30 dezembro 2012
Detachment
Foi um texto do João Lopes (dos poucos “críticos” de cinema que vale a pena tomar em linha de conta) que me chamou a atenção para este filme de Tony Kaye (realizador de América Proibida), com um extraordinário Adrien Brody no papel principal e vários secundários de peso liderados por James Caan.
O filme centra-se na problemática vida de um professor substituto (com o ambivalente nome de Henry Barthes) numa escola pública de Nova York.
O nome do filme em português O Substituto começa por deixar pelo caminho a subtileza e a importância do título original, extraído de uma citação de Albert Camus, com a qual o filme se inicia ("And never have I felt so deeply at one and the same time so detached from myself and so present in the world").
Poder-se-ia dizer que é um filme sobre o distanciamento, sobre a indiferença, sobre a incapacidade de ver e sobre a dificuldade de educar num mundo sobrecarregado de imagens (“How are you to learn anything if all of the images are provided for you?”).
O silêncio que rodeou este filme entre nós e a rapidez da sua exibição (já só está no UCI à meia-noite) é bem sintomático dos tempos de patetice cinéfila e comunicacional em que nos movemos.
Um excelente texto, uma estética muito apurada, música perfeita, grandes interpretações e um tema actual e controverso que nos deixa a pensar.
Em suma, um grande filme que não deixa realmente ninguém indiferente.
28 dezembro 2012
Pela borda fora
Não quero deixar
extinguir o ano sem este comentário, que me foi sugerido por uma discussão
entre amigos, à mesa do restaurante.
As medidas de
austeridade que têm vindo a ser tomadas correspondem a opções ideológicas bem
marcadas. Isto é mesmo uma verdade «à Monsieur de La Palisse », mas parece haver
pessoas que ainda acreditam na sua indispensabilidade ou neutralidade. Governar
implica escolher entre vários caminhos possíveis, entre várias opções, entre
valores em confronto, e nisso vão implicadas posições ideológicas, por mais que
os seus autores se esforcem por ocultar essa natureza.
O facto de muitas das
medidas tomadas se enquadrarem no âmbito do «memorando da troika», é um óptimo
alibi para se ocultar o carácter ideológico delas, mas a verdade é que as
opções da «troika» são, também elas, ideológicas, visto que implicam escolhas
económicas, sociais e políticas, em que são visíveis (para quem fizer um
esforçozinho para ver) determinadas concepções acerca dos interesses económicos
que devem imperar, não só no espaço português, como no espaço europeu e até
mundial, da ordenação das relações sociais e, dentro destas, das relações
laborais, dos modos de atalhar à “crise” e de quem deve, fundamentalmente,
suportá-la, escondendo sempre a sua natureza e a sua origem, do tipo de
ingerência no espaço de soberania dos países mais vulneráveis, ou seja, os mais
atingidos pela dita “crise”, etc., etc., etc.
Em Portugal, as medidas
tomadas têm um cunho ideológico cada vez mais evidente.
Vejam-se, por exemplo,
as mais recentes e polémicas declarações do primeiro-ministro sobre as pensões
dos reformados. Essas declarações traduzem a forma pouco amistosa como se encaram
os reformados e as pensões que auferem.
Com efeito, para um
certo sector ideológico que intenta impor-se, os reformados são uma franja
social mal tolerada, porque constituída por gente improdutiva e que, por isso,
constitui um fardo para o Estado e para as novas gerações. Lembremos que as
declarações a que me refiro foram proferidas numa assembleia muito especial,
justamente «a juventude social-democrata», onde foi destacado que as actuais
gerações de trabalhadores é que suportam, com as suas contribuições, as pensões
dos reformados e que estes (ou grande parte destes) não descontaram, durante a
vida activa, os quantitativos suficientes para cobrirem as suas reformas.
Deste modo, o que está
aqui em causa é uma determinada concepção de segurança social que se aproxima
da chamada «concepção patrimonialista», que tem vindo a fazer terreno no seio
da ideologia neoliberal e que se traduz na correspondência que se pretende
fazer estabelecer, estritamente, entre as contribuições pagas e o valor das
reformas que vêm a ser auferidas.
Mas o que mais
confrange é a quebra de solidariedade intergeracional que uma tal solução
implica e o fosso que se cava entre cidadãos produtivos e cidadãos arrumados
numa prateleira.
A Constituição da
República tem uma palavra a dizer sobre isto, mas parece ser uma palavra proscrita.
16 dezembro 2012
...e outro em Angola, 1961
Acabo de ler no "Público" o facsimile do relatório de um capitão português sobre o fuzilamento e subsequente decapitação de 5 ou 6 "terroristas" em Abril de 1961 em Angola.
O que arrepia é o tom oficial, seco, burocrático, do documento. Exatamente como faziam os membros das SS.
O que arrepia é o tom oficial, seco, burocrático, do documento. Exatamente como faziam os membros das SS.
Mais um massacre
Correndo o risco de repetir muito do que aqui já foi dito pelo Artur Costa, não posso deixar de dizer também alguma coisa sobre mais um massacre na "América".
O que é realmente mais perturbador nestes massacres recorrentes nos EUA é o facto de ocorrerem em ambiente (aparentemente) pacífico, contra inocentes, praticados por jovens integrados, e sem motivos aparentes, pelo menos sem motivos político-ideológicos.
Serão um ato de revolta... Mas contra quê ou quem?
O que é manifesto é o desprezo pela vida humana, ou o diminuto valor que lhe é atribuído.
Note-se que esta chacina aconteceu no Connecticut, que não é propriamente o Far West, numa pequena cidade, sem qulquer registo de conflitualidade social.
É evidente que a liberdade de posse de armas, um direito de cidadania segundo a Constituição daquele país (e não há cidadão que se preze que não tenha uma arma, pelo menos), favorece essas ocorrências.
Mas não pode ser só isso. Porquê atacar crianças? Porquê atacar escolas? Porquê matar em massa? A reiteração de atos deste tipo não será certamente ocasional.
Há factos que não podem ser escamoteados. A cultura da violência é dominante naquele país. São as permanentes guerras em que está envolvido (com o culto dos seus "heróis"), e guerras internas, como a "guerra às drogas" (que é largamente uma guerra contra os negros), a guerra contra os imigrantes... É a pena de morte, um inequívoco "valor cultural" americano. É a "cultura popular", impregnada de violência, de pistolas, de assassinatos, de organizações criminosas...
É claro que, em oposição, temos a "Música no Coração", o universo Walt Diney, e outros produtos afins (aliás também muito comerciais...).
Temos também as lágrimas de Obama, bem ensaiadas... (antes das eleições teriam sido mais rentáveis, mas ficam sempre bem...) Mas para que servem?
As raízes da violência serão demasiado profundas para poderem ser atacadas sem desfiguração do "sistema"...
O que é realmente mais perturbador nestes massacres recorrentes nos EUA é o facto de ocorrerem em ambiente (aparentemente) pacífico, contra inocentes, praticados por jovens integrados, e sem motivos aparentes, pelo menos sem motivos político-ideológicos.
Serão um ato de revolta... Mas contra quê ou quem?
O que é manifesto é o desprezo pela vida humana, ou o diminuto valor que lhe é atribuído.
Note-se que esta chacina aconteceu no Connecticut, que não é propriamente o Far West, numa pequena cidade, sem qulquer registo de conflitualidade social.
É evidente que a liberdade de posse de armas, um direito de cidadania segundo a Constituição daquele país (e não há cidadão que se preze que não tenha uma arma, pelo menos), favorece essas ocorrências.
Mas não pode ser só isso. Porquê atacar crianças? Porquê atacar escolas? Porquê matar em massa? A reiteração de atos deste tipo não será certamente ocasional.
Há factos que não podem ser escamoteados. A cultura da violência é dominante naquele país. São as permanentes guerras em que está envolvido (com o culto dos seus "heróis"), e guerras internas, como a "guerra às drogas" (que é largamente uma guerra contra os negros), a guerra contra os imigrantes... É a pena de morte, um inequívoco "valor cultural" americano. É a "cultura popular", impregnada de violência, de pistolas, de assassinatos, de organizações criminosas...
É claro que, em oposição, temos a "Música no Coração", o universo Walt Diney, e outros produtos afins (aliás também muito comerciais...).
Temos também as lágrimas de Obama, bem ensaiadas... (antes das eleições teriam sido mais rentáveis, mas ficam sempre bem...) Mas para que servem?
As raízes da violência serão demasiado profundas para poderem ser atacadas sem desfiguração do "sistema"...
15 dezembro 2012
O massacre
Mais um massacre numa escola,
desta feita, no Estado de Connecticut.
Um indivíduo de 24 anos, armado
com quatro armas de fogo e vestindo um colete à prova de bala, irrompe numa
sala de aula e mata 27 pessoas, entre as quais a sua mãe e 18 crianças com
menos de 10 anos. Depois disparou uma das armas sobre si próprio.
O que é que levará estes jovens
americanos a terem tal predileção pelas escolas, matando alunos e professores?
O efeito Columbine?
E antes do efeito Columbine era o
quê?
Que raiva, que negatividade pretendem
eles exprimir?
Por que não se suicidam, pura e
simplesmente?
Suicidam-se como coroamento final
de uma vontade enorme de devastação?
Ou, simplesmente, para fugirem à
justiça?
Se querem provocar um massacre,
por que é que não atam à cinta uma quantidade de bombas, como acontece na
Palestina, em Israel, no Iraque?
A liberdade de compra e venda de
armas e de uso e porte de qualquer arma, se facilita actos desta natureza, não
me parece que constitua a sua verdadeira justificação. Não. A motivação mais
profunda está noutro lado, num outro complexo de razões.
Naqueles países acima referidos,
os kamikaze matam-se, querendo provocar
o máximo possível de devastação, mas actuam
ainda por uma causa (política, religiosa, étnica) ou para vingarem uma
humilhação colectiva. E muitos acreditam que são mártires e que, depois, irão
para os anjinhos (sem metáfora).
Mas, em casos como este de Connecticut,
que sentido (ou que sem sentido) para o massacre?
É essa interrogação que é
profundamente perturbadora.
14 dezembro 2012
A descoberto
Personalidades de várias sensibilidades ideológicas têm
afirmado nos últimos dias que o que se está a passar no nosso país é a
transição para uma realidade outra, sem caução constitucional. O
constitucionalista Jorge Miranda diz que é o Estado social que está em risco,
defendendo a fiscalização preventiva do orçamento para 2013. Gomes Canotilho,
por seu turno, afirmou que se está em vias de criar uma outra realidade à
margem da Constituição e que o orçamento representa um confisco para uma grande
parte dos portugueses. Mário Soares teceu duras críticas à política que tem
vindo a ser seguida, caracterizada por um retrocesso sem precedentes, em que muitos
portugueses estão a cair em situação de carência, em muitos aspectos pior do
que antes do “25 de Abril”.
São afirmações que não têm nada
de inédito, porque têm andado na boca de milhares de portugueses que se
manifestam nas ruas e que se ouvem diariamente nos mais variados locais. A citação daquelas personalidades tem
apenas o condão de conferir autoridade ao que anda na boca de muita gente.
A última novidade é as
indemnizações por despedimento irem ser baixadas para um limite de 12 dias por cada
ano de antiguidade. A destruição dos direitos sociais, nomeadamente dos
trabalhadores, não tem fim. Depois de ter sido completamente desfigurada, a
legislação laboral continua a ser alvo predilecto desta política. São os
chamados “custos do trabalho”, (linguagem economicista que desmascara a
ideologia que lhe subjaz) que se pretendem reduzir ao mínimo e, se possível fosse,
levá-los até ao zero.
Trabalhadores e classes médias
não cessam de estar na berlinda.
Trata-se de uma política que não
só ultrapassa limites constitucionais, como não foi sufragada nas eleições.
13 dezembro 2012
O bom samaritano
A
princípio, interpretei a atribuição do prémio Nobel da Paz à União Europeia como
um gesto irónico. É que a distinção ocorre precisamente numa situação em que a
União Europeia vive uma das suas maiores crises, sofrendo de um notório défice
de democracia, subvertendo os princípios e as regras basilares que permitiram
estes últimos sessenta anos de relativa paz e de bem-estar, desbaratando todos
os fundamentos de solidariedade, destruindo todas as conquistas sociais, sugando
os mais fracos e os Estados periféricos e estabelecendo as condições para o
reacender de agudos conflitos sociais, enfim, fazendo alastrar a revolta, a
violência e a instabilidade. Tudo condições que não são propícias à paz.
Porém,
seria estulto pensar que o “comité Nobel” quis ironizar com esta trágica
situação. Uma instituição tão nobre tem objectivos mais elevados. O que se terá
querido com a atribuição do prémio foi instigar a desunida União Europeia, tão
em queda para a sua desintegração, a arrepiar caminho e a inflectir o rumo da
sua precipitação.
Digamos
que há, aqui, um intuito pedagógico. Mas não sei se as louváveis intenções do “comité
Nobel” terão bom acolhimento por parte dos actuais senhores da Europa em
decadência. Viu-se o efeito que essas boas intenções tiveram em Barack Obama e,
sobretudo, naqueles que, indirectamente, o “comité Nobel” quis sensibilizar
através dele.
Dessa
forma, o “comité Nobel” arrisca-se a ser uma espécie de “bom samaritano”, mas
não a premiar os verdadeiros fautores da paz.
12 dezembro 2012
A festa de Natal da UE
Numa época em que a UE se desagrega, em que se rompem os laços que laboriosamente tinham sido atados ao longo de décadas, numa altura em que os países ricos abandonam os pobres e, pior que isso, os desprezam ostensivamente e castigam imoderadamente, é nesse momento que esta desconjuntada união recebe, incrédula, um prémio por ações passadas (e nas quais os atuais dirigentes não se reveem). Apanhados de surpresa, os dirigentes europeus esforçaram-se por mostrar que ficaram encantados. E na cerimónia de entrega em Oslo, a que compareceram em massa (até o nosso representante lá foi, desperdiçando dinheiros públicos), quiseram-me mostrar-se uma família unida, de mãos dadas ricos e pobres, felizes e confiantes num futuro sem amanhã. Sabiam todos bem que aquilo era uma espécie de festa dos Natal dos hospitais: acabada a festa, volta a realidade, a nua e crua realidade.
O Comité Nobel considera-se feliz por promover a reconciliação de irmãos desavindos (nem que seja por uma tarde). E tem na agenda outros premiáveis: a NATO, o FMI, até a CIA, todos com um palmarés notável na proteção dos países fracos e na promoção dos pobres e necessitados. Tudo a bem da Paz!
O Comité Nobel considera-se feliz por promover a reconciliação de irmãos desavindos (nem que seja por uma tarde). E tem na agenda outros premiáveis: a NATO, o FMI, até a CIA, todos com um palmarés notável na proteção dos países fracos e na promoção dos pobres e necessitados. Tudo a bem da Paz!
10 dezembro 2012
Uma gravidez real e a realidade da "autorregulação" da comunicação social
A família real inglesa é, a par do futebol (premier league), a maior indústria da Grã-Bretanha. Não é fantasia minha. O impacto da realeza na economia é enorme: no turismo, no "merchandising" associado, na manutenção de toda uma imprensa que vende aos milhões, com difusão em todo o mundo, no cinema, aliás em todo o audiovisual. Enfim, a família real dos Windsors é efetivamente uma marca comercial poderosa, com influência notória no PIB daquela velha potência.
Essa marca, para se manter viva, impõe uma permanente provisão de novos motivos para manter o interesse dos consumidores: são as exigências do mercado. E assim, quando faltam acontecimentos maiores, servem mesmo minudências triviais, como a discreta orgia dum príncipe algures em Las Vegas, ou o traje ainda mais discreto (ao ponto de não cobrir os seios) de uma princesa passeando em local privado. Embora menores, estes pequenos sucessos, captados por uma legião de "jornalistas" especializados, abastece a indústria do tablóide, dá emprego a muita gente, e mantém a marca sempre viva. Mas de vez em quando há um acontecimento maior: um casamento, um batizado, um funeral, um divórcio. Uma simples gravidez já entra nessa categoria de eventos. Foi o que aconteceu agora com Kate, a tal princesa outrora captada à distância de seios (reais) nus. A comoção apoderou-se de todos os consumidores da marca. A indústria do tablóide mobilizou-se. É realmente um achado: não é um acontecimento instantâneo ou de um dia, vai durar 9 meses e desembocar em sucessos posteriores (batizado, etc.). O escrutínio já começou: os primeiros enjoos da real grávida, a ida ao hospital. Tanta coisa que ainda virá... A marca está de parabéns.
Apenas um contratempo, se o é: a morte da enfermeira indiana que respondeu a um falso telefonema da rainha a pedir informações sobre o estado da grávida, na verdade um telefonema de "jornalistas" sem escrúpulos fazendo-se passar pela real senhora. Não podendo associar-se a morte ao telefonema, evidentemente, pelo menos numa relação de causa/efeito, o recurso a esse estratagema para obter informações confirma, mais uma vez, o que é a "autorregulação" da comunicação social.
(Outro caso: o da fotografia do homem prestes a morrer no metro de Nova York, publicada pelo "New York Post" no dia 4 - ver notícia no "Público", do dia 7, p. 34).
Essa marca, para se manter viva, impõe uma permanente provisão de novos motivos para manter o interesse dos consumidores: são as exigências do mercado. E assim, quando faltam acontecimentos maiores, servem mesmo minudências triviais, como a discreta orgia dum príncipe algures em Las Vegas, ou o traje ainda mais discreto (ao ponto de não cobrir os seios) de uma princesa passeando em local privado. Embora menores, estes pequenos sucessos, captados por uma legião de "jornalistas" especializados, abastece a indústria do tablóide, dá emprego a muita gente, e mantém a marca sempre viva. Mas de vez em quando há um acontecimento maior: um casamento, um batizado, um funeral, um divórcio. Uma simples gravidez já entra nessa categoria de eventos. Foi o que aconteceu agora com Kate, a tal princesa outrora captada à distância de seios (reais) nus. A comoção apoderou-se de todos os consumidores da marca. A indústria do tablóide mobilizou-se. É realmente um achado: não é um acontecimento instantâneo ou de um dia, vai durar 9 meses e desembocar em sucessos posteriores (batizado, etc.). O escrutínio já começou: os primeiros enjoos da real grávida, a ida ao hospital. Tanta coisa que ainda virá... A marca está de parabéns.
Apenas um contratempo, se o é: a morte da enfermeira indiana que respondeu a um falso telefonema da rainha a pedir informações sobre o estado da grávida, na verdade um telefonema de "jornalistas" sem escrúpulos fazendo-se passar pela real senhora. Não podendo associar-se a morte ao telefonema, evidentemente, pelo menos numa relação de causa/efeito, o recurso a esse estratagema para obter informações confirma, mais uma vez, o que é a "autorregulação" da comunicação social.
(Outro caso: o da fotografia do homem prestes a morrer no metro de Nova York, publicada pelo "New York Post" no dia 4 - ver notícia no "Público", do dia 7, p. 34).
04 dezembro 2012
Juncker dá o dito por não dito
Juncker, que parecia um homem sério, veio agora fazer uma figura vergonhosa, que faz lembrar certos políticos cá do burgo: duma semana para a outra veio dizer o contrário do que tinha dito quanto à eventual "suavização" das condições impostas a Portugal. Mas o pior foi a "explicação" que deu: diz ele que foi surpreendido pelos jornalistas portugueses num "canto escuro" (certamente algum traumatismo de infância) e "em condições desconfortáveis"... E que percebeu mal a pergunta, etc.
É grotesco! É confrangedor haver dirigentes europeus assim... Certamente terá recebido entretanto um telefonema de Schaeuble e não teve vergonha em dar o dito por não dito. Assim se percebe que a Europa atual não tem rumo nem dirigentes dignos. Terá capacidade para se autorregenerar?
É grotesco! É confrangedor haver dirigentes europeus assim... Certamente terá recebido entretanto um telefonema de Schaeuble e não teve vergonha em dar o dito por não dito. Assim se percebe que a Europa atual não tem rumo nem dirigentes dignos. Terá capacidade para se autorregenerar?
Uma constitucionalista contra a Constituição
No "Público" de hoje, uma senhora chamada Maria Benedita Urbano, que se intitula "professora de direito constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra", vem advertir solenemente o Tribunal Constitucional para ter muito cuidado ("ponderar bem") com a eventual apreciação da constitucionalidade do Orçamento, porque, na sua autorizada análise, "um direito de crise (in casu, de combate à gravíssima crise económico-financeira) não pode ser lido, por quem tem o dever constitucional de controlá-lo, como um direito em tempos normais." Diz ainda outras enormidades que não vale a pena citar.
Sinceramente, leio e não acredito! A Faculdade de Direito de Coimbra (a "minha" Faculdade...) desceu a este nível? Como é possível uma professora de direito constitucional dizer que a Constituição não vigora em tempo de "crise"? Não deverá a senhora ser remetida para o ensino de outro ramo de direito onde faça menos mossa ao nome da Faculdade?
Sinceramente, leio e não acredito! A Faculdade de Direito de Coimbra (a "minha" Faculdade...) desceu a este nível? Como é possível uma professora de direito constitucional dizer que a Constituição não vigora em tempo de "crise"? Não deverá a senhora ser remetida para o ensino de outro ramo de direito onde faça menos mossa ao nome da Faculdade?
03 dezembro 2012
A liberdade de imprensa em Inglaterra
A Inglaterra terá sido o país em que o fenómeno da tabloidização da imprensa mais se fez sentir. Há exemplos por todo o lado, mas parece que foi ali que todos os efeitos perversos desse fenómeno se realizaram com intensidade: a convicção de que vale tudo para vender papel de jornal, a utilização de formas sujas (e ilícitas) de adquirir informações, as ligações espúrias às polícias, os pactos obscuros com partidos políticos, com troca de favores e de benefícios... E isto tudo à pala da sagrada "liberdade de imprensa", e da "autorregulação".
O Partido Conservador foi apanhado na teia e tenta sacudi-la. Nada melhor do que arvorar-se em defensor radical da "liberdade de imprensa" e da dita "autorregulação"... Em Inglaterra, diz, não há lei de liberdade de imprensa desde o sec. XVII (penso eu que antes também não haveria...).
Contudo, a recusa da regulação da imprensa nada tem de democrático. A intervenção de um organismo independente na regulação da imprensa torna-se indispensável quando a autorregulação se revela uma miragem. Só através da regulação será possível garantir a liberdade de imprensa, que não pode ficar refém das "regras" do mercado. A liberdade de imprensa é demasiado importante para ficar nas mãos de um punhado de empresários sem escrúpulos.
O Partido Conservador foi apanhado na teia e tenta sacudi-la. Nada melhor do que arvorar-se em defensor radical da "liberdade de imprensa" e da dita "autorregulação"... Em Inglaterra, diz, não há lei de liberdade de imprensa desde o sec. XVII (penso eu que antes também não haveria...).
Contudo, a recusa da regulação da imprensa nada tem de democrático. A intervenção de um organismo independente na regulação da imprensa torna-se indispensável quando a autorregulação se revela uma miragem. Só através da regulação será possível garantir a liberdade de imprensa, que não pode ficar refém das "regras" do mercado. A liberdade de imprensa é demasiado importante para ficar nas mãos de um punhado de empresários sem escrúpulos.
O bravo soldado Manning
A descrição das condições em que este soldado esteve encarcerado faz lembrar certos requintes nazis. É claro que ele é um "traidor", já me esquecia.
A Palestina como "estado observador" da ONU
A aquisição pela Palestina do estatuto de "estado observador" não modifica nada no terreno. Mas acabou por significar uma derrota histórica e talvez irreversível dos falcões (ou abutres) de Israel, e dos judeus americanos, que mantêm Obama prisioneiro. A votação na União Europeia, e sobretudo o voto da Alemanha (embora sendo "apenas" uma abstenção), representa o fim de um ciclo. Daqui envio dois beijinhos à sra. Merkel, nossa padroeira.
Para que serve o TPI para a ex-Jugoslávia
Já se sabia para que foi criado este "tribunal". Já se conhecia a sua "jurisprudência". Mas agora, na sua ânsia de cumprir a sua missão legitimadora das opções da NATO, ao absolver os arguidos croatas e kosovares, o alegado "tribunal" mostrou o jogo todo, como tribunal de opereta macabra. Macabra porque não só não faz justiça, como sobretudo porque vem agravando feridas que lentamente iam cicatrizando.
02 dezembro 2012
Camilo e o desconcerto do mundo
Atentem nesta página de
Camilo.
Para além do prazer que
é sempre ler o autor de A Queda de um
Anjo, saborear a sua prosa vernácula, em livros que, por regra, não chegam
às trezentas páginas, ao contrário do que hoje sucede, em que se escrevem
desaforados e, muitas vezes, poluentes calhamaços de um milhar de páginas,
quando o encurtamento do tempo requereria a contenção e a concisão camilianas, veja-se
como Camilo define aqui o destrambelhamento do planeta.
Se há cento e cinquenta
anos o escritor de S. Miguel de Ceide lamentava o desconcerto do relógio
cósmico, que não diria ele do nosso tempo e dos «engenhosos destruidores das
nossas alegrias»?
Estamos
no dia 15 de maio de 1762.
Naquele
tempo, os dias de maio, no Porto, eram temperados, alegres, perfumados,
encantadores. A primavera, há cem anos, aparecia quando o calendário a dava.
Ninguém saía de sua casa às cinco horas de uma tarde cálida de maio, com um
casaco de reserva no braço, para resistir ao frio das sete horas; nem o peralta
portuense levava escondido na copa do chapéu o cache-nez, com que, ao anoitecer, havia de resguardar as orelhas da
nortada cortante.
O
globo, naquele tempo, movia-se em volta do sol com a regularidade assinalada
pelos astrónomos. A gente ditosa, que então viveu, podia confiar-se nos
entendidos em rotação dos planetas; e os sábios podiam sem receio responsabilizar-se
pela pontualidade das estações. Quem, à face da folhinha, se vestisse de fresco
em maio, podia sair à rua trajado de holandilha ou vareja, que não entraria em
casa a espirrar constipado pela súbita frialdade que o surpreendeu. A gente
fiava-se dos sábios, os sábios da ciência e a ciência dos factos repetidos.
Depois,
porém, daquela época, desconcertaram-se os sistemas das regiões altas. As
pessoas muito espirituais receiam que este desconcerto venha a desfechar em
acabamento do mundo; outras, mais racionalistas, pretendem que a desordem das
estações proceda de causas que, volvido um determinado período, cessem de
existir. Ninguém se lembrou ainda de conjecturar que as vaporações constantes
das fornalhas e o fluido eléctrico de que o ambiente está saturado, possam ter
influído na substância dos sólidos e fluidos componentes do maquinismo celeste,
alterando-lhes o modo de actuarem sobre a terra. Se algum sábio estivesse de
pachorra para demonstrar a profundeza desta minha hipótese original, ficávamos
convencidos nós de que a civilização do fumo e a dos arames eléctricos, afinal,
acabariam de todo com a primavera. Em compensação, os engenhosos destruidores
das nossas alegrias de maio, haviam de inventar uns fogões cómodos para nosso
uso em julho.
(Assim começa A Sereia, obra que foi publicada pela
primeira vez em 1865).