29 outubro 2018

 

Bolsonaro, o presidente eleito




Jair Bolsonaro ganhou as eleições no Brasil, como já era de esperar. Mesmo assim, o eleitorado que votou em Hadad é muito expressivo. Acima de 40%, o que significa que uma fatia enorme de eleitores é contra as pretensões do presidente eleito. Algumas alianças ele terá de fazer com outras forças partidárias. É claro que ele poderá obter consenso com outras forças partidárias menores para fazer passar medidas de carácter mais ou menos ditatorial e fascizante. Não me parece que seja tão difícil como isso. O ódio dele é sobretudo contra “os marginais vermelhos do PT” e tudo o que está subentendido nessa expressão: uma política de carácter mais social; os direitos das minorias étnicas, os direitos dos homossexuais, os direitos das mulheres, os direitos dos trabalhadores em geral, como sinónimo de perturbação latente ou efectiva da ordem social, etc.
Ele já foi adiantando algumas das medidas mais agressivas e voltadas para a violência, o controle do aparelho de Estado e do poder judicial. A exclusão da ilicitude das intervenções policiais é uma das medidas mais propiciadoras da violência estadual e de carácter mais fascizante que ele anunciou durante a campanha. A propósito da campanha, ele furtou-se ao debate frente-a-frente, o que dá bem a ideia da sua mediocridade e da sua concepção da democracia. Um candidato que se furta a debates públicos com outros candidatos deveria, pura e simplesmente, ser excluído da campanha eleitoral e inibido de concorrer às eleições.
No dia de ontem, após ganhar as eleições, ele vestiu a pele de cordeirinho cumpridor das regras democráticas, mas é claro que soube recolher as garras afiadas com que muitos brasileiros sonham impor a mudança e pôr o país na ordem.


 

E agora, José?

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher.
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra.
sua gula e jejum,
seu instante de febre,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense.
se você dormisse.
se você cansasse,
se você morresse.
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato.
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
sua gula e jejum,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade


27 outubro 2018

 

O Brasil à beira do abismo

Creio que há duas razões fundamentais para a popularidade de Bolsonaro: por um lado, a enorme dimensão da violência urbana e a consequente insegurança dos cidadãos; por outro, o elevado grau de corrupção, atingindo as mais altas figuras do Estado, as atuais e os anteriores governantes do PT,  descredibilizando inevitavelmente as instituições democráticas.
É nestas situações que as propostas autoritárias ganham força, bem o sabemos. Como também sabemos que os regimes autoritários, mesmo que com capa democrática, não resolvem os problemas nem da segurança, a não ser impondo o terror, que é outra forma de insegurança, nem da corrupção, que passa apenas a ser mais selecionada e regulada pelo poder.
Nesta hora, porém, grande número de brasileiros, ao que parece a maioria, incluindo os jovens, querem a solução da força. Vão aprender caro quanto custa tal opção.
E a esquerda brasileira vai ter uns anos, infelizmente talvez muitos, para refletir, fazer autocrítica (em vez de atirar as culpas para o poder judicial), e apresentar-se ao povo brasileiro com nova cara (e novas caras) para imprimir um novo rumo ao Brasil.
Quantos anos durará a noite que se avizinha é que é uma incógnita...

22 outubro 2018

 

Bolsonaro em Portugal

Segundo a associação profissional da GNR, os criminosos não têm direito ao mesmo respeito e consideração que os cidadãos comuns.
Bolsonaro ainda não foi eleito no Brasil e já tem fiéis seguidores em Portugal?


18 outubro 2018

 

As "suspeitas" do "superjuiz"

Falar apenas quando é indispensável para o esclarecimento da opinião pública, essa é uma regra de ouro do estatuto ético dos juízes. Falar para baralhar, para confundir, para lançar suspeições veladas sobre atos judiciais é absolutamente condenável. Se há provas ou indícios graves de irregularidades, apresentem-se imediatamente e no lugar próprio; se são meras suspeitas devem ficar a "aguardar melhor prova", e nunca ser lançadas no palco do horário nobre da televisão, embrulhadas numa entrevista sem qualquer interesse informativo, deixando a opinião pública perturbada, sem saber bem o que pensar...
Lançar a suspeição sobre a distribuição dum processo altamente mediatizado é afinal colaborar com aqueles que não têm interesse em discutir o fundo da questão (os factos e as provas), antes tentar evitar por todos os meios essa discussão, desviando as atenções para questões "colaterais".
Que seja um juiz, precisamente o juiz que interveio no processo em fase anterior, a fazer isso é estranho e em qualquer caso condenável.

15 outubro 2018

 

Retomando o tema do feminismo

Apenas para dizer que o Maia Costa completou muito bem o meu texto, captando com argúcia as concepções retrógradas que subjazem ao "feminismo" de alguns movimentos recentes, como o Me Too, que vão encontrando eco entre nós.
Também não gostei nada do artigo de Ana Cristina Santos, pelo qual ficámos a saber que "tocar no corpo de uma pessoa sem o seu consentimento expresso é crime".
Acontece é que eu me equivoquei relativamente aos tribunais especializados, ou, pelo menos, não me expressei com suficiente clareza. Não pode haver tribunais especializados para tudo quanto se queira, nomeadamente tribunais com competência exclusiva para o julgamento de determinadas categorias de crimes, pois tal é expressamente vedado pela Constituição (art. 209.º, n.º 4). Por conseguinte, os tribunais especializados para o julgamento de crimes de violência doméstica ou de natureza sexual não cabem no âmbito da nossa lei fundamental.

12 outubro 2018

 

YouToo


            O movimento MeToo chegou a Portugal e com a virulência que caracteriza a sua matriz originária norteamericana.
            Retomando o que já aqui adiantou Artur Costa, afirmo sem rodeios que este movimento feminista nada tem de libertador ou progressista, antes radica em preconceitos e estereótipos conservadores e puritanos.
            Desde logo, a imagem do homem e da mulher de que parte. A mulher é um ser imaculado, inocente, sincero, permanentemente sujeito às investidas perversas dos homens, desde a mais tenra infância (desde o 1º ciclo, como lembra a investigadora do CES Ana Cristina Santos no “Público” de hoje), os homens, esses seres pervertidos, promíscuos, imundos, sempre a pensar no que está por baixo das saias das mulheres…
            Esta conceção de mulheres e homens é profundamente conservadora, talvez se possa mesmo dizer profundamente machista…
            Contra o género masculino, o MeToo português propõe-se criar um “exército de mulheres”, um corpo militar coeso de mulheres violadas (o que não é difícil encontrar, porque “uma em cada três mulheres foi vítima de pelo menos um ataque de natureza sexual ao longo da vida”) e também de não violadas, porque “todas incorporamos desconforto e violência” (vide o citado artigo).
            Até ao recrutamento do exército, o movimento opera pela denúncia aos tribunais de todas as agressões sexuais sofridas por mulheres. Sabendo-se que os tribunais estão repletos de homens tendencialmente violadores e de mulheres complacentes, há que reorganizar os tribunais, ou seja, criar uma espécie autónoma de tribunais especificamente para julgar os crimes sexuais, preenchidos somente com mulheres (recrutadas a pente fino) e criar regras processuais especiais, probatórias nomeadamente (a palavra da mulher nunca deve ser posta em causa, se possível a inversão do ónus da prova).
            Neste ponto, o MeToo português tem como ponto de referência o admirável sistema penal norteamericano, por exemplo: prisão perpétua para os violadores, imprescritibilidade do direito de queixa das vítimas e das penas.
            O obscurantismo, o puritanismo, os preconceitos, a “caça às bruxas” estão de regresso e disfarçam-se de luta libertadora…


 

PGR

Joana Marques Vidal não foi reconduzida. A justificação foi o respeito pelo "princípio do mandato único", pelos vistos um sagrado princípio geral do direito público, embora teorizado à pressa e subscrito por alguns eminentes juristas como Marcelo Rebelo de Sousa. Esperemos que este não se esqueça do mesmo princípio na hora das próximas eleições presidenciais.
Mas a solução encontrada, já aqui o disse, é perfeitamente aceitável e, pelo que conheço da nova PGR, há condições plenas para o MP continuar o caminho iniciado com Joana Marques Vidal.
Porque foi precisamente isso que ela fez: recomeçar o MP, e até mais, dar-lhe um dinamismo jamais alcançado depois de ganha a autonomia, com o 25 de Abril. Um dinamismo conjugado com uma incontestável isenção. É essa atitude que importa conservar. O MP adquiriu uma importância na vida portuguesa como nunca teve, ocupando finalmente o lugar institucional que lhe cabe constitucionalmente como defensor da legalidade democrática.
O legado de JMV é evidente.

 

A culpa é do juiz Sérgio Moro

Quem o diz é Boaventura Sousa Santos (artigo do dia 10 no "Público"). Esta foi a cegueira que afetou toda a esquerda brasileira e a levou à beira do precipício e presumivelmente mesmo para o precipício no próximo dia 28. A operação Lava-Jato é uma invenção do imperialismo americano e o juiz Sérgio Moro foi "o agente principal dessa intervenção imperial"... (Será que ele próprio, BSS, acredita nisto?) Se não fosse essa intervenção imperial, não existia corrupção no Brasil, o PT seria um modelo de partido transparente e Lula não tinha que dar conta de apartamentos recebidos e outras bagatelas.
Foi assim que o PT caminhou eleitoralmente para a ruína, apostando tudo no Lula, mesmo preso, como se ele fosse um preso político, depois escolhendo um candidato apresentado como testa de ferro de Lula, a quem ia prestar vassalagem e pedir instruções todas as semanas à prisão de Curitiba.
Agora Haddad tenta fazer esquecer Lula, apagá-lo completamente da sua campanha eleitoral. Não é bonita esta atitude. Mas a pergunta é: irá a tempo? Tudo indica que não...


10 outubro 2018

 

Legislar ao sabor da corrente


Há indícios preocupantes de que estamos cada vez mais inseridos num regime legiferante (principalmente a nível penal e processual penal) que anda ao sabor de ondas mediáticas. Basta um qualquer órgão de comunicação social referir ou fazer alusão a uma qualquer decisão judiciária que parece chocar uma certa sensibilidade social, muitas vezes induzida pelos próprios “media”, para que logo apareçam pessoas indignadas (normalmente com acesso aos mesmos “media”) a vociferarem contra essa decisão, quase sempre sem a conhecerem, porque tomam como fonte primária o que veio publicado e não a decisão que criticam, erro este muito comum mesmo entre pessoas com responsabilidade social, escolar ou informativa. (Curioso que os “media” não descubram nenhuma das muito boas decisões dos nossos tribunais para darem público testemunho delas, mas só aquelas que são apontadas, com boas ou más razões, como chocantes e que fazem aumentar o número de leitores, de ouvintes ou de telespectadores).
O certo é que as críticas a tais decisões se vão avolumando com o número multiplicado, por alastramento, de tais críticas. Uma novidade dos tempos actuais é começar a reclamar-se formação especializada dos juízes nos vários domínios onde se revelam as pretendidas deficiências que as críticas que vão sendo feitas assinalam. Assim, reclama-se formação especializada na área da violência doméstica (mais concreta e redutoramente, na área da violência doméstica contra as mulheres); reclama-se depois formação especializada na área dos crimes sexuais; logo depois, no domínio dos crimes contra a corrupção, e por aí fora. Mais do que isso: tem-se reclamado tribunais especializados (suponho que não são tribunais especiais, de má memória entre nós, por causa dos tribunais plenários do tempo do fascismo, tribunais especiais esses que não encontram sustentação na Constituição da República, mas tribunais especializados) para o julgamento dos crimes ocorridos em cada uma das áreas onde se notam as referidas deficiências. Às tantas, só teríamos tribunais especializados e juízes encouraçados na sua formação especialíssima.
Para cúmulo de tudo isso, está a solidificar-se cada vez mais um regime legiferante que se caracteriza pela emissão de leis para dar resposta pontual a cada situação a que se vai dando relevo mediático. Agora, fala-se de uma lei para limitar ou mesmo impedir a substituição da pena de prisão por pena de de prisão suspensa, nos crimes sexuais. E isto porquê? Porque, na sequência de um muito criticado acórdão da Relação do Porto que confirmou a suspensão da pena de prisão num crime de abuso sexual de mulher inconsciente (a propósito, a comunicação social quase sempre omitiu ou secundarizou o facto de o relator dessa aresto ter sido uma desembargadora, dando sobretudo relevo ao juiz que foi seu adjunto), a comunicação social veio revelar que só 37% de condenações por crimes de natureza sexual eram de prisão efectiva.
Com que base científica sólida é que se vai, então, partir para uma tal lei? É, mais uma vez, a comunicação social que serve de fonte primária, fidedigna e credenciada para a produção legislativa? Leiam a lúcida posição exposta no Expresso de sábado passado pela deputada socialista Isabel Moreira.


 

O novo feminismo


Ainda bem que Teresa Rita Lopes e Raquel Varela escreveram ontem, no Público (“Luta de sexos, o novo feminismo”) sobre essa vaga de histeria feminista que está a desvirtuar um feminismo assente na justa luta das mulheres pelos seus direitos, pela conquista da sua autonomia e de um espaço de intervenção em que elas se assumam e sejam reconhecidas na plenitude das suas capacidades e competências, livres de qualquer subordinação ou tutela machistas, e não numa luta de sexos e de ódios vesgos contra os homens, quando não de meros oportunismos, que não visam senão o poder e o dinheiro, os dois pilares em que sempre assentou o domínio masculino.
No artigo escrito a duas mãos pelas referidas autoras, só me provocou dúvidas a alusão que Teresa Rita Lopes faz às manifestações de mulheres brasileiras contra Bolsonaro, questionando-se se não serão contraproducentes, “aparecendo como manifestações desse papão comunista brandido pelos seus apoiantes” (dele, Bolsonaro). Não acho que essas manifestações seja contraproducentes, nem que a sua leitura possa ser geralmente interpretada de outro modo que não seja uma reacção forte contra as posições machistas (talvez mesmo misógenas) e violentamente agressivas contra as mulheres assumidas pelo candidato de extrema-direita, como quando disse que uma sua opositora não merecia ser violada, porque “era muito feia”.
De resto, o artigo é um passo no sentido da desmistificação desse tal “novo feminismo”, como o apelidam as autoras (duvido também que seja “um novo feminismo”) e a que muitos homens (e mulheres, evidentemente, mas refiro-me particularmente a muitas posições masculinas) parecem dar caução, com aquele vago sentimento de culpabilização ou receio de se não mostrarem alinhados com a causa das mulheres.
Estamos a viver um tempo de perigosos maniqueismos, seja na política, seja a nível social, cultural e simbólico, dos quais estas manifestações pretensamente feministas fazem parte e esta deriva para um crescendo autoritário, repressivo e antidemocrático, no qual se inscrevem o chamado “populismo político” e o “populismo penal”, advogando a redução drástica dos direitos fundamentais dos arguidos, o agravamento das penas de prisão e a criminalização indiscriminada. É tempo de acordar, antes que seja tarde.


08 outubro 2018

 

Brasil: sem surpresas

Bolsonaro quase ganhou à primeira. À segunda pode perder, mas talvez já ninguém acredite.
A esquerda em geral e o PT em particular cavaram a sua própria sepultura, ao insistirem para além de tudo o que era razoável em Lula. O Brasil votou não a favor do pistoleiro Bolsonaro, mas contra Lula e a corrupção. O Brasil está farto de corrupção e a esquerda não só não se distanciou desse cancro, como o promoveu... Já em 1962 o Brasil elegeu um presidente, Jânio Quadros, cujo programa era apenas uma vassoura, para limpar a casa... Décadas depois, o povo brasileiro, completamente desorientado, vai buscar alguém que promete o mesmo, mas representa o que há de mais sinistro no país. É de esperar o pior, inclusive uma mudança de regime, com uma nova constituição, expurgada dos direitos sociais e inclusivamente alterando as regras do jogo institucional. E a "rua" dificilmente oporá resistência eficaz, até porque metade da rua está ocupada pelos bolsonários.

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