28 outubro 2015
As fronteiras da lógica e do bom senso
A coligação denominada “Portugal
À Frente” ganhou as eleições. Porém, não as ganhou com suficiente margem para
governar. A sua vitória é uma vitória
débil e inoperacional. É como ter ganho um carro e não poder conduzi-lo, por
não ter os meios para o pôr em movimento. É uma vitória dependente de ajuda. Se
tiver a ajuda necessária, poderá governar; se a não tiver, não pode. Sob esse
aspecto, o Partido Socialista também não se pode considerar o “grande derrotado
das eleições”, como tem sido dito. Foi um derrotado parcial e, nessa medida, um
parcial ganhador, por sinal com mais poder do que a coligação PSD/CDS, dada a
sua potencialidade de diálogo à esquerda.
O que não se entende é que a coligação
“Portugal À Frente” queira à viva força que o PS lhe dê as condições
necessárias para governar. As coisas têm sido postas de tal maneira, que se
pode dizer que essa coligação e os seus adeptos querem coagir o PS a servir-lhes de muleta na situação manca em que se
encontram. Situação única e exclusivamente devida à sua política, em que não
quiseram saber das posições de outras forças partidárias. Pretender agora
continuar a governar com a ajuda forçada do PS é uma espécie de exigência
despótica. E afirmar que o PS está a bloquear o seu exercício legítimo de
governo ultrapassa todas as barreiras da lógica e do bom senso.
26 outubro 2015
O discurso do presidente
Se me não engano na
interpretação do polémico discurso do presidente da República, o que ele quis
dizer é que os partidos à esquerda do PS não podem fazer parte de qualquer
solução governativa, mesmo que o governo indigitado, embora tendo obtido uma
maioria relativa, não tenha condições para governar. A maioria absoluta,
formada em alternativa àquele governo, não será considerada como obedecendo aos
princípios basilares que o presidente entende como indispensáveis, mesmo na
hipótese de terem conseguido um acordo entre eles para governarem e, mais do
que isso: mesmo que tal acordo tenha apenas incidência parlamentar, com
exclusão de os partidos à esquerda do PS participarem num governo apenas deste
último.
Ora, isso é que me
parece inconcebível e contra a letra e o espírito da Constituição, que não
estabelece barreiras ideológicas à formação de um governo. Colocar essas
barreiras ideológicas (porque o são) não cabe dentro dos poderes do presidente.
Por outro lado, o
presidente, ao anunciar que só daria posse a um governo estável e ao insistir tanto numa cultura de compromisso, parece-me que deveria ter explicitado o que
entendia sobre isso, ou seja, que governo
estável e cultura de compromisso,
para ele, só poderiam envolver os chamados partidos do arco da governação.
E ainda extrair uma
outra consequência desse entendimento: que os partidos à esquerda do PS sofrem
de uma inabilitação: não podem fazer
parte de um governo, nem darem sustentáculo a um governo de alternativa aos
partidos de direita, devendo confinar-se à eterna oposição e ao protesto
civilizado na rua.
21 outubro 2015
A democracia segundo Bruxelas (Berlim)
Bruxelas (Berlim) está-se borrifando para o facto de os portugueses terem ido democraticamente a eleições e de democraticamente estar a decorrer o processo de formação do novo governo. Bruxelas (Berlim) quer o orçamento já e ponto final. Pouco importa que não haja ainda governo, nem que a nova AR ainda não tenha iniciado funções. O que interessa é o orçamento para aqueles democratas. Esta é a democracia de Bruxelas (Berlim) que a direita portuguesa aponta como modelo único e que acusa a esquerda portuguesa de não respeitar... É caso para dizer: democracia assim, não obrigado!
20 outubro 2015
Varoufakis
Li a entrevista de Varoufakis no Público e ouvi a que ele deu à Antena 1. Esperava ler e ouvir um
perigoso comunista ou um impenitente militante da extrema-esquerda, ou ainda um
inflexível radical. Porém, o que se me deparou foi um homem produzindo afirmações
sensatas, europeístas, embora discordantes da actual linha seguida pelas
instituições europeias, e consonantes,
afinal, com um ideário social-democrata. É este o temível esquerdista, de quem
basta pronunciar o nome para se ficar marcado com o sinal que estigmatiza os
réprobos?
A linguagem redobrada do medo
A campanha eleitoral não acabou
ainda. Continua, e em força, após as eleições.
A hipótese de o PS poder
estabelecer um acordo, ao menos de incidência parlamentar, com os partidos à
sua esquerda, nomeadamente o BE e a CDU (PCP e Os Verdes) está a gerar uma
inusitada campanha, por parte dos partidos da coligação ganhadora e sectores da
sociedade portuguesa mais alinhados com a direita e o centro-direita, nos quais
se inclui boa parte dos media, que se
pode classificar como histérica. Dá a impressão que recuámos aos antigos tempos
do Portugal do medo, em que o espantalho comunista é brandido de uma forma
alarmista e sugestiva de receios inimagináveis. Um medo que se junta ao que foi
insistentemente exercitado durante a campanha eleitoral propriamente dita – o
da iminência de inversão da situação de pressuposta estabilidade conseguida até
aqui e de frustração dos sacrifícios impostos ao povo português, com o
consequente agravamento das medidas de austeridade.
Essa campanha é indecorosa e
trauliteira, recorrendo a expressões verbais verdadeiramente sinistras (para
não dizer “terroristas”). Como se Portugal estivesse a um passo de cair nas
garras dos forças do mal. Só falta invocar Nossa Senhora de Fátima para salvar
o país de uma queda satânica.
PS – Não obstante o que escrevo,
também discordo de uma certa euforia e até arrogância de alguns comentadores da
esquerda, que podem configurar a atitude simétrica à descrita.
Um certo tipo de advocacia
Dantes advogava-se nos tribunais, por escrito e nas salas de audiência, onde tantas vezes a oratória repercutia nas abóbadas das salas, no inflamado confronto com a parte contrária. Mas agora há um outro tipo de advocacia: a tribuna da sala de audiência é substituída pelo palco infinitamente mais vasto de um canal televisivo, onde não há contraditório porque não está presente a parte contrária e onde o jornalista ouve atentamente, e muitas vezes colaborantemente, a versão do indignado causídico que fustiga impiedosamente a ausente parte oposta (geralmente o MP). É claro que só alguns conseguem esta tribuna, é preciso ter "conhecimentos" no setor... Também me parece claro que é pouco ético este tipo de comportamento (mas a ética está a tornar-se uma relíquia no mundo atual...) e talvez até antiestatutário... Os processos decorrem nos tribunais, não na televisão. Esta a realidade com que alguns não se conformam...
13 outubro 2015
O arco da governação abana
Possivelmente não passará de uma pequena borrasca, mas a verdade é que o arco da governação está a abanar um pouco. E o pânico apoderou-se de toda a direita política e da direita comentadora, que serve aquela, e que ocupa quase todo o espaço mediático. Falta pouco para dizerem que vem aí uma "ditadura comunista"... Pouco importa o que diz a Constituição, o que interessa é uma regra não escrita: a que estabelece que os partidos à esquerda do PS não podem entrar para o governo nem sequer sustentar parlamentarmente o governo do PS. Quebrar essa regra seria traição à Pátria, à Europa, à NATO. Não vale a pena contraditar. Basta constatar o pânico da direita, que é real. O "arco da governação" está a abanar um pouco, mas é cedo para deitar foguetes. Já vieram alguns "avisos" da "Europa"... Schaueble já levantou um sobrolho (será suficiente para mudar o curso dos acontecimentos no nosso País?).
A candidatura do professor Bitaites Catavento
Consumou-se a candidatura do "professor". Era um facto há muito anunciado e só ele fingia não saber... Temos assim como candidato a PR um comentador político, o que não deixa de ser original. Eu sei que ele é professor de direito (nas horas vagas), mas o que o levou à celebridade foi o púlpito semanal, onde falou de tudo, mandando bitaites sobre tudo e mais alguma coisa, montou e desmontou "cenários", construiu e desconstruiu máscaras, disse uma coisa e o contrário, conforme o vento, mas sempre com uma "sinceridade" cativante. De professor manteve apenas o gosto de dar notas, de classificar os outros, do alto da sua sabedoria sem fronteiras. Mas o mais inacreditável é o aproveitamento descarado desse púlpito para promover a candidatura a PR, sempre escondendo, ou tentando esconder, essa intenção. Iremos mesmo ter em Belém (e por 10 anos) este bem-falante, este fala-barato sorridente?
Que alianças?
Nesta intensa campanha ideológica
que, neste período pós-eleitoral tem sido movida para agregar o PS ora à direita,
ora à esquerda, não percebo as razões por que o PS se há-de aliar preferencialmente
à coligação PSD/CDS. Elas filiam-se, de um modo geral, numa pressuposta maior identidade
do PS com os partidos da coligação, do que com os partidos à sua esquerda.
Ora, em primeiro lugar, o PS tem
uma raiz social-democrata e nenhum dos partidos da coligação tem essa vertente.
O PSD denomina-se social-democrata, mas o nome não corresponde actualmente nem
à doutrina, nem à prática. E tanto assim é, que vários notáveis desse partido
criticaram, às vezes violentamente, a política por ele seguida como sendo
oposta à social-democracia, tendo inclusive alguns deles abandonado essa
formação partidária. Quanto ao CDS, não tem nada a ver com a social-democracia,
sendo até duvidoso que respeite uma linha democrata-cristã. Ambos eles são,
neste momento, partidos de direita, e de uma direita radical.
A política que levaram a cabo foi
uma política de destruição sistemática dos pilares que foram sendo construídos,
ao longo de décadas, para suportarem um Estado empenhado na defesa do mais
elementar programa de uma democracia social, em prol da restauração de um
capitalismo devorador dos mais emblemáticos direitos sociais, incluindo a
desarticulação de toda a legislação protectora das relações laborais.
Aproveitaram a situação de crise, provocada pelo capitalismo financeiro
internacional, para levarem o mais longe possível a investida contra os vários
sistemas protectivos das classes mais débeis, como sucedeu, por exemplo, com a
lei do inquilinato, e procederam à alienação célere e, muitas vezes, atabalhoada,
das empresas do sector público, algumas de alcance estratégico inegável e nem
sempre deficitárias; antes pelo contrário, algumas dessas empresas eram
lucrativas.
Neste contexto, é caso para perguntar
se o PS se identifica com essa política. Creio que a sua prática oposicionista,
nestes últimos anos, a sua ideologia e a campanha eleitoral desmentem, na sua substância,
o que foi feito nestes últimos quatro anos, aproximando-o mais da ala esquerda,
do que da ala direita, o que foi, aliás, reconhecido pelo próprio António Costa
na noite das eleições.
Será, então, a União Europeia, o
respeito pelos tratados internacionais, pela Nato, a questão da renegociação da
dívida que aproximam o PS da coligação, mais do que dos partidos à sua
esquerda?
Quanto à União Europeia, acho que
o PS, opondo-se fundamentalmente à política de austeridade que tem sido seguida
e à necessidade de inverter essa política, rejeita a política da troika e não está em consonância com as principais
autoridades europeias e internacionais que a advogam e a impõem contra a
vontade dos povos. Por conseguinte, em coerência, terá de desenvolver esforços
para a definição de uma outra política europeia e para o retorno da União aos
seus princípios fundadores, o que não será o caso dos partidos da coligação.
E, em relação à renegociação da
dívida, mais do que se opor a ela, creio que o PS achará que não existem ainda
condições para se encarar a situação de uma forma viável. De certa maneira, os
partidos à sua esquerda (BE e CDU), também o entenderão, uma vez que põem de
parte essa pretensão, como, aliás sucede com os tratados e responsabilidades
decorrentes das obrigações internacionais.
Relativamente à Nato, nem vale a
pena falar do problema, porque não se coloca nenhuma questão fundamental, de
momento, por parte dos partidos à esquerda do PS, que brigue com a permanência
de Portugal nessa organização. Apenas uma questão ideológica, que não deve
preocupar ninguém nos próximos tempos e, nomeadamente, no quadro de uma
legislatura. Nem os referidos partidos fazem questão, num acordo partidário, de
fazer qualquer exigência quanto a ela.
08 outubro 2015
Ainda o "arco da governação"
A direita estava eufórica na noite das eleições: tinha ganho, ia formar governo, a maioria relativa era um pormenor relativamente insignificante, pois o "arco da governação" iria sempre impedir o PS de formar governo com o apoio à esquerda... Mas as coisas estão a complicar-se, pois parece haver disponibilidade real da esquerda para apoiar um governo do PS, ainda que minoritário... A ampla frente dos comentadores encartados de direita, preenchendo quase todo o espaço televisivo, está nervosa: seria uma aberração um governo de esquerda, seria uma violação dos compromissos de Portugal com a Europa, com a NATO, seria uma injúria afinal aos nossos amigos alemães, que tanto nos têm ajudado... O "arco da governação" exclui qualquer acordo do PS com a sua esquerda e ponto final! Ora, é preciso recordar que este famoso arco não está previsto na Constituição, nem em qualquer diploma legislativo, que se trata de uma criação política de Mário Soares nos anos 70, com o fim confessado de isolar o PCP, de "combater o comunismo" em Portugal. Estava-se então no auge da guerra fria e o arco é o produto mais acabado da guerra fria em Portugal. Entretanto, a União Soviética deixou de existir (graças à Nossa Senhora de Fátima e aos seus pastorinhos), a guerra fria acabou, não há qualquer perigo de instalação em Portugal de um "regime soviético"... Para quê então o "arco"? O próprio Mário Soares, nos momentos de maior lucidez, já reconheceu o anacronismo da sua criação. O certo é que o PS entranhou de tal forma o "arco" que parece um sacrilégio esquecê-lo. A maioria dos "notáveis" do PS certamente preferirá ir para a oposição a formar um governo com o apoio da esquerda... António Costa dificilmente seguirá outro caminho. Ele é afinal um produto acabado do PS anticomunista tal como foi moldado por Mário Soares nos anos 70. O "arco" é um dogma para o PS, é um tabu, é um ídolo num altar. António Costa, mesmo no caso de querer derrubar o ídolo (o que é mais que duvidoso) não teria neste momento sequer forças para o fazer, pois os resultados eleitorais do PS foram interpretados como "derrota". Possivelmente, ele está a fazer algum bluff, ao encontrar-se com a esquerda, para melhor negociar com a direita... Oxalá me engane...
05 outubro 2015
As regras da "Europa" são para cumprir
Ontem os portugueses votaram, e votaram em liberdade. Até puseram em primeiro lugar os que a "Europa" prefere... Mas à Europa importa acima de tudo as regras, a disciplina. Por isso, sem sequer deixar respirar os vencedores, dois distintos "europeus" de Bruxelas (Dijsselbloem e Moscovici) lembraram hoje acidamente ao governo português que o plano do orçamento tem de ser apresentado até ao dia 15. São as mesmas regras para todos os países, disseram. Admitiram que, por causa das eleições, poderia haver alguma (pouca) tolerância... Mas o dia 15 terá que ser respeitado, ainda que depois sigam elementos complementares... Regras são regras: qualquer que seja o governo, haja ou não haja governo, o plano tem que estar lá até ao dia 15, para ser visto à lupa pelos censores da zona euro... Não há baldas!
The day after
E pronto. Ganhou a coligação que
quer ir para a frente de Portugal. Não ganhou totalmente. Foi uma meia vitória
ou até uma derrota. Depende das perspectivas. Para ela própria, coligação, foi
uma vitória, porque quer continuar a ser governo; para o PS foi uma vitória com
sabor a derrota, porque quer impor condições a esse governo, já que a coligação
não obteve uma maioria que lhe permita governar a seu talante, como até aqui; para
a esquerda à esquerda do PS foi uma clara derrota, porque, somando todos os
votos da esquerda, incluindo o PS, há uma maioria clara a favor desta. E pode,
nessa medida, a dita maioria contribuir decisivamente para pôr baias ao
governo, ou até alimentar veleidades de certos partidos passarem a entrar para
o chamado “arco da governação”, o que se antolha muito difícil.
De qualquer forma, o governo da
coligação não terá, agora, a controlá-lo apenas o Tribunal Constitucional, como
até aqui, mas outras formas institucionais de controlo, nomeadamente o
Parlamento, o que, do meu ponto de vista, é francamente positivo. Não o será
para a coligação, nem certamente para o senhor Shauble, a senhora Merkel, o
presidente do Eurogrupo e outros que tais da União Europeia, que prefeririam
apresentar o seu bom exemplo lusitano como tendo obtido um êxito estrondoso.
Isso é que seria a cereja em cima do bolo da austeridade. Mas é para a nossa
democracia. Ou é suposto ser. Veremos.
03 outubro 2015
25 anos de Alemanha reunificada
Passam hoje 25 anos sobre a reunificação da Alemanha. "Reunificação" é um eufemismo, porque o que aconteceu na realidade foi pura e simplesmente a anexação da RDA pela RFA, que nem sequer mudou de nome, como não mudou de constituição, nem necessidade teve de "readerir" à UE... Mas a nova Alemanha anunciava-se pacífica, trabalhadora, motor económico e político, a par da França, da unificação europeia. Finalmente os europeus tinham a Alemanha europeia a que tinham direito, depois de terem conhecido (e de que maneira) a Alemanha "uber alles"... Que balanço podemos fazer destes 25 anos de Alemanha "europeia"? Um desastre quase completo. Cumprida numa década a transformação económico-social da ex-RDA, ou seja, arrumada a casa, a Alemanha virou-se para a Europa. Começou por mandar para o sótão a cooperação especial com a França, o famoso "motor franco-alemão". A capital deixou de ser a provinciana Bonn, à beira da fronteira francesa, passou a ser a imperial Berlim. Os tratados europeus foram revistos, dando à Alemanha uma representação superior em todos os órgãos, em consequência da maior dimensão populacional. A Alemanha foi construindo rápida e firmemente uma centralidade política e institucional nunca antes conhecida na UE por nenhum país. O euro, que lhe tinha sido "imposto" por Mitterrand para moderar a força do marco, acabou rapidamente por funcionar a favor da Alemanha, senhora da economia mais robusta, movendo-se agora num espaço muito maior e concorrendo com economias frágeis. Com a crise das "dívidas soberanas", o euro passou a ser uma prisão para os países pobres e um maná para a Alemanha, sem problemas de financiamento a juros módicos. A crise das dívidas foi administrada imperialmente pela Alemanha, acolitada por alguns países satélites (Holanda, Finlândia, sobretudo). A capital da UE é formalmente Bruxelas, mas é por Berlim que os necessitados passam antes das decisões importantes para pedirem a benevolência alemã. Essa benevolência paga-se muito caro, paga-se com a submissão. Qualquer tentativa de rebelião é severamente punida, sendo os rebeldes expostos no pelourinho e obrigados a jurar publicamente cumprir tudo o que lhes for imposto. (Tsipras explicará isto melhor) É esta a Alemanha 25 anos depois. Não perdeu muito tempo a impor a sua hegemonia, hoje "respeitada" sem contestação (a Inglaterra não a contesta; incapaz de a contestar, quer sair). A Alemanha não gosta de perder tempo. Logo que estão reunidas ou que lhe parecem reunidas as condições para a consolidação da hegemonia passa ao ataque: as três guerras que desencadeou na Europa, de 1870 a 1939, atestam esse frenesim. Agora, já não estamos no tempo da bota ferrada (por enquanto, mas os apetites por intervir em certos "teatros de operações" como a Ucrânia, não são tranquilizadores). Há outras e mais baratas (e afinal mais eficazes) formas de hegemonia... Mas será essa hegemonia suportável a prazo pelos outros países europeus? Em resumo, será a Alemanha reunificada compatível com a UE, entendida como comunidade de nações?
Que vivam as eleições
Já uma vez escrevi um artigo para
o Jornal de Notícias que se intitulava “Elogio das eleições”. Aí eu defendia
que as eleições deviam ser, pelo menos, todos os anos. É que as eleições tornam
os políticos mais generosos, mais cordiais, mais amigos dos que sofrem, mais
próximos do povo das ruas, mais cheios de vontade de ajudar os outros, mais
mãos largas no abrir os cordões à bolsa. Veja-se, por exemplo, o caso da coligação
denominada “Portugal À Frente”. Noutros tempos, quando as eleições ainda
estavam muito longe, essa mesma coligação, embora sem esse nome, cortava
salários e pensões impiedosamente, retirava ou diminuía drasticamente subsídios
e prestações sociais, tramava o despedimento maciço de funcionários públicos e
congelava as respectivas carreiras, subia impostos desmesuradamente, entre
outras medidas que atiraram muita gente da classe média para a pobreza e muitas
outras pessoas para a indigência, ao mesmo tempo que mandava para fora do país
milhares de jovens.
Era o tempo em que o principal
rosto da coligação afirmava desprendidamente “Que se lixem as eleições”. Mas, à
medida que se foi aproximando a hora delas, a generosidade eleitoral começou a
despontar paulatinamente com promessas de reposição de salários, restituição
de sobretaxas, medidas de incentivo às
famílias e à natalidade e à fixação de jovens no país. No capítulo do emprego,
foram criados muitos postos novos de trabalho, embora a maior parte deles em
estágios profissionais e ocupações precárias.
Essa generosidade tem sido febrilmente
acelerada nos últimos dias. A coligação promete não ir fazer mais cortes e nem
quer ouvir falar em as pensões voltarem a entrar na berlinda, não obstante o documento
de seiscentos milhões de euros apresentado em Bruxelas; a luta dos enfermeiros
terminou a contento de todos com a satisfação das reivindicações salariais; os
funcionários públicos, tão particularmente visados pelas medidas
governamentais, parece que vão ser aumentados; os da Estatística e das Finanças
também parece que vão ser contemplados com aumento de vencimentos e subida nas
carreiras. E outras coisas mais.
Enfim, o candidato a
primeiro-ministro da coligação, que, em derradeiro transe, pede a maioria
absoluta, afirmou que, no futuro governo de que ele fizer parte, os
anteriormente vitimados pelas medidas de austeridade irão ser alvo das
primeiras atenções desse governo. Ou seja; em vez do “que se lixem as eleições”,
são os anteriormente lixados que são convocados para dar força às eleições.