28 maio 2013

 

A coadoção

O "Prós e Contras" da RTP não proporcionou, como aliás é habitual, dado o "formato" do programa, uma discussão enriquecedora sobre o tema selecionado: a coadoção. A demagogia e o primarismo marcaram os argumentos da maioria dos adversários. Lembre-se que a coadoção visa apenas criar (aliás, completar) laços jurídicos numa família que já está constituída de facto. As crianças já vivem com dois pais ou duas mães... A coadoção vem apenas estabelecer o vínculo entre o progenitor não biológico e a criança. Mais nada.
Argumentar-se com a "natureza" e o "superior interessse da criança" é ridículo. O interesse da criança é precisamente ser filho adotivo do cônjuge do progenitor biológico! Mas como não se trata de uma família "normal", os vigilantes da família tradicional vêm fulminar os "desviantes" com os seus dogmas.
E a "natureza", valha-nos deus, que tem a natureza a ver com os afetos? Como dizia Jorge de Sena: "Nós somos o que nega a natureza." (Já agora só mais dois versos do mesmo poema genial: "Somos esse negar da espécie, esse negar do que nos liga ao Sol, à terra, às águas. Para emergir nascemos." ("A morte, o espaço, a eternidade", de "Metamorfoses"). Para emergir nascemos, ouviram?
Os argumentos invocados nada têm a ver com o interesse da criança, mas com os dogmas e os preconceitos associados à visão tradicionalista da família (só um casal formado por um homem e uma mulher é digno de ser uma família...).
As novas formas que a família vem assumindo nas sociedades que se libertaram da opressão paternalista e patriarcal assustam aqueles vigilantes da ordem moral.
Mas vão ter que se conformar. É que, para emergir nascemos.

26 maio 2013

 

As despesas com a arrecadação de impostos


Deu-me para reler ao acaso certas passagens de Os Miseráveis, de Víctor Hugo, por um lado por causa da situação presente, que arrasta para a miséria, por opção política, milhares de pessoas,  do mesmo passo que arrasa uma boa fatia da classe média, e por outro, por causa do filme de Tom Hooper (o mesmo realizador de O Discurso do Rei), que passou recentemente nos cinemas.

Encontrei esta passagem que contém ensinamentos do romancista francês, que não era economista, mas parece saber mais do que os economistas da troika e que os economistas e financistas que têm planeado a política da austeridade que nos subjuga (transcrevo de uma edição antiga, em cinco volumes, da Livraria Chardron – Lello & Irmão, Lda., que adapto para a ortografia do Acordo Ortográfico de 1945):

 

É uma coisa que nunca falha. Quando a população sofre, quando falta o trabalho, quando é nulo o comércio, o contribuinte resiste ao imposto por penúria, não paga dentro dos prazos marcados, deixa-os mesmo passar, e o Estado faz grandes despesas para os obrigar ao pagamento das suas quotas respectivas. Quando, porém, abunda o trabalho, e o país é rico e feliz, paga-se o imposto sem violência e custa pouco ao Estado. Pode dizer-se que a miséria e a riqueza pública têm um termómetro infalível – as despesas feitas com a arrecadação dos impostos (Tomo I, Livro V, Cap.VII).

 

É claro que, no tempo de Victor Hugo, não havia os paraísos fiscais para os muito ricos, com que os governos não se têm, aliás, preocupado por aí além. Quanto ao resto, o texto é actual.

 

Sousa Tavares na berlinda


 

Sousa Tavares fez uma afirmação sobre o presidente da República, numa entrevista ao Jornal de Negócios, que tem alimentado o blá blá nacional.

Ele próprio já prestou declarações sobre o caso. Do que disse, retenho duas coisas, por me parecerem relevantes e indicativas da tendência irrefragável dos media.

Sem enjeitar a afirmação feita e fazendo até o seu acto de contrição em relação ao excesso dela, disse ele que: a) o título, em parangonas, na 1.ª página do jornal, não foi, como, aliás, é óbvio, da sua responsabilidade; b) ele não fez aquela afirmação de forma isolada, mas num contexto de perguntas e respostas, em que, de certo modo, a afirmação perdia o carácter veemente que o título lhe conferia. Mais ou menos isto, por outras palavras; o sentido, porém, é o que foi indicado.

Ora, o que eu pretendo destacar é o seguinte: a comunicação social pela-se por agigantar em títulos de 1.ª página (é o seu pendor sensacionalista) qualquer gesto, atitude ou dito que saem um pouco mais fora do normal, seja pela aparência de descomedimento, seja pelo aspecto grotesco ou irrisório, seja pelo deslize infeliz do autor daqueles actos, sobretudo se se trata de uma figura pública. E fá-lo abstraindo de qualquer conteúdo ou contexto, que os relativizariam e lhe diminuiriam o alcance, quando não os fariam passar despercebidos. Mais ainda: sem qualquer contemplação ou sinal de solidariedade (diria melhor, se dissesse lealdade) para com o visado, que se prestou a dar uma entrevista.

Aposto que Sousa Tavares não foi tido nem achado sobre o destaque que o jornal deu à sua afirmação. Não foi, porque, de contrário, não teria dito que o título não era da sua responsabilidade. É assim mesmo que, de ordinário, a comunicação social procede. No entanto, é nesse destaque que reside 80% ou mais do impacto da afirmação. O destaque na 1.ª página acrescenta-lhe um plus de grande valia, e esse é da responsabilidade do jornal.

Um factor que contribui para isso é o facto de os directores de periódicos e respectivos jornalistas terem deixado de responder criminalmente pela reprodução de afirmações feitas por outrem, sobretudo pelos entrevistados, desde que fielmente reproduzidas. Trata-se de um regime mais favorável aos jornalistas do que ao comum dos cidadãos, pois a lei penal geral tanto pune quem faz a afirmação considerada ofensiva, como quem a reproduz (Cf. art. 180.º do Código Penal). Ora, a publicação de uma entrevista num periódico nunca é simultânea com a realização da entrevista. É sempre uma reprodução do que foi dito ou afirmado.

A ironia, neste caso, reside no facto de tal alteração, reivindicada pelos órgãos de classe dos jornalistas, ser da responsabilidade da maioria num governo de Cavaco Silva (Lei n.º 15/95, de 25 de Maio, depois revogada pela Lei n.º 8/96, de 14 de Março, por iniciativa dos socialistas, então no poder, que apenas salvaram dela a referida alteração, que passou posteriormente para a actual Lei de Imprensa – n.º 2/99, de 13 de Janeiro).

Claro que fica sempre ressalvada a eventual responsabilidade criminal pelos títulos, mas ela será difícil de concretizar se o título se limita a reproduzir com fidelidade a afirmação que foi feita, não obstante aquele plus que o título lhe acrescenta.

Outro aspecto a salientar é o que se relaciona com a prática, que não sei se é seguida ou não, de se não dar ao entrevistado a possibilidade de rever o texto da entrevista, corrigindo eventualmente qualquer excesso que tenha cometido e que não tenha devidamente consciencializado no calor da entrevista. Mas, aqui, o entrevistado pode ter alguma culpa, por não ter pactuado com o jornalista essa exigência.

19 maio 2013

 

A tentação fatal


O PR, ao invocar a intercessão de Nossa Senhora de Fátima no fecho da sétima avaliação da troika, deu azo a uma onda de comentários jornalísticos, que primaram pelo tom chocarreiro, chistoso, ridicularizante e até aviltante para Nossa Senhora. Ou seja, provocou uma avalanche pecaminosa contra uma das principais figuras sagradas.

Fê-lo, claro, involuntariamente, mas o que é certo é que desencadeou uma reacção virulenta de negação da transcendência e de franca irreligiosidade, deixando certamente Nossa Senhora numa posição muito desconfortável.

Ora, isso deve ter-lhe ensinado que a melhor maneira de proteger as figuras sagradas é não as envolver nos interesses profanos em geral e nos da política em particular. Já Cristo, quando o queriam tramar com esses negócios, respondeu avisadamente: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».

O PR, esquecendo-se dessa passagem bíblica, deixou-se levar pela tentação e foi o que se viu.

 

 

A saída pelo humor


 

Gosto de certas formas de contestação que se exercem pela via do humor. Os novos movimentos sociais têm, por vezes, saídas imprevistas que surpreendem pela criatividade e pelo seu carácter desarmante. Atingem o alvo com eficácia, sem produzirem danos visíveis, embora de efeito corrosivo. São uma forma inteligente de ataque que perturba, penaliza e causa mossa, por vezes de forte aptidão demolidora, mas não usando mais do que uma arma de gargalhadas.

O humor, mesmo não sendo já uma forma de parir o mundo novo sem dor, como escreveu Nuno Bragança no inovador romance a que pôs o belo título alegórico de A Noite e o Riso (Morais Editora, 1969), há-de ser, pelo menos, provisoriamente, uma forma de saída deste absurdo em que estamos mergulhados dos pés até á cabeça, com uma forte sensação de impotência.  

16 maio 2013

 

Fatum

E vamos recuando, recuando.


Voltamos à pobreza como destino, ao futebol e ao fado, talvez mais erudito e menos marialva, mas o fado, o nosso fatum , parece que novamente bafejado por intervenção divina, como no velho passado.


12 maio 2013

 

PREC


 

Parece que uma ideia da actual equipa governamental é promover a igualdade entre o sector público e o privado, ou seja, entre os vencimentos, a idade e o cálculo das reformas, os complementos remuneratórios, as férias, etc. dos trabalhadores de ambos os sectores. Segundo se diz, essa seria uma via para obviar às inconstitucionalidades detectadas pelo acórdão do Tribunal Constitucional. Se este tem insistido no princípio da equidade para chumbar algumas normas do Orçamento, então uma solução que estaria em aberto seria começar por igualar os dois sectores, retirando aos trabalhadores do sector público o que os diferencia, em vantagens, dos trabalhadores do sector privado.

Trata-se, obviamente, de uma leitura no mínimo canhestra do acórdão, se é que não é mesmo uma leitura mal intencionada e destinada a afrontar o Tribunal Constitucional, desafiando, mais uma vez, em nova e inescapável suscitação de inconstitucionalidade, a sua autoridade, para depois, com mais força, se invocar o carácter obstruidor desse órgão jurisdicional e da Constituição, posição tão mais afrontosa do seu poder, quanto o que estaria na forja seria aplicar o novo regime retroactivamente – uma clamorosa ilegalidade, como jamais se viu.

Porém, o que, neste momento, mais fere a minha atenção é isto: se se manifesta, assim, tão ardente vocação de igualação (por baixo, pois está visto), por que não ir para um princípio de equiparação de todas as classes sociais, estabelecendo, por exemplo, um padrão de vida médio para todos sem excepção e obrigando os que excedessem esse padrão a devolver o excesso à sociedade, sob a forma de um imposto social ou de solidariedade?

Sim, por que é que o princípio da igualdade há-de ser aplicado somente aos trabalhadores do sector público e do sector privado? Por que é que o tão malfadado igualitarismo é tão mau quando aplicado como princípio geral e já é tão louvável, quando aplicado apenas a determinados sectores da sociedade, por sinal os que vivem do trabalho assalariado?

Será porque o plano revolucionário de empobrecimento em curso (PREC) se destina a atingir apenas algumas classes sociais, precisamente as mais vulneráveis?

09 maio 2013

 

Dia da Europa


Hoje é o dia da Europa, mas hoje em dia a Europa está capturada por interesses contraditórios que dilaceram a sua famosa herança. O Zeus dinheiro é quem a leva raptada no dorso do touro em que se transformou, para mais facilmente ludibriar aqueles que um dia sonharam com a sua grandeza e prestígio.

A UE, em particular, é esse sonho à deriva, dia a dia esfrangalhado, anavalhado por gente medíocre e atraiçoado grosseiramente nos seus mais caros princípios - o da solidariedade à cabeça.

Não faltará muito para que um dia o desânimo invente um slogan como este: “Que se lixe a UE”.   

07 maio 2013

 

Velhos e funcionários públicos


Não é novidade nenhuma que as medidas de austeridade têm visado com particular sanha os reformados e os funcionários públicos.

A explicação parece óbvia. Os reformados são gente não produtiva, que só contribui para os gastos, fazendo aumentar as despesas do Estado; os funcionários públicos, para além de constituírem igualmente despesa do Estado, são em grande parte dispensáveis, porque muitos dos serviços públicos devem servir para alimentar a esfomeada iniciativa privada.

 

Futebol


Um produto de que não há carência é o futebol. Este converteu-se numa verdadeira coqueluche, como nem nos velhos tempos da “outra senhora”. É um álcool a que o Ministério da Saúde não tem dado suficiente atenção, porque, de contrário, já tinha providenciado por restrições ao seu consumo.

A comunicação social promoveu o futebol a acontecimento de primeira linha. Actualmente é moda dar às notícias sobre futebol o mesmo relevo que aos grandes eventos nacionais e internacionais, quando não se dá o caso de os telejornais abrirem com grande alarido futebolístico. Muitas vezes, o noticiário é mesmo uma caldeirada homogénea e quase pornográfica, entremeando-se as notícias sobre futebol com acontecimentos da maior gravidade e até trágicos, como um terramoto, uma acção terrorista, um sinistro onde morrem centenas ou milhares de pessoas. O noticiário é uma espécie de rolo compressor que banaliza tudo e tudo mede pela mesma rasa.

Discute-se regularmente futebol na televisão em mesas redondas em que todos falam e ninguém se ouve, segundo  o formato adoptado para as mesas redondas onde é suposto falar-se de política. Tudo é apresentado com o mesmo ar de falsa gravidade e de autêntica algaraviada.

O futebol não está em crise.

 

Ministros


Muitas pessoas têm a sensação de que há ministros que não são ministros de Portugal, mas são-no em Portugal.

06 maio 2013

 

A "convergência" dos setores público e privado

O ataque desenfreado às funções do Estado e aos seus funcionários vem sendo envolvido num embrulho sedutor de "convergência" entre os setores público e privado, como medida elementar de "justiça" para pôr termo aos "privilégios" dos funcionários. Este tipo de argumentação tem muita recetividade nos comentadores encartados da TV e jornais de grande tiragem, sempre ao lado do "povo"...
Acontece, porém, que se trata de uma grandiosa mistificação. Do que se trata é de reduzir o Estado ao mínimo, acabar com as suas funções sociais (saúde, educação, etc.). Os funcionários não trabalham para si próprios, mas para o funcionamento do aparelho estadual, para o desempenho das tarefas do Estado. Os funcionários prestam serviços públicos - trabalham para todos!
O ataque aos funcionários e ao seu estatuto insere-se nesse ataque ao Estado, procurando reduzir ao mínimo os serviços públicos, despedindo servidores, procurando, com a degradação do seu estatuto (estabilidade, remunerações, subsídios, férias, proteção na doença, etc.), afastar os mais capazes, os mais preparados. O governo decididamente não quer os melhores a trabalhar para o Estado...
Isso faz parte do seu código genético.

04 maio 2013

 

As velhas novas medidas de austeridade


Mas haveria alguma expectativa relativamente às acrescentadas medidas de austeridade agora anunciadas? Elas já estavam cozinhadas há meses e constavam, na sua parte substancial, do famoso parecer do FMI.

As reacções que se lhe seguiram foram de tal modo hostis, que o famoso documento “independente” ficou na gaveta à espera de ocasião propícia. Esta surgiu com o acórdão do Tribunal Constitucional.

A partir daí, toda a propalada urgência de encontrar medidas alternativas que compensassem o chumbo de algumas normas do Orçamento passou a ser imputada ao aresto daquele Tribunal. Mas as medidas alternativas já vinham rescendendo a esturro há muito tempo. Assim é que, não obstante ser previsível o chumbo de algumas normas do Orçamento, não só pela quantidade convergente de pedidos de inconstitucionalidade, como pela qualidade das entidades que os suscitaram e ainda pela credibilidade dos argumentos  que os escoravam, bem como pelas declarações públicas de reputados constitucionalistas, o Governo não usou daquela prudência que se impunha, elaborando uma solução alternativa para tal hipótese.

Esperou pela decisão do TC, para, então, arremedando surpresa, se atirar a ela com o denodo próprio de quem se sente atingido à falsa fé. A partir desse momento, a decisão do TC passou a ser, nos discursos oficiais, uma espécie de calamidade pública que tivesse salteado o país, tanto foi usada e glosada até à náusea.

Por outras palavras: foi instrumentalizada politicamente e nessa instrumentalização é que reside o escândalo da sua obsessiva contestação e invocação. Ninguém duvida de que existe um direito de crítica em relação às decisões judiciais, mas o que se tem passado com o acórdão do TC não tem nada a ver com o direito de crítica (mesmo supondo a sua admissibilidade por parte de membros de outros órgãos de soberania). É um seu desvirtuamento, porque instrumentalizado para fins políticos e, ainda por cima, fins políticos de cuja autenticidade é lícito duvidar.

Como se disse, as medidas supostamente adoptadas para tapar os buracos deixados pelo chumbo do TC já faziam parte, desde muito antes do acórdão, dos planos do Governo, em parceria com FMI, para levar por diante a célebre reforma do Estado.   

03 maio 2013

 

Consenso à força!

É curioso, de repente todos querem o "consenso" em Portugal: Barroso, Rompuy, Juncker... para não falar do próprio Ministro do Consenso, recém-chegado de Florença, e do PM, que desconhecia inteiramente tal vocábulo, mas que agora o papagueia com fervor. (Penso que Olli Rehn, o pagem de Frau Merkel, também opina no mesmo sentido.)
Mas consenso em torno de quê? Dos ultimatos do governo, como o de hoje? Acreditam eles que o consenso pode ser imposto?

 

EUA: um povo armado (desde o berço)

No Kentucky, EUA, um menino de 5 anos matou a tiro a irmã de 2. Não a matou com uma pistola roubada, ou encontrada por acaso, mas sim com uma arma pessoal, que lhe tinha sido oferecida...
É a "América", não no seu pior, não no seu melhor, mas simplesmente no seu estado normal...

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