29 novembro 2014

 

Louçã e a prisão preventiva


Francisco Louçã disse no seu comentário habitual na SIC Notícias que a justiça em Portugal tinha que resolver um problema – o da celeridade. Afirmou mesmo que a justiça tinha que ser muito rápida, o que não será bem assim. E que não se podia admitir que uma prisão preventiva pudesse durar um ano, desde que é decretada até ser produzida uma acusação, nem dois anos e meio, até ser obtida uma decisão em primeira instância. Referia-se ao caso Sócrates, ou antes, aos casos considerados de maior gravidade, devidamente  especificados na lei e  a que acresce a especial complexidade da investigação.

Ora, este problema não é da justiça. É da lei. E, sendo da lei, é do órgão legislativo. Por sinal, a última alteração nessa matéria, encurtando os prazos de prisão preventiva então vigentes, resultou da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando Francisco Louçã já era deputado. Não sei se pugnou, na altura, por um maior encurtamento desses prazos, achando intoleráveis situações como a que referiu.

28 novembro 2014

 

Enriquecimento ilícito


Quando se fala de  crime de enriquecimento ilícito, já se está a colocar na designação do crime um elemento comum a toda a actuação delituosa – a ilicitude. Todo o crime se vem a traduzir num facto ilícito, ou, para sermos mais rigorosos, num facto típico ilícito – um ilícito típico. Típico, porque uma dada acção ou omissão tem de corresponder à descrição de um tipo legal de crime, aos seus elementos objectivos e subjectivos, a que corresponde uma determinada valoração negativa, do ponto de vista ético-social e jurídico. Isso é a ilicitude.

Ora, o que se criminaliza é um enriquecimento inexplicado, sem fundamento aparente, sem causa. Nessa falta de sustentação material para um enriquecimento é que reside a ilicitude, ou talvez melhor,  a presunção da sua ilicitude.

27 novembro 2014

 

Justiça para brancos e justiça para negros

A discriminação racial no sistema judicial americano tornou-se tão evidente, tão escandalosa, agora com o arquivamento pelo "grande júri" de St Louis do processo contra o polícia que matou em agosto passado um negro em Ferguson, que os protestos populares alastraram a nível nacional, da costa do Atlântico à do Pacífico. Já em agosto o caso tinha incendiado a pequena cidade do Missouri. Nessa altura, Eric Holder, o procurador-geral federal, tinha ido lá e prometera que "desta vez" o caso seria levado a sério... Os resultados estão à vista, e Eric Holder, que era negro, já deixou o lugar que ocupava. A promessas caíram em saco roto. A "América" (e a sua "justiça") mantém a sua identidade própria.

26 novembro 2014

 

E contudo...


 

Nunca apreciei Sócrates como figura pública e como político, e manifestei-o por várias vezes em artigos que escrevi na imprensa, quando tinha ao meu dispor uma coluna no JN. Também neste blogue assinei alguns textos contra os que apostavam nele, numa espécie de regresso do “Desejado”. Via nele, pelo que me era dado observar e por algumas peripécias que eram do meu conhecimento, um ditador em potência. Nunca acreditei no seu socialismo, com aquele seu ar de “bem vestidinho”, como o definiu um psicanalista de projecção (Coimbra de Matos, se não erro) e que nessa frase resumia toda uma mundividência.

Porém, tenho pena que ele esteja envolvido nos acontecimentos que têm vindo a lume. Tenho pena por ele e pelo país, porque não é motivo para euforia (antes pelo contrário) que um cidadão que foi primeiro-ministro tenha sido detido e depois sujeito a prisão preventiva, por força de indícios de ter cometido crimes graves. Acho que isto nos devia entristecer a todos, este andar nas bocas do mundo, este brutal contraste entre a situação de um homem que já teve grandes responsabilidades na condução dos destinos do país e a situação que agora vive, privado de liberdade, ainda por cima com a ironia, que tem sido sublinhada, de ter  sido ele a inaugurar alguns dos estabelecimentos por onde tem passado na sua condição de sujeição a um dos três poderes do Estado, de que foi figura central, este escândalo que atravessa todas as fronteiras e que traz o homem, e com ele o país, para a ribalta de todos os “media”.

Engana-se quem se alegra com isto. Mas também se engana quem vê nisto mais uma cabala, quem manifesta uma agressão incontida ou uma intolerância mal disfarçada face ao poder judicial, quem generaliza um caso a toda uma agremiação (neste caso, política), quem pretende tirar dividendos políticos, jogando pusilanimemente com a pretensa fraqueza do adversário. A situação atinge-nos a todos.

E, contudo, as instituições funcionam, como sói dizer-se.

25 novembro 2014

 

Juan Goytisolo

Dos muitos autores de culto que foram sucessivamente preenchendo as muitas horas de leitura da minha vida, Juan Goytisolo foi um dos que mais rasto deixou. Tudo começou nos anos 70, com a leitura de "Don Julián", terrível ajuste de contas com a Espanha tradicionalista, seguindo-se a leitura dos outros livros da trilogia: "Señas de identidad" e "Juan sin Tierra", que completam a rutura com o "patriotismo" e o europeísmo. Certa ocasião, sentado numa esplanada de Tânger, olha para Tarifa, a primeira povoação da Europa, e sente nojo (conta este episódio em "En los Reinos de Taifa"). A Europa não tem deixado de lhe dar razão. Outros livros são marcantes. Lembro-me particularmente da autobiografia, e sobretudo do primeiro volume: "Coto vedado", relato pungente de uma infância, adolescência e juventude vividas no final da guerra civil e primeiros anos do regime franquista, acabando com o exílio voluntário em França. Páginas impressionantes sobre a vivência familiar (uma família poderosa, conservadora, autoritária), a descoberta progressiva da pulsão homossexual e todo o desconcerto que isso gera até à "revelação" inequívoca da sua "identidade", que doravante assumirá sem medo mas também sem exibicionismo. Enfim, um percurso pelo século XX em busca da liberdade e da identidade. Gahou agora o prémio Cervantes. Parece que só à sétima votação... É natural. Ele, afinal, é um "renegado", abandonou Espanha e a Europa, para viver em Marraquexe...

 

EUA: um caso de rotina

Um rapaz de 12 anos foi "abatido" pela polícia em Cleveland, algures nos EUA, pela polícia. Crime: "assustar" toda a gente num parque infantil com uma pistola "provavelmente falsa". O desenvolvimento do caso é muito interessante: a polícia é alertada telefonicamente da situação e de que a arma é provavelmente falsa. A preocupação da agente que atende a chamada é saber se o suspeito é branco ou negro... Obtida a informação de que é negro, partem dois agentes para o local. Aí chegados, e perante um gesto "suspeito" do rapaz, um dos polícias atinge-o imediatamente com dois tiros. Pois de um negro é sempre de esperar o pior, mesmo quando é um rapazinho e a arma é aparentemente falsa. Enfim, um caso rotineiro naquele país.

 

Apocalipse?

Apocalipse now? Não exageremos... Só o "regular funcionamento das instituiçoes"...

24 novembro 2014

 

Mais uma vez a teoria da conspiração...

Inesperada, inesperada mesmo (para mim, pelo menos), foi a solidariedade de André Freire, um articulista que admiro e com quem geralmente concordo... Mas ontem estava possesso de indignação e foi mesmo repescar Paulo Pedroso para fundamentar a sua teoria da conspiração (é preciso que alguém o informe urgentemente de que o Estado foi absolvido na ação que P. Pedroso intentou contra ele, Estado, pelo que os "contribuintes" não foram desembolsados no pagamento de nenhuma indemnização). Não explicou, porém, quem e porquê está por detrás da conspiração (serão os serviços secretos? os partidos do governo? alguma potência estrangeira? a sra. Merkel?). Eu sempre pensei (e até o disse em sessões públicas) que o discurso frenético anticorrupção (que era simultaneamente um discurso contra a "impunidade", resvalando para um discurso de deslegitimação do poder judicial), de um populismo evidente, ao "denunciar" a existência de duas justiças, uma para ricos, outra para pobres, seria abandonado, se não mesmo invertido, quando algum "peixe graúdo" fosse apanhado na rede... Assim foi. Acabou a preocupação com a impunidade, com a corrupção que corrói a democracia. O discurso correto agora é o dos "direitos", o da presunção de inocência em primeiro lugar (de certos arguidos, evidentemente...).

22 novembro 2014

 

Uma ilibação tardia

Ao fim de 39 anos de cumprimento de uma pena perpétua, um presidiário foi libertado porque se comprovou a sua inocência. Não se pode dizer que ele tenha tido muito azar, porque teve ainda em vida a possibilidade de se ver reabilitado. Aconteceu isto na "América" e talvez não por mero acaso o condenado era negro...

 

Solidariedade abrangente e in(esperada)

A detenção do ex-PM Sócrates está a despertar um amplo movimeno de solidariedade, dos insuspeitos F. Louçã e Clara Ferreira Alves (especialista em assuntos de justiça e todos os assuntos em geral) ao correlegionário João Soares. Não tardará a falar Mário Soares (que tanto tem criticado a justiça por não atacar a corrupção), e depois Assis, Santos Silva, e por aí fora. Falarão todos da imperiosa e urgente necessidade de uma verdadeira "reforma da justiça" (a mesma preocupação de Berlusconi...). Realmente, é atrevimento a mais! Um ex-PM não se detém à noite, quase às escuras, quando chega de viagem e tem a legítima expetativa de ir para casa desfazer a mala e repousar. Ele deveria ter sido convidado a comparecer, se não fosse demasiado incómodo e quando lhe fosse possível, nas instalações do tribunal, para trocar umas impressões com o juiz sobre umas (certamente infundadas) denúncias. Em todo o caso, o detido terá de reconhecer que escapou ao formalisno habitual na muito democrática "América", onde certamente teria sido algemado e "apresentado" à comunicação social nessa situação, eventualmente na companhia de outros algemados...

17 novembro 2014

 

Segredo de justiça excessivo

Geralmente os advogados são acérrimos adversários do segredo de justiça e arautos da transparência processual. Eis que agora acontece o insólito: um advogado reconhece que patrocina um arguido, mas recusa dizer quem. E invoca, para tanto, o segredo de justiça!!! Francamente, não me lembro de que alguém alguma vez tenha feito uma tal interpretação do art. 86º do CPP... É caso para os juristas em geral e os anotadores do CPP em particular terem em consideração esta nova "hermenêutica" do preceito...

 

A "justiceira"

O "Público" de ontem tece um rasgado elogio à ministra da Justiça pela "mega-operação" dos vistos gold. Diz mesmo que ela "partiu a louça toda"... E acrescenta: "Sem hesitação nem medo de meter as mãos no vespeiro". Estava eu convencido que a dita operação tinha sido congeminada pelo MP (mais concretamente pelo DCIAP), por ser o (único) titular da ação penal, mas não, foi a ministra que ordenou a caça às "vespas"... E assim se "reabilitou" de outros insucessos, no entender da mesma fonte, que lhe atribui o merecido e honroso cognome de "justiceira". Assim se faz a "informação"...

 

Junker II


 

Jean-Claude Junker respondeu de má catadura aos jornalistas que o inquiriram sobre as facilidades que o seu país deu, como paraíso fiscal, a uma série de multinacionais que fugiram aos impostos nos países onde estavam sediadas. “Sou tão adequado como você”, respondeu a um jornalista que queria saber dos efeitos que a descoberta daquela situação poderia causar nas suas funções actuais. 

Que podia o homem fazer, senão manifestar agressividade em relação a quem o colocava diante da imagem escalavrada que ele de si mesmo propiciou, ao “fechar os olhos” (na hipótese mais benigna) a uma situação que, podendo não ser juridicamente censurável, resultou no contrário do que é apregoado (e que ele mesmo apregoa) como sendo o espírito que deve unir os diversos Estados membros da União Europeia?

A agressividade não é uma manifestação dos fortes, mas dos fracos e dos culpabilizados. É a arma de que se serve quem se vê “entalado”.

Junker, apesar de tudo, prometeu lutar deveras contra a evasão fiscal e uniformizar procedimentos em todos os países membros da União, pois, como disse, em matéria fiscal, 22 dos seus 28 países procediam mais ou menos como o Grão-Ducado.

Como penitência auto-infligida não passa de uma promessa e não o redime do seu péssimo comportamento no passado, apesar da desculpa dos 22 países.

10 novembro 2014

 

Junker


Junker

O que se passou  no Luxemburgo, enquanto Jean-Claude Junker foi primeiro ministro e ministro das Finanças, em que o grão-ducado deu cobertura a uma gigantesca fuga aos impostos, servindo de paraíso fiscal a uma série  de empresas multinacionais, mostra bem a duplicidade que existe no seio da União Europeia e a que entidades está entregue o destino dessa mesma União, quer dizer, o nosso.

 

A Queda do Muro


Reunificação alemã. Era uma necessidade, mas Deus nos defenda. A Alemanha é na Europa o que Castela é na Espanha; nunca terá paz, nem deixará haver paz enquanto não conseguir polarizar em si todos os horizontes que lhe caibam na retina. E tem à frente um militarista que manobra e combate com marcos.(Miguel Torga, Diário XVI, p. 24)

Agora combate com euros, a moeda concebida à imagem e semelhança dos marcos e com receitas de austeridade para os que não estão à altura de a acompanhar.

 

Muros

Com pompa, circunstância e balões foi comemorado o 25º aniversário da queda do muro de Berlim. Mas as promessas que o muro abriu não se cumpriram: a Alemanha unida não é a Alemanha "cosmopolita" de Kant, é a de Lutero, somítica e tacanha, aferrolhando os seus cofres, praguejando contra a preguiça dos povos do sul, excomungando Roma e os seus luxos. De nada disso se falou naquele dia, claro. A circunstância exigia uma pausa de palavras bonitas. O discurso luterano vai ser retomado. Mas, falando de muros, existe outro, entre a Cisjordânia e Israel. É um muro pouco falado porque foi construído por Israel. É aliás mais alto do que foi o de Berlim, e mais extenso... Mas dele pouco ou nada se fala... É que há muros e muros...

09 novembro 2014

 

A maior condecoração


Durão Barroso foi agraciado pelo Presidente da República com a mais alta condecoração de Portugal, mas não sei se será assim tão consensual a outorga de tal distinção. É evidente que a principal razão para essa honraria consistiu no facto de DB ter estado à frente da Comissão Europeia em dois mandatos seguidos, durante os últimos 10 anos. Porém, não foram anos bons nem para a União Europeia, nem para Portugal. Foram até anos para esquecer, anos tormentosos em que a EU desceu ao grau zero dos princípios que supostamente são a sua matriz, mostrando o que vale em matéria de solidariedade entre os seus membros, sobretudo a partir da crise de 2008, com os países do Norte, com a Alemanha à cabeça, a hostilizar os países do Sul, designados pejorativamente de PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), e as instituições europeias, transformadas em caixa de ressonância do manda-chuva germânico, a imporem políticas de uma austeridade feroz a esses mesmos PIIGS, obrigando-os a um recuo civilizacional em matéria de democracia económica e social e, mesmo, a nível de direitos elementares de qualquer democracia.

Entre as instituições europeias que mais se destacaram nesse papel está, justamente, a Comissão Europeia, que, aliada ao Banco Central Europeu (BCE) e ao FMI, fez parte da tão detestada Troika, que ainda agora continua a atirar-se às nossas canelas.

Mas passemos a palavra a João Ferreira do Amaral, no seu livro Porque Devemos Sair Do Euro (edição da Lua de Papel, 2013):

«Deficientemente dirigida por Durão Barroso e sofrendo da manifesta incompetência do vice-presidente e comissário para os assuntos económicos e monetários, Olli Rehn, a Comissão foi perdendo gradualmente autonomia até se transformar num mero capataz executor das decisões do Conselho, por sua vez completamente dependente dos interesses alemães.

»E nesse novo papel a Comissão não se coibiu de conceber e patrocinar – em conjunto com o FMI e o BCE – programas ditos de ajustamento, absurdos e tecnicamente mal elaborados, que destroem gradualmente, mas a bom ritmo, as bases económicas da Grécia e de Portugal.

»Pior: ao pressionar os Estados que os sofrem a tomar medidas que vão contra o espírito e até a letra dos tratados (como, por exemplo, no domínio da legislação do trabalho), a Comissão, de guardiã dos tratados - que devia ser  - transformou-se num dos seus piores violadores.

(…)

»Não colhe aqui a desculpa de que a margem de manobra para a Comissão seguir outro caminho não existe face ao poder real da Alemanha. Um político tem sempre uma arma que pode usar: a demissão por iniciativa própria.»

04 novembro 2014

 

Timor e os juízes "estrangeiros"

A expulsão dos magistrados portugueses de Timor é um péssimo indício da situação do Estado de direito naquele país... É mais que certo que os magistrados foram expulsos porque as suas decisões e investigações não agradavam ao governo... Quer dizer, não há separação de poderes. A desculpa de os magistrados serem "estrangeiros" é evidentemente absurda. Eles estavam integrados no sistema judiciário timorense por decisão do próprio Estado de Timor, não por alguma potência ocupante! Eles eram, enquanto estivessem nessa situação, juízes timorenses, não estrangeiros!

 

Os verdadeiros direitos adquiridos


Nestes últimos decénios, sobretudo a partir da queda dos regimes de Leste e do Muro de Berlim, as ideias neoliberais adquiriram um novo influxo, sob a égide de um capitalismo eufórico, assente na crença do seu triunfo universal e na eliminação de todos os obstáculos ao seu “livre” desenvolvimento. Um ataque sem precedentes às conquistas do Estado social, aos direitos dos trabalhadores, às organizações sindicais, aos sectores público e cooperativo da economia e a tudo o que faça entrave à regulação pelos mercados da organização social e económica (na verdade, uma desregulação metodicamente levada cabo) passou a ser o grande objectivo das políticas públicas de muitos países, de blocos económicos e de instituições internacionais como o FMI.

Integrada nessa vasta campanha político-ideológica, tem-se destacado, com acérrima persistência, o combate aos “direitos adquiridos”, de que temos tido, em Portugal, brilhantíssimos e, por vezes, inesperados militantes. Pois bem! Esses direitos adquiridos nunca foram os dos grandes proprietários, os dos grandes senhores do capital, os dos titulares de chorudas rendas, os dos administradores pagos a milhões, que, mal perdem uma pequena fatia dos seus proventos, logo soltam aos ventos a injustiça de que se tornam vítimas. Se calhar, também não são os direitos adquiridos dos que pregam contra eles.

Em contraposição a esses direitos adquiridos, que são aqueles que beneficiam a maioria dos cidadãos, está em curso uma gigantesca tentativa de implantar novos e mais sólidos direitos adquiridos em benefício dos magnatas e do capitalismo global. Uma dessas tentativas, muito cautelosa e sigilosamente cozinhada nos bastidores, para não dar azo a grandes vozearias da populaça, chama-se “Grande Mercado Transatlântico”, entre a UE e os Estados Unidos da América e a outra chama-se “Acordo sobre Comércio e Serviços”, entre a UE, os Estados Unidos da América e mais umas dezenas de Estados por esse mundo fora.  

Em qualquer desses grandes acordos, o que está efectivamente em jogo é o estabelecimento de um código muito apertado de regras que permita às multinacionais e aos grandes detentores do capital aprofundarem e perpetuarem os seus direitos, a nível global, precavendo-se contra todas as eventualidades que os possam pôr em causa, incluindo reivindicações salariais, mutações legislativas, perturbações sociais, adopção de sistemas de protecção em benefício das populações que enfraqueçam os níveis de lucro esperados, reversões de serviços privatizados para o sector público, etc., etc., etc., sem esquecer a criação de tribunais arbitrais, de composição e localização muito convenientes à tutela de todo esse complexo de direitos.

Estes, sim, estes são os verdadeiros e intocáveis direitos adquiridos. Mais do que isso: sagrados. Os sagrados direitos do capital.

 

03 novembro 2014

 

Uma entrevista oportuna

A entrevista a Jorge Reis Novais, hoje no "Público", é muito interessante. Destaco dois aspetos: o papel desequilibrador do atual PR, pondo em crise o modelo semipresidencialista (em favor da velha ambição da direita: uma maioria, um governo, um presidente); e a função essencial de defesa da Constituição exercida pelo TC (à falta de um PR atento e respeitador da Lei Fundamental). Concordo com ele em que não há que mexer no recrutamento dos juízes do TC. Embora me pareça que não é o sistema ideal, certo é que o TC cumpriu no fundamental: na afirmação do TC como verdadeiro tribunal, como órgão vinculado apenas à Constituição, como órgão independente. E, na conjuntura que vivemos nestes últimos três anos, essa afirmação foi decisiva para a salvaguarda do Estado de Direito democrático em Portugal... Discordo, porém, de Reis Novais em dois pontos: na revisão do sistema eleitoral e nas "primárias". Ele entende que o sistema eleitoral está bem como está e manifesta-se abertamente contra o voto preferencial. Embora ele aponte certeiramente alguns perigos que o voto preferencial potencia (populismo, demagogia, localismo), parece-me que não haverá outra maneira de "dar a volta" ao espartilho em que os aparelhos partidários colocam os eleitores... E quanto às primárias (que ele apoia), francamente, como já aqui disse há tempos, não introduzem nenhum acréscimo democrático e diluem a ideologia dos partidos (se ainda têm alguma...), em proveito do puro eleitoralismo...

 

Podemos?

Em Espanha parece que sim. Há "algo de nuevo": o Podemos. Que não é, embora o seu historial seja curto para clarificar completamente o seu cariz, um partido populista, nem anti-sistema. Parece ser, sim, uma alternativa ao estafado sistema de alternância partidária em Espanha. E por cá? Ao que parece, o melhor que se consegue arranjar é o PS acolher alguns "desertores" do BE, adquirindo assim um toque ligeiramente mais vermelhusco. Mas será só à superfície, só tinta (que desbota rapidamente). Portanto, aqui na ocidental praia, não Podemos!

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