29 abril 2008
Falta de reconhecimento
Segue-se um texto que me foi enviado pelo Luís Eloy e tenho o maior gosto em publicar (espero que a fonte continue a alimentar o Sine Die):
Há certamente boas razões para querer abandonar o Ministério Público (algumas das quais nunca vi, aliás, enumeradas) mas há uma, recentemente veiculada, que confesso me causa alguma perplexidade.
Trata-se da propalada «falta de reconhecimento» de que padeceriam alguns dos seus quadros.
Se por «falta de reconhecimento» deve ler-se falta de promoção (ou remuneração) não vale a pena gastar muito mais tinta: todas as mudanças são legitímas. Agora se quer dizer, como parece, coisa diferente convém ser claro para que percebamos todos que tipo de aplauso se pretende.
Até porque normalmente na magistratura, como na vida, cada um tem o reconhecimento que merece.
Trata-se da propalada «falta de reconhecimento» de que padeceriam alguns dos seus quadros.
Se por «falta de reconhecimento» deve ler-se falta de promoção (ou remuneração) não vale a pena gastar muito mais tinta: todas as mudanças são legitímas. Agora se quer dizer, como parece, coisa diferente convém ser claro para que percebamos todos que tipo de aplauso se pretende.
Até porque normalmente na magistratura, como na vida, cada um tem o reconhecimento que merece.
Luís Eloy
Etiquetas: Ministério Público
28 abril 2008
King-ILL-Pau
O autor das Viagens de Guliver, que deliciou a nossa infância e adolescência com narrações fantásticas de viagens a países desconhecidos e extraordinários, deixou um fragmento inédito em que se refere a uma viagem a uma ilha pitoresca, chamada "A Ilha do Pau", que era governada por um imperador, como em Liliput. Esse imperador dirigiu os destinos da ilha durante decénios, sendo sempre confirmado no poder por maiorias absolutas. Aliás, o imperador gostava de se dedicar ao exercício da democracia, como o seu desporto favorito, sabendo muito bem que nenhum partido da oposição seria capaz de lhe ganhar, pois o imperador tinha tudo na mão, desde a imprensa (praticamente só tinham voga o “Jornal Oficial do Imperador” e o “Jornal da Verdade Imperial”), até à fabulosa maquinaria da propaganda.
A oposição tinha os seus jornalecos, muito minguados, devido às dificuldades colocadas pelo imperador – dificuldades tão manhosamente arquitectadas, que todos os ilhéus se convenciam que a oposição não tinha ideias para passar ao papel. E como a oposição queria protestar e não tinha meios, quase só conseguia falar em “asfixia”, “negação de direitos”, “democracia de fachada”, deixando muitas vezes cair o h, por uma espécie de acordo ortográfico oposicional, lendo-se então “democracia de facada”, com o que era visível a qualquer mortal que não estivesse cego pela “verdade imperial” a alusão à violência que se escondia por baixo da democracia do imperador. Os oposicionistas também aludiam, muitas vezes, a essa violência, chamando à sua ilha “Ilha do Pau de Marmeleiro”. O que se segue é que o imperador ainda por cima se servia dessas mensagens cifradas, que a maior parte dos habitantes da ilha não entendia por carência de um contexto perceptível, para mimosear a oposição com epítetos do estilo: chanfrados, bando de eunucos, marados, chonés, jacobinos. E na sua grande veemência oratória, falando do cimo de altos montes com terríveis brados, chegava a incitar o povo da ilha a lançar ao mar aquele bando de desodeiros, acoimando-os de traidores à pátria, cujo nome sagrado parodiavam, e que quem precisava de pau de marmeleiro eram esses filhos de uma cadela. Como a oposição estava confinada a mensagens cifradas, ninguém a entendia e todos pensavam que ela era mesmo constituída por um bando de provocadores.
Um dia, o imperador, não se sabe se por artimanha, se por outra razão qualquer, pensou em deixar o poder a um dos seus delfins. E bastava que o imperador anunciasse através do “Jornal Oficial do Imperador” e do “Jornal da Verdade Imperial” e, enfim, de toda a máquina de propaganda: “Esta é a pessoa que eu, no meu alto critério, designo como a pessoa mais capaz de me substituir na espinhosa missão de governar a ilha”, para logo o povo, democraticamente, o eleger no momento oportuno. Disso não havia dúvida. Então, o delfim designado como sucessor ficou tão radiante, que engenhou uma maneira mirabolante de render preito eterno ao imperador. Esse engenho está bem explícito neste panfleto (e aqui transcrevo ipsis verbis parte do fragmento de Jonathan Swift):
Caros Concidadãos Ilhéus:
O nosso amado líder, King – ILL – Pau ⌠assim se chamava o imperador⌡é o maior génio que a Humanidade concebeu. Nenhum de nós tem dignidade suficiente senão para lhe beijar a fímbria da dobra das suas imperiais calças. Eu mesmo, como seu proclamado sucessor, serei o primeiro a rojar-me aos pés de sua Altíssima, Excelsa e Imperial Pessoa. E se o povo desta ilha quiser, na sua gratidão sempre parca para tamanha genialidade, satisfazer o seu sacratíssimo desejo de me ver como seu sucessor, elegendo-me democraticamente para o cargo de governador da nossa querida ilha, desde já declaro que serei apenas um fiel executor da sua Vontade, pois o nosso imperador, enquanto for vivo, estará sempre por detrás de tudo o que eu fizer. Na verdade, ele será o nosso sempiterno Pai e para isso, logo que for eleito, convocarei a assembleia constituinte, a fim de ser criado para ele o cargo de “Pai Celestial da Ilha de Pau”. E quando, finalmente, um dia, ele nos deixar fisicamente – oh dia nefando para sempre detestado! – ele continuará presente, pelos séculos sem fim (per omnia secula seculorum) no nosso espírito e no de todos os nossos fiéis vindouros, guiando as nossas acções.
Com efeito, o seu amado corpo (e isso também ficará escrito na Constituição) será sujeito a uma operação de embalsamamento, que, por técnicas especiais, lhe agigantará o tronco, a cabeça e os membros, de modo a que nenhum corpo de tão vastas proporções tenha sido visto à face do orbe. Mesmo na ordem mitológica, o corpo embalsamado do nosso amado líder pedirá meças ao gigante Polifemo. Para além de ser embalsamado, o corpo do nosso amado líder será sujeito a técnicas absolutamente inovadoras de impermeabilização, de modo a resistir aos mais ardentes sóis e às mais rijas intempéries. Colocá-lo-emos num dos mais altos píncaros da nossa ilha, fincado à terra como uma rocha, de forma a ser visto de todos os pontos cardiais. Através de um gravador especial, passagens dos seus mais inflamados discursos serão potentemente difundidas, de tempos a tempos, por toda a ilha. Os seus agigantados braços mover-se-ão ao som das palavras, não como as pás dum moinho de vento, mas em gestos sincronizados com o discurso, e a sua enorme boca parecerá pronunciar de forma natural as palavras que o gravador debitará, tudo graças às novas técnicas que o projectado “choque tecnológico” permitirá pôr à nossa disposição. Os seus olhos, por meio de um avançado sistema de células foto-eléctricas, irradiarão feixes luminosos, principalmente à noite, e por cima da sua cabeça pairará uma faixa com os seguintes dizeres:” Glória Eterna Ao Nosso Amado Líder King – ILL – Pau”
Escusado será dizer – prossegue Jonathan Swift – que o imperador ficou tão inchado com este projecto, que, mesmo em vida, começou a crescer, a crescer, a agigantar-se de tal maneira, que o futuro trabalho dos embalsamadores ficou desde logo facilitado.
A oposição tinha os seus jornalecos, muito minguados, devido às dificuldades colocadas pelo imperador – dificuldades tão manhosamente arquitectadas, que todos os ilhéus se convenciam que a oposição não tinha ideias para passar ao papel. E como a oposição queria protestar e não tinha meios, quase só conseguia falar em “asfixia”, “negação de direitos”, “democracia de fachada”, deixando muitas vezes cair o h, por uma espécie de acordo ortográfico oposicional, lendo-se então “democracia de facada”, com o que era visível a qualquer mortal que não estivesse cego pela “verdade imperial” a alusão à violência que se escondia por baixo da democracia do imperador. Os oposicionistas também aludiam, muitas vezes, a essa violência, chamando à sua ilha “Ilha do Pau de Marmeleiro”. O que se segue é que o imperador ainda por cima se servia dessas mensagens cifradas, que a maior parte dos habitantes da ilha não entendia por carência de um contexto perceptível, para mimosear a oposição com epítetos do estilo: chanfrados, bando de eunucos, marados, chonés, jacobinos. E na sua grande veemência oratória, falando do cimo de altos montes com terríveis brados, chegava a incitar o povo da ilha a lançar ao mar aquele bando de desodeiros, acoimando-os de traidores à pátria, cujo nome sagrado parodiavam, e que quem precisava de pau de marmeleiro eram esses filhos de uma cadela. Como a oposição estava confinada a mensagens cifradas, ninguém a entendia e todos pensavam que ela era mesmo constituída por um bando de provocadores.
Um dia, o imperador, não se sabe se por artimanha, se por outra razão qualquer, pensou em deixar o poder a um dos seus delfins. E bastava que o imperador anunciasse através do “Jornal Oficial do Imperador” e do “Jornal da Verdade Imperial” e, enfim, de toda a máquina de propaganda: “Esta é a pessoa que eu, no meu alto critério, designo como a pessoa mais capaz de me substituir na espinhosa missão de governar a ilha”, para logo o povo, democraticamente, o eleger no momento oportuno. Disso não havia dúvida. Então, o delfim designado como sucessor ficou tão radiante, que engenhou uma maneira mirabolante de render preito eterno ao imperador. Esse engenho está bem explícito neste panfleto (e aqui transcrevo ipsis verbis parte do fragmento de Jonathan Swift):
Caros Concidadãos Ilhéus:
O nosso amado líder, King – ILL – Pau ⌠assim se chamava o imperador⌡é o maior génio que a Humanidade concebeu. Nenhum de nós tem dignidade suficiente senão para lhe beijar a fímbria da dobra das suas imperiais calças. Eu mesmo, como seu proclamado sucessor, serei o primeiro a rojar-me aos pés de sua Altíssima, Excelsa e Imperial Pessoa. E se o povo desta ilha quiser, na sua gratidão sempre parca para tamanha genialidade, satisfazer o seu sacratíssimo desejo de me ver como seu sucessor, elegendo-me democraticamente para o cargo de governador da nossa querida ilha, desde já declaro que serei apenas um fiel executor da sua Vontade, pois o nosso imperador, enquanto for vivo, estará sempre por detrás de tudo o que eu fizer. Na verdade, ele será o nosso sempiterno Pai e para isso, logo que for eleito, convocarei a assembleia constituinte, a fim de ser criado para ele o cargo de “Pai Celestial da Ilha de Pau”. E quando, finalmente, um dia, ele nos deixar fisicamente – oh dia nefando para sempre detestado! – ele continuará presente, pelos séculos sem fim (per omnia secula seculorum) no nosso espírito e no de todos os nossos fiéis vindouros, guiando as nossas acções.
Com efeito, o seu amado corpo (e isso também ficará escrito na Constituição) será sujeito a uma operação de embalsamamento, que, por técnicas especiais, lhe agigantará o tronco, a cabeça e os membros, de modo a que nenhum corpo de tão vastas proporções tenha sido visto à face do orbe. Mesmo na ordem mitológica, o corpo embalsamado do nosso amado líder pedirá meças ao gigante Polifemo. Para além de ser embalsamado, o corpo do nosso amado líder será sujeito a técnicas absolutamente inovadoras de impermeabilização, de modo a resistir aos mais ardentes sóis e às mais rijas intempéries. Colocá-lo-emos num dos mais altos píncaros da nossa ilha, fincado à terra como uma rocha, de forma a ser visto de todos os pontos cardiais. Através de um gravador especial, passagens dos seus mais inflamados discursos serão potentemente difundidas, de tempos a tempos, por toda a ilha. Os seus agigantados braços mover-se-ão ao som das palavras, não como as pás dum moinho de vento, mas em gestos sincronizados com o discurso, e a sua enorme boca parecerá pronunciar de forma natural as palavras que o gravador debitará, tudo graças às novas técnicas que o projectado “choque tecnológico” permitirá pôr à nossa disposição. Os seus olhos, por meio de um avançado sistema de células foto-eléctricas, irradiarão feixes luminosos, principalmente à noite, e por cima da sua cabeça pairará uma faixa com os seguintes dizeres:” Glória Eterna Ao Nosso Amado Líder King – ILL – Pau”
Escusado será dizer – prossegue Jonathan Swift – que o imperador ficou tão inchado com este projecto, que, mesmo em vida, começou a crescer, a crescer, a agigantar-se de tal maneira, que o futuro trabalho dos embalsamadores ficou desde logo facilitado.
26 abril 2008
Em tempo de crise
Neste 25 de Abril, tenho diante de mim a imagem televisiva de um dos políticos mais singulares saídos da Revolução que restituiu a democracia ao povo português: Alberto João Jardim. Com a sua voz inconfundível, de sonoridades muito profundas, ele apelava ao povo profundo do PSD para se revoltar contra os candidatos que se propõem suceder ao malogrado Luís Filipe Meneses. Ele, Alberto João Jardim, é o político na reserva para o grande momento que se aproxima. Ele está à espera desse grande momento em que o povo profundo manifeste a sua cólera purificadora. Então ele avançará e assumirá a liderança de um partido que tem como grande referência histórica Sá Carneiro. E eu não tenho dúvida nenhuma de que ele é o homem certo para este momento incerto do partido e do país, incluindo a Madeira. Homem de grande envergadura, senhor de um verbo potente e vernáculo, com uma espectacular presença nos actos públicos e privados, corajoso até ao ponto de se mostrar como é, flexível até ao ponto de encarnar o mais faceto espírito popular, dotado de uma sólida formação cultural e moral, embora expressa num estilo chão e, às vezes, rude, enfim, político com muitos e muitos anos de indesistente profissionalismo, Jardim era homem para recolocar o velho partido de Sá Carneiro no seu verdadeiro lugar histórico e dar uma outra vivacidade, um outro colorido à oposição. Pelo menos, era homem para não desmerecer daquilo que tem sido. E que me perdoem este desabafo, expresso nos singelos termos a que a prudência obriga um pobre mortal como eu.
24 abril 2008
A propósito de processo, democracia, autoritarismo e tradição
Para eventuais curiosos, indica-se ligação para a transcrição de uma audiência no Supremo Tribunal Federal dos EUA aqui, decorrida no passado dia 22.
Embora a discussão nesse processo (a fase processual tem correspondência com as alegações orais previstas no código de processo penal português de 1987, cujo registo audio nos EUA é público e acessível através da rede) se relacione com uma tema sobre o qual estou a trabalhar, o motivo da ligação deriva, apenas, de se tratar de um pequeno exemplo sobre uma cultura (v.g. o diálogo verificado, o comprometimento pessoal nas perguntas e comentários, a capacidade argumentativa, etc, etc), com profundas diferenças com a de outros locais (ainda que nestes se possa tentar a importação de regras procedimentais «interessantes»).
Mesmo quem não gosta de certas «tradições» tem de reconhecer que elas pesam, sobretudo no invisível.
PS- Ao publicar esta posta não estava a pensar no exemplo específico da «tradição» referido aqui e aqui, mas de uma forma mais ampla numa cultura tão presente no dia a dia (judiciário, mas não só).
Corrigido.
Etiquetas: cultura judiciária, democracia, ética da discussão
A ver
23 abril 2008
Folhetim Esmeralda
Talvez tenha sido sensata a decisão de adiar mais uma vez a entrega da Esmeralda ao pai (biológico). De adiamento em adiamento a criança vai crescendo e acabará por atingir a maioridade, e assim se resolverá naturalmente o problema.
Até lá digladiar-se-ão na praça pública os dois partidos em presença: os pró-afectivos, maioritários aparentemente, e com amplo apoio na comunicação social, e os pró-biológicos, em posição mais difícil presentemente. Mas a batalha não está ainda decidida e uma reviravolta pode acontecer.
Aguardam-se ardentemente novos episódios. O próximo duelo está marcado para o final de Julho e será acompanhado em directo por todas as televisões.
O "superior interesse da criança" segue dentro de momentos.
Até lá digladiar-se-ão na praça pública os dois partidos em presença: os pró-afectivos, maioritários aparentemente, e com amplo apoio na comunicação social, e os pró-biológicos, em posição mais difícil presentemente. Mas a batalha não está ainda decidida e uma reviravolta pode acontecer.
Aguardam-se ardentemente novos episódios. O próximo duelo está marcado para o final de Julho e será acompanhado em directo por todas as televisões.
O "superior interesse da criança" segue dentro de momentos.
22 abril 2008
A normalidade no rectângulo
Uma pequena lição sobre ponderações custo-benefício, rigor financeiro, défice e a normalidade de «um nome no retrovisor de um automóvel» - quando não há estado que chegue, há misericórdia para as sobras, é tudo uma santa casa.
Etiquetas: a normalidade
21 abril 2008
A proposta de Júdice
A proposta de J. M. Júdice de fusão entre o PS e o PSD (ele aliás já levou pessoalmente essa fusão à prática) é uma ideia aparentemente válida: não devem unir-se as organizações políticas que defendem as mesmas ideias ou, pelo menos, os mesmos programas?
Só que há um obstáculo de peso: é que os partidos (os partidos "vocacionados" para governar, entenda-se) não se distinguem pelas ideias nem pelos programas, mas sim pelas clientelas. Quem o disse pela primeira vez com a maior clareza foi Max Weber, nessa obra luminosa que se chama "O Político e o Cientista" (de 1919).
Já viram como seria a fusão das clientelas daqueles dois partidos?
Só que há um obstáculo de peso: é que os partidos (os partidos "vocacionados" para governar, entenda-se) não se distinguem pelas ideias nem pelos programas, mas sim pelas clientelas. Quem o disse pela primeira vez com a maior clareza foi Max Weber, nessa obra luminosa que se chama "O Político e o Cientista" (de 1919).
Já viram como seria a fusão das clientelas daqueles dois partidos?
A vitória de Jardim
Depois de ver o PR prestar-lhe uma incondicional vassalagem no seu território, Jardim, com o seu instinto político, imediatamente reclamou a presença (e vassalagem) do PM.
Este, porém, não parece pelos ajustes.
Henrique IV, rei de França no final do sec. XVI, protestante convicto, para aceder pacificamente ao trono aceitou converter-se previamente ao catolicismo porque "Paris vale bem uma missa".
E a Madeira, valerá tantos tributos de sucessivos presidentes e governantes?
Este, porém, não parece pelos ajustes.
Henrique IV, rei de França no final do sec. XVI, protestante convicto, para aceder pacificamente ao trono aceitou converter-se previamente ao catolicismo porque "Paris vale bem uma missa".
E a Madeira, valerá tantos tributos de sucessivos presidentes e governantes?
17 abril 2008
CONCURSO PARA O TAF
Segue-se um texto que me foi enviado pelo Carlos Lobato e tenho o maior gosto em publicar (espero que venham outros):
Muitos magistrados do Ministério Público (MP) concorreram a lugares de juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF).
Alguns deles haviam optado, de forma consciente, pelo ingresso na magistratura do MP, após um período de formação no Centro de Estudos Judiciários, em detrimento da opção pela magistratura judicial.
Passados alguns anos (nalguns casos, muitos anos) de exercício de funções no MP, concorrem a juízes dos TAF, sendo que a sua antiguidade nesta magistratura só agora começa a contar.
Tal significa, falando claro, que consideram que optaram pela magistratura errada.
Era preciso este concurso para concluir que algo vai mal na magistratura do MP?
Na verdade, tem-se confundido paralelismo das magistraturas com judialização do MP, ignorando-se que a magistratura do MP tem uma função substancialmente diversa da judicatura. Cabendo ao MP, como magistratura de iniciativa - para além do mais - a defesa dos interesses da comunidade nos tribunais, a sua organização interna tem que obedecer a tais desígnios. Ora, a diferentes funções tem que, necessariamente, corresponder uma diferente organização interna.
A propósito de um interessante estudo sobre o envelhecimento da magistratura do MP, opinei em 18 de Fevereiro de 2005, no Fórum da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (disponível em www.pgdlisboa.pt):
“Magistratura jovem porque entende que o problema reside, em larga medida, na forma de organização e de carreira do Ministério Público.
Magistratura jovem porque realiza que a sua estrutura se mostra pensada e moldada à semelhança da judicatura e que as suas atribuições tendem a ser decalcadas dos tribunais onde os magistrados se encontram colocados.
Continua a ser uma magistratura jovem se entender que, ao contrário do juiz, grande parte das suas funções são desempenhadas fora do processo: no atendimento ao público; na coordenação da actividade das polícias; no acompanhamento das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens; na realização de tentativas de conciliação (CIT), em sede de jurisdição laboral; na recolha de elementos para propositura de acções em defesa do ambiente ou do património cultural … Magistratura jovem se assumir que, a uma diversidade substancial de funções com a magistratura judicial, tem que corresponder uma diferente organização interna, de modo a que os lugares de maior responsabilidade sejam desempenhados pelos magistrados mais qualificados (procuradores-gerais-adjuntos), no âmbito de cada uma das áreas prioritárias de actuação do Ministério Público.
Continuará a ser magistratura jovem se tiver o engenho para romper com a tradição e com a sua própria história. Se se assumir como uma magistratura de iniciativa, tendo como principal escopo a defesa dos interesses que constitucionalmente lhe estão confiados.”
Carlos Lobato
Etiquetas: Ministério Público
15 abril 2008
Em vez de uma sessão, uma mastigação
A substituição da sessão solene na Assembleia Regional da Madeira por um jantar a convite do seu presidente, na recepção ao PR, tem um sentido evidente e não escamotado: calar a oposição (os "loucos" da Madeira).
Que o PR ache isso tudo normal é que é mau. Ao longo dos mais de 30 anos de autonomia jardinesca, todos os titulares de órgãos de soberania que se deslocam à Madeira prestam ali vassalagem ao cacique regional.
Têm medo que a Madeira declare unilateralmente a independência? (Isso até está na moda, é certo.)
Ao menos, escusam de fazer aqueles elogios ridículos, como o Jaime Gama.
Ao sr. Silva pede-se, ao menos, bom senso, coisa que não abunda na Madeira.
Que o PR ache isso tudo normal é que é mau. Ao longo dos mais de 30 anos de autonomia jardinesca, todos os titulares de órgãos de soberania que se deslocam à Madeira prestam ali vassalagem ao cacique regional.
Têm medo que a Madeira declare unilateralmente a independência? (Isso até está na moda, é certo.)
Ao menos, escusam de fazer aqueles elogios ridículos, como o Jaime Gama.
Ao sr. Silva pede-se, ao menos, bom senso, coisa que não abunda na Madeira.
O povo nunca se engana?
Os resultados das eleições italianas são a prova provada de que o povo se engana muitas vezes (em Itália é pelo menos a terceira vez...).
Isso, é claro, não retira nenhuma legitimidade ao Cavaliere.
Este seu regresso ao poder poder no entanto ser mais calamitoso que os anteriores. O seu parceiro Bossi fala uma linguagem claramente fascizante. E Berlusconi tem um projecto de ruptura que é um perigo. Para os italianos e para os europeus em geral.
Aguardemos.
Isso, é claro, não retira nenhuma legitimidade ao Cavaliere.
Este seu regresso ao poder poder no entanto ser mais calamitoso que os anteriores. O seu parceiro Bossi fala uma linguagem claramente fascizante. E Berlusconi tem um projecto de ruptura que é um perigo. Para os italianos e para os europeus em geral.
Aguardemos.
13 abril 2008
(Mais) contrastes ibéricos
Nove mulheres no Governo, "contra" oito homens, uma mulher no Ministério da Defesa (o Franco a remexer-se na sepultura...). É este o novo Governo de Espanha.
Nós, por cá, é o que se sabe.
Nós, por cá, é o que se sabe.
12 abril 2008
Em nome do pai, do filho e mesmo do egoísta
Proémio
Disse ao meu filho que podia escrever umas crónicas sobre a vida quotidiana das pessoas, do ponto de vista económico.
Eis o primeiro fruto desse convite. E já tem um blogue: www.tertuliasurbanas.com
Em nome do pai, do filho, e mesmo do egoísta
Todos nós já deparamos com situações de carros parados em segunda fila, em faixas de rodagem. É de perder a cabeça quando vemos um sinal verde a poucos metros de distância, mas temos um carro à nossa frente, estático, com luzes laranja intermitentes, e uma fila de carros na outra faixa a circular fervorosamente, que nos impede de seguir. Neste belo país existe sempre um papá, um marido, um estafeta, um preguiçoso, um comodista, ou um simples empata, que nos impede de seguir o nosso caminho e nos faz perder minutos, horas, dias ao longo da nossa vida, encravados dentro de uma caixa de metal a gesticular em todas as direcções.
Falta de civismo, preguicite aguda, comodismo, são boas explicações. Mas existe também uma outra, baseada na racionalidade económica.
Porque é que o papá, o marido, o estafeta, e o preguiçoso não estacionam a duzentos metros de distância, evitando assim impedir o trânsito de fluir?
A economia diz que estamos perante uma falha de mercado. Existe uma externalidade negativa, a qual não é internalizada, e leva a uma tomada de decisão que não tem em conta todos os custos envolvidos. Mas isto é palavreado maçador que não interessa ao comum dos mortais, de maneira que não perco mais tempo e passo a explicar.
O pai que vai buscar a criança ao infantário, confronta-se com duas opções, lá na sua cabeça:
- Ora bem! Vou; procurar um local para estacionar o carro, provavelmente a duzentos metros do infantário; fazer o percurso a pé; trazer o filho; e ir embora sem atrapalhar os outros carros, demorando quinze minutos neste ritual... - pensa o pai, não muito convencido.
- ...Ou parar mesmo em frente do infantário, abandonar o carro na via, ignorar as buzinas, e em 5 minutos voltar com a criança como se nada fosse e seguir para casa.
Já Adam Smith nos deu a resposta, quando diz que "Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o seu egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das suas vantagens." (A. Smith (1776) Riqueza das Nações I, 2 p.95). Ora, no seu egoísmo, no seguimento do seu próprio interesse, ou mesmo na racionalidade, o pai escolherá certamente a segunda opção, que é a que o faz perder menos tempo. Economicamente esta parece ser, de facto, a aposta certa. Mas, ao proceder assim, o nosso homem cria a tal externalidade negativa de que falei atrás.
Para se perceber melhor a atitude deste pai (e não lhe ficarem com rancor) vamos analisar a racionalidade subjacente às escolhas dele. Vamos tentar avaliar o tempo perdido por todos os envolvidos e o custo desse tempo (dito custo de oportunidade).
Imaginemos então que o custo de oportunidade de cada pessoa é em média de 5€ por hora. Este será o valor que se atribui ao seu tempo (bem sei que com a taxa de desemprego aí a chegar aos dois dígitos, vou receber centenas de emails de pessoas a oferecer os seus serviços por 5€/hora).
Ao decidir-se pela opção de estacionar o carro onde não incomode, o dito pai perde 15 minutos do seu tempo, o que representa um custo de 1,25€ (5 x 15 / 60). Ao optar pela segunda opção, o custo é de 0,42€ (5 x 5 / 60). Esta é a razão fundamental que o leva a decidir-se por estorvar o trânsito e fazer-se de surdo às buzinadelas.
O problema inerente a esta opção é que o custo total não é composto apenas pela perda de tempo do pai, mas também pela perda de tempo de provavelmente 200 outras pessoas que vão dentro dos carros em fila afunilada por causa do carro parado em segunda fila. Se o carro mal parado os fizer perder em média mais um minuto, temos um custo total de 16,67€.
Resumindo, temos:
1º caso - custo do pai é de 1,25€ / custo da sociedade é de 0€
2º caso - custo do pai é de 0,42€ / custo da sociedade é de 16,67€
O pai faz uma poupança de 0,83€ infligindo um custo de 16,67€ sobre a sociedade, ou seja, a tal externalidade negativa. Esta é obviamente uma falha de mercado. Se fosse possível fazer o pai pagar os 16,67€, certamente que a opção dele não seria a mesma.
Situações como esta ocorrem todos os dias na sociedade, e fazem com que sejam tomadas decisões erradas. Frequentemente vemos rios poluídos espalhados pelo nosso país. Muita dessa poluição vem de fábricas que vendem os seus produtos a um preço mais barato do que o que deviam, pois conseguem atirar o custo da diferença no preço sobre toda a sociedade, tal como o pai que estaciona em segunda fila.
No seu egoísmo natural, o Homem tem em conta apenas o seu custo e benefício, desprezando as externalidades. Um produto é barato. Foi feito na China com trabalho de crianças? Foram poluídos muitos rios? Polui o ambiente? É agradável para mim, mas não para o meu vizinho? Bah!! Sempre é mais barato, vou é comprar. Por isso, em nome do pai, do filho, e mesmo do egoísta, peço-vos que não lhes atirem pedras se andarem em carros com tejadilhos de vidro...
Filipe Costa
Disse ao meu filho que podia escrever umas crónicas sobre a vida quotidiana das pessoas, do ponto de vista económico.
Eis o primeiro fruto desse convite. E já tem um blogue: www.tertuliasurbanas.com
Em nome do pai, do filho, e mesmo do egoísta
Todos nós já deparamos com situações de carros parados em segunda fila, em faixas de rodagem. É de perder a cabeça quando vemos um sinal verde a poucos metros de distância, mas temos um carro à nossa frente, estático, com luzes laranja intermitentes, e uma fila de carros na outra faixa a circular fervorosamente, que nos impede de seguir. Neste belo país existe sempre um papá, um marido, um estafeta, um preguiçoso, um comodista, ou um simples empata, que nos impede de seguir o nosso caminho e nos faz perder minutos, horas, dias ao longo da nossa vida, encravados dentro de uma caixa de metal a gesticular em todas as direcções.
Falta de civismo, preguicite aguda, comodismo, são boas explicações. Mas existe também uma outra, baseada na racionalidade económica.
Porque é que o papá, o marido, o estafeta, e o preguiçoso não estacionam a duzentos metros de distância, evitando assim impedir o trânsito de fluir?
A economia diz que estamos perante uma falha de mercado. Existe uma externalidade negativa, a qual não é internalizada, e leva a uma tomada de decisão que não tem em conta todos os custos envolvidos. Mas isto é palavreado maçador que não interessa ao comum dos mortais, de maneira que não perco mais tempo e passo a explicar.
O pai que vai buscar a criança ao infantário, confronta-se com duas opções, lá na sua cabeça:
- Ora bem! Vou; procurar um local para estacionar o carro, provavelmente a duzentos metros do infantário; fazer o percurso a pé; trazer o filho; e ir embora sem atrapalhar os outros carros, demorando quinze minutos neste ritual... - pensa o pai, não muito convencido.
- ...Ou parar mesmo em frente do infantário, abandonar o carro na via, ignorar as buzinas, e em 5 minutos voltar com a criança como se nada fosse e seguir para casa.
Já Adam Smith nos deu a resposta, quando diz que "Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos, não para a sua humanidade, mas para o seu egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das suas vantagens." (A. Smith (1776) Riqueza das Nações I, 2 p.95). Ora, no seu egoísmo, no seguimento do seu próprio interesse, ou mesmo na racionalidade, o pai escolherá certamente a segunda opção, que é a que o faz perder menos tempo. Economicamente esta parece ser, de facto, a aposta certa. Mas, ao proceder assim, o nosso homem cria a tal externalidade negativa de que falei atrás.
Para se perceber melhor a atitude deste pai (e não lhe ficarem com rancor) vamos analisar a racionalidade subjacente às escolhas dele. Vamos tentar avaliar o tempo perdido por todos os envolvidos e o custo desse tempo (dito custo de oportunidade).
Imaginemos então que o custo de oportunidade de cada pessoa é em média de 5€ por hora. Este será o valor que se atribui ao seu tempo (bem sei que com a taxa de desemprego aí a chegar aos dois dígitos, vou receber centenas de emails de pessoas a oferecer os seus serviços por 5€/hora).
Ao decidir-se pela opção de estacionar o carro onde não incomode, o dito pai perde 15 minutos do seu tempo, o que representa um custo de 1,25€ (5 x 15 / 60). Ao optar pela segunda opção, o custo é de 0,42€ (5 x 5 / 60). Esta é a razão fundamental que o leva a decidir-se por estorvar o trânsito e fazer-se de surdo às buzinadelas.
O problema inerente a esta opção é que o custo total não é composto apenas pela perda de tempo do pai, mas também pela perda de tempo de provavelmente 200 outras pessoas que vão dentro dos carros em fila afunilada por causa do carro parado em segunda fila. Se o carro mal parado os fizer perder em média mais um minuto, temos um custo total de 16,67€.
Resumindo, temos:
1º caso - custo do pai é de 1,25€ / custo da sociedade é de 0€
2º caso - custo do pai é de 0,42€ / custo da sociedade é de 16,67€
O pai faz uma poupança de 0,83€ infligindo um custo de 16,67€ sobre a sociedade, ou seja, a tal externalidade negativa. Esta é obviamente uma falha de mercado. Se fosse possível fazer o pai pagar os 16,67€, certamente que a opção dele não seria a mesma.
Situações como esta ocorrem todos os dias na sociedade, e fazem com que sejam tomadas decisões erradas. Frequentemente vemos rios poluídos espalhados pelo nosso país. Muita dessa poluição vem de fábricas que vendem os seus produtos a um preço mais barato do que o que deviam, pois conseguem atirar o custo da diferença no preço sobre toda a sociedade, tal como o pai que estaciona em segunda fila.
No seu egoísmo natural, o Homem tem em conta apenas o seu custo e benefício, desprezando as externalidades. Um produto é barato. Foi feito na China com trabalho de crianças? Foram poluídos muitos rios? Polui o ambiente? É agradável para mim, mas não para o meu vizinho? Bah!! Sempre é mais barato, vou é comprar. Por isso, em nome do pai, do filho, e mesmo do egoísta, peço-vos que não lhes atirem pedras se andarem em carros com tejadilhos de vidro...
Filipe Costa
08 abril 2008
Portugal, país de uma nota só
Se a alternativa ao actual Governo, nas próximas eleições, for um "PSD à moda de Alberto João Jardim", como parece que quer o seu presidente, então eu concordo com António Lobo Antunes: "Portugal, para mim, é um país de uma simples, solitária, singela nota. O dó." ("Livro de Crónicas", p. 273)
A missão do TPI para a ex-Jugoslávia
A absolvição de um ex-alto responsável do Exército de Libertação do Kosovo, por alegada "falta de provas" (o que terá andado a sra. Del Ponte a fazer?), confirma o papel deste "tribunal": legitimar a agressão da NATO contra a Sérvia e a criação do Kosovo como estado independente.
Se a composição do "tribunal" já era suspeita (pois é largamente composto por juízes oriundos dos países agressores, e portanto interessados na condenação dos vencidos) a sua actividade tem-se pautado por um tão elevado nível de parcialidade que ameaça tornar-se numa farsa.
O pior é que essa farsa envolve a condenação de algumas pessoas (sérvios quase exclusivamente, ou seja, os vencidos) a dezenas de anos de prisão.
Se a composição do "tribunal" já era suspeita (pois é largamente composto por juízes oriundos dos países agressores, e portanto interessados na condenação dos vencidos) a sua actividade tem-se pautado por um tão elevado nível de parcialidade que ameaça tornar-se numa farsa.
O pior é que essa farsa envolve a condenação de algumas pessoas (sérvios quase exclusivamente, ou seja, os vencidos) a dezenas de anos de prisão.
07 abril 2008
O dever de reserva dos juízes
O Conselho Superior da Magistratura veio agora clarificar as situações abrangidas pelo dever de reserva dos juízes. E, nesse âmbito, foi deliberado que os juízes, “salvaguardados os segredos de justiça, profissional e do Estado, bem como a reserva da vida privada, podem dar todas as informações sobre as decisões e seus fundamentos.” Até aqui, ainda não estamos em face do dever de reserva. Este só existe a partir do momento em que, por meio de declarações e comentários, se formulem juízos positivos ou negativos sobre qualquer decisão de processo pendente a cargo do respectivo juiz ou sobre processos já transitados em julgado que, no entanto, “versem sobre factos ou situações de irrecusável actualidade”. Porém, mesmo os juízes que não sejam titulares dos processos estão inibidos de, em declarações e comentários, formularem tais juízos de apreciação positiva ou negativa. É o que parece deduzir-se do art. 5.º da deliberação: “Todos os juízes, mesmo que não sejam os titulares dos processos, podem ser agentes da violação do dever de reserva”.
Esta clarificação é importante na medida em que, por um lado, se excluem do dever de reserva as informações sobre as decisões e seus fundamentos, sejam ou não prestadas pelos juízes titulares dos processos, e, por outro, se incluem no dever de reserva os comentários feitos por juízes que não sejam titulares dos processos e que envolvam juízos positivos ou negativos.
Uma novidade é a que diz respeito ao âmbito do dever de reserva, abrangendo processos que não estejam pendentes, mas que envolvam factos ou situações de irrecusável actualidade.
Sempre entendi que os juízes, nomeadamente os titulares dos processos, podiam prestar informações no intuito de esclarecerem as decisões e os seus fundamentos. Escrevi nesse sentido em artigos de jornal publicados há vários anos, quando assinava artigos de opinião no Jornal de Notícias. Com o decorrer dos anos e a experiência adquirida, vim a tornar-me mais céptico a tal propósito, ou, se não mais céptico, mais imbuído de um princípio de temperança. Há que sopesar as situações caso a caso. O juiz que acaba de proferir uma sentença e é logo assediado por órgãos de comunicação social a pretexto de esclarecer a decisão, corre o risco de entrar em debate ou argumentação com quem o interpela e, com isso, desautorizar a decisão, desautorizar-se a si próprio e pôr em causa o princípio em que assenta todo o veredicto judicial e a própria independência do tribunal. Aliás, esse risco existe sempre, porque é muito fácil ultrapassar a fronteira que separa o facto da opinião (neste caso, o esclarecimento do comentário), sobretudo se não se souber resistir a certas solicitações da comunicação social. Por outro lado, é preciso ver de que tipo de órgão se trata (imprensa escrita, rádio ou televisão), porque a atitude a adoptar para cada um deles é forçosamente diversa, e ainda saber que tipo de intenções movem o respectivo “media”: se se trata de uma verdadeira intenção de informar ou unicamente de explorar o caso de forma sensacionalista e demagógica.
Quanto aos comentadores de alheias decisões, acho bem que se lhes sejam impostas restrições em nome do dever de reserva. Numa grande parte dos casos, esses comentadores de serviço a certos órgãos de comunicação social que existem em todas as profissões não pretendem senão a sua própria projecção e, frequentemente, como o mostrou o sociólogo Pierre Bourdieu, buscam através dos “media” o reconhecimento que não encontram no seio do grupo profissional a que pertencem. Se querem opinar sobre decisões, que assumam abertamente a posição de críticos judiciais e que se especializem nisso, mas que deixem então de ser magistrados.
Esta clarificação é importante na medida em que, por um lado, se excluem do dever de reserva as informações sobre as decisões e seus fundamentos, sejam ou não prestadas pelos juízes titulares dos processos, e, por outro, se incluem no dever de reserva os comentários feitos por juízes que não sejam titulares dos processos e que envolvam juízos positivos ou negativos.
Uma novidade é a que diz respeito ao âmbito do dever de reserva, abrangendo processos que não estejam pendentes, mas que envolvam factos ou situações de irrecusável actualidade.
Sempre entendi que os juízes, nomeadamente os titulares dos processos, podiam prestar informações no intuito de esclarecerem as decisões e os seus fundamentos. Escrevi nesse sentido em artigos de jornal publicados há vários anos, quando assinava artigos de opinião no Jornal de Notícias. Com o decorrer dos anos e a experiência adquirida, vim a tornar-me mais céptico a tal propósito, ou, se não mais céptico, mais imbuído de um princípio de temperança. Há que sopesar as situações caso a caso. O juiz que acaba de proferir uma sentença e é logo assediado por órgãos de comunicação social a pretexto de esclarecer a decisão, corre o risco de entrar em debate ou argumentação com quem o interpela e, com isso, desautorizar a decisão, desautorizar-se a si próprio e pôr em causa o princípio em que assenta todo o veredicto judicial e a própria independência do tribunal. Aliás, esse risco existe sempre, porque é muito fácil ultrapassar a fronteira que separa o facto da opinião (neste caso, o esclarecimento do comentário), sobretudo se não se souber resistir a certas solicitações da comunicação social. Por outro lado, é preciso ver de que tipo de órgão se trata (imprensa escrita, rádio ou televisão), porque a atitude a adoptar para cada um deles é forçosamente diversa, e ainda saber que tipo de intenções movem o respectivo “media”: se se trata de uma verdadeira intenção de informar ou unicamente de explorar o caso de forma sensacionalista e demagógica.
Quanto aos comentadores de alheias decisões, acho bem que se lhes sejam impostas restrições em nome do dever de reserva. Numa grande parte dos casos, esses comentadores de serviço a certos órgãos de comunicação social que existem em todas as profissões não pretendem senão a sua própria projecção e, frequentemente, como o mostrou o sociólogo Pierre Bourdieu, buscam através dos “media” o reconhecimento que não encontram no seio do grupo profissional a que pertencem. Se querem opinar sobre decisões, que assumam abertamente a posição de críticos judiciais e que se especializem nisso, mas que deixem então de ser magistrados.
02 abril 2008
A propósito do Machado, do Marinho, do Oliveira, do Miranda e da prisão
O famoso Mário Machado gerou mais uma intervenção do actual bastonário da OA, objecto da rápida reacção blogosférica. Acabei de ler os comentários de Daniel Oliveira e de João Miranda, como já estou há muito ausente do Sine Die vou servir-me destes posts para lançar a minha posta pós almoço, um breve sinal de vida antes de regressar a outras escritas.
Existem dois pontos que importa distinguir:
1- Os pressupostos (ou pretextos) jurídico-penais que levaram a uma determinada medida ou situação, a prisão de um indivíduo;
2- O conjunto de factores que levaram as instâncias a optar num caso por uma intervenção de entre as possíveis e a análise das opções tomadas que podem determinar inferências sobre os seus motivos efectivos para além dos estritos factores ou argumentos juridicistas (nomeadamente em face dos padrões decisórios que se podem extrair de uma amostra, devidamente recolhida, das intervenções dessas entidades).
Neste, como noutros casos, os dos prós e os dos contras misturam os dois aspectos, expressando a amplitude do fenómeno que o postador João Miranda denuncia num seu outro post sobre a Escola da Ponte, uma tendência verdadeiramente socializada e transversal (da direita à esquerda, do pequeno ao grande) no opinar seguro.
Naturalmente, a abordagem referida sob 2 é mais trabalhosa e complexa, depende do domínio das premissas referidas em 1 e exige que se vá bastante além disso (uma chatice para os juristas, pois não só põe em causa o seu monopólio, um pressuposto subjacente à cultura jurídica nacional, como pode revelar o que convinha manter silenciado). No fundo, utilizando uma simbologia adequada aos blogs dos postadores Oliveira e Miranda, a identificação da «mão invisível» exige o conhecimentos das visíveis mas depende sobretudo da análise crítica de dados empíricos sobre as formas de processamento das instâncias decisórias em causa. Sendo certo que, a identificação das variáveis para o levantamento de dados já compreende pré-compreensões sendo também aí que se revela a seriedade dos estudos que nunca serão absolutamente neutros mas poderão ser escrutinados segundo alguns pressupostos metodológicos aceites nas comunidades científicas (será que em Portugal na área da sociologia existe uma comunidade científica ou apenas alguns cientistas sociais? Esta pergunta corresponde ao exercício do direito às minhas postas de pescada) .
O único aspecto que me parece seguro é que a análise das instâncias jurídicas e em particular judiciárias e respectiva cultura exige, sobretudo, o estudo do factor 2, minimamente sustentado em dados empirícos fiáveis que permitam inferências e contraditório de opiniões, até porque aqueles podem ser altamente contra-intuitivos.
O exercício corrente da opinião nacional, contudo, não costuma ser inibido por tais minudências, já que somos todos muito ciosos das nossas intuições, respondamos ao nome de João, Daniel ou Paulo.
Etiquetas: cultura judiciária, opinião