifférence et
le cynisme des nations-sœurs : il fut un temps, celui du mouvement
philhellène, au début du XIXe siècle, où, de Chateaubriand au Byron de
Missolonghi, de Berlioz à Delacroix, ou de Pouchkine au jeune Victor
Hugo, tout ce que l’Europe comptait d’artistes, de poètes, de grands
esprits, volait à son secours et militait pour sa liberté ; nous en
sommes loin aujourd’hui ; et tout se passe comme si les héritiers de
ces grands Européens, alors que les Hellènes ont à livrer une autre
bataille contre une autre forme de décadence et de sujétion, ne
trouvaient rien de mieux à faire que de les houspiller, de les
stigmatiser, de les jeter plus bas que terre et, de plan de rigueur
imposé en programme d’austérité qu’ils sont sommés d’enregistrer, de
les dépouiller de ce principe même de souveraineté qu’ils ont,
naguère, inventé.
Elle se délite à Rome, son autre berceau, son autre socle, la deuxième
matrice (la troisième étant l’esprit de Jérusalem) de sa morale et de
ses savoirs, l’autre lieu d’invention de cette distinction entre la
loi et le droit, ou entre l’homme et le citoyen, qui est à l’origine
du modèle démocratique qui a tant apporté, non seulement à l’Europe,
mais au monde : cette source romaine polluée par les poisons d’un
berlusconisme qui n’en finit pas de finir, cette capitale spirituelle
et culturelle parfois comptée, aux côtés de l’Espagne, du Portugal, de
la Grèce et de l’Irlande, parmi les fameux « PIIGS » que fustigent des
institutions financières sans conscience ni mémoire, ce pays qui
inventa l’embellissement du monde en Europe et qui prend des allures,
à tort ou à raison, d’homme malade du continent – quelle misère!
quelle dérision !
Elle se délite partout, d’ouest en est, du sud au nord, avec la montée
de ces populismes, de ces chauvinismes, de ces idéologies d’exclusion
et de haine que l’Europe avait précisément pour mission de
marginaliser, de refroidir, et qui relèvent honteusement la tête:
comme il est loin le temps où, dans les rues de France, en solidarité
avec un étudiant insulté par un chef de Parti à la mémoire aussi
courte, lui aussi, que ses idées, on scandait « nous sommes tous des
juifs allemands»! comme ils paraissent loin, ces mouvements de
solidarité, à Londres, à Berlin, à Rome, à Paris, avec les dissidents
de cette autre Europe que Milan Kundera nommait l’Europe captive et
qui apparaissait comme le cœur de l’Europe! et quant à la petite
Internationale de libres esprits qui se battaient, il y a vingt ans,
pour cette âme de l’Europe qu’incarnait Sarajevo sous les bombes et en
proie à un « nettoyage ethnique» impitoyable, où est-elle passée et
pourquoi ne l’entend-on plus ?
Et puis l’Europe se délite enfin du fait de cette interminable crise
de l’euro dont chacun sent bien qu’elle n’est nullement réglée :
n’est-elle pas une chimère, pour le coup, cette monnaie unique
abstraite, flottante, car non adossée à des économies, des ressources,
des fiscalités convergentes ? les monnaies communes qui ont marché (le
Mark après le Zollverein, la Lire de l’unité italienne, le Franc
suisse, le dollar) ne sont-elles pas celles, et celles seulement,
qu’ont soutenues un projet politique commun? n’y a-t-il pas une loi
d’airain qui veut que, pour qu’il y ait monnaie unique, il faut un
minimum de budget, de normes comptables, de principes
d’investissement, bref, de politique partagées ?
Le théorème est implacable.
Sans fédération, pas de monnaie qui tienne.
Sans unité politique, la monnaie dure quelques décennies puis, à la
faveur d’une guerre, d’une crise, se désagrège.
Sans progrès, autrement dit, de cette intégration politique dont
l’obligation est inscrite dans les traités européens mais qu’aucun
responsable ne semble vouloir prendre au sérieux, sans abandon de
compétences par les États-nations et sans une franche défaite, donc,
de ces « souverainistes » qui poussent les peuples au repli et à la
débâcle, l’euro se désintégrera comme se serait désintégré le dollar
si les Sudistes avaient, il y a 150 ans, gagné la guerre de Sécession.
Jadis, on disait : socialisme ou barbarie.
Aujourd’hui, il faut dire : union politique ou barbarie.
Mieux : fédéralisme ou éclatement et, dans la foulée de l’éclatement,
régression sociale, précarité, explosion du chômage, misère.
Mieux : ou bien l’Europe fait un pas de plus, mais décisif, dans la
voie de l’intégration politique, ou bien elle sort de l’Histoire et
sombre dans le chaos.
Nous n’avons plus le choix : c’est l’union politique ou la mort.
Cette mort peut prendre maintes formes et emprunter plusieurs détours.
Elle peut durer deux, trois, cinq, dix ans, et être précédée de
rémissions en grand nombre et donnant le sentiment, chaque fois, que
le pire est conjuré.
Mais elle adviendra. L’Europe sortira de l’Histoire. D’une façon ou
d’une autre, si rien ne se passe, elle en sortira. Ce n’est plus une
hypothèse, une crainte vague, un chiffon rouge agité à la face des
Européens récalcitrants. C’est une certitude. Un horizon indépassable
et fatal. Tout le reste – incantations des uns, petits arrangements
des autres, fonds de solidarité Truc, banques de stabilisation Machin
– ne fait que retarder l’échéance et entretenir le mourant dans
l’illusion d’un sursis.