29 abril 2013
O perfume do poder
Já cheira ao poder para os lados do Rato... O congresso deste fim de semana apresentou a encenação conhecida dos dias de promessa: apelos unânimes à unidade, abraços intensos entre velhos inimigos, juras de fidelidade eterna para com o chefe, patriotismo a rodos, muitas bandeiras ondeando, projetos de ação ocos...
Enfim, a coreografia habitual... Que esperanças pode ela transmitir?
Enfim, a coreografia habitual... Que esperanças pode ela transmitir?
26 abril 2013
Sempre, sempre ao lado do governo
As declarações do PR ontem foram muito esclarecedoras: há "fadiga de austeridade" (se há... até um tal Cavaco Silva se queixa da pequena reforma que recebe...), mas a oposição não pode "explorar" a ansiedade e a inquietação dos portugueses. Deve, portanto, ajudar o governo a explicar aos mesmos portugueses afadigados, ansiosos e inquietos que a fadiga, a ansiedade e a inquietação são sentimentos antipatrióticos, devendo ser substituídos pela máxima de "aguentar, aguentar, custe o que custar", apregoada pelo patriota Ulrich, que tem uma vida de sacrifício e de sofrimento para apresentar como exemplo aos mais afadigados. Portanto, a função da oposição não é propriamente a de oposição, mas sim a de colaboração com o governo na exploração da tradicional benevolência e credulidade do bom povo português nos bons governantes que tem tido, na sorte que tem, de que tem de dar graças a deus, em ser tão bem governado.
22 abril 2013
Uma proposta a ponderar: sair do euro
João Ferreira do Amaral acaba de publicar um livro que tem de ser lido. Chama-se: “Porque devemos sair do euro”. É evidentemente polémico e até assustador o tema, mas tem de se enfrentado, e o livro ajuda. Independentemente de algum contágio nacionalista, que não partilho, a análise do autor parece-me coerente e sólida.
Há algumas afirmações que retenho e que me parecem convincentes: o Tratado de Maastricht como triunfo do neoliberalismo, na medida em que é estabelecido que a política monetária tem como único fim a estabilidade dos preços (sem preocupação com o nível do emprego ou a situação da economia), sendo o BCE impedido de emprestar dinheiro aos estados nacionais, que ficaram assim nas mãos dos famosos “mercados”; o decorrente ataque ao “modelo social europeu”; o inevitável agravamento do fosso entre economias competitivas e as menos competitivas, com a criação da moeda única e a inexistência de mecanismos de “solidariedade” entre os respetivos estados…
Sair do euro de forma organizada é uma solução que não pode ser afastada se a recusa da solidariedade de “ricos” para “pobres” se mantiver.
E a solução não é tão absurda como isso. A crise da zona euro, que vai atingindo países centrais, como a Itália e a França, pode estar no horizonte.
Aliás, na Alemanha já começam a aparecer vozes no mesmo sentido. O recentíssimo partido que tem como único lema o fim do euro não parte de políticos populistas, mas de professores e académicos reconhecidos e responsáveis…
21 abril 2013
Resposta a um concidadão que me interpela
Onde se demonstra que é
necessário olhar à realidade circundante para se não confundir cirurgia social
com batalha campal
Meu Prezado Senhor:
Recebi a sua carta
indignada, acusando o governo da Nação de parecer apostado em destruir o país.
Escreve VM: Os membros do governo parecem
ter ocupado os seus postos como se fossem atiradores colocados em lugares
estratégicos para irem abatendo fábricas, casas de comércio, restaurantes,
botequins, centros de diversão, instituições culturais, casas de recolhimento
de idosos, creches, postos de trabalho e, escândalo dos escândalos, afugentando
a juventude para países mais acolhedores. Dia a dia, são menos lojas, mais
portas fechadas, mais fábricas encerradas, mais trabalhadores no desemprego,
mais jovens a emigrarem, transformando as nossas cidades em centros desoladores e
desertificados.
Quão bélica linguagem
se destila no seu acrimonioso escrito! O que para aí vai de espingardeio
fantasioso! V.M. desculpar-me-á, mas parece ter sido apanhado por esse vírus
malfazejo que se alojou no cérebro de muitos dos nossos compatriotas,
distorcendo-lhes a escorreita percepção das cousas. Pasmo de visão tão
apocalíptica. V.M. compartilha do tom lamuriento daquelas massas ignaras que
andam pelas ruas aos berros, erguendo punhos rancorosos para o ar, e dá mostras,
como elas, de não entender nada da política patriótica que um punhado de
concidadãos corajosos, sustentados pela maioria (repito: pela maioria) tem vindo a levar a cabo
estoicamente, arrostando com toda a sorte de dificuldades, incompreensões,
insultos e canalhices, e mesmo assim persistindo, contra ventos e marés, em
permanecer firme nos seus postos.
Mesmo depois da
sentença adversa do Tribunal da Magna Carta, veja V. M. como eles resistem com
brio, enfrentando mais essa força de
bloqueio. Tal não seria assim, se eles não estivessem plenamente convictos
da sua acção restauradora das virtudes da Pátria, ou, se preferir, do plano de retrocesso progressivo que todos
deveríamos acarinhar.
Como V.M. muito bem
sabe, o nosso país entrou num terreno declivoso de maus vícios. As classes
laboriosas conquistaram direitos inconcebíveis: horários de trabalho tabelados,
fins-de-semana que vão do fim da tarde de sexta a domingo, vencimentos fixados
por acordos colectivos, horas extraordinárias pagas a dobrar, férias pagas e ainda
com direito a subsídio, mais um subsídio por ocasião do Natal a acrescer ao
respectivo vencimento, subsídios por doença, subsídios por desemprego,
subsídios por maternidade, diminuição da idade da reforma etc., etc, etc.
No que respeita aos
servidores do Estado, nem se fala: todos esses direitos, talvez até reforçados,
e ainda mais alguns. O funcionalismo vive repimpado nas suas escandalosas
regalias.
Acrescente V. M. a isto
um sistema de ensino público e um sistema de saúde «tendencialmente gratuitos»,
isto é, à custa do erário público, ou seja, dos nossos impostos. Tudo muito
bonito, como reza a Magna Carta, que é uma espécie de vaca sagrada em que se
não pode tocar.
Ora, nada disto podia dar
bom resultado. Entrou-se numa sociedade de lazer, de ócio, de consumismo
desenfreado por parte das grandes massas da população, enquanto o Estado e as
famílias se iam atolando em dívidas. Por isso, os povos mais contidos e
produtivos que nos têm permitido viver, generosamente, com os seus empréstimos,
começaram a dizer, para nossa vergonha, que estávamos a viver acima das nossas
possibilidades. Havia que pôr cobro a uma tal situação.
As classes laboriosas
existem para laborar; as classes médias, para viverem na mediania. Não é todos
viverem à tripa-forra, como se todos tivessem iguais direitos ao mesmo
tratamento e privilégios.
Coube a este punhado de
patriotas, alçado ao poder com o voto da maioria da população aplicar o remédio
amargo que se impunha para vencer uma tal situação doentia, encetando a revolução original do empobrecimento
generalizado. Restaurar as virtudes perdidas dos nossos antepassados foi o
seu lema desde o início, retirando às classes laboriosas os direitos
abusivamente conquistados e recolocando as classes médias na mediania de onde
nunca deviam ter saído.
É claro que é
naturalmente sobre elas que tem de recair o principal ónus do sacrifício e não
me admiro nada que muitos dos que catapultaram estes patriotas ao poder se queixem, lamuriem e protestem, mas pergunto:
o doente que estivesse prisoneiro de grave doença consentiria na cura, se de
antemão soubesse os dolorosos tratamentos a que iria ser submetido?
Pois este nosso
governo, que muito nobremente, em funções, decidiu vestir uma bata de trabalho
com as cores da nossa bandeira, é o cirurgião aplicado que vai extrair o câncer que ulcera o nosso país com uma
cirurgia dolorosa, determinada e contumaz. Ir até à raiz do mal, isto é, até ao
passado onde ele teve origem, eis o busílis da questão. Recuar cinquenta ou
sessenta anos em tratamento retroviral, como
agora se diz, não é nada fácil. Implica que muita coisa se perca, muito sangue novo
se verta e muito sonho se desfaça. Mas é preciso andar para trás, para depois
ir para a frente do ao para trás, percebeu?
Muitos resistirão;
outros têm de sucumbir, pois essa é a lei da vida, a verdadeira Lei das leis.
Não confunda, porém, V.
M. cirurgia social com batalha campal.
Queira V. M. dispor,
sempre que queira, deste seu criado
Jonathan Swift
(1665-1745)
Os tribunais e a realidade circundante
O presidente da República lembrou
na Colômbia que os tribunais têm de estar atentos à realidade que o país
atravessa. Eis uma verdade com a qual será difícil não estar de acordo.
Questiona-se se o presidente da
República teve ou não em mente algum tribunal especial, nomeadamente o Tribunal
Constitucional, cuja decisão sobre a Lei do Orçamento tem constituído o facto
judiciário mais relevante nestas duas últimas semanas.
A verdade é que o presidente da
República referiu-se genericamente aos tribunais e não, especificamente, a
nenhum deles. Por outro lado, ele foi uma das personalidades que requereu a fiscalização
da constitucionalidade, por ter dúvidas sobre a conformidade de algumas normas
daquele diploma legislativo com a Lei Fundamental.
Por conseguinte, nesse contexto,
parece um pouco paradoxal que, na sua advertência, tenha querido referir-se
especialmente ao Tribunal Constitucional e, logo, por ter declarado a
inconstitucionalidade de algumas normas da Lei do Orçamento, quando ele próprio
teve dúvidas sobre a constitucionalidade de parte dessas normas. A menos que
ele tenha querido fazer a advertência, não ao Tribunal Constitucional, por ter
decidido como decidiu, mas àqueles que, nomeadamente ao Governo, vêm criticando
o TC por não ter, alegadamente, mostrado solidariedade com as demais
instituições e órgãos de soberania na situação decorrente do Programa de
Ajustamento Económico e Financeiro que o país atravessa.
Foi, então, como se lembrasse a
esses críticos que o TC cumpriu o seu dever, atendendo à realidade económica e financeira
decorrente das medidas de austeridade, que têm pesado de forma muito problemática,
para não dizer calamitosa, sobre certos sectores da sociedade portuguesa.
De resto, é muito avisada a
observação do presidente da República sobre a necessidade de os tribunais em
geral deverem atender, nas suas decisões, à realidade circundante, sobretudo
nesta situação de crise. Por exemplo, muitos juízes do crime continuam a fazer
impender, negativamente, sobre os arguidos a situação de estarem desempregados,
sem terem em devida conta a realidade de desemprego forçado que é a nossa,
actualmente.
Outras situações são as dos
arrendatários que não podem pagar as rendas de casa, as quais, não obstante a
crise, subiram de forma generalizada; a das pessoas que perdem a casa por deixarem
de ter possibilidade de pagar os empréstimos aos bancos e continuarem com
dívidas aos mesmos bancos, correspondentes à diferença entre o preço obtido em
hasta pública e o valor do empréstimo que ainda falta pagar, etc., etc., etc.
Em todas essas situações e muitas
outras, os tribunais, nas decisões que têm de emitir, deveriam atender, como
advertiu o presidente da República, à realidade que o país atravessa.
18 abril 2013
Nova exigência da troika de malfeitores
Já não se contentam com os cortes. Agora querem mais: um consenso maioritário. Traduzido em miúdos, querem que o governo consiga o acordo do PS para os ditos cortes. O governo talvez esteja a acordar tarde. Sempre pensou que bastava a maioria absoluta com o CDS. Agora pedem-lhe mais. E hoje passou o dia a lançar palavras maviosas ao PS (como a raposa ao corvo na história tradicional). O PS segura-se (até ver; mas o corvo, como se sabe, acabou por se deixar enganar). Aliás, Seguro fixou uma fasquia muito alta (o fim da austeridade) para negociar, e agora será difícil recuar sem perder a face, isto é, a credibilidade.
E entretanto a troika à espera... Como sair da embrulhada?
E entretanto a troika à espera... Como sair da embrulhada?
16 abril 2013
O céu finlandês
O PM finlandês esteve por cá e deu uma entrevista ao "Público" de 14.4.2013. Em seu entender, tudo está a correr bem em Portugal, mesmo o que está a correr mal... É que é uma questão de prazo. A médio prazo estaremos a caminho do céu, porque esse caminho tem que ser percorrido integralmente, sem atalhos. Sofrer para merecer o paraíso! É a ética luterana que este pregador de banha de cobra nos quer vender.
Os inimigos da igualdade
O dr. Valente soube agora, com o acórdão do TC, que a Constituição consagra o princípio da igualdade e não se conforma. Todo o seu magistério, como historiador e como publicista, tem sido norteado pela desmistificação (pelo desmascaramento) da ideia/projeto da igualdade. E a Constituição mantém-se imóvel e insensível ao seu magistério! É uma ofensa pessoal! E diz mais o mesmo mestre: aceitar o princípio da igualdade como princípio regulador é um provincianismo português (sic)! Acabar com o princípio da igualdade será, pois, uma prova de progresso civilizacional! (É certo que ele não diz qual é a constituição que não consagra o dito princípio; mesmo a sua amada constituição americana sofre do mesmo "provincianismo"...) Acreditem: isto veio escrito no "Público" do dia 14.4.2013.
Mas no mesmo número do dito jornal aparece outro artigo que não é muito melhor. Vem subscrito por M. Costa Andrade, invocando a sua qualidade de "professor da Faculdade de Direito de Coimbra", mas a verdade é que esse artigo foi escrito pelo militante do PSD que usa o mesmo nome e que coincide no mesmo corpo. Na verdade, tal artigo, na sua virulenta crítica ao acórdão do TC, não contém um único argumento jurídico, como seria de esperar do professor de direito. Insinua inclusivamente, o que é estranho num jurista, mas está a tornar-se corrente nos juristas da nova geração neoliberal, que a Constituição económico-financeira está suspensa em "tempos de cólera" (revela leituras literárias, o que é de sublinhar positivamente) e apelida o princípio de igualdade invocado pelo TC de "obscuro e parkinsoniano [???] conceito de igualdade" (que metáfora tão rudimentar como argumento). E, na linha do PM, acaba por acusar o TC de ser o causador de todos os males futuros que nos foram prometidos pelo governo. Esperemos que o professor de direito regresse urgentemente, dispensando os serviços do militante partidário.
Mas no mesmo número do dito jornal aparece outro artigo que não é muito melhor. Vem subscrito por M. Costa Andrade, invocando a sua qualidade de "professor da Faculdade de Direito de Coimbra", mas a verdade é que esse artigo foi escrito pelo militante do PSD que usa o mesmo nome e que coincide no mesmo corpo. Na verdade, tal artigo, na sua virulenta crítica ao acórdão do TC, não contém um único argumento jurídico, como seria de esperar do professor de direito. Insinua inclusivamente, o que é estranho num jurista, mas está a tornar-se corrente nos juristas da nova geração neoliberal, que a Constituição económico-financeira está suspensa em "tempos de cólera" (revela leituras literárias, o que é de sublinhar positivamente) e apelida o princípio de igualdade invocado pelo TC de "obscuro e parkinsoniano [???] conceito de igualdade" (que metáfora tão rudimentar como argumento). E, na linha do PM, acaba por acusar o TC de ser o causador de todos os males futuros que nos foram prometidos pelo governo. Esperemos que o professor de direito regresse urgentemente, dispensando os serviços do militante partidário.
12 abril 2013
Regozijo
Como leitor do "Público", manifesto aqui o meu regozijo pelas ascenção do dr. Pedro Lomba ao governo da Nação (pois espero que não tenha tempo para escrever no jornal).
Agora ele vai ter oportunidade de pôr em execução o seu arreigado ódio aos funcionários públicos, os grandes inimigos dos portugueses...
Agora ele vai ter oportunidade de pôr em execução o seu arreigado ódio aos funcionários públicos, os grandes inimigos dos portugueses...
Os novos "estrangeirados"
O nosso país tinha uma brilhante tradição de estrangeirados desde o sec. XVIII. Eram homens cultos, abertos ao mundo e sobretudo às ideias novas, traziam os ventos da liberdade e da justiça social, eram progressistas no melhor sentido do termo, acreditavam que podia haver um mundo melhor e queriam que Portugal fizesse parte desse mundo. Foram ainda dessa cepa os estrangeirados do sec. XX: Fidelino de Figueiredo, Sérgio, Jaime Cortesão, Vitorino Magalhães Godinho, Magalhães Vilhena, Miguéis, Eduardo Lourenço, e tantos, tantos outros...
Mas agora temos uma vaga inversa: vêm de universidades estrangeiras, americanas quase sempre, e, segundo parece, com títulos académicos. Mas as ideias que trazem, as propostas que fazem e aqui querem introduzir é do mais retrógrado que há. Se chegam ao governo, é para fazer o país empobrecer, recuar em legislação e direitos de cidadania, seguir submissamente modelos impostos de fora. Nomes? Não é preciso (ontem entrou mais um no governo!).
Mas agora temos uma vaga inversa: vêm de universidades estrangeiras, americanas quase sempre, e, segundo parece, com títulos académicos. Mas as ideias que trazem, as propostas que fazem e aqui querem introduzir é do mais retrógrado que há. Se chegam ao governo, é para fazer o país empobrecer, recuar em legislação e direitos de cidadania, seguir submissamente modelos impostos de fora. Nomes? Não é preciso (ontem entrou mais um no governo!).
11 abril 2013
Ulrich Beck contra "Merkievel"
Quero aqui chamar a atenção para um opúsculo absolutamente notável do filófiso/sociólogo Ulrich Beck, publicado há pouco e que se intitula "A Europa Alemã: de Maquiavel a 'Merkievel'": estratégias de poder na crise do euro" (Edições 70).
O título já diz muito... Mas valer a pena ler! Vale a pena constatar que nem todos os alemães dizem sim à Kanzlerin (chancelerina, em português, pois chanceler tem feminino também na nossa língua...).
Algumas ideias do autor quero sintetizar.
A primeira é a da estratégia do poder do governo o alemão. Todos nós estranhamos as contínuas hesitações e adiamentos de solução dos problemas por parte da Alemanha. Parece-nos estranho porque normalmente o exercício do poder caracteriza-se pela exibição rápida e sem hesitações desse exercício. Mas, maquiavelicamente, a sra. Merkel optou por uma estratégia diferente: perante os riscos decorrentes da crise do euro (que é sobretudo dos outros, entenda-se, dos devedores, dos submetidos à tutela alemã), ela não exerce qualquer poder, ela prescinde de tomar decisões, ela simplesmente nada decide contra ou a favor dos tutelados. Ela deixa levar os riscos até ao limite admissível, e quando aí chega não toma decisões frontais, toma meias-decisões que não resolvem os problemas, arrastam-nos, arrastando os súbditos, prendendo-os à corda alemã eternamente. Maquiavel não faria melhor. Esta princesa suplantou o principe...
Outra afirmação decisiva de Beck: a crise só se resolverá com a "grande política", não com as propostas assentes na "cegueira da economia"! Segundo ele, a crise do euro é acima de tudo "a crise dos valores europeus de abertura ao mundo, paz e tolerância". E continua: "Quem considera a Europa igual ao euro já desistiu da Europa. A Europa é uma aliança de antigas culturas mundiais e superpotências que procuram uma saída da sua história bélica. A arrogância dos europeus do norte em relação aos países do sul, alegadamente preguiçosos e sem disciplina, demonstra um esquecimento simplesmente brutal da história e uma ignorância cultural."
De salientar, a sua proposta de um novo "contrao social europeu" assente nos cidadãos, não nos estados, a "Europa dos indivíduos que ainda têm de se transformar no soberano da democracia europeia". Um movimento transnacional que promova a mudança é o que ele propõe: "Está na altura de (...) todos aqueles que são afetados como 'danos colaterais' humanos em toda a Europa pela política de austeridade tomarem a peito o imperativo cosmopolita. têm de cooperar a nível transfonteiriço e empenhar-se, em conjunto, não por menos Europa, mas sim a partir da base, por uma união política que se reja por princípios social-democratas, uma vez que só esta será capaz de enfrentar eficazmente as causas da miséria."
Uma proposta de ação cosmopolita e radical: contra a "ilegitimidade da Europa neoliberal" no poder, a mobilização transnacional de todos os perdedores e marginalizados pelo sistema no poder!
(Vale a pena ler, é o que eu digo! Quem esperaria isto de um filósofo alemão nos tempos merkiavélicos?)
O título já diz muito... Mas valer a pena ler! Vale a pena constatar que nem todos os alemães dizem sim à Kanzlerin (chancelerina, em português, pois chanceler tem feminino também na nossa língua...).
Algumas ideias do autor quero sintetizar.
A primeira é a da estratégia do poder do governo o alemão. Todos nós estranhamos as contínuas hesitações e adiamentos de solução dos problemas por parte da Alemanha. Parece-nos estranho porque normalmente o exercício do poder caracteriza-se pela exibição rápida e sem hesitações desse exercício. Mas, maquiavelicamente, a sra. Merkel optou por uma estratégia diferente: perante os riscos decorrentes da crise do euro (que é sobretudo dos outros, entenda-se, dos devedores, dos submetidos à tutela alemã), ela não exerce qualquer poder, ela prescinde de tomar decisões, ela simplesmente nada decide contra ou a favor dos tutelados. Ela deixa levar os riscos até ao limite admissível, e quando aí chega não toma decisões frontais, toma meias-decisões que não resolvem os problemas, arrastam-nos, arrastando os súbditos, prendendo-os à corda alemã eternamente. Maquiavel não faria melhor. Esta princesa suplantou o principe...
Outra afirmação decisiva de Beck: a crise só se resolverá com a "grande política", não com as propostas assentes na "cegueira da economia"! Segundo ele, a crise do euro é acima de tudo "a crise dos valores europeus de abertura ao mundo, paz e tolerância". E continua: "Quem considera a Europa igual ao euro já desistiu da Europa. A Europa é uma aliança de antigas culturas mundiais e superpotências que procuram uma saída da sua história bélica. A arrogância dos europeus do norte em relação aos países do sul, alegadamente preguiçosos e sem disciplina, demonstra um esquecimento simplesmente brutal da história e uma ignorância cultural."
De salientar, a sua proposta de um novo "contrao social europeu" assente nos cidadãos, não nos estados, a "Europa dos indivíduos que ainda têm de se transformar no soberano da democracia europeia". Um movimento transnacional que promova a mudança é o que ele propõe: "Está na altura de (...) todos aqueles que são afetados como 'danos colaterais' humanos em toda a Europa pela política de austeridade tomarem a peito o imperativo cosmopolita. têm de cooperar a nível transfonteiriço e empenhar-se, em conjunto, não por menos Europa, mas sim a partir da base, por uma união política que se reja por princípios social-democratas, uma vez que só esta será capaz de enfrentar eficazmente as causas da miséria."
Uma proposta de ação cosmopolita e radical: contra a "ilegitimidade da Europa neoliberal" no poder, a mobilização transnacional de todos os perdedores e marginalizados pelo sistema no poder!
(Vale a pena ler, é o que eu digo! Quem esperaria isto de um filósofo alemão nos tempos merkiavélicos?)
07 abril 2013
A declaração óbvia
Tivemos, finalmente, o que já se
esperava: o PM veio à TV fazer uma grave declaração ao País, em que atirou para
cima do Tribunal Constitucional toda a responsabilidade pelo revés sofrido com
o acórdão tornado público na sexta-feira.
A partir de agora, parece que
fica legitimada toda a acção governativa no sentido de acabar de vez com o
Estado Social, talvez mesmo sem o simulacro de uma grande discussão acerca das
funções do Estado.
Não seria mais prático acabar com
o próprio TC, pois que se está a ver que, mesmo com juízes indigitados pelos
partidos, embora eleitos por maioria qualificada na AR, se não consegue abolir
a mania da independência que eles ostentam?
Uma boa solução seria declarar a
sua inexistência com efeitos retroactivos.
Uma breve retificação à prof. Fernanda Palma
Na sua crónica de hoje no "Correio da Manhã", Fernanda Palma procede a uma análise simultaneamente rigorosa e sintética da decisão do TC que é muito esclarecedora para o público menos familiarizado com o direito (e mesmo para o familiarizado).
Já na parte final tropecei, porém, com algumas afirmações sobre o STJ que são incorretas e que convém esclarecer. Quero, porém, primeiro afirmar mais uma vez (já o disse aqui múltiplas vezes) que sou incondicionalmente favorável ao modelo do TC que temos (talvez menos quanto ao modo de recrutamendo dos juízes...).
Diz Fernanda Palma que o STJ nunca foi o "motor" do controlo da constitucionalidade. Claro que não! Até porque, mesmo que o quisesse, ser, não podia! Esse papel cabe precisamente ao TC!
Diz também que só muito recentemente o STJ "conseguiu integrar mulheres e personalidades oriundas de fora da magistratura". E acrescenta: "o maior desafio para a cultura da constitucionalidade é libertar-se de preconceitos ideológicos e abrir o pensamento a novas dimensões da Justiça".
Ora bem. Quanto às mulheres, há que explicar que as magistradas de carreira só há pouco vêm preenchendo as condições de antiguidade impostas para o acesso ao STJ, dado que o acesso das mulheres à magistratura só se deu após o 25 de abril!
Quanto às "personalidades", a verdade é que, estando a possibilidade do seu ingresso no STJ prevista na lei desde 1978, e tirando o caso excecional de Meneres Pimentel (antigo magistrado), nunca houve "personalidades" interessadas em concorrer ao STJ (nem a própria prof. Fernanda Palma) até 2006, quando concorreu uma ex-juíza do TC, que entrou nesse concurso (e se mantém no ativo). No último concurso já houve três "personalidades" concorrentes, tendo a "personalidade" classificada em 1º lugar sido já colocada.
Tudo isto a prof. Fernanda Palma sabe muito bem. Por isso não compreendo como atribui a "preconceitos ideológicos" a pequena expressão de mulheres e de "personalidades" na composição do STJ...
Já na parte final tropecei, porém, com algumas afirmações sobre o STJ que são incorretas e que convém esclarecer. Quero, porém, primeiro afirmar mais uma vez (já o disse aqui múltiplas vezes) que sou incondicionalmente favorável ao modelo do TC que temos (talvez menos quanto ao modo de recrutamendo dos juízes...).
Diz Fernanda Palma que o STJ nunca foi o "motor" do controlo da constitucionalidade. Claro que não! Até porque, mesmo que o quisesse, ser, não podia! Esse papel cabe precisamente ao TC!
Diz também que só muito recentemente o STJ "conseguiu integrar mulheres e personalidades oriundas de fora da magistratura". E acrescenta: "o maior desafio para a cultura da constitucionalidade é libertar-se de preconceitos ideológicos e abrir o pensamento a novas dimensões da Justiça".
Ora bem. Quanto às mulheres, há que explicar que as magistradas de carreira só há pouco vêm preenchendo as condições de antiguidade impostas para o acesso ao STJ, dado que o acesso das mulheres à magistratura só se deu após o 25 de abril!
Quanto às "personalidades", a verdade é que, estando a possibilidade do seu ingresso no STJ prevista na lei desde 1978, e tirando o caso excecional de Meneres Pimentel (antigo magistrado), nunca houve "personalidades" interessadas em concorrer ao STJ (nem a própria prof. Fernanda Palma) até 2006, quando concorreu uma ex-juíza do TC, que entrou nesse concurso (e se mantém no ativo). No último concurso já houve três "personalidades" concorrentes, tendo a "personalidade" classificada em 1º lugar sido já colocada.
Tudo isto a prof. Fernanda Palma sabe muito bem. Por isso não compreendo como atribui a "preconceitos ideológicos" a pequena expressão de mulheres e de "personalidades" na composição do STJ...
O direito a um título académico
Uma das crónicas mais
acertadas, esta que Vasco Pulido Valente assinou no Público de ontem, sábado. Uma das mais acertadas e das que põem
mais a nu a ridicularia lusitana que se centra na ganância pela aquisição dum
título de dr., eng.º ou arq.º.
O “dr” (ou eng, ou arq.) à frente do nome
afirma o direito do maior burro ou, mais frequentemente, do maior ignorante a
mandar no próximo e a receber a maior consideração dos povos.
Miguel Relvas (e também José
Sócrates) não resistiram à “vergonha” de se apresentar como na verdade eram e
foram a correr arranjar um título “respeitável”, de que não precisavam, para se
mostrar aos portugueses. Como antigamente os merceeiros ricos se torciam para
ascender à dignidade de comendador ou de barão. Ninguém os levava a sério, como
hoje ninguém leva a sério os licenciados que universidades de 3.ª ou 4.ª
categoria fabricam à pressa para consumo da ingenuidade portuguesa.
Se
me permitem citar-me a mim próprio, escrevi numa crónica publicada no JN datada
de 03/02/2000 (A mania do doutorismo):
« Portugal deve ser dos poucos países, senão mesmo o único, em que continua
florescente a mania do doutorismo.
»Toda
a gente que tenha levado até ao fim uma qualquer licenciatura é como se ascendesse
a uma espécie de aristocracia em que a nobreza do sangue é substituída pela
nobreza de um título que passa a ter o direito de usar: o Dr. “Dr. Fulano de
Tal, ora faça o favor de dobrar a língua”. Frequentemente é o próprio quem o
lembra, declinando, nas alturas apropriadas, o nome próprio, antecedido do
indispensável Dr. “Chamo-me Dr. Fulano de Tal”.
»O
Dr. adere à identidade pessoal, como coisa inseparável, apesar de não figurar,
lamentavelmente, no bilhete de identidade. Deveria ser uma marca, uma tatuagem
na pele ostentada em lugar visível e que permitisse o imediato reconhecimento
de quem tem (ou se sente com) o direito ao título. Quem divisasse tal sinal ou
marca ficava logo a ver que estava na presença de um Dr., passando a tratá-lo
com a deferência devida ao estatuto correspondente. A voz tornar-se-ia grave ou
melíflua, consoante as circunstâncias, o espinhaço dobrar-se-ia naquela curva
mais ou menos pronunciada com que se acata a conspicuidade doutoral, as coisas
começariam a rolar praticamente sobre esferas.»
Hoje, adquirir um título académico tornou-se a
coisa mais banal e, como se vê, cada vez menos
digna de qualquer crédito. Forjam-se diplomas como quem fabrica cuecas ou peúgas.
Ora,
não seria mais correcto satisfazer as aspirações de tantos concidadãos (ou indígenas, como invariavelmente lhes
chama Vasco Pulido Valente) conferindo a todos, pelo simples facto do nascimento,
um título académico, dr., eng. ou arq.,segundo percentagens adequadas e
devidamente ponderadas? Os que nascessem no primeiro quartel do ano seriam
intitulados de dr.; os do segundo quartel, teriam direito ao título de eng. e
os do terceiro quartel, o de arq. Assim, ou por outra ordem, tanto importa.
O dr. Valente no labirinto da sua ignorância
O miserável ataque hoje desferido no "Público" pelo dr. Valente contra o presidente do TC desprestigia apenas e somente o seu autor, em progressivo e irreversível delírio, de crónica para crónica.
Começa o dr. Valente por revelar que ignorava que o princípio da igualdade está consagrado na Constituição, ou pelo menos que os juízes não lhe deviam dar atenção, mostrando assim o nível dos seus conhecimentos jurídicos...
Mais ignora quem seja o presidente do TC, nunca ouviu falar nele, como se aquilo que ele ignora não existisse ou fosse supérfluo ou não tivesse valor suficiente para aceder ao seu superior conhecimento! O dr. Valente é de facto ignorante em muitas coisas, mas a pior ignorância de que padece é a sua arrogância destituída de senso...
O dr. Valente também não sabe que o procedimento de nomeação dos juízes do TC inclui uma "prova pública" na AR. O dr. Valente não sabe nada do TC nem da Constituição, mas julga-se no direito de falar do alto da sua cátedra de ignorante sobre o que não sabe.
A imprensa e o comentário político está hoje entregue em grande parte a gente assim... Na TV, então, são aos montes. Um tal Raul Vaz dizia, comentando o acórdão do TC, que este tribunal também tem, como os outros órgãos de soberania, responsabilidade política... É este o nível médio do comentário político que temos (e recebem dinheiro para dizer estas alarvidades...).
Começa o dr. Valente por revelar que ignorava que o princípio da igualdade está consagrado na Constituição, ou pelo menos que os juízes não lhe deviam dar atenção, mostrando assim o nível dos seus conhecimentos jurídicos...
Mais ignora quem seja o presidente do TC, nunca ouviu falar nele, como se aquilo que ele ignora não existisse ou fosse supérfluo ou não tivesse valor suficiente para aceder ao seu superior conhecimento! O dr. Valente é de facto ignorante em muitas coisas, mas a pior ignorância de que padece é a sua arrogância destituída de senso...
O dr. Valente também não sabe que o procedimento de nomeação dos juízes do TC inclui uma "prova pública" na AR. O dr. Valente não sabe nada do TC nem da Constituição, mas julga-se no direito de falar do alto da sua cátedra de ignorante sobre o que não sabe.
A imprensa e o comentário político está hoje entregue em grande parte a gente assim... Na TV, então, são aos montes. Um tal Raul Vaz dizia, comentando o acórdão do TC, que este tribunal também tem, como os outros órgãos de soberania, responsabilidade política... É este o nível médio do comentário político que temos (e recebem dinheiro para dizer estas alarvidades...).
A decisão tão esperada
Ainda não li a decisão do
Tribunal Constitucional, mas, à primeira vista, parece-me que foi adoptado um
padrão mínimo e cauteloso na declaração de inconstitucionalidades, preservando
o mais possível a Lei do Orçamento. A redução de escalões, por exemplo, criando
nítidas desigualdades no agravamento da carga fiscal e sobrecarregando a classe
média, ainda com o acréscimo da sobretaxa, seria um dos casos que, a meu ver,
merecia ser fulminado com a declaração de inconstitucionalidade.
Mesmo, porém, com as limitações
que será possível apontar ao acórdão, o TC deu mostras de independência, face às pressões que sobre os
juízes se acumularam nos últimos dias, algumas delas completamente
despudoradas. Só isso já é suficiente motivo para nos regozijarmos com o
funcionamento de um órgão jurisdicional que tem por função opor uma barreira às
pretensões mais radicais do poder executivo e da sua maioria, pondo em causa
direitos fundamentais dos cidadãos.
Neste caso, até juízes
indigitados pelos partidos da tal maioria votaram a favor de algumas inconstitucionalidades,
o que dá maior consistência à percepção que já se vinha registando de há muito
de que se tem vindo a fazer tábua rasa de princípios fundamentais da
Constituição, apesar das advertências de gente avisada e do veredicto do
próprio TC sobre a Lei do Orçamento do ano passado.
Algumas críticas que foram feitas
ao TC por determinados comentadores políticos, cada vez mais ligados às forças
político-partidárias do chamado “arco do poder”, verberando a demora da
decisão, têm subjacente o completo desconhecimento do funcionamento de um
tribunal e a complexidade das questões envolvidas na decisão. Ou então estavam
à espera que o tribunal decidisse rapidamente, limitando-se a uma mera função
de ratificação das opções tomadas por via legislativa. Reacções posteriores à
decisão dão alguma consistência a esta hipótese e prenunciam a intenção de
fazer do TC bode expiatório dos fracassos governativos.
Outra nota a assinalar é a
disponibilidade manifestada pelo presidente do TC para se colocar à disposição
dos jornalistas para responder a questões, em ordem a clarificar os fundamentos
da decisão. Creio ser a primeira vez que isto acontece e pode constituir um
princípio de actuação que, não devendo ser usado a torto e a direito,
contribuirá para uma outra forma de relacionamento entre a justiça e os media.
05 abril 2013
Há juízes em Lisboa!
Os juízes do TC confirmaram eloquentemente que não se deixaram pressionar com a chantagem da ruína orçamental apregoada pelo governo e afirmaram ruidosamente o primado da Constituição. Honraram o seu estatuto de guardiões da Constituição. Poderá dizer-se que isso seria o mínimo exigível... Mas nas atuais circunstâncias políticas, internas e internacionais, é uma atitude corajosa e exemplar. Presto-lhes aqui a minha modestíssima homenagem. É certo que poderiam ter ido mais longe, que o princípio constitucional da confiança continua a não merecer os favores do Tribunal, mas isso agora não é o fundamental. O fundamental é a afirmação da Constituição e do Tribunal que vigia e salvaguarda o seu cumprimento nestes tempos difíceis.
Quero salientar ainda a grande serenidade, qualidade e dignidade das declarações /esclarecimentos do presidente do tribunal perante a avalanche de perguntas dos jornalistas no final da leitura do acórdão.
Enfim, um marco na nossa vida democrática (valeu a pena esperar três meses mais uma hora...).
Quero salientar ainda a grande serenidade, qualidade e dignidade das declarações /esclarecimentos do presidente do tribunal perante a avalanche de perguntas dos jornalistas no final da leitura do acórdão.
Enfim, um marco na nossa vida democrática (valeu a pena esperar três meses mais uma hora...).
03 abril 2013
Política e justiça
A
propósito da tão discutida (nos últimos
dias) judicialização da política, sobretudo por causa da lei dos mandatos autárquicos,
mas também da questão por alguns levantada (esterilmente) da convocada intervenção
do Tribunal Constitucional no que diz respeito à apreciação da constitucionalidade
da Lei do Orçamento, como se houvesse aí uma indesejada imiscuição do poder
judicial na esfera política e uma infracção à regra da separação dos poderes, andei à cata
de uma antiga crónica minha publicada no Jornal de Notícias, até que a encontrei.
É de 30/10/2003.
Para
se ver que a questão é antiga.
O
artigo é bastante sucinto, por força das limitações de espaço que me foram impostas
na altura, mas é, a meu ver, suficientemente revelador.
Ei-lo:
Política
e Justiça
Seria
um debate muito fascinante esse das relações entre a política e a justiça – um
debate que tem vindo crescentemente a ser objecto de estudos no âmbito
académico. Falou-se entre nós de politização da justiça e de judicialização da
política e logo a comunicação social afinou praticamente toda pelo mesmo
diapasão: não à politização da justiça e não à judicialização da política. Mas
o problema é demasiado complexo para ser tratado dessa maneira tão simplista.
A
politização da justiça é um facto, sem que signifique necessariamente uma
imiscuição do poder político no poder judicial, ou mais concretamente na
independência dos juízes, essa sim de salvaguardar a todo o custo. Não é por
acaso que se diz que a tão glosada «crise da justiça», comum a praticamente
todos os países democráticos ocidentais, é a «crise política da justiça», nela
estando implicado o tradicional isolamento do poder judicial e o seu
tradicional ensimesmamento corporativo, a reclamar uma maior abertura e
permeabilização aos princípios democráticos e de soberania popular.
O
mesmo se diga em relação à judicialização da política. Esta não é um fenómeno
resultante de qualquer voluntarismo. É uma realidade que não adianta negar. Se
não, veja-se o papel do Tribunal Constitucional, a função do Tribunal de
Contas, os chamados crimes de responsabilidade politica, a delegação crescente
do poder de legislar em órgãos técnicos especializados, gerando uma
complexidade normativa, que tantas vezes o juiz moderno é convocado a
interpretar de forma criadora. Veja-se o que o académico Ralf Dahrendorf
escreveu sobre o tema num artigo chamado «A era dos juízes» («Público» de
19/8/2003).
02 abril 2013
Direito de resistência e desobediência civil
Eu sou dos que acham que o direito de resistência não cobre todas as situações de direito à resistência, mas apenas aquelas que se traduzam na defesa estrita dos direitos, liberdades e garatias. O não pagamento dos impostos, mesmo em situações de carência extrema, não poderá, pois, receber a proteção do direito à resistência.
A desobediência civil caracteriza-se precisamente pelo reconhecimento da ilicitude da conduta adotada, e pela assunção frontal das consequências associadas à desobediência à lei considerada injusta, no propósito de lutar pela sua revogação.
A desobediência civil caracteriza-se precisamente pelo reconhecimento da ilicitude da conduta adotada, e pela assunção frontal das consequências associadas à desobediência à lei considerada injusta, no propósito de lutar pela sua revogação.
A alegada "vinculação" ao fatídico memorando
Terá a deputada do lenço enrolado ao pescoço (a "constitucionalista" de serviço permanente ao governo) afirmado que o memorando da troika "vincula" todos, incluindo o Tribunal Constitucional.
Ora, esta afirmação é claramente excessiva. Na verdade o dito memorando não vincula ninguém! Não estamos perante um tratado internacional! É um mero "protocolo", uma declaração de intenções sem valor jurídico. Se Portugal não cumprir o memorando, a troika não pode demandá-la perante nenhum tribunal por esse incumprimento. Poderá apenas pedir a devolução do dinheiro emprestado (com os juros, claro), nada mais!
O que vincula os portugueses e o TC é a Constituição (e os tratados e convenções assinados por Portugal). A legislação aprovada pela AR em obediência ao memorando terá que passar pelo teste da constitucionalidade, não a Constituição pelo teste da conformidade com o memorando!
Ora, esta afirmação é claramente excessiva. Na verdade o dito memorando não vincula ninguém! Não estamos perante um tratado internacional! É um mero "protocolo", uma declaração de intenções sem valor jurídico. Se Portugal não cumprir o memorando, a troika não pode demandá-la perante nenhum tribunal por esse incumprimento. Poderá apenas pedir a devolução do dinheiro emprestado (com os juros, claro), nada mais!
O que vincula os portugueses e o TC é a Constituição (e os tratados e convenções assinados por Portugal). A legislação aprovada pela AR em obediência ao memorando terá que passar pelo teste da constitucionalidade, não a Constituição pelo teste da conformidade com o memorando!