28 julho 2013

 

Onde está oo radicalismo


 

Muita gente estranha as posições que Mário Soares tem ultimamente tomado e atribui, o seu “radicalismo”, sem o explicitar, a um assomo de excessividade que acompanha a consciência do fim de muitos homens. Algumas reacções quase imperceptíveis, meias palavras, confessadas complacências, contrafeitas tolerâncias denunciam-no.

Porém, o radicalismo não está em Mário Soares. Está nas políticas que têm sido adoptadas e na perspectiva de continuidade dessas políticas. Com efeito, o que se tem feito até aqui, com a acumulação sucessiva de medidas de austeridade, é destruir a melhoria de condições de vida alcançada pela generalidade do povo português com o “25 de Abril”, recolocando numa posição de vulnerabilidade largas franjas da população portuguesa, com o afunilamento dos direitos laborais, a redução ou sonegação das prestações sociais e o aumento exponencial do desemprego (tudo isto para criar o ambiente favorável a uma plena disponibilidade  da mão-de-obra no mercado de trabalho e à sua consequente aquisição a custos mínimos),  destroçando a classe média e preparando-se para aniquilar o Estado Social (na saúde, na educação e ensino, na cultura).

Nem só Mário Soares tem protagonizado esse “radicalismo”. Também, entre muitos outros, Pacheco Pereira, que vem das hostes do PSD, mas enfatiza, na situação presente, a sua formação social-democrata. Também António Capucho, que ainda há dias ouvi na televisão a proferir uma das maiores diatribes contra as políticas de destruição que têm sido seguidas. E outros, e outros. Até Bagão Félix, não obstante ter atenuado ultimamente o seu ardor crítico.

Na verdade, nada tem sido mais violento e radical desde o “25 de Abril” do que aquilo a que se tem assistido nestes últimos anos. É doloroso ver esta destruição sistemática que uma política de contra-reformismo tem vindo a implementar. Podem vir os burocratas de Bruxelas, a Senhora Merkel mais o seu ministro Shauble, o presidente do Eurogrupo e os membros da troika afirmar que este é o caminho para a nossa salvação, mas o que se sente e experimenta é precisamente o contrário, a não ser que andemos com os olhos tapados ou que não os tenhamos suficientemente penetrantes para divisarmos as mirificas transformações de que estamos a ser alvo (Ver o ridículo de Shauble ao afirmar, há dias, que a Grécia tem feito grandes progressos).

Eles querem é o seu dinheiro com juros e querem afeiçoar o nosso país e outros (inclusive o deles) às exigências de uma acomodação europeia ao actual estádio da globalização capitalista.

24 julho 2013

 

Sumariamente inconstitucional

Lá o TC julgou inconstitucional a possibilidade de julgamento em processo sumário de crimes puníveis com pena superior a 5 anos de prisão (Ac. 428/2013, de 15.7.2013), consagrada na última e alegadamente miraculosa revisão do CPP. Era uma norma de feitura precipitada que podia dar em julgamentos igualmente precipitados; releva de uma cultura da "eficiência" a todo o custo, incluindo com sacrifício da Justiça. O TC julgou-a inconstitucional num decisão simples, da qual transparece o ócio do ilustre relator, obrigado a declarar uma evidência - como era o caso.

19 julho 2013

 

O discurso do Rei

segundo uma antiga lenda, para proveito e exemplo dos súbditos deste reino



Li algures que num reino minúsculo, que ficava situado num recanto do mundo, havia dois cidadãos de partidos diferentes que foram guindados ao governo pelo voto do povo para o salvarem da grave crise em que se encontrava.

Esses dois cidadãos eram deveras patriotas, ao menos no sentido em que proclamavam constantemente o seu patriotismo. Diz-se que cada qual deles porfiava por ser mais patriota do que o outro e que amavam o seu país acima de todas as coisas, mesmo acima do seu próprio povo. Primeiro o país, depois o povo.

Nenhum deles gostava de estar atrás do outro, isto é, de ser posto em segundo lugar, não porque o estar atrás ou à frente fosse muito importante, segundo as explicações que davam, mas porque queriam ambos, de igual maneira, servir o reino da melhor forma, não suportando que um deles fosse considerado mais servidor do que o outro.

Porém, um deles era o ministro-mor e o outro era o ministro com pretensões a mor, porque, evidentemente, aspirava mui legitimamente a servir o país como primeiro.

Vai daí, este último demitiu-se das suas funções, e o outro, o que era ministro-mor, não o deixou sair, por patriotismo. E imediatamente fez um discurso à Nação, dizendo que permanecia firmemente no seu posto e que não deixava sair o outro, a não ser que passasse por cima do seu cadáver, pois abandonar o barco, naquela altura, era uma traição.

O ministro demissionário retrucou que não voltava com a palavra atrás e o ministro-mor, por seu turno, disse que quem não voltava com a palavra atrás era ele. O demissionário, não vendo outra forma de levar a sua avante, anunciou que, em último caso, faria greve da fome em homenagem à sua consciência.

Estava a fazer bleuf, mas isso não o percebeu o ministro-mor, ou fez de conta que não percebeu. Entretanto, os ricos-homens do partido do ministro demissionário, que também não tinham percebido nada, começaram de fazer grande alarido, exigindo a presença no governo do seu príncipe.

Foi o que este quis ouvir, pois assim tinha ocasião de encarecer as suas exigências patrióticas. E disse solenemente: «Afinal, volto com a palavra atrás e ficarei, se passar a ter uma fatia de poder semelhante à do ministro-mor, porque o poder que eu tenho é pouco para o país que eu amo».

Pressões dum lado, pressões do outro, encerraram-se a negociar, até que chegaram a um acordo, que era este: O ministro-mor e o demissionário passavam a distribuir o poder de uma forma mais igualitária, ficando ao leme da governação em dias alternados. Porém, repararam que a semana não tinha um número par de dias. Como fazer? Esse foi um problema difícil de vencer. Ao cabo de muita excogitação, o ministro demissionário lembrou que o domingo era o dia do Senhor e que, nesse dia, deviam encomendar os destinos do país ao Altíssimo. Pois assim decidiram, aproveitando o ministro demissionário para exigir mais peso dos seus partidários no governo. No fim, deram um patriótico abraço e anunciaram ao país que o governo estava mais coeso do que nunca e que o ministro demissionário já não era demissionário, porque tudo tinha sido resolvido conforme o superior interesse da Nação, indo comunicar ao Rei o acordo a que tinham chegado.

No domingo seguinte, confiaram os destinos do país ao Altíssimo, conforme tinham combinado, e foram à missa solene que se celebrava na catedral, onde também se encontrava o Rei. Antes de começar o acto litúrgico, muitos ricos-homens, cavaleiros, infanções e damas da corte, que enchiam por completo as naves, deram muitas palmas aos ilustres governantes e ao Rei, congraçando-os com o ofício divino, se bem que alguma arraia miúda, sabendo do caso, murmurou e criticou tal acto, comparando-o com o episódio evangélico dos vendilhões do Templo. O certo é que não apareceu ali o Divino Mestre a expulsá-los a golpes de azorrague e tudo correu da melhor forma.

Porém, nos dias seguintes, o Rei, depois der ouvido os seus leais conselheiros, sobre a cabeça dos quais, segundo a lenda, pairou uma pomba misteriosa, fez um solene discurso à Nação e disse: “O nosso destino é o mar. Nele nos perderemos ou salvaremos. Vamos ao mar, meus súbditos. Ficam revogados todos os acordos em contrário”.

Jonathan Swift (1665 – 1745)




15 julho 2013

 

Justiça penal americana: credibilidade para uns, desconfiança para outros

É costume no nosso país ouvir dizer que a justiça (penal) americana está altamente credibilizada e legitimada entre o povo.
Eu aceitarei mas com uma precisão (importante): credível/legítima para os brancos e só para os brancos.
O recentíssimo caso George Zimmerman, o vigilante que matou o jovem negro Trayvon Martin é significativo: os brancos aplaudiram, os negros insurgiram-se e manifestaram-se ruidosamente em muitas cidades, fazendo deste caso um acontecimento que atravessou todo o país e o converteu em mais um episódio da velha querela entre brancos e negros, aparentemente (e oficialmente) resolvida, mas que periodicamente explode, com o mais pequeno rastilho.
A provar o que digo, aí está a reação de Obama, uma reação subliminar, mas incisiva. Disse ele: "Se tivesse um filho, ele seria igual a Trayvon Martin."

14 julho 2013

 

Os carrascos


No"post" anterior, citei mal a frase dos carrascos proferida por Assunção Esteves: "Não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus costumes". O Maia Costa citou-a correctamente. Antes de colocar o meu "post", não li o do Maia Costa, para não me deixar influenciar. Se o tivesse lido, teria confrontado a minha citação com a dele e teria podido corrigi-la.

A frase proferida pela presidente da Assembleia, também não corresponde à que Simone de Beauvoir escreveu num dos ensaios que compõem a obra O Existencialismo E A Sabedoria Das Nações (Editorial Estampa, 2.ª edição, 1967). Esse ensaio - "Olho Por Olho" - é o último do livro e começa exactamente com esta frase: "Os nossos carrascos criaram-nos maus costumes", escrevia com desgosto Grachus Babeuf.

Portanto, a frase atribuída a Simone de Beauvoir é ela própria uma citação e o simples enunciado dela mostra que o seu sentido foi completamente adulterado pela presidente da Assembleia da República.

Em primeiro lugar, foi adulterado pela radical diferença de contextos sociais e políticos: a ocupação nazi, no caso de Simone de Beauvoir, e um protesto contra as políticas do governo de Passos Coelho por manifestantes nas galerias da Assembleia, no caso do acontecido há dias em Lisboa.

Em segundo lugar, a frase citada por Simone de Beauvoir, a abrir o seu ensaio: “Os nossos carrascos criaram-nos maus costumes”, escrevia com desgosto Grachus Babeuf é uma frase dolorida e lamentosa e constitui o ponto de partida para uma brilhante reflexão sobre a justiça, o castigo e a culpa, tendo como pano de fundo o fim da 2.ª Guerra Mundial e a perseguição aos colaboradores do regime nazi, sustentando a tese de que a vingança nunca pode ser uma forma de realização da justiça e de que esta, tendo todavia a marca de ambiguidade que é própria da nossa condição, tem de assentar numa ordem de valores que se fundamente na essencial liberdade humana para escolher  entre o mal e o bem.

De forma que Assunção Esteves também parece ter agido como “carrasco” (em sentido metafórico, claro) de uma autora tão brilhante como Simone de Beauvoir.

 

12 julho 2013

 

Uma imagem que se desfaz


Assunção Esteves era normalmente vista como uma pessoa simpática, sensata, controlada,  tolerante e com um discurso inteligente. Talvez por isso, a sua eleição para presidente da Assembleia da República foi aceite pacificamente por todas as bancadas.

Esse seu espírito, bem como a sua conduta marcada por uma  cultura feminista, deve ter sido o que levou Maria Teresa Horta, posicionada num campo ideológico completamente diferente, senão antagónico do dela, a declarar ver com bons olhos que a entrega do prémio D. Dinis, que conquistou com o seu romance As Luzes de Leonor, lhe fosse entregue pela ex-Juíza-Conselheira do Tribunal Constitucional, o que não veio a acontecer, tendo-se recusado frontalmente a recebê-lo das mãos do primeiro-ministro.    

Acontece que há ocasiões em que a imagem superior que se formou de determinada pessoa se estilhaça num repente, devido a uma palavra, um gesto, uma atitude. Foi o que aconteceu (ou creio ter acontecido) com Assunção Esteves. Na sua intervenção de ontem na Assembleia da República, diante de uma manifestação de funcionários públicos nas galerias, Assunção Esteves exibiu, num relance, uma faceta inesperada do seu génio, puxando uma voz estentórica, desordenada e feia e gritando ordens de evacuação completamente fora de si.

Mas o pior dessa triste cena foi quando, evacuadas as galerias, ela exortou os deputados a não terem medo, nestes termos: «Não devemos ter medo dos nossos carrascos, como disse Simone de Beauvoir».

Para além da ofensa, completamente deslocada, aos manifestantes, tendo em vista o contexto daquela frase, a presidente da Assembleia da República insultou a memória de Simone de Beauvoir e mostrou não ser digna da sua evocação.

 

 

A comunnicação


 

 

A comunicação do PR ao país veio provocar um dilúvio de interpretações, que não há meio de estabilizar pela fixação de um sentido coerente e consensual. Juristas, com destaque para os constitucionalistas, políticos, politólogos, comentadores de todos os matizes, jornalistas, cidadãos em geral, todos se debatem com a magna questão de encontrar o fio de Ariadne que permita encontrar a saída para o labirinto em que se traduziu essa mensagem.

Se com ela se pretendeu clarificar a situação de impasse criada pela crise governamental, o resultado foi precisamente o contrário.

E se a comunicação bateu insistentemente a tecla das consequências gravosas para o pais derivadas da indefinição política, relativamente à perda de credibilidade e consequente agravamento dos juros da dívida, ela própria veio acrescentar maior ambiguidade e contribuir para aprofundar (ou prolongar) aquelas consequências, como se está a ver.

De modo que o PR vai sentir-se pressionado pela situação a apagar apressadamente os fogos que a sua comunicação não soube fazer extinguir e antes reactivou.

 

"Carrasco", o que é?

A presidente da AR gosta de dar lições de cultura política e cívica aos autores de protestos nas galerias, preocupando-se geralmente em mostrar a sua erudição nessas áreas (e assim contribuindo para a elevação do nível cultural e cívico do povo ignaro que elegeu aqueles representantes).
Dentro dessa linha, ontem produziu um comentário que deixou algumas dúvidas de interpretação. Disse ela: "Não podemos deixar, como dizia Simone de Beauvoir, que os nossos carrascos nos criem maus costumes."
A obscuridade foi depois explicada pela assessoria da presidência da AR: "carrasco é qualquer elemento de perturbação". Portanto, "carrascos" seriam, terão sido, os assistentes que das galerias lançaram uma ação de protesto, com gritos e cartazes, no decorrer dos trabalhos parlamentares...
Creio sinceramente que se trata de um conceito claramente excessivo. "Carrasco" denota uma atitude de crueldade que está evidentemente ausente de um ato de protesto sonoro.
Mas o mais interessante é o recurso a uma citação de Simone de Beauvoir, procurando a citadora uma legitimação "à esquerda" para a sua ordem de "despejo" das galerias. Não conheço a frase nem a obra donde terá sido extraída - uma "antologia" (???) de 1945. Mas tenho muitas dúvidas de que estivesse no espírito da alegada autora da frase a adequação da mesma a uma situação como a que agora ocorreu na AR...
Enfim, aguardemos mais umas pílulas de erudição nos próximos protestos (se os houver, já que "provavelmente" as regras de acesso às galerias vão ser "reconsideradas"...).

09 julho 2013

 

Subserviência para com os "caçadores"

Afinal não foram "motivos técnicos" que levaram Portas a recusar a aterragem do avião de Morales em Portugal, como ele hoje confessou na AR.
Foi o receio que viesse no avião E. Snowden. Foi, afinal, a subserviência, a submissão portuguesa ao "amigo americano".
O que é extravagante (não fosse a política externa da UE uma completa extravagância) é que, depois de se indignar em público com a espionagem americana sobre a Europa, a mesma Europa agora faça tudo para ajudar os américas a perseguir o denunciador do escândalo.
Em vez de o aclamar como herói, a triste Europa colabora com os que o querem "caçar"... (Será esta a "Europa dos valores"? Valores cinegéticos talvez...)

 

Lampedusa

Lampedusa é um dos lugares mais escuros da Europa. Está nas traseiras dos lugares esplendorosos de que os europeus se orgulham. É certo que as traseiras nunca são tão brilhantes como a fachada, mas não devem envergonhar. E estas traseiras envergonhariam mesmo, se houvesse vergonha nos governantes europeus, nos do sul e também nos do norte.
Francisco foi a Lampedusa na sua primeira saída do Vaticano. Um gesto inesquecível.

 

Os quatro cúmplices


 

 

França, Itália, Espanha e Portugal formaram uma Santa Aliança com os Estados Unidos da América do Norte para impedirem o avião onde viajava o presidente boliviano, Eva Morales, de sobrevoar o espaço aéreo dos respectivos territórios e de aterrar nos seus aeroportos para  se reabastecer de combustível.

Havia suspeitas de que a aeronave, procedente da Rússia, transportasse no seu interior Edward Snowden e nenhuma das entidades oficiais desses países queria ferir as susceptibilidades dos States e, mais do que isso, quebrar o pacto de cumplicidade a que se tinham comprometido.

O avião onde viajava o presidente boliviano foi, assim, obrigado a manter-se no ar, com risco de falha de combustível, e a fazer uma longa e inusitada travessia aérea, até finalmente conseguir aterrar na Áustria.

Não há dúvida de que isto não é mais nem menos do que a afirmação do velho imperialismo americano, de que justamente a Bolívia e outros estados sul-americanos têm acusado os USA e os países europeus que deram mostras de tal servilismo de o acolitarem vergonhosamente.

As desculpas que esses países forneceram são ridículas e, no caso de Portugal, acanalhadas (problemas técnicos impediram a aterragem em Lisboa, vejam lá!).

Tudo tão mais absurdo, quanto é certo Snowden ter revelado uma gigantesca operação ilegal de espionagem sobre países e pessoas de todo o mundo e ter posto vários países europeus a ferver de indignação com revelações que foram feitas pelo tal Snowden, acusado de traição e de crimes que, chamem-lhe o que lhe chamarem, são crimes políticos, que, na maior parte desses países, impediriam a extradição, se fossem cumpridas as reservas colocadas aos respectivos tratados.

Acresce a isto que os USA se opuseram arrogantemente ao Tratado que instituiu o Tribunal Penal  Internacional, a que esses países europeus aderiram, arvorando-se eles próprios em executores de uma justiça internacional, pautada pelos seus únicos e exclusivos interesses e exigindo de forma imperial que os outros países se curvem perante as suas exigências justiceiras.

Uma monstruosidade!

08 julho 2013

 

Madame La Garde reconhece a sua incompetência

Madame La Garde voltou a reconhecer que o organismo que dirige tem cometido erros graves nos programas de "ajustamento orçamental", porque utilizaram "parâmetros pouco fiáveis".
Já não é a primeira vez que faz esta confissão e o ecomonista-chefe daquela organização também já mostrou arrependimento.
Fica muito bem reconhecer os erros, embora se pasme que um organismo da ONU seja dirigido por gente tão incompetente (onde se terão formado? e com que classificação?).
Mas o que agora importa é tirar daí as consequências, não é madame?
Por exemplo, dar as devidas instruções ao dr. Selassié, que não tarda aí...

 

O que significa a palavra "irrevogável"

Julgava eu (e o meu dicionário Houaiss), que conhecia o significado da palavra "irrevogável"... Enganei-me.
A prática política determina na verdade uma flexibilidade léxica e linguística que enriquece profundamente a nossa vida coletiva e a nossa cultura... Há certamente ainda muito mais a esperar destes atores.

07 julho 2013

 

Mais um pouco sobre as "(in)disposições trânsitórias"

Já no n.º 6 do artigo 5.º da L 41/2013, de 26 de Junho (a tal que aprovou o "Novo Código de Processo Civil") dispõe-se que "Até à entrada em vigor da Lei de Organização do Sistema Judiciário, competem ao juiz de círculo a preparação e julgamento das acções de valor superior à alçada do tribunal da Relação instauradas após a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei (...)" (itálico meu)

O fim dos juízes de círculo é uma opção legislativa que não comento. O que me parece é que desta vez (com esta norma) o legislador foi imprudente - e precipitado. Quis, como infelizmente sucede, "mostrar trabalho" sem curar de saber se vai haver "trabalho" para mostrar. É que os juízes de circulo (reconhecidamente uma das instituições judiciárias que melhor funciona) existentes estão "calibrados" para um determinado volume processual, no qual entra, apenas, o julgamento. Se bem vejo as coisas, a preparação desses julgamentos implica uma afectação de meios (leia-se: de juízes) que só virá com a citada Lei de Organização do Sistema Judiciário - lei que não se sabe quando vem e nem mesmo se o Governo que a suporta se aguentará nas canelas até que ela venha.

O risco é óbvio: quando aquela lei vier (quando e se) é provável que alguns juízes de círculo já estejam - como se diz no jargão forense - "afundados". E isto é um mal; não é "mostrar trabalho" - é por o "carro à frente dos bois" e, como se diz na minha terra, "esperar pelo ovo no traseiro da galinha"...

 

Um ano de tutela

O legislador, essa entidade misteriosa, “encomendou-me”, a mim e aos demais colegas (e digo colegas de caso pensado – e não também advogados – pelo que virá a seguir), como leitura estival (imagine-se), o “Novo Código de Processo Civil”. Como nem as férias me chegaram e nem o Verão chegou ainda aos Açores (e há quem diga que já não vem), comecei a adiantar caminho, que aquilo é coisa para deglutir devagar. Iniciei-me, naturalmente, pela “Exposição de Motivos”, onde o legislador de ordinário motiva tudo (e apenas) o que não interessa saber, e passei logo ao articulado e em primeiro lugar, como também julgo ser uso de todos, às chamadas “normas transitórias”.

De entre estas, uma captou a minha atenção. Trata-se do artigo 3.º da L 41/2013, de 26.6 (que justamente aprova o “Novo Código”), que, sem pudor (e, sobretudo, sem pinga de respeito pela advocacia), dispõe que “No decurso do primeiro ano subsequente à entrada em vigor da presente lei: a) O juiz corrige ou convida a parte [leia-se: o advogado da parte, mandrião-que-não-passou-as-férias-e-nem-o-ano-seguinte-a-estudar-o-“Novo Código”] a corrigir o erro sobre o regime legal aplicável por força da aplicação [note-se a excelência do português] das normas transitórias na presente lei”; e, insistente, prossegue o legislador na alínea b), que “Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte [leia-se: o advogado da parte, mandrião-que-não-passou-as-férias-e-nem-o-ano-seguinte-a-estudar-o-“Novo Código”] age em erro sobre o conteúdo do regime processual (!) aplicável, podendo vir a praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam evitáveis, promover a superação do equívoco” [interpolados e itálicos meus].


Portanto, e em resumo: durante um ano, o juiz é tutor do advogado (proémio); e, nessa condição: (al. a) repara erros que o advogado já tenha cometido; ou/e, (al. b), previne erros, quando ainda sejam evitáveis (uma redundância preciosa; além do mais, ao que parece e ao menos em parte, se forem erros inevitáveis, o juiz fica obrigado a repará-los, mas agora de acordo com a alínea a)...)


Que complexos, preconceitos ou estereótipos justificam um paternalismo tão aviltante, é coisa que não alcanço. Mas gostava de ouvir o dr. Marinho Pinto.


06 julho 2013

 

A eleição do novo presidente do STJ


Devemos estar orgulhosos pela forma civilizada como decorreu a eleição do novo presidente do Supremo Tribunal de Justiça. O acto processou-se dignamente, com elevação e com uma excelente condução dos trabalhos pela mesa.

Esta eleição, a meu ver, representa uma viragem e o começo de um novo ciclo no tribunal de cúpula da organização judiciária portuguesa. Atrever-me-ia a dizer mais: representou um verdadeiro corte epistemológico na tradição seguida até aqui, para empregar uma expressão de Gaston Bachelard com um sentido um pouco transviado.

Pela primeira vez foi eleito presidente um juiz que acedeu ao STJ pela via do Ministério Público. Já houve presidentes no passado que tiveram o seu principal desempenho profissional na magistratura do Ministério Público, como, entre outros, Manso Preto e Pedro de Macedo. Porém, isso foi no tempo em que os quadros superiores do Ministério Público provinham da magistratura judicial, ou em que, tendo já ocorrido a separação de carreiras com a consequente autonomização do Ministério Público, com a Lei n.º 39/78, de 5 de Julho, certos magistrados dos escalões superiores desta magistratura continuaram ligados à magistratura judicial, nunca tendo feito a opção pelo Ministério Público.

Não assim com o presidente agora eleito, que, tendo feito tal opção numa fase ainda recuada da sua carreira, o que foi permitido pela citada Lei 39/78, ficou a pertencer aos quadros do Ministério Público e dentro desta magistratura fez toda a sua evolução profissional, até ao momento em que reuniu condições para concorrer a juiz-conselheiro do STJ.

Ora, a sua eleição para presidente nestas condições ocorreu pela primeira vez, o que assume um significado de relevo dentro da tradição do STJ, em que a maioria dos juízes é oriunda da magistratura judicial e fazia sentir o seu peso em vários actos institucionais do Tribunal, sobretudo na eleição para os cargos de chefia, facto que se tem vindo a diluir gradualmente, mas ainda tinha um bastião de resistência na eleição presidencial, sendo o presidente do STJ também presidente, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura – o órgão constitucional de gestão e disciplina dos juízes.

Esse bastião foi agora rompido com esta eleição, o que significa que a maioria dos seus juízes assimilou que há várias vias de acesso ao STJ e que todos eles são juízes conselheiros de pleno direito. E significa mais: que para presidente deve ser eleito aquele  que em melhores condições está para desempenhar o cargo de uma forma digna e dignificante e que melhor possa contribuir para o prestígio e a credibilidade dos tribunais, através do exemplo modelar do STJ e do órgão máximo de gestão e disciplina dos juízes, independentemente da via por que se acedeu a juiz-conselheiro.

De forma que, com esta eleição, a maioria dos juízes do Supremo deu um  sinal claro (pela expressividade dos votos, que resolveu a eleição logo à primeira volta) de rompimento com uma visão corporativa dentro da própria corporação dos juízes. E deu também um sinal claro de que a escolha deve recair, como recaiu, em quem sabe distinguir o essencial do acessório, tendo em vista a dignificação da justiça, que tem como destinatários os cidadãos, e não põe os olhos em falsas miragens que no  fundo se traduzem em reivindicar para os juízes posições de maior destaque social ou mediático, mas não necessariamente de mais engrandecimento da função.

02 julho 2013

 

Os briefings do dr. Pedro Lomba: uma vezes on, outras vezes off, propaganda sempre

Para melhorar a "comunicação" com os portugueses, o governo iniciou ontem contactos diários com a imprensa... O problema dos portugueses não é, afinal, a austeridade e todas as desgraças que a têm acompanhado, o problema é que estão mal informados e agora o governo prestimosamente quer prestar-nos esta ajuda preciosa de nos informar, para não nos deixarmos enganar pela vozes perniciosas de alguns transviados que nos querem convencer de que temos direito aos direitos que vêm na Constituição.
Para isso o dr. Pedro Lomba, anterior cronista de jornal, agora governante, inventou um novo método: o dos "briefings", o que quer dizer uns encontros com os jornalistas, que não são bem conferências de imprensa, nem debates, são uma espécie de reuniões ou conversas amigáveis com os jornalistas sobre os temas escolhidos pelo governo, os temas que o governo acha que estão mal compreendidos pelo povo... E então,  dr. Lomba escolhe o tema, chama os jornalistas e explica-lhes o que eles devem explicar ao povo (que por vezes é duro de entendimento).
Mas ainda falta o melhor. É que as tais conversas têm duas fases: a fase "on" é aquela em que os jornalistas podem gravar, registar imagens, relatar o que se passou ao pagode; mas segue-se a fase "off", que é secreta, pelo menos para nós, cidadãos indiferenciados. Aí os jornalistas desligam os aparelhos e nada podem dizer do que lá se passa... Brilhante, não é verdade? A liberdade de imprensa interpretada pela dupla Maduro/Lomba...
Será que os jornalistas vão aceitar esta tentativa de manipulação?

01 julho 2013

 

Esse pequeno detalhe


 

O ministro das Finanças foi-se embora, mas podia ter-se mantido no governo, porque era um ministro muito competente, apesar de ter falhado todas as previsões. Além disso, era muito apreciado lá fora, sobretudo pela troika, a ponto de se dizer que era mais um ministro da troika do que do país. Ele próprio, aliás, dizia que não lhe interessavam as apreciações dos portugueses que se manifestavam nas ruas, nem dos que opinavam contra a sua política de férrea austeridade, nem tão pouco queria saber da impopularidade de que era alvo. O que lhe interessava era o elevado conceito em que era tido internacionalmente, sobretudo pela troika dos nossos credores, cujos ditames ou diktats ele seguia com um rigor inexcedível. Atento, obediente e agradecido.

Ora, num governo que fez do programa da troika o seu próprio programa, redobrando as medidas de austeridade para ser ainda mais rigoroso do que a troika, ele estava lá muito bem, ainda que para nós, portugueses (para uma grande parte deles, pelo menos), ele estivesse lá muito mal. Mas isso – esse pequeno detalhe – que interessava, afinal?

 

Onde estão os terroristas

Sabemos agora onde a contraespionagem americana (vulgo NSA) procura os terroristas:  é na sede da ONU, nos escritórios da UE em Washingtom, e mesmo em Bruxelas, é na Alemanha, em França, na Europa em geral. Todos são terroristas, sobretudo os aliados. Tudo e todos são suspeitos. A paranóia tomou conta da Casa Branca. Obama ratifica tudo o que é pior: Guantánamo, drones, espionagem maciça interna e externa... (Ele tem que demonstrar que é pior que os brancos...)
Percebe-se bem porque a todo o custo a Casa Branca quer o traidor Snowden...

 

A verdade e a justiça é a verdadeira (e única) meta do processo penal

Sempre fui a favor da aplicação extensa das formas alternativas do processo penal, de uma administração dinâmica e não burocrática do inquérito e do exercício da ação penal.
Mas isso não tem nada a ver com a definição em abstrato de "metas" ou "objetivos de ação". Uma definição abstrata de "metas" é uma outra forma de burocracia, de justiça formal.
Em matéria de justiça, as únicas metas são a análise consciente e responsável do caso concreto!

 

Gaspar sai pela porta do cavalo

Ou me engano muito, mesmo muito, ou o governo está ferido de morte. Este Gaspar, agora de malas aviadas, era o rosto do governo lá fora, o garante da ortodoxia/submissão junto da Alemanha, de Bruxelas, da madame La Garde. Para o substituir, o PM não arranjou ninguém mais credível (e disposto a embarcar numa barca a meter água abundante) do que uma "ajudante" e com alguns problemas swápicos.
Enfim, preocupações para o dr. Selassié, que não tarda a chegar aí para saber como é...
Quanto a Gaspar, vamos lá ver onde os amigos/patrões o põem... Ele merece uma boa compensação, caramba!

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