30 junho 2011
Violência, sim, obscenidade, nunca!
A decisão do STEUA do dia 27, no caso Califórnia vs. Entertainment Merchants Association, é muito interessante, por significaiva da cultura jurídica americana.
Uma lei da Califórnia proibia a venda ou aluguer de jogos de vídeo violentos a menores. A associação comercial do sector recorreu para o ST, por alegada violação do direito de liberdade de expressão.
O ST deu-lhe razão. A expressão da violência está constitucionalmente protegida, disse, mesmo quando dirigida a um público de menor idade. Já o mesmo não sucede com a obscenidade...
A cultura puritana, no seu pior.
Uma lei da Califórnia proibia a venda ou aluguer de jogos de vídeo violentos a menores. A associação comercial do sector recorreu para o ST, por alegada violação do direito de liberdade de expressão.
O ST deu-lhe razão. A expressão da violência está constitucionalmente protegida, disse, mesmo quando dirigida a um público de menor idade. Já o mesmo não sucede com a obscenidade...
A cultura puritana, no seu pior.
Além-Troika
Aproveitando o estado de graça, o novo Governo começa a governar para nossa desgraça, adoptando medidas "extraordinárias" (note-se, além-troika).
Para já, é "apenas" metade do subsídio de Natal. Logo à noite, teremos seguramente sisudos comentadores na TV a aplaudir esta medida e a exigir mais...
A procissão ainda não chegou ao adro, caros eleitores maioritários.
Para já, é "apenas" metade do subsídio de Natal. Logo à noite, teremos seguramente sisudos comentadores na TV a aplaudir esta medida e a exigir mais...
A procissão ainda não chegou ao adro, caros eleitores maioritários.
29 junho 2011
Grécia, nossa irmã
Vendo as reportagens televisivas, parece-me seguro que as manifestações violentas em Atenas não podem ser atribuídas a grupos radicais marginais, antes constituem a expressão genuína de uma autêntica revolta popular. É reconhecido o fracasso do programa anteriormente imposto à Grécia. A economia está de rastos, o desemprego cresce em flecha, os pequenos negócios fecham, a miséria é uma realidade em expansão. O novo programa só poderá agravar essa situação. Será que em Berlim não vêem isso? A cegueira dos agiotas é assim tanta? Algum dia a Grécia vai conseguir pagar a dívida artificialmente dilatada com os juros de usurário que lhe foram impostos?
E atenção: o que está a passar-se em Atenas bem pode ser o cenário de Lisboa daqui a um ano...
É certo que os portugueses votaram recentemente, e maioritariamante, um programa idêntico... Quando o programa começar a sentir-se na pele, veremos a fibra dos portugueses...
E atenção: o que está a passar-se em Atenas bem pode ser o cenário de Lisboa daqui a um ano...
É certo que os portugueses votaram recentemente, e maioritariamante, um programa idêntico... Quando o programa começar a sentir-se na pele, veremos a fibra dos portugueses...
Christine La Garde
É a nova directora do FMI. Embora a mudança seja de um francês para uma francesa, as diferenças são notórias. O velho predador de camareiras de hotel foi substituído por uma mulher de perfil adequado, executiva, de linhas muito masculinas, toda ela arestas e ângulos rectos, aparentemente impermeável aos impulsos libidinais. Do excesso de líbido à sua sublimação no altar puritano do mundo das finanças foi um passo. Esta senhora tem todos os requisitos para triunfar.
28 junho 2011
TPI, braço da NATO
O TPI segue os passos do TP para a ex-Jugoslávia: legitimar as decisões e acções da NATO.
O que se está a passar é um arremedo de justiça internacional, feita exactamente à medida das necessidades da NATO. Como explicar que na Líbia o TPI só veja as acções repressivas do regime e já não os bombardeamentos colaterais da NATO que atingem civis?
Como é possível que o TPI ignore sistematicamente os crimes de Israel contra os palestinianos, nomeadamente contra os habitantes da Faixa de Gaza? Que justiça é esta?
O que se está a passar é um arremedo de justiça internacional, feita exactamente à medida das necessidades da NATO. Como explicar que na Líbia o TPI só veja as acções repressivas do regime e já não os bombardeamentos colaterais da NATO que atingem civis?
Como é possível que o TPI ignore sistematicamente os crimes de Israel contra os palestinianos, nomeadamente contra os habitantes da Faixa de Gaza? Que justiça é esta?
26 junho 2011
Liberdade de expressão ou incitamento ao ódio?
Com a necessária reserva imposta pelo desconhecimento dos factos concretos imputados a Geert Wilders, a absolvição do apóstolo anti-islâmico holandês por um tribunal do crime de incitamento ao ódio e à discriminação que lhe era imputado suscita perplexidade. A liberdade de expressão, como qualquer direito fundamental, não é um direito ilimitado, absoluto: sofre as limitações impostas por direitos de igual dimensão.
As catilinárias anti-islâmicas daquele cavalheiro inscreviam-se claramente na actividade política, como programa de acção política, não como acção puramente teórica ou meramente doutrinária.
O claro incitamento ao ódio a um grupo religioso era susceptível de ser seguido por actos de discriminação ou mesmo de violência contra esse grupo. Essa conduta integra provavelmente o crime do art. 240º do nosso Código Penal. E provavelmente também é punido na Holanda. Porque os valores da civilização europeia não são só os da liberdade, mas também os da tolerância e da solidariedade.
O juiz holandês entendeu, porém, que a liberdade de expressão devia prevalecer, no caso. Talvez tenha razão, no caso. Mas agora espera-se idêntico entendimento jurisprudencial se algum dignitário islâmico holandês disser coisas parecidas (inversamente parecidas) com as pérolas oratórias de Geert Wilders.
As catilinárias anti-islâmicas daquele cavalheiro inscreviam-se claramente na actividade política, como programa de acção política, não como acção puramente teórica ou meramente doutrinária.
O claro incitamento ao ódio a um grupo religioso era susceptível de ser seguido por actos de discriminação ou mesmo de violência contra esse grupo. Essa conduta integra provavelmente o crime do art. 240º do nosso Código Penal. E provavelmente também é punido na Holanda. Porque os valores da civilização europeia não são só os da liberdade, mas também os da tolerância e da solidariedade.
O juiz holandês entendeu, porém, que a liberdade de expressão devia prevalecer, no caso. Talvez tenha razão, no caso. Mas agora espera-se idêntico entendimento jurisprudencial se algum dignitário islâmico holandês disser coisas parecidas (inversamente parecidas) com as pérolas oratórias de Geert Wilders.
24 junho 2011
"Os Amantes sem Dinheiro" ou "Os Amantes do Dinheiro"?
Vem hoje no "Público" um artigo colérico de alguns admiradores de Eugénio de Andrade pelo facto de acabar de sair uma nova edição das obras desse autor, em que o célebre livro "Os Amantes sem Dinheiro" aparece com o novo título de "Os Amantes do Dinheiro".
Não percebo tanta indignação... É evidente que se trata de uma actualização, de um "aggiornamento" do título, ditado pela conjuntura pós-troika...
Tão simples como isso. É assim tão difícil de perceber?
Não percebo tanta indignação... É evidente que se trata de uma actualização, de um "aggiornamento" do título, ditado pela conjuntura pós-troika...
Tão simples como isso. É assim tão difícil de perceber?
Multidões
Antonio Negri deve andar eufórico com as multidões que têm aparecido nas ruas de Espanha, de Itália, de Portugal. Parecem confirmar as suas teses da multidão inorgânica como agente de ruptura política, se não mesmo como protagonista da revolução.
Teremos então aí uma nova classe revolucionária? Ao menos um actor novo na cena política, capaz de provocar mudanças mais ou menos profundas nas nossas bloqueadas democracias?
Tenho muitas dúvidas... É certo que estas multidões súbitas são algo de novo. Mas são mais um sintoma (de mal-estar) do que um agente de mudança. É que sem programa político, pelo menos isso, não se vai a lado nenhum.
Onde estão as enormes multidões do nosso 12 de Março? Em quem votaram em 5 de Junho? Se votaram, não foi na esquerda...
Depois desse abalo, aliás muito acarinhado pela comunicação social, que despreza as manifestações "tradicionais", temos hoje o governo mais à direita desde 1974.
Provavelmente, daqui a uns meses teremos aí nas ruas as mesmas multidões desiludidas... Provavelmente com o mesmo vazio de consequências...
O "sintoma" manter-se-á enquanto não aparecer o meio de o transformar em oganização, programa e acção.
Teremos então aí uma nova classe revolucionária? Ao menos um actor novo na cena política, capaz de provocar mudanças mais ou menos profundas nas nossas bloqueadas democracias?
Tenho muitas dúvidas... É certo que estas multidões súbitas são algo de novo. Mas são mais um sintoma (de mal-estar) do que um agente de mudança. É que sem programa político, pelo menos isso, não se vai a lado nenhum.
Onde estão as enormes multidões do nosso 12 de Março? Em quem votaram em 5 de Junho? Se votaram, não foi na esquerda...
Depois desse abalo, aliás muito acarinhado pela comunicação social, que despreza as manifestações "tradicionais", temos hoje o governo mais à direita desde 1974.
Provavelmente, daqui a uns meses teremos aí nas ruas as mesmas multidões desiludidas... Provavelmente com o mesmo vazio de consequências...
O "sintoma" manter-se-á enquanto não aparecer o meio de o transformar em oganização, programa e acção.
Testes de cruzinhas
Também fiquei perplexo com o teste de cruzinhas. Serviria para avaliar o quê?
Cruzinhas só mesmo no totoloto.
Cruzinhas só mesmo no totoloto.
23 junho 2011
E não te esqueças, ó Maia Costa
Bem, mas não te esqueças, ó Maia Costa, que eram futuros magistrados! Um jornal diário (já não me lembro qual) até dizia “juízes”, é certo que dentro das indispensáveis aspas. E não te esqueças também que ouviste e leste das melhores tiradas sobre ética comportamental que já ouviste na vida, e dos mais conceituados jornalistas, juristas, sociólogos, políticos, opinadores, pregadores e outros oradores. E tudo confluindo para uma bela e uníssona ideia de nobre reprovação.
Eu, por mim, confesso: para além da indispensável condenação do acto (quem o não condena, ó céus!), estranhei muito foi aquela dos testes com cruzinhas. Estranhei e digo: fiquei incomodado, porque me fez lembrar tempos porcinos: aqueles da parada de Mafra, lembras-te? Lá é que se faziam testes com cruzinhas e havia um copianço que não te digo e gente que, apesar de tudo, ficava com o fim-de-semana cortado.
18 junho 2011
Copiadores, não mereceis a Pátria que vos deu a luz!
A onda de genuína indignação que percorre há vários dias o nosso País contra os copiadores do CEJ é prova consistente da aversão dos portugueses de todas as idades e géneros àquele comportamento ignóbil. Onde se viu já neste nosso País, mesmo na escola primária, algum aluno espreitar para a prova do vizinho do lado ou da frente? Ou segredar com o dito vizinho nas aflições de um teste? Ou levar cábulas para um exame? Onde alguma vez se viu isto em Portugal? Quem seria capaz de o fazer? (Só mesmo na escola da magistratura podia acontecer...).
16 junho 2011
Carta ao Director do blogue
Ex.mo Senhor Director do blogue sine die:
Sou um leitor do seu blogue e aprecio muito certos textos que lá vêm publicados. Porém, há um V/ colaborador, que se esconde sob o pseudónimo de “Jonathan Swift”, que pretende ter humor, mas, com franqueza, a maior parte das vezes não lhe acho graça nenhuma.
Desta última vez, esse tal colaborador escreveu um texto intitulado “Elogio da troika”, onde me parece meter a ridículo o trabalho, sem dúvida meritório, das qualificadas personalidades que vieram ao nosso país analisar a nossa situação, com vista a viabilizar a ajuda internacional por nós (repito: por nós) solicitada. Esta circunstância bastaria para que esse senhor se abstivesse de fazer humor com o caso. Melhor: de tentar fazer humor, visto que o seu texto não passa de uma grotesca tentativa. Ainda por cima, distorce a realidade, inverte as situações, dando uma imagem do Memorando da troika demasiado esquemática e tratando os altos representantes do FMI, do BCE e da Comissão Europeia de uma forma que eu diria descortês.
Há, porém, uma parte desse texto que me desagrada solenemente. È aquela parte em que o V/ anónimo colaborador aflora a questão da justiça. Aí ele tenta transmitir a ideia que o Memorando, em duas penadas e um tanto à vol d’oiseau, meteu as mãos num domínio que talvez escapasse às suas competências técnicas, gizando um plano para desbloquear a justiça que nunca nenhum governo, comissão ou partido conseguiram realizar com eficácia. O que ele não goza com a situação, socorrendo-se de recursos já muito conhecidos, como a hipérbole, a ironia e o sarcasmo!
Ora, não há dúvida de que os “senhores da troika”, para usar a expressão falsamente reverencial que ele usa, são técnicos e, sendo técnicos, não são sequer juristas. Porém, o V/ colaborador esquece, em primeiro lugar, que o problema da justiça em Portugal tem importantíssimas repercussões económicas, principalmente pelo grande número de acções e execuções pendentes, onde está em causa muito dinheiro, e só isso conferiria à troika motivo suficiente para ela intervir nesta área. É certo que esta, no Memorando, ultrapassou bastante esse aspecto e meteu-se em questões como as do mapa judiciário e foi ao ponto de traçar metas para pôr cobro à pendência processual, dir-se-ia que ignorando a real situação do sector e assumindo competências próprias da gestão dos tribunais.
Porém e em segundo lugar, o V/ colaborador parece que não sabe (ou finge não saber) que com a troika colaboraram alguns dos mais reputados técnicos do nosso país, para além de representantes dos vários partidos (os do arco do poder, evidentemente, porque os partidos radicais e de protesto, como era esperado, puseram-se de fora). E também colaboraram membros do governo, nomeadamente os responsáveis dos vários sectores e, entre eles, também da área da justiça, e estes não podiam deixar de informar a troika com toda a minúcia dos problemas do respectivo sector.
Em terceiro lugar, a questão da justiça foi muito bem metida no Memorando, não só pelas razões que já adiantei, como, sobretudo, porque as corporações judiciárias, nas quais, felizmente me não incluo, porque sou um simples advogado, precisam de ficar «amarradas» por um qualquer instrumento que, de fora, as constranja a ter de aceitar uma intervenção na área, sem que possam alegar prerrogativas próprias ligadas às sempre invocadas características de independência e autogoverno do poder judicial. A maneira engenhosa de conseguir esse objectivo foi aproveitar a oportunidade da presença da troika no nosso país. De ora avante, poder-se-á dizer: «Está no Memorando. Foi a troika que o impôs.» E isso basta. Basta a invocação da suprema autoridade da troika, ou seja das imposições que nos são feitas de fora para que possamos aceder à ajuda monetária internacional, para que ninguém ouse levantar reservas ou opor obstáculos. Foi a troika, dirão os governantes, como se houvesse uma força incontestável acima deles, e está tudo dito. Nisso, os nossos negociadores foram também muito hábeis.
Ora, o V/ colaborador esquece tudo isto, demonstrando que «está completamente a leste» (passe a expressão) desta problemática. Ignoro o que ele faz na vida, mas também pouco me importa.
O que me interessa pôr em relevo, Sr. Director, é que textos como o que critico empalidecem (e muito) a imagem do V/ blogue.
Sem outro assunto, subscrevo-me
Atentamente
Policarpo das Neves
Sou um leitor do seu blogue e aprecio muito certos textos que lá vêm publicados. Porém, há um V/ colaborador, que se esconde sob o pseudónimo de “Jonathan Swift”, que pretende ter humor, mas, com franqueza, a maior parte das vezes não lhe acho graça nenhuma.
Desta última vez, esse tal colaborador escreveu um texto intitulado “Elogio da troika”, onde me parece meter a ridículo o trabalho, sem dúvida meritório, das qualificadas personalidades que vieram ao nosso país analisar a nossa situação, com vista a viabilizar a ajuda internacional por nós (repito: por nós) solicitada. Esta circunstância bastaria para que esse senhor se abstivesse de fazer humor com o caso. Melhor: de tentar fazer humor, visto que o seu texto não passa de uma grotesca tentativa. Ainda por cima, distorce a realidade, inverte as situações, dando uma imagem do Memorando da troika demasiado esquemática e tratando os altos representantes do FMI, do BCE e da Comissão Europeia de uma forma que eu diria descortês.
Há, porém, uma parte desse texto que me desagrada solenemente. È aquela parte em que o V/ anónimo colaborador aflora a questão da justiça. Aí ele tenta transmitir a ideia que o Memorando, em duas penadas e um tanto à vol d’oiseau, meteu as mãos num domínio que talvez escapasse às suas competências técnicas, gizando um plano para desbloquear a justiça que nunca nenhum governo, comissão ou partido conseguiram realizar com eficácia. O que ele não goza com a situação, socorrendo-se de recursos já muito conhecidos, como a hipérbole, a ironia e o sarcasmo!
Ora, não há dúvida de que os “senhores da troika”, para usar a expressão falsamente reverencial que ele usa, são técnicos e, sendo técnicos, não são sequer juristas. Porém, o V/ colaborador esquece, em primeiro lugar, que o problema da justiça em Portugal tem importantíssimas repercussões económicas, principalmente pelo grande número de acções e execuções pendentes, onde está em causa muito dinheiro, e só isso conferiria à troika motivo suficiente para ela intervir nesta área. É certo que esta, no Memorando, ultrapassou bastante esse aspecto e meteu-se em questões como as do mapa judiciário e foi ao ponto de traçar metas para pôr cobro à pendência processual, dir-se-ia que ignorando a real situação do sector e assumindo competências próprias da gestão dos tribunais.
Porém e em segundo lugar, o V/ colaborador parece que não sabe (ou finge não saber) que com a troika colaboraram alguns dos mais reputados técnicos do nosso país, para além de representantes dos vários partidos (os do arco do poder, evidentemente, porque os partidos radicais e de protesto, como era esperado, puseram-se de fora). E também colaboraram membros do governo, nomeadamente os responsáveis dos vários sectores e, entre eles, também da área da justiça, e estes não podiam deixar de informar a troika com toda a minúcia dos problemas do respectivo sector.
Em terceiro lugar, a questão da justiça foi muito bem metida no Memorando, não só pelas razões que já adiantei, como, sobretudo, porque as corporações judiciárias, nas quais, felizmente me não incluo, porque sou um simples advogado, precisam de ficar «amarradas» por um qualquer instrumento que, de fora, as constranja a ter de aceitar uma intervenção na área, sem que possam alegar prerrogativas próprias ligadas às sempre invocadas características de independência e autogoverno do poder judicial. A maneira engenhosa de conseguir esse objectivo foi aproveitar a oportunidade da presença da troika no nosso país. De ora avante, poder-se-á dizer: «Está no Memorando. Foi a troika que o impôs.» E isso basta. Basta a invocação da suprema autoridade da troika, ou seja das imposições que nos são feitas de fora para que possamos aceder à ajuda monetária internacional, para que ninguém ouse levantar reservas ou opor obstáculos. Foi a troika, dirão os governantes, como se houvesse uma força incontestável acima deles, e está tudo dito. Nisso, os nossos negociadores foram também muito hábeis.
Ora, o V/ colaborador esquece tudo isto, demonstrando que «está completamente a leste» (passe a expressão) desta problemática. Ignoro o que ele faz na vida, mas também pouco me importa.
O que me interessa pôr em relevo, Sr. Director, é que textos como o que critico empalidecem (e muito) a imagem do V/ blogue.
Sem outro assunto, subscrevo-me
Atentamente
Policarpo das Neves
12 junho 2011
Assalto à Constituição
O discurso de António Barreto nas comemorações do 10 de Junho não podia ser mais claro: a Constituição é um alvo fundamental a abater. A Constituição é para ele "anacrónica, barroca (!) e excessivamente programática". Uma nova Constituição, precisa-se!
A reescrita da Constituição de 1976 é um velho sonho da direita (de que agora Barreto é o principal oráculo), que vem sendo concretizado ao longo dos anos, com as sucessivas revisões. Mas a direita não está ainda satisfeita: a Constituição tem ainda barroquismos e anacronismos, como os direitos económicos e sociais e os direitos dos trabalhadores, que importa eliminar.
A conjuntura parece propícia, a direita tem finalmente a troika há muito desejada: um presidente, uma maioria, um governo.
É claro que há limites materiais à revisão constitucional. Vêm no art. 288º. Mas este artigo não será também um mero anacronismo?
Um golpe constitucional palaciano prepara-se. Barreto é o padrinho. Aliás, ele é já apontado pelos jornais como "pré-candidato" a Presidente... (com a mãozinha do actual, que lhe vai dando o palco...).
A reescrita da Constituição de 1976 é um velho sonho da direita (de que agora Barreto é o principal oráculo), que vem sendo concretizado ao longo dos anos, com as sucessivas revisões. Mas a direita não está ainda satisfeita: a Constituição tem ainda barroquismos e anacronismos, como os direitos económicos e sociais e os direitos dos trabalhadores, que importa eliminar.
A conjuntura parece propícia, a direita tem finalmente a troika há muito desejada: um presidente, uma maioria, um governo.
É claro que há limites materiais à revisão constitucional. Vêm no art. 288º. Mas este artigo não será também um mero anacronismo?
Um golpe constitucional palaciano prepara-se. Barreto é o padrinho. Aliás, ele é já apontado pelos jornais como "pré-candidato" a Presidente... (com a mãozinha do actual, que lhe vai dando o palco...).
10 junho 2011
Carta aberta a Luís de Camões
Resolvi escrever-te uma carta aberta porque és figura pública e não estou seguro de que, enviando a carta para os Jerónimos, a receberias, já que dizem as más línguas que não é o teu corpo que está no teu túmulo oficial.
Tenho algumas coisas para te dizer e vou direito ao assunto porque neste dia costumas andar muito ocupado a ouvir os muitos discursos em tua homenagem (que tu não deixas de ouvir com alguma vaidade, mas olha que aquilo é só retórica, não te enganes…).
Eu quero dizer-te a verdade, a verdade que te é escondida nos discursos oficiais. E a verdade é esta: estamos, caro Luís, num momento muito difícil da nossa história, quase à beira do abismo!
Não penses, porém, que tivemos alguma derrota militar ou alguma catástrofe natural. Qualquer desses eventos, ainda que desastrosos, não tocaria na nossa honra, na nossa dignidade. As derrotas de hoje são as vitórias de amanhã. E as catástrofes naturais geram um sentimento de solidariedade universal.
Ora o que nos aconteceu não é nada honroso. É um problema de dinheiros, de dívidas, de calotes, não evitemos a palavra! Estamos todos de tanga, os portugueses e a Nação! Sim, amigo Luís, somos todos uns caloteiros, conhecidos e apontados a dedo por toda a Europa, começando pelo “soberbo gado” alemão (cada vez mais soberbo).
Perguntas como chegámos a isto? A coisa não é completamente nova na nossa história e creio que já no teu tempo as finanças da Pátria não andavam famosas. Ainda assim, havia dinheiro para o rei te dar uma tença vitalícia (não terá sido para te calar, para não repetires na praça pública aquelas coisas inconvenientes que dizes no final dos “Lusíadas”, quando te queixas de que estás cansado de “cantar a gente surda e endurecida” e denuncias uma Pátria “metida/No gosto da cobiça e na rudeza/De uma austera, apagada e vil tristeza”?). Pois podes estar seguro de que se fosse hoje a tua tença já tinha ido à vida e talvez andasses pelo Rossio ou por S. Bento a vender alguns exemplares da tua epopeia ao desbarato para sobreviveres…
Mas continuemos. A ruína das nossas finanças públicas vem já um pouco do teu tempo, mas agravou-se ao longo dos séculos. Tu estás um bocado a leste do que se passou nos últimos 450 anos e não é possível nesta carta fazer-te um relato completo de todos os infortúnios que nos sucederam. Bastará dizer-te que perdemos tudo o que tínhamos conquistado e nem Ceuta (onde dizem que tu perdeste um olho, que aliás não te fez falta) nos resta!
Reduzidos, assim, à “ocidental praia lusitana” (tu já pensavas no turismo…) devíamos ter pensado em mudar de vida, em trabalhar, em estudar, em produzir. Mas isso, é claro, dava trabalho… Para o qual não estávamos talhados. Ainda por cima vieram uns dinheiros lá de fora, da CEE (para outra vez te explico o que é ou foi). E nós quando vemos dinheiro ficamos cegos.
Abreviando: gastámos, gastámos tudo. Depois de acabarem os subsídios, habituados que estávamos a gastar, começámos a pedir dinheiro emprestado lá fora. E não nos podemos queixar. Emprestaram-nos fartamente. Mas chega sempre o momento de pagar o empréstimo (nunca se pensa nisso antes…). Aliás ainda antes do empréstimo, os juros (não sei se estás a par destes conceitos vis, que são mais de luteranos e de cristãos-novos…). E nem dinheiro tínhamos sequer para pagar os juros. Tivemos que pedir emprestado para pagar os juros de anteriores empréstimos. Depois para pagar juros dos juros… Foi uma escalada infernal.
Os credores estrangeiros, a princípio, gostaram, continuaram a emprestar dinheiro, impondo juros cada vez mais altos. Foi um “fartar vilanagem” (desculpa estes plebeísmos). Mas depois começaram a preocupar-se: será que nós algum dia iríamos pagar?
E sabes o que fizeram? Um dia, mandaram três emissários para “negociarmos” um “acordo” que já vinha escrito (e em inglês, imagina, essa língua de agiotas) e que tínhamos de assinar, se não fechavam as torneiras do dinheiro. Claro que os nossos governantes assinaram, e de cruz, pois que remédio!
Mas o mais humilhante é que os tais emissários andaram a revistar tudo, repartições, arquivos, abriram cofres, armários, gavetas, desconfiados que havia dinheiro escondido… E foram embora, depois de assinada a rendição pelos nossos governantes, não sem antes ameaçarem que virão cá fiscalizar as nossas despesas e que só passarão os futuros cheques (depois te explico o que isso é) depois de passarem a “pente fino” as nossas contas…
Lembrei-me daqueles teus versos inflamados, lá para o fim dos “Lusíadas”:
“Fazei, senhor, que nunca os admirados
Alemães, galos, ítalos e ingleses
Possam dizer que são para mandados,
Mais que para mandar, os portugueses.”
Pois sim, pois sim, mas a história da nossa Pátria não correu bem como tu querias. Agora são eles que mandam e nós os paus-mandados.
Meu caro Luís, não te quero magoar mais com as desgraças do nosso tempo.
Quem sabe se no próximo ano não terei melhores notícias para te dar.
Recebe cumprimentos cordiais deste teu (moderado) admirador e não te preocupes demasiado: havemos de desenrascar alguma solução, melhor, algum expediente para iludir a solução.
Tenho algumas coisas para te dizer e vou direito ao assunto porque neste dia costumas andar muito ocupado a ouvir os muitos discursos em tua homenagem (que tu não deixas de ouvir com alguma vaidade, mas olha que aquilo é só retórica, não te enganes…).
Eu quero dizer-te a verdade, a verdade que te é escondida nos discursos oficiais. E a verdade é esta: estamos, caro Luís, num momento muito difícil da nossa história, quase à beira do abismo!
Não penses, porém, que tivemos alguma derrota militar ou alguma catástrofe natural. Qualquer desses eventos, ainda que desastrosos, não tocaria na nossa honra, na nossa dignidade. As derrotas de hoje são as vitórias de amanhã. E as catástrofes naturais geram um sentimento de solidariedade universal.
Ora o que nos aconteceu não é nada honroso. É um problema de dinheiros, de dívidas, de calotes, não evitemos a palavra! Estamos todos de tanga, os portugueses e a Nação! Sim, amigo Luís, somos todos uns caloteiros, conhecidos e apontados a dedo por toda a Europa, começando pelo “soberbo gado” alemão (cada vez mais soberbo).
Perguntas como chegámos a isto? A coisa não é completamente nova na nossa história e creio que já no teu tempo as finanças da Pátria não andavam famosas. Ainda assim, havia dinheiro para o rei te dar uma tença vitalícia (não terá sido para te calar, para não repetires na praça pública aquelas coisas inconvenientes que dizes no final dos “Lusíadas”, quando te queixas de que estás cansado de “cantar a gente surda e endurecida” e denuncias uma Pátria “metida/No gosto da cobiça e na rudeza/De uma austera, apagada e vil tristeza”?). Pois podes estar seguro de que se fosse hoje a tua tença já tinha ido à vida e talvez andasses pelo Rossio ou por S. Bento a vender alguns exemplares da tua epopeia ao desbarato para sobreviveres…
Mas continuemos. A ruína das nossas finanças públicas vem já um pouco do teu tempo, mas agravou-se ao longo dos séculos. Tu estás um bocado a leste do que se passou nos últimos 450 anos e não é possível nesta carta fazer-te um relato completo de todos os infortúnios que nos sucederam. Bastará dizer-te que perdemos tudo o que tínhamos conquistado e nem Ceuta (onde dizem que tu perdeste um olho, que aliás não te fez falta) nos resta!
Reduzidos, assim, à “ocidental praia lusitana” (tu já pensavas no turismo…) devíamos ter pensado em mudar de vida, em trabalhar, em estudar, em produzir. Mas isso, é claro, dava trabalho… Para o qual não estávamos talhados. Ainda por cima vieram uns dinheiros lá de fora, da CEE (para outra vez te explico o que é ou foi). E nós quando vemos dinheiro ficamos cegos.
Abreviando: gastámos, gastámos tudo. Depois de acabarem os subsídios, habituados que estávamos a gastar, começámos a pedir dinheiro emprestado lá fora. E não nos podemos queixar. Emprestaram-nos fartamente. Mas chega sempre o momento de pagar o empréstimo (nunca se pensa nisso antes…). Aliás ainda antes do empréstimo, os juros (não sei se estás a par destes conceitos vis, que são mais de luteranos e de cristãos-novos…). E nem dinheiro tínhamos sequer para pagar os juros. Tivemos que pedir emprestado para pagar os juros de anteriores empréstimos. Depois para pagar juros dos juros… Foi uma escalada infernal.
Os credores estrangeiros, a princípio, gostaram, continuaram a emprestar dinheiro, impondo juros cada vez mais altos. Foi um “fartar vilanagem” (desculpa estes plebeísmos). Mas depois começaram a preocupar-se: será que nós algum dia iríamos pagar?
E sabes o que fizeram? Um dia, mandaram três emissários para “negociarmos” um “acordo” que já vinha escrito (e em inglês, imagina, essa língua de agiotas) e que tínhamos de assinar, se não fechavam as torneiras do dinheiro. Claro que os nossos governantes assinaram, e de cruz, pois que remédio!
Mas o mais humilhante é que os tais emissários andaram a revistar tudo, repartições, arquivos, abriram cofres, armários, gavetas, desconfiados que havia dinheiro escondido… E foram embora, depois de assinada a rendição pelos nossos governantes, não sem antes ameaçarem que virão cá fiscalizar as nossas despesas e que só passarão os futuros cheques (depois te explico o que isso é) depois de passarem a “pente fino” as nossas contas…
Lembrei-me daqueles teus versos inflamados, lá para o fim dos “Lusíadas”:
“Fazei, senhor, que nunca os admirados
Alemães, galos, ítalos e ingleses
Possam dizer que são para mandados,
Mais que para mandar, os portugueses.”
Pois sim, pois sim, mas a história da nossa Pátria não correu bem como tu querias. Agora são eles que mandam e nós os paus-mandados.
Meu caro Luís, não te quero magoar mais com as desgraças do nosso tempo.
Quem sabe se no próximo ano não terei melhores notícias para te dar.
Recebe cumprimentos cordiais deste teu (moderado) admirador e não te preocupes demasiado: havemos de desenrascar alguma solução, melhor, algum expediente para iludir a solução.
08 junho 2011
Jorge Semprún
Fiquei consternado com o anúncio da morte de Jorge Semprún, um homem que viveu intensamente os principais lances dramáticos do século XX, desde o exílio, ainda jovem, por causa da Guerra Civil Espanhola, à militância na Resistência Francesa e à subsequente deportação para a Alemanha, onde foi prisioneiro no campo de concentração de Buchenwald até à libertação, em 1945, pelas Forças Aliadas, passando pela militância no Partido Comunista Espanhol, onde desempenhou relevantes cargos, pela dura prova da clandestinidade e depois pela dissidência, com simpatias pelo trostskismo e, mais tarde, pelo eurocomunismo, numa fase em que a escrita era já a sua grande paixão. Uma paixão tão grande como a paixão de intervir nos acontecimentos, uma e outra nos limites da sobrevivência. Um dos seus livros mais empolgantes chama-se, justamente, A Escrita Ou A Vida, um dos vários em que relata a sua experiência no campo de concentração e que, segundo ele próprio confessou, lhe ia arruinando a vida (a escrita). Daí o título. A Longa Viagem é outro dos livros em que relata essa experiência – uma viagem que se faz (que se lê) de um fôlego, a viagem para o campo, mas em que, ao longo dela, se atravessa um tempo sem fronteiras, um tempo denso, tenso, de pesadelo, em que passado, presente e futuro se amalgamam na convocação dramática da memória, tal como em A Escrita Ou A Vida.
Na Autobiografia de Federico Sanchez, relata a militância comunista e em A Segunda Morte De Ramon Mercader, ajusta contas com a História oficial do comunismo/estalinismo, através de uma longa ficção em que reconstitui o assassinato de León Trotsky, por interposta mão de Estaline, em Coyocan, no México. Sempre numa linguagem cativante, utilizando processos narrativos que surpreendem pela capacidade inventiva.
Um grande homem, um grande escritor, que ostenta as dilacerações em carne viva do personagem que encarnou como poucos os dramas reais (sociais, políticos e ideológicos) do século XX.
Jorge Semprún
Foi daqueles que viveu por dentro as tragédias e as utopias do sec. XX. Esteve na resistência francesa, em Buchenwald, na militância clandestina na Espanha franquista.
Aos 40 anos já tinha vivido várias vidas. Reformou-se da política (e das esperanças, ou ilusões, como queiram). Passou a escritor. Deixou-nos algumas das melhores obras sobre os campos de concentração nazis. E também sobre a militância comunista na clandestinidade.
Outras coisas fez de menor grandeza, como ser ministro de Felipe González. Ninguém é perfeito e ele esteve longe de o ser.
Mas pelo que escreveu eu estou-lhe grato.
Aos 40 anos já tinha vivido várias vidas. Reformou-se da política (e das esperanças, ou ilusões, como queiram). Passou a escritor. Deixou-nos algumas das melhores obras sobre os campos de concentração nazis. E também sobre a militância comunista na clandestinidade.
Outras coisas fez de menor grandeza, como ser ministro de Felipe González. Ninguém é perfeito e ele esteve longe de o ser.
Mas pelo que escreveu eu estou-lhe grato.
Elogio à troika
Ou de como devemos estar inteiramente gratos a quem veio ajudar-nos com tanta rapidez e eficiência
Caros compatriotas:
Fiquei deveras aturdido com o arrasador trabalho da troika, essa tríade de sábios que se instalou no nosso país para pôr tudo em pratos limpos. Tão confundido, que demorei vários dias a recompor-me e a pôr ordem na minha cabeça.
Com efeito, é espantoso ver como esses nossos amigos, mal plantaram o pé no nosso país, se sentaram à secretária, num gabinete do Ministério das Finanças, ali no renovado Terreiro do Paço, arregaçaram as mangas, indiferentes ao grande sol, que é toda a riqueza que nós temos, à larga vista sobre o belíssimo estuário do Tejo, às onduladas montanhas que se divisam ao longe, e se lançaram logo ao trabalho, como leões esfaimados de actividade.
Durante algumas semanas, esquecidos das horas, quase se esquecendo do alimento que suporta o corpo, visto que muito frugalmente comiam e gastando o mínimo tempo possível, estes nossos exemplares amigos trabalharam e trabalharam e trabalharam. A sua vida, aqui, neste nosso torrão pátrio, foi praticamente só trabalho. Eles eram deixados mesmo à porta do Ministério, para o que o carro que os transportava, quando chegava ao Terreiro do Paço, metia pelos corredores interiores das arcadas pombalinas e parava rente à soleira da dita porta. Por aí é proibido circularem veículos, visto que o espaço é só de peões, mas a ganância do trabalho de que eles estavam animados fez derrubar excepcionalmente e só para eles essa proibição. De sorte que, parando aí o carro, eles enfiavam imediatamente pela porta do Ministério, como se houvesse comunicação entre esta e a porta do veículo, e subiam logo as escadas, e mergulhavam logo no trabalho durante horas esquecidas.
Mesmo na sexta-feira santa, dia que celebra a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles não debandaram do seu posto, enquanto aos nossos trabalhadores foi concedida dispensa do trabalho, bem como na tarde do dia anterior, quinta-feira santa. Que vergonha, caros compatriotas! Que vergonha! Nós a pedirmos ajuda a instituições filantrópicas estrangeiras, as quais enviaram rapidamente ao nosso país estes qualificados e abnegados representantes, a fim de avaliarem a fundura da nossa crise e medirem a extensão da ajuda de que necessitávamos, e não nos coibirmos de fazer gazeta ao trabalho nas venerandas barbas deles!...
Houve quem dissesse que isso só nos honrava, porque somos um povo devoto e fidelíssimo que respeita as efemérides religiosas mais carregadas de simbolismo sagrado (e haverá cousa mais importante, nesse capítulo, do que os episódios da Última Ceia e da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo?), mas tal argumento é falacioso, porque, como o povo diz na sua sabedoria ( e “voz do povo é voz de Deus”), “primeiro está a obrigação e depois a devoção”.
Houve também quem aventasse que estes senhores estavam tão enfronhados no seu trabalho, que não tinham espaço para reparar no que fazíamos ou não fazíamos, mas isso é supor erradamente que quem vem para nos ajudar não dispõe, pelo menos, do cantinho do olho para ver o que fazemos ou deixamos de fazer, se estamos ou não dispostos a trabalhar para merecermos a ajuda. Vêem e até vêem mais do que supomos. Se não vejam como aquela chanceler da grande nação alemã veio logo mandar a piada que nós precisávamos de ter menos férias e trabalharmos até idade mais avançada. É que, para se ser ajudado, é preciso trabalhar muito, para que quem nos ajuda veja que temos capacidade para sermos gratos e gratificarmos a ajuda com generosidade.
O que é certo é que estes nossos amigos, trabalhando incansavelmente, ao fim de poucas semanas expuseram um programa completíssimo de como devíamos gerir a coisa pública para endireitarmos o nosso calamitoso país. Disseram: isto tem de ser assim, assim e assim. Cortaram a direito, como se costuma dizer: nos salários do sector público; nos custos do trabalho; nas pensões dos reformados; nos benefícios fiscais; na prestação de serviços de saúde; nos obstáculos e compensações devidas pelos despedimentos de trabalhadores; na duração temporal do subsídio de desemprego; na comparticipação devida pelas empresas à Segurança Social; na concessão de crédito para habitação; no sector empresarial do Estado. Mas também, valha a verdade, não se esqueceram de aumentar ou prever o aumento de muitas outras coisas: de taxas pela prestação de serviços de saúde; de impostos sobre o consumo; de condições para a concorrência; de lapso de tempo para se aceder ao subsídio de desemprego; de capitalização do sector bancário; de facilidades para privatizações, etc, etc, etc…
Nada escapou à perspicácia destes nossos amigos, que nem sequer são políticos, mas técnicos e, como técnicos, vêem as coisas com menos rodeios do que os políticos. Nem a área da justiça ficou imune ao seu comprovado golpe de vista e notável clarividência. Veja-se como atacaram o problema das reformas judiciais. A forma fulgurante como eles implementaram medidas para desbloquear o congestionamento dos tribunais, melhorar a eficiência dos serviços e acabar em dois tempos com o número de processos pendentes, tudo com datas, faseamentos, tempos concretamente definidos.
Fantástico! Nenhum dos nossos políticos, dos nossos juristas, dos nossos governantes, dos nossos parlamentares, nenhuma forma de concertação ou pacto, nenhuma lei, por mais leis que se fizessem (e se o nosso reino é fértil e produtivo é precisamente em leis), nenhuma reforma das várias ensaiadas, conseguiram fazer o que estes nossos amigos conseguiram em duas ou três semanas. Neste pequeno espaço de tempo, lograram eles gizar, finalmente, uma reforma para tirar a nossa justiça do impasse. Mais, muito mais do que isso: uma verdadeira reforma de todo o país. Uma reforma tão completa, um tão minucioso programa de bem governar e levar a barca a bom porto, que só nos compete executar o que eles fizeram.
Caros compatriotas:
Escolhemos quem nos vai governar, no passado domingo (porque, evidentemente, somos uma democracia num país soberano e era o que havia de faltar que nos governassem outros, os de fora), mas os nossos governantes, em boa verdade, têm a «papinha» toda feita. É só prepará-la para a pôr na mesa e servir. E, ainda por cima, têm a sorte de os nossos amigos se terem comprometido a vir cá, de três em três meses, para os acompanharem e verem como estão a cumprir o programa por eles tão competentemente traçado. Atitude rara hoje em dia, pois amigos destes há muito poucos.
Saibamos, ao menos, caros compatriotas, aprender com eles e ganhar emenda de uma vez por todas.
Pelo que me toca, recebei de mim a minha sincera dose de contrição.
Jonathan Swift (1665-1745)
Caros compatriotas:
Fiquei deveras aturdido com o arrasador trabalho da troika, essa tríade de sábios que se instalou no nosso país para pôr tudo em pratos limpos. Tão confundido, que demorei vários dias a recompor-me e a pôr ordem na minha cabeça.
Com efeito, é espantoso ver como esses nossos amigos, mal plantaram o pé no nosso país, se sentaram à secretária, num gabinete do Ministério das Finanças, ali no renovado Terreiro do Paço, arregaçaram as mangas, indiferentes ao grande sol, que é toda a riqueza que nós temos, à larga vista sobre o belíssimo estuário do Tejo, às onduladas montanhas que se divisam ao longe, e se lançaram logo ao trabalho, como leões esfaimados de actividade.
Durante algumas semanas, esquecidos das horas, quase se esquecendo do alimento que suporta o corpo, visto que muito frugalmente comiam e gastando o mínimo tempo possível, estes nossos exemplares amigos trabalharam e trabalharam e trabalharam. A sua vida, aqui, neste nosso torrão pátrio, foi praticamente só trabalho. Eles eram deixados mesmo à porta do Ministério, para o que o carro que os transportava, quando chegava ao Terreiro do Paço, metia pelos corredores interiores das arcadas pombalinas e parava rente à soleira da dita porta. Por aí é proibido circularem veículos, visto que o espaço é só de peões, mas a ganância do trabalho de que eles estavam animados fez derrubar excepcionalmente e só para eles essa proibição. De sorte que, parando aí o carro, eles enfiavam imediatamente pela porta do Ministério, como se houvesse comunicação entre esta e a porta do veículo, e subiam logo as escadas, e mergulhavam logo no trabalho durante horas esquecidas.
Mesmo na sexta-feira santa, dia que celebra a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles não debandaram do seu posto, enquanto aos nossos trabalhadores foi concedida dispensa do trabalho, bem como na tarde do dia anterior, quinta-feira santa. Que vergonha, caros compatriotas! Que vergonha! Nós a pedirmos ajuda a instituições filantrópicas estrangeiras, as quais enviaram rapidamente ao nosso país estes qualificados e abnegados representantes, a fim de avaliarem a fundura da nossa crise e medirem a extensão da ajuda de que necessitávamos, e não nos coibirmos de fazer gazeta ao trabalho nas venerandas barbas deles!...
Houve quem dissesse que isso só nos honrava, porque somos um povo devoto e fidelíssimo que respeita as efemérides religiosas mais carregadas de simbolismo sagrado (e haverá cousa mais importante, nesse capítulo, do que os episódios da Última Ceia e da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo?), mas tal argumento é falacioso, porque, como o povo diz na sua sabedoria ( e “voz do povo é voz de Deus”), “primeiro está a obrigação e depois a devoção”.
Houve também quem aventasse que estes senhores estavam tão enfronhados no seu trabalho, que não tinham espaço para reparar no que fazíamos ou não fazíamos, mas isso é supor erradamente que quem vem para nos ajudar não dispõe, pelo menos, do cantinho do olho para ver o que fazemos ou deixamos de fazer, se estamos ou não dispostos a trabalhar para merecermos a ajuda. Vêem e até vêem mais do que supomos. Se não vejam como aquela chanceler da grande nação alemã veio logo mandar a piada que nós precisávamos de ter menos férias e trabalharmos até idade mais avançada. É que, para se ser ajudado, é preciso trabalhar muito, para que quem nos ajuda veja que temos capacidade para sermos gratos e gratificarmos a ajuda com generosidade.
O que é certo é que estes nossos amigos, trabalhando incansavelmente, ao fim de poucas semanas expuseram um programa completíssimo de como devíamos gerir a coisa pública para endireitarmos o nosso calamitoso país. Disseram: isto tem de ser assim, assim e assim. Cortaram a direito, como se costuma dizer: nos salários do sector público; nos custos do trabalho; nas pensões dos reformados; nos benefícios fiscais; na prestação de serviços de saúde; nos obstáculos e compensações devidas pelos despedimentos de trabalhadores; na duração temporal do subsídio de desemprego; na comparticipação devida pelas empresas à Segurança Social; na concessão de crédito para habitação; no sector empresarial do Estado. Mas também, valha a verdade, não se esqueceram de aumentar ou prever o aumento de muitas outras coisas: de taxas pela prestação de serviços de saúde; de impostos sobre o consumo; de condições para a concorrência; de lapso de tempo para se aceder ao subsídio de desemprego; de capitalização do sector bancário; de facilidades para privatizações, etc, etc, etc…
Nada escapou à perspicácia destes nossos amigos, que nem sequer são políticos, mas técnicos e, como técnicos, vêem as coisas com menos rodeios do que os políticos. Nem a área da justiça ficou imune ao seu comprovado golpe de vista e notável clarividência. Veja-se como atacaram o problema das reformas judiciais. A forma fulgurante como eles implementaram medidas para desbloquear o congestionamento dos tribunais, melhorar a eficiência dos serviços e acabar em dois tempos com o número de processos pendentes, tudo com datas, faseamentos, tempos concretamente definidos.
Fantástico! Nenhum dos nossos políticos, dos nossos juristas, dos nossos governantes, dos nossos parlamentares, nenhuma forma de concertação ou pacto, nenhuma lei, por mais leis que se fizessem (e se o nosso reino é fértil e produtivo é precisamente em leis), nenhuma reforma das várias ensaiadas, conseguiram fazer o que estes nossos amigos conseguiram em duas ou três semanas. Neste pequeno espaço de tempo, lograram eles gizar, finalmente, uma reforma para tirar a nossa justiça do impasse. Mais, muito mais do que isso: uma verdadeira reforma de todo o país. Uma reforma tão completa, um tão minucioso programa de bem governar e levar a barca a bom porto, que só nos compete executar o que eles fizeram.
Caros compatriotas:
Escolhemos quem nos vai governar, no passado domingo (porque, evidentemente, somos uma democracia num país soberano e era o que havia de faltar que nos governassem outros, os de fora), mas os nossos governantes, em boa verdade, têm a «papinha» toda feita. É só prepará-la para a pôr na mesa e servir. E, ainda por cima, têm a sorte de os nossos amigos se terem comprometido a vir cá, de três em três meses, para os acompanharem e verem como estão a cumprir o programa por eles tão competentemente traçado. Atitude rara hoje em dia, pois amigos destes há muito poucos.
Saibamos, ao menos, caros compatriotas, aprender com eles e ganhar emenda de uma vez por todas.
Pelo que me toca, recebei de mim a minha sincera dose de contrição.
Jonathan Swift (1665-1745)
Colectânea de jurisprudência: 35 anos
A importância da comemoração impõe a sua divulgação neste blog.
SESSÃO COMEMORATIVA DOS 35 ANOS DA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA
17 de Junho de 2011
COIMBRA
A revista Colectânea de Jurisprudência é a mais antiga revista em papel ainda publicada em Portugal para a divulgação da jurisprudência dos tribunais judiciais.
Foi fundada em 1976, na Associação Sindical dos Juízes Portugueses, para satisfazer a necessidade, sentida pela comunidade jurídica, de aceder à jurisprudência dos Tribunais de Relação.
Sempre dinamizada por um grupo de juízes que ainda hoje, renovado, mantém a actividade, passou, também, em 1993, a divulgar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Em 2011, a revista edita-se também em formato digital, on-line, no sítio www.colectaneadejurisprudencia.com.
Os resultados obtidos com a revista Colectânea destinaram-se, durante muitos anos, à Associação dos Juízes e ao apoio aos familiares dos juízes falecidos. Em 1997, com o apoio da ASJP aqueles resultados passaram a ser destinados à actividade social benemérita, fundando-se a Associação de Solidariedade Social «Casa do Juiz» que hoje mantém, entre outras actividades, um Centro de Apoio Geriátrico, com a valência de Lar de Idosos.
São os 35 Anos da revista que se comemoram em 2011. Ao longo desses 35 anos as páginas da revista retratam a jurisprudência mais significativa dos tribunais superiores portugueses, coincidindo com a história da democracia constitucional do país após a Constituição de 1976, tornando-a numa referência e num património único do judiciário português.
Esse marco e esse património serão assinalados numa sessão comemorativa, no dia 17 de Junho, cujo programa é o que se segue
PROGRAMA
- Pelas 10,30 horas, no Tribunal da Relação de Coimbra, tem lugar Sessão Comemorativa dos 35 Anos da Colectânea de Jurisprudência, na qual, sob o tema "Um Olhar Sobre a Jurisprudência" farão intervenções o Prof. José Manuel Cardoso da Costa, o Dr. Miguel Veiga e o Prof. Eduardo Vera Cruz Pinto.
- Pelas 13,30 horas, terá lugar um Almoço Comemorativo, nas instalações da Casa do Juiz, em Bencanta, Coimbra.
- Pelas 15 horas, terá lugar, também na Casa do Juiz, em Bencanta, Coimbra, a apresentação do livro “História da Colectânea de Jurisprudência”, da autoria do Desembargador Alberto Ruço.
As inscrições para o Almoço deverão ser feitas na Colectânea de Jurisprudência, tels. 239 833 186 / 925 009 017
SESSÃO COMEMORATIVA DOS 35 ANOS DA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA
17 de Junho de 2011
COIMBRA
A revista Colectânea de Jurisprudência é a mais antiga revista em papel ainda publicada em Portugal para a divulgação da jurisprudência dos tribunais judiciais.
Foi fundada em 1976, na Associação Sindical dos Juízes Portugueses, para satisfazer a necessidade, sentida pela comunidade jurídica, de aceder à jurisprudência dos Tribunais de Relação.
Sempre dinamizada por um grupo de juízes que ainda hoje, renovado, mantém a actividade, passou, também, em 1993, a divulgar a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Em 2011, a revista edita-se também em formato digital, on-line, no sítio www.colectaneadejurisprudencia.com.
Os resultados obtidos com a revista Colectânea destinaram-se, durante muitos anos, à Associação dos Juízes e ao apoio aos familiares dos juízes falecidos. Em 1997, com o apoio da ASJP aqueles resultados passaram a ser destinados à actividade social benemérita, fundando-se a Associação de Solidariedade Social «Casa do Juiz» que hoje mantém, entre outras actividades, um Centro de Apoio Geriátrico, com a valência de Lar de Idosos.
São os 35 Anos da revista que se comemoram em 2011. Ao longo desses 35 anos as páginas da revista retratam a jurisprudência mais significativa dos tribunais superiores portugueses, coincidindo com a história da democracia constitucional do país após a Constituição de 1976, tornando-a numa referência e num património único do judiciário português.
Esse marco e esse património serão assinalados numa sessão comemorativa, no dia 17 de Junho, cujo programa é o que se segue
PROGRAMA
- Pelas 10,30 horas, no Tribunal da Relação de Coimbra, tem lugar Sessão Comemorativa dos 35 Anos da Colectânea de Jurisprudência, na qual, sob o tema "Um Olhar Sobre a Jurisprudência" farão intervenções o Prof. José Manuel Cardoso da Costa, o Dr. Miguel Veiga e o Prof. Eduardo Vera Cruz Pinto.
- Pelas 13,30 horas, terá lugar um Almoço Comemorativo, nas instalações da Casa do Juiz, em Bencanta, Coimbra.
- Pelas 15 horas, terá lugar, também na Casa do Juiz, em Bencanta, Coimbra, a apresentação do livro “História da Colectânea de Jurisprudência”, da autoria do Desembargador Alberto Ruço.
As inscrições para o Almoço deverão ser feitas na Colectânea de Jurisprudência, tels. 239 833 186 / 925 009 017
07 junho 2011
Problemas de óculos ou reflexões sobre a Constituição e a matemática?
Como um constitucionalista descobre volvidos mais de 35 anos as implicações do método de Hondt (o próprio é que diz que era o que não se sabia, talvez tenha sido uma das tais jogadas da «direita» já infiltrada e com informação privilegiada na constituinte).
Etiquetas: a normalidade, democracia, Terceira República
06 junho 2011
As sondagens
Das eleições de ontem o que gostei mais foi das sondagens.
Dantes dizia-se: "valem o que valem".
E agora? Nem isso valem...
Dantes dizia-se: "valem o que valem".
E agora? Nem isso valem...
separação de poderes 5
"Acredita agora que os processo judiciais (Face Oculta, Freeport) podem regressar?".
(pergunta de uma jornalista ao ainda Primeiro Ministro, na noite de 5 de Junho).
A ignorância ou a má fé subjacente à pergunta não pode deixar de suscitar um veemente repúdio.
Em Portugal vigoram os princípios da legalidade e da separação de poderes.
O tempo da justiça não é o tempo eleitoral.
(pergunta de uma jornalista ao ainda Primeiro Ministro, na noite de 5 de Junho).
A ignorância ou a má fé subjacente à pergunta não pode deixar de suscitar um veemente repúdio.
Em Portugal vigoram os princípios da legalidade e da separação de poderes.
O tempo da justiça não é o tempo eleitoral.
04 junho 2011
O "país informe" de Rui Nunes
Rui Nunes é autor de uma prosa estranha, surpreendente, única. Tem por vezes fulgurações que cegam pela beleza ou pela lucidez ou pela amargura irremediável.
Trancrevo uma passagem do último livro, recém-publicado, "A Mão do Oleiro" (Relógio de Água):
«um país informe.
Atravessei-o em combóios, bicicletas, carros. As pessoas vão. Têm todas o mesmo ar cansado de quem repete um caminho. As casas repelem-nas, as estradas repelem-nas, por isso o único lugar é esta viagem incessante. Há sempre gente a correr, como se tivesse um sítio que a esperasse, gente com o hábito de se lembrar, mas não com o sentimento da lembrança, gente que destrói o passado com uma persistência meticulosa: a casa onde nasceu porque a ela só a liga a pobreza, as paredes da cozinha, de um negro de fumo, ou as ruas dos bairros suburbanos onde à noite bandos de crianças partem os vidros das janelas, esvaziam os pneus dos carros, injectam-se nos vãos de escada ou nas pedreiras abandonadas, gente que não sabe que se pode recordar com alegria ou tristeza, cujo sentimento único é uma espécie de cansaço.»
Trancrevo uma passagem do último livro, recém-publicado, "A Mão do Oleiro" (Relógio de Água):
«um país informe.
Atravessei-o em combóios, bicicletas, carros. As pessoas vão. Têm todas o mesmo ar cansado de quem repete um caminho. As casas repelem-nas, as estradas repelem-nas, por isso o único lugar é esta viagem incessante. Há sempre gente a correr, como se tivesse um sítio que a esperasse, gente com o hábito de se lembrar, mas não com o sentimento da lembrança, gente que destrói o passado com uma persistência meticulosa: a casa onde nasceu porque a ela só a liga a pobreza, as paredes da cozinha, de um negro de fumo, ou as ruas dos bairros suburbanos onde à noite bandos de crianças partem os vidros das janelas, esvaziam os pneus dos carros, injectam-se nos vãos de escada ou nas pedreiras abandonadas, gente que não sabe que se pode recordar com alegria ou tristeza, cujo sentimento único é uma espécie de cansaço.»
Reflexão, no dia dela
Amanhã a direita terá uma oportunidade única para fazer as contas com o 25 de Abril. Não para pôr em causa a democracia política, evidentemente. Mas para eliminar o que resta da "constituição económica" originária e para destruir de vez a "constituição social".
Aliás, é só seguir o guião da troika. As filmagens podem de imediato começar, porque está lá tudo. Até a revisão constitucional...
Pensem antes de votar, caros compatriotas. Depois não se queixem, nem digam que não têm culpa, que a culpa é dos outros (em Portugal, a culpa é sempre dos outros).
Aliás, é só seguir o guião da troika. As filmagens podem de imediato começar, porque está lá tudo. Até a revisão constitucional...
Pensem antes de votar, caros compatriotas. Depois não se queixem, nem digam que não têm culpa, que a culpa é dos outros (em Portugal, a culpa é sempre dos outros).
03 junho 2011
A bactéria
Afinal, a bactéria E coli não procede dos pepinos de Espanha, segundo a atoarda que tinha sido lançada. Ela vem é da Alemanha, como também já se sabia há muito. A bactéria, na realidade, chama-se Angela Merkl e representa uma ameaça séria à estabilidade da União Europeia, manifestando-se por uma crise de desinteria e de desintegração orgânica e anímica do ser comunitário.