30 janeiro 2008

 

Guantánamo

O relatório da ONG Reprieve é um simples relatório de uma ONG. Mas tem dados e acusações concretas aos governos portugueses desde 2002. A incomodidade deste (actual) Governo é evidente quando se fala no assunto. Toda a colaboração foi recusada à Comissão Parlamentar europeia que nos visitou no ano passado. Por quê esta incomodidade? Estão ou não de consciência tranquila?

 

O tribuno da plebe ataca de novo

Se alguém pensasse que não há oposição política em Portugal, que leia o discurso do Bastonário dos Advogados. É ele que agora lidera a oposição em nome de todo o povo. E, cuidado, que nada escapa à sua análise e à sua crítica, provedor que é de todos os cidadãos. Todos os humilhados e ofendidos têm agora um procurador que os representa. Poderosos, tremei!

 

Remodelações

A remodelação do ministro da Saúde é uma inequívoca derrota do PM, ele que tanto aprecia dizer que é insensível aos protestos contra a sua política. Desta vez teve que ceder. Foi mesmo uma vitória da "rua", como disse Vital Moreira (mas que ódio à "rua"!). Com a saúde não se brinca e este Governo já brincou demasiado. Agora estamos a entrar em ciclo eleitoral e com eleições também não se brinca. Agora é altura de começar a distribuir alguns beijinhos aqui e ali e alguma medida "social" avulsa para amaciar os ânimos.
Mas, em termos de remodelações, a minha opinião é esta: remodelações ministeriais são remendos, a única remodelação que pode interessar é a do PM. E essa compete ao povo, na altura própria.

28 janeiro 2008

 

Juízes-capatazes, também designados por presidentes dos tribunais

Há dias falei aqui dos "superjuízes" que o Governo quer pôr a administrar os tribunais, mas ainda não tinha lido o texto da proposta governamental.
Depois de lida, confirmam-se os piores receios sobre a nova figura do juiz presidente do tribunal de comarca.
O art. 33º, que passará a ser um dos preceitos mais extensos da nossa legislação, atribui-lhe competências de quatro tipos: de representação e direcção, de direcção, de gestão processual, administrativas e funcionais.
Os grandes problemas centram-se nas competências de direcção e de gestão processual.
Em primeiro lugar porque faz do presidente alguém que tem poderes de vigilância sobre o desempenho dos outros juízes, podendo propor ao CSM inspecções ou sindicâncias ao trabalho dos seus "colegas" (se é que o são...); em segundo lugar porque tem poderes de redistribuição de processos e de reafectação dos juízes no âmbito da comarca.
Estas competências, nomeadamente estas, fazem do presidente do tribunal uma autoridade administrativa sobre os outros juízes (além dos funcionários, obviamente), de certa forma uma longa manus do CSM na comarca. A ideia do legislador é claramente a de criar uma pirâmide hierárquica na gestão (e disciplina) da magistratura judicial, encabeçada no CSM e ramificada pelas comarcas, através dos presidentes dos tribunais.
É evidente que os presidentes não podem dar ordens aos outros juízes sobre a forma como devem decidir e, nessa medida, não está directamente em causa a independência dos juízes. Mas há diversas expressões utilizadas pelo legislador que dão margem a suspeições e ambiguidades. Na verdade, o presidente do tribunal deve avaliar a "qualidade do serviço de justiça prestado aos cidadãos" (o que é isso de avaliação da qualidade?), e deve acompanhar o "desempenho dos juízes" (o que é isso de desempenho?). São latos, vagos e obscuros os poderes de "vigilância" que o presidente tem sobre os seus "colegas" (poderão assim ser considerados, ou serão antes subordinados?). Nessa medida, as intromissões podem acontecer (até porque há sempre presidentes com vontade de mostrar serviço...), pelos menos equívocos podem aparecer.
Tanto mais que o presidente tem a tal competência de "reafectação" dos juízes, ou seja, de transferir, embora dentro da mesma comarca, os juízes de um para outro tribunal. Assim como pode, em certos termos, redistribuir processos. Tudo isto pode tornar-se suspeito, ainda que sem fundamento. Suspeito não só aos olhos dos juízes afectados e reafectados, mas das partes e da opinião pública.
A ideia do legislador é fazer da comarca uma estrutura puramente administrativa, uma espécie de direcção-geral, com um presidente (director-geral) a dirigir os seus destinos, a planear a actividade, a avaliar os resultados, a chamar a atenção e mesmo a advertir informalmente o pessoal, a dar informações superiormente sobre o dito pessoal, a mudar os seus homens dum lado para o outro, conforme as necessidades segundo ele entende, ou a entregar serviço a gente mais capaz, segundo o seu critério, tudo isto para apresentar um relatório (semestral) onde os seus méritos como gestor serão também necessariamente avaliados.
Esta estruturação mesquinhamente administrativa é completamente desadequada à orgânica judicial, lesiva dos princípios da independência dos juízes, da autonomia do MP e do juiz natural (em processo penal), que são estruturantes da função judicial.
Não se ignora, e reafirma-se, que a actual gestão dos tribunais e o procedimento de avaliação dos magistrados não são satisfatórios. Mas a solução não é seguramente a importação pura e simples de uma lógica administrativa para dentro do poder judicial.
Mas não é de estranhar que esta proposta surja. Ela é perfeitamente coerente com a orientação autoritária que este Governo tem imprimido desde o início às soluções que propõe e faz vingar, com a sua sólida maioria absoluta, para a administração pública em geral, de que o caso da gestão das escolas é agora outro exemplo actual.

 

Suharto

Suharto tem um lugar destacado entre os grandes carniceiros do sec. XX. Como Mobutu, como Pinochet, subiu ao poder através de um golpe sangrento, apadrinhado pelo amigo americano, e depois enriqueceu à sombra dessa protecção, retribuindo generosamente o padrinho. Foi assim com dezenas de déspotas made in Washington.
O que singulariza de certo modo Suharto foi o grau extremo do massacre iniciático. O Partido Comunista indonésio tinha mais de 2 milhões de militantes em 1965 e pura e simplesmente desapareceram, mais de um milhão terão sido assassinados em massa, logo no próprio dia e nos dias seguintes ao golpe, os restantes extinguiram-se com o tempo, no cativeiro e sabe-se lá onde. De Aidit, o secretário-geral, não houve mais notícia. Alguns outros dirigentes foram julgados e executados mais de 20 anos depois de detidos. Um verdadeiro extermínio em massa.
Que não foi o único, como sabemos: Papua Ocidental, Aceh e Timor são outros pontos de referência do cadastro criminal deste carrasco.
Gostaria de acreditar que há inferno, pois Suharto (e os seus padrinhos) teriam lá lugar garantido.

26 janeiro 2008

 

Ciência e decisões técnicas

«Science is, upon the whole, at present in a very healthy condition. It would not remain so if the motives of scientific men were lowered. The worst feature of the present state of things is that the great majority of the members of many scientific societies, and a large part of others, are men whose chief interest in science is as a means of gaining money».


CHARLES SANDERS PEIRCE, «Pearson's Grammar of Science, Annotations on the First Three Chapters» (1901), em COLLECTED PAPERS (Charles Hartshorne / Paul Weiss / Arthur Burks, eds.), 1931-1958, vol. 8, p. 143.

 

Liberais, mas pouco

Os nossos liberais andam agora zangados com o Governo, que consideram "fascista". São sobretudo os liberais fumadores, mas não só.
É muito curioso. Estes liberais aplaudiram, ou silenciaram, todas as atitudes autoritárias do mesmo Governo, os ataques aos sindicatos e ao direito à greve dos funcionários públicos e dos magistrados, as intimidações ao exercício do direito de manifestação dos cidadãos em geral, a negação do direito de manifestação aos militares, etc., etc., e nada disseram ainda sobre o cariz autoritário da gestão que se propõe para escolas e tribunais.
Tudo isso foi por eles apoiado, ou deixou-os indiferentes. Mas agora, com a lei do tabaco, que lhes causa porventura alguns incómodos, a liberdade está em perigo, o fascismo está de volta! Será que ainda os veremos nas ruas a gritar: "fascismo nunca mais"?

 

O tribuno da plebe

Afinal as declarações do Bastonário dos Advogados sobre corrupção foram feitas na qualidade de "provedor do cidadão".
Quem o investiu nessa função?

25 janeiro 2008

 

"Andem a pé"

Esta frase, proferida há dias pelo primeiro-ministro israelita perante as críticas internacionais sobre o bloqueio de fornecimento de combustíveis à Faixa de Gaza, mereceria a repercussão que teve a célebre injunção do rei de Espanha ao presidente da Venezuela ("por que não te calas?").
Qualquer delas traduz uma arrogância imperial sem limites, embora a invectiva real esteja notoriamente deslocada no tempo histórico e não passe de um retórico desabafo inconsequente.
Já porém o "conselho" israelita encerra um cinismo revoltante e uma crueldade sem limites de quem tem na verdade todo o poder na mão e o exerce impiedosamente, com todos os requintes de perversidade.
O primeiro-ministro de Israel sabe muito bem que na Faixa de Gaza se acumulam um milhão e meio de palestinianos vivendo em condições terríveis, a grande maioria ao nível da mera sobrevivência, sabe que o bloqueio afecta as necessidades mais elementares, a alimentação essencial, o pão, mas maldosamente quer sugerir que os palestinianos se passeiam de automóvel e que só esse dispensável prazer lhes é negado pelo bloqueio.
É a punição colectiva de todo o povo de Gaza que Israel pratica. À vista de toda a gente, com a mais completa impunidade. Até quando será assim? Será que os judeus de Israel não compreendem que estão a formar gerações e gerações de "terroristas", como eles gostam de chamar a todos os que lutam de armas na mão contra a tirania que eles impõem nos territórios ilegalmente ocupados desde 1967? Será isso assim tão difícil de ver?

 

Pela boca morre (às vezes) o peixe

Como era de esperar, como se sabia que iria acontecer mais tarde ou mais cedo, Marinho deu asas à sua veia popularucha e resolveu fazer uma altissonante denúncia sobre corrupção em altos cargos do Estado. Mas agora ele não é apenas um comentador avulso de escândalos judiciais e outros que tais. Ele é o Bastonário dos Advogados e as suas palavras não podem ser simples desabafos ou comentários de rua, antes têm de se revestir da responsabilidade que o cargo institucional que ocupa impõe. Denunciar a verdade escondida é uma virtude, mandar bocas irresponsáveis é outra. Agora Marinho, o Bastonário, não vai poder responder como fazia o célebre Octávio Machado, quando dizia "vocês sabem do que eu estou a falar", quando lhe pediam para concretizar as suas múltiplas denúncias no futebol, sem nunca na verdade ter dito nada de concreto; Marinho vai ter que dizer do que estava a falar quando falou...
De qualquer forma ganhou um novo interesse institucional e mediático a próxima sessão de abertura do ano judicial no STJ. O que terá a dizer o Bastonário sobre uma questão tão decisiva? Vai calar-se, ali mesmo onde se prestam anualmente contas ao povo e onde ele pela primeira vez participa e onde lhe é dada uma soberana oportunidade de dizer a verdade cara a cara aos mais altos representantes dos poderes constituídos? Se persistir na sua "denúncia", como será a reacção dos outros oradores? Mesmo que ele se cale, a sua denúncia de hoje poderá ser escamoteada e ignorada?
Enfim, dúvidas e interrogações. O que acontecerá de facto? Alguém quer fazer apostas?
Eu talvez aposte que o silêncio reinará sobre tal assunto. Mas pode ser que me engane.

24 janeiro 2008

 

Os factos não interessam em apologias precipitadas, ou o estado da sabedoria

Enquanto alguns rasgam as vestes indignados pelo facto de o Papa Bento XVI ter sido alegadamente «impedido» de intervir na Universidade “La Sapienza” e concluem pela demonstração de variadas teses, outros sabedores vêm explicar a «tacanhez» do Cardeal Ratzinger (caso de Rui Tavares que responde no Público aos anteriores artigos de Pulido Valente e José Manuel Fernandes). Diz-se então com autoridade e ironia que «foram as palavras do relativista Feyerabend, que o anti-relativista Ratzinger citava aprovadoramente quando pareciam desculpar a Inquisição no processo de Galileu que agora voltaram para assombrar o anti-relativista Ratzinger diante de físicos que se consideram ainda mais anti-relativistas do que ele». No fim o articulista revela, do alto da sua cátedra sapiente, que é moderado cunhando de tacanhos não só o Cardeal hoje Papa como os professores subscritores do abaixo assinado: «Como cientistas que se julgam donos exclusivos da Universidade, os autores do protesto de La Sapienza conseguiram aparecer mais tacanhos do que o seu adversário, o que não é coisa pouca»[1].

A questão que fica por responder é se às vezes não será melhor ler o texto que se comenta, apesar da certeza (histórica?) de que o mesmo é «tacanho». Rui Tavares certo de estar iluminado dispensa tais aborrecimentos, pelo que partindo da citação de uma citação, a carta de repúdio à agendada intervenção do Papa na Universidade “La Sapienza”, revela-nos que «Ratzinger tivera de se socorrer das palavras de Paul Feyerabend, talvez um dos filósofos do século XX que mais foi acusado de relativismo» [2] .
O método intuitivo do historiador / articulista na interpretação de escritos que aparentemente se prescindiu de ler não deve ser censurado pois censurar é feio e a exegese de textos é trabalhosa (coisas para «tacanhos»), afigurando-se muito mais modernaço e blogueiro repescar frases do género «Toda a gente tem direito à sua própria opinião, mas ninguém tem direito aos seus próprios factos», mesmo quando a carapuça lhe encaixa bem.
Naturalmente para quem, como Rui Tavares, é tão cioso da sua opinião e dos «seus próprios factos», também se afigura irrelevante o facto de Joseph Razinger na, agora famosa, intervenção de 1990, depois de citar Feyerabend (e outros), concluir:
«Será absurdo construir com base nestas afirmações uma apologética precipitada»[3]!

[1] Os 67 docentes da Universidade que subscreveram uma carta contra a ida do Papa Bento XVI e manifestaram o desejo de que esse «evento incongruente fosse cancelado» .
[2] Informação preciosa e exclusiva que Tavares parece supor que Ratzinger não teria, até porque na citação da citação que consta da carta dos 67 docentes, que afinal o sábio historiador português classifica de «tacanhos», não se menciona que Ratzinger se refere a Feyerabend como filósofo agnóstico-céptico para além de, na alegada diatribe contra Galileu, mencionar, depois de Feyerabend, um outro autor (Weizsacker) que identifica uma linhagem entre Galileu e a bomba atómica, pelo para quem lesse o original numa interpretação literal e descontextualizada tal argumento apresentar-se-ia como muito mais escandaloso.
[3] «Sarebbe assurdo costruire sulla base di queste affermazioni una frettolosa apologetica. La fede non cresce a partire dal risentimento e dal rifiuto della razionalità, ma dalla sua fondamentale affermazione e dalla sua inscrizione in una ragionevolezza più grande.» (Svolta per l'Europa? Chiesa e modernità nell'Europa dei rivolgimenti, Paoline, Roma 1992, p. 79).

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23 janeiro 2008

 

imigrantes

«Seis dos 23 marroquinos que entraram ilegalmente em Portugal foram repatriados sem conhecimento dos seus advogados».

Uma notícia não faz a «primavera».

Mas uma notícia como esta não pode deixar de suscitar algumas inquietações, senão mesmo perplexidades. Sobre o exercício do poder num Estado de Direito. Sobre o conteúdo dos direitos fundamentais e do modo como são garantidos.

A Constituição da República não é um conjunto de frases que se apregoam.

Os Direitos fundamentais não são cumpridos «parcialmente» ou aos «bocadinhos».

Os Direitos fundamentais têm mecanismos (e instituições) próprios de protecção e garantia.

Seria importante que na questão da imigração não se chegasse a um tempo em que apenas só restasse a indignação.


22 janeiro 2008

 

"Lei do Tabaco": os Prós e os Contras

O debate de ontem no Prós e Contras sobre a, assim graficamente apelidada, “Lei do Tabaco” foi elucidativo no que respeita à irracionalidade da posição dos que sustentam que aquele instrumento normativo consagra, em termos gerais, soluções anti-liberais. A prestação dos Contras no dito programa – Sá Fernandes e Maria de Fátima Bonifácio – foi mais do que instrutiva, neste particular. O primeiro, pura e simplesmente não aduziu o que quer que fosse susceptível de, remotamente ainda, ser levado à conta de argumento, limitando-se a berrar tanto quanto os pulmões lho permitiram e a bombardear os Prós com interrupções e interpelações sempre que lhe foi possível e permitido. A segunda, neste aspecto contida, acabou por prestar a si própria um serviço não menos confrangedor. Para espanto de todos, começou por alegar a existência de estudos científicos que colocavam em causa que o fumo passivo fosse susceptível de prejudicar a saúde. Corada, acabou por retractar-se, mas a nódoa ficou e a prestação subsequente não foi melhor. Confrontada com a evidência Milliana de que o Estado tem o direito (e o dever) de intervir, limitando o livre exercício da autonomia de uns quando esse exercício provoca dano em interesses de outros[1], lançou mão da “bomba-atómica” dos que já perceberam que perderam a razão: a retórica argumentativa deixou de se centrar no plano impessoal dos princípios e passou a escorar-se na autocontemplação – a limitação do “direito” de fumar não se justificaria porque, por exemplo, a avó de 98 anos da referida Senhora sempre fumou e daí não lhe adveio mal algum (por isso, presumiu, faleceu aos 98 anos)! Acabou – para alívio de todos e provavelmente dela própria – com um discurso sobre o sentido da liberdade e sobre o estafado argumento da derrapagem. Olhando a plateia, referiu, de entre outras preciosidades, que as pessoas cada vez mais desconhecem o sentido daquele valor e que compreendia não ser necessária liberdade para ir ao Colombo fazer compras ou para ir assistir ao futebol. Esse remate elitista, a mais de um notório exercício de arrogância intelectual e moral (os outros, os da plateia, breve, os do “povo”, são parvos: não percebem que ao ficarem desobrigados de suportar as baforadas dos demais estão a renunciar ao núcleo essencial da sua liberdade), traduz, por ironia, como se vê, um modo de perspectivar o assunto profundamente anti-liberal. O que era escusado.

[1] Arriscaria, em rodapé, que talvez Mill se opusesse a uma “Lei do Tabaco” como a vigente entre nós. Mas, como se sabe, no tempo de Mill não se sabia que a exposição ao fumo dos outros pudesse provocar doenças tão insignificantes como o cancro do pulmão...

 

Página de auto-reflexão

Todas as profissões têm a sua rotina, que, se favorece a execução das tarefas, também é, muitas vezes, entravadora das soluções mais justas. A rotina dos juízes é despachar processos. Ver-se livre dos processos é um objectivo que se sobrepõe a qualquer outro, se se não tem uma consciência sempre alerta. Quero eu dizer: alhear-se dos concretos problemas humanos que subjazem aos processos, passando-se a encarar estes como um fim em si.
Perante um caso complicado (e complicado, na minha linguagem, não significa necessariamente um processo de complexa solução, mas um processo que contém um problema humano melindroso para resolver, e quase sempre é esse o problema da aplicação das penas (e cá estou eu a falar de processos penais, que é a minha área; os outros processos não terão problemas de tanto melindre) não há nenhum juiz que não tenha a tentação (a humaníssima tentação) de enveredar pelo caminho mais fácil, que é o de evitar os escolhos que uma solução materialmente mais justa (isto é, mais adaptada à singularidade do caso) tantas vezes oferece. É preciso conservar a capacidade para sentir um rebate de consciência e para resistir a esse caminho da facilidade ou da rotina, como se lhe queira chamar, e fazer um esforço para contrariar essa tendência, que no fundo é também a insensibilidade perante o sofrimento alheio que qualquer prática profissional que lide com problemas humanos acaba por gerar, seja a dos médicos em relação à doença e à morte, seja a dos juízes em relação às restrições de liberdade e ao encarceramento. Porém, os juízes não existem para resolver processos (muito menos matá-los), mas para resolver situações.

19 janeiro 2008

 

Mais uma vitória do Governo

Afinal a aprovação da lei dos vínculos da função pública foi uma vitória do Governo, apesar da derrota infringida pelo Tribunal Constitucional!
O Secretário de Estado de serviço parece aqueles treinadores de futebol que, perante uma goleada, teimam em garantir que a derrota, vendo bem, é uma grande vitória.

 

A supervisão do BP

O que Constâncio disse ontem na AR sobre a supervisão exercida (?) pelo BP sobre o sistema bancário é verdadeiramente extraordinário. Disse ele, em resumo, que isso de supervisão é uma treta, que o BP não tem possibilidade de detectar efectivamente fraudes ou quaisquer ilegalidades nas instituições bancárias sem lhe chegarem denúncias "de dentro". É preciso, pois, que se zanguem as comadres para que o BP saiba e possa actuar. Podem, pois, os gestores bancários dormir descansados. (Mas já deviam dormir, pois nada disto foi certamente surpresa para eles).

 

Os magistrados e o seu desempenho

O Maia Costa já falou sobre este assunto, conforme reparei, quando acedi ao blogue, depois de ter escrito o meu texto. Mesmo assim, aqui vai a minha perspectiva. Não inteiramente coincidente com a dele.


Por falar em números, estou a lembrar-me daquele estudo sobre a situação da justiça em Portugal encomendado pela Fundação Luso-Americana.
Tendo constatado que a situação crítica da justiça portuguesa não se resolve com mais meios, nem com mais magistrados, nem com mais funcionários, porque temos meios a mais, magistrados a mais, funcionários a mais e advogados a mais, tudo “per capita”, andando todos a atropelar-se uns aos outros e a baralhar o sistema – o que até pode ser verdade – não deixa de ser curiosa a solução proposta para a remuneração de magistrados (deixo de lado outras soluções).. Os magistrados deviam ter um salário-base e uma remuneração variável, consoante o desempenho. Talvez uma espécie de emolumentos por cada processo que despachassem. Quanto mais aviassem, mais ganhavam e mais subiam. Não sei se nesta contabilidade entraria a sensibilidade do magistrado para os casos sujeitos à sua apreciação, o escrúpulo posto no acerto da solução – e não só em termos técnico-jurídicos, mas em termos de adequação ao específico caso concreto, que é como quem diz, à real situação humana que se esconde nas folhas do processo – o empenho colocado em ir ao cerne do problema, mesmo quando os sujeitos implicados não foram capazes de o verbalizar em termos claros e límpidos.
O que será então o “desempenho” para os autores do estudo, que são economistas e podem, mesmo sem querer, ver tudo através do rendimento “per capita”? Aliás, parece que o grande enfoque do estudo foi posto na justiça cível, mais ligada precisamente às questões patrimoniais, que são, como se sabe, as de valor. O dinheiro é que tem força, como o demonstra o caso do BCP.

 

Nunca tão poucos puderam tanto

No BCP, como se previa, para o novo conselho de administração executivo, ganhou a lista liderada por Santos Ferreira, que assim sai, com Armando Vara, da Caixa Geral de Depósitos. A vitória foi estrondosa, “arrasadora” mesmo, segundo alguns órgãos da imprensa.. Basta dizer que tiveram o apoio de 283 accionistas contra 560, que deram o seu voto à lista perdedora, liderada por Cadilhe. Portanto, é só uma questão de fazer as contas, porque se trata de pura contabilidade. É só ver onde está a força dos números.

18 janeiro 2008

 

Juízes pagos à peça?

Um novo estudo sobre a justiça foi anunciado. Vem duma faculdade de economia e a economia é que está no poder. Algumas ideias divulgadas parecem-me justas, mas outras estão eivadas dum economicismo que poderá servir para as empresas privadas, mas seria desastroso para um serviço público como a justiça.
Estou a pensar concretamente na peregrina ideia (não totalmente inovatória, diga-se) de pagar aos magistrados segundo critérios de produtividade. A ideia até parece justa (quem trabalha mais deve ganhar mais), mas é completamete disparatada. Para além de ser problemáica a determinação dos critérios de produtividade, atenta a diversidade de funções desempenhadas pelos magistrados, a proposta viola completamente as regras da ética profissional que subjaz à função dos magistrados e neste domínio a ética é condição essencial do exercício dessa função. Além de que o sistema ficaria exposto a manipulações e perversões (por parte dos "avaliados" e dos "avaliadores") que só contribuiriam para introduzir mais elementos de instabilidade e especulação no sistema. O controlo da "produtividade", para utilizar esse conceito, deve assentar num aperfeiçoamento do sistema actual de inspecção e avaliação pelo CSM, e não em métodos economicistas ou hierarquizantes ("superjuízes").

17 janeiro 2008

 

Um novo mapa de Portugal ou a ameaça dos "superjuízes"

Vem aí o novo mapa judiciário. É fantástico! Vejam só: vamos ter circunscrições com nomes lindíssimos, como Alto Tâmega, Ave, Baixo Vouga, Dão-Lafões, Cávado, Entre Douro e Vouga, Médio Douro, Lezíria do Tejo, Sotavento Algarvio, etc. É um mapa ecológico, e também um bocadinho enológico. É um verdadeiro achado na promoção do conhecimento do nosso território, das nossas paisagens, das nossas riquezas naturais. Mas cuidado! Atenção à geografia! É preciso estudar geografia doravante nas faculdades de direito e no CEJ.
Tudo estaria bem, não fora a ameaça dos "superjuízes". É que de facto parece que vai passar a haver superjuízes, além de juízes, nessas circunscrições. Se a função dos juízes será a de trabalhar, a dos superjuízes (também designados por presidentes) será vigiar os juízes, verificar se trabalham ou não e informar disso o CSM. Os superjuízes serão, pois, uma espécie de capatazes vigiando o pessoal menor ou de sargentos à frente de um pelotão de recrutas.
Ora um tribunal, ainda que supertribunal, nunca pode ser organizado em termos militares, empresariais ou administrativos. Um juiz-sargento ou capataz é uma desonra, para os "subordinados" e para ele próprio. Haja bom senso! Se o sistema actual de fiscalização da actividade dos magistrados, nomeadamente o sistema de inspecção, é insuficiente ou deficiente, há que melhorá-lo, e não introduzir sistemas de fiscalização que são uma aberração no sistema judiciário.

 

Vinculações

O grupo parlamentar do PS resolveu ir mais longe do que impunha o acórdão do Tribunal Constitucional e vai deixar de fora da "lei dos vínculos" também os juízes dos tribunais não judiciais e o MP.
Fica-lhe bem esta atitude, sensata e prudente. Mas fica a suspeita de que só faz porque quer a todo o custo evitar novo "chumbo" no TC, o que seria evidentemente desastroso para o Governo/PS, na hipótese provável de ser suscitada por alguma entidade com competência para o efeito (o PGR, por exemplo) novo recurso de constitucionalidade.
Em todo o caso, fica este aviso do TC à arrogância e à voracidade reformista do Governo/PS, agora que está na calha a revisão dos estatutos das magistraturas.

10 janeiro 2008

 

Programa de Formação Avançada

1º Curso do Programa de Formação Avançada – Justiça XXI

Garantias e eficácia no quadro da nova reforma penal



1/2 e 8/9 de Fevereiro de 2008,

Sede da Associação Sindical dos Juízes, Rua Ivone Silva, n.º 6, Lote 4, 19.º Direito, Edifício Arcis, Lisboa


Organização
Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP)
Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra/ Observatório Permanente da Justiça (CES/OPJ)




Coordenadores do Curso
Dr. José Mouraz Lopes (ASJP)
Drª. Conceição Gomes (CES/OPJ)


Destinatários
Aberto a todos os profissionais de justiça ou com especial ligação a este sector, designadamente magistrados judiciais e do Ministério Público, advogados, funcionários judiciais, órgãos de polícia criminal, meios de comunicação social, técnicos de instituições do Estado, de associações ou de ONGs


Inscrições abertas até 24 de Janeiro de 2008

Mais informações em
http://www.ces.uc.pt/misc/formacao_avancada_justica_xxi_curso_1.php


Programa

1 de Fevereiro, 14.30h - 18h

Tema:
A garantia judiciária e o papel do juiz de instrução

Formadores:
Dr. Jorge Gonçalves, Juiz Auxiliar no Tribunal da Relação
de Coimbra

Dr. Paulo Dá Mesquita, Procurador da República


2 de Fevereiro, 9.30h - 13h

Temas:
A responsabilidade criminal das pessoas colectivas

O novo quadro sancionatório

Formadores:
Professor Doutor Paulo Sousa Mendes, FDUL

Dr. António Latas, Juiz Auxiliar no Tribunal da Relação de Évora

8 de Fevereiro, 14.30h - 18h

Tema:
O fim do modelo do segredo de justiça: eficácia da investigação versus
direito de defesa


Formadores:
Dr. Simas Santos, Juiz Conselheiro
Dr. Rui do Carmo, Procurador da República


9 de Fevereiro, 9.30h - 13h

Temas:
Eficácia e garantia no modelo de recursos em processo penal

Formadores:
Professor Doutor Germano Marques da Silva, FDUCP
Dr. José António Barreiros, Advogado


9 de Fevereiro, 14h,30m – 17h

Seminário final

Dr. António Henriques Gaspar, Juiz Conselheiro do STJ
(com a participação dos formadores)


08 janeiro 2008

 

Os vigilantes de outros tempos

O olho vigilante


Era preciso amar de pé
amar depressa
amar contra a parede
contra o medo
atrás da porta
sobre a pedra
no mais pequeno espaço conquistado
ao olho vigilante.

Onde menos se esperava ele
Espreitava.
Atrás do espelho
sob a cama
nas mangas nas golas nos biombos
na agulha na tesoura no dedal
no livro único
na tia nas torradas
na novena
ele espreitava.

O olho vigilante.
À coca.
Era o Estado era a mãe era
a virtude
era o pecado e o remorso e a
castidade.
Mas apesar de tudo era tão bom
de noite em pé à pressa no Penedo
da Saudade.

(Manuel Alegre – Coimbra Nunca Vista – 1995)

 

Leis, fumos e jogo(s)

«But, well suited this clearness would have been to the purposes of common sense and common honesty, it would have been proportinably ill suited to the purposes of common law». (Bentham)

06 janeiro 2008

 

Diálogos entre George Bush e Condoleeza Rice (4)

B.: Então como passaste estes dias de festas?
R.: Trabalhando.
B.: Tu és realmente uma máquina de trabalho, mas precisavas de outras coisas, precisavas, enfim…
R.: George…
B.: És tão reservada! Olha, eu estive no Texas, no meu rancho, aí é que eu me sinto bem. O Texas, com as suas tradições e os seus valores, é o coração da América. Estes gajos aqui na Costa Leste têm a mania que são mais inteligentes do que nós, os texanos, e até podem ser, ma nós somos mais autênticos, mais puros, mais americanos! Quem me mandou vir para Washington, este antro de intriga e maledicência?! Enfim, sei que tinha de responder a um imperativo (é assim que se diz, não é?) patriótico, que tinha de servir a Nação, mas tanto me custa estar aqui, longe do meu rancho! E, depois, tudo continua a correr mal… 2007 foi mais um desastre. Perdi mais um grande amigo, o John, o australiano, era tão meu amigo que fazia tudo o que eu queria, mais ainda que o Tony, pois sempre se recusou a assinar aquela bodega do protocolo de Quioto, ou lá o que é… E este agora, nem sei o nome dele, foi logo assinar, deixando-nos ainda mais isolados! Como se isso aliás me ralasse alguma coisa: estamos sós, mas orgulhosamente sós!!! Não dizes nada?
R.: Estava a ouvir.
B.: Que diabo, de vez em quando convém que digas alguma coisa, de preferência que tenho razão, mas se não tiver diz também, porque, como sabes, é em ti que eu con-fio! Dizia eu que estamos isolados, mas continuamos a ser os mais fortes, temos todo o poder militar na mão…
R.: O poder militar não é tudo…
B.: Infelizmente não, o Iraque que o diga, mas em última instância é ele que vale! E nós não temos rival. Podíamos arrasar o Irão, a China, a Rússia…
R.: George…
B.: Eu sei que não vamos por aí claro, eu tenho o coração ao pé da boca, ou a boca ao pé o coração, tanto faz, eu sou do Texas, já sabes, sou frontal e directo e, além disso, estava a brincar um pouco, também tenho um pouco de espírito de humor, embora isso não seja reconhecido, aliás as minhas qualidades raramente são reconhecidas.
R.: É preciso ter cuidado com o humor, às vezes sai caro…
B.: Pois é, mas um gajo tem que desabafar de vez em quando e eu sei que tu és absolutamente discreta. Bom, mas adiante, e agora a sério, temos que falar da minha viagem ao Médio Oriente. Como pões imaginar, eu estou pelos cabelos por ter que me deslocar ali. Em primeiro lugar, não gosto de sair do nosso país (até do Texas me custa sair), até porque nunca sou bem recebido em parte nenhuma, há sempre manifestações, eu nunca as vejo, claro, mas sei que existem e não fico satisfeito, sou ridicularizado na imprensa desses países, quando são democráticos, claro, nas entrevistas sou tratado como se fosse um treinador de futebol da 2ª divisão! Estou farto! E agora fazem-me ameaças, a Al-Qaida quer liquidar-me, é claro que a nossa segurança é eficaz, mas quem gosta de viajar nestas circunstâncias?
R.: São ossos do ofício.
B.: E que ossos! E que ofício! Quem me mandou vir para cá! Reconheço que hoje não estou nos meus melhores dias, é por ter que sair já depois de amanhã! Depois, aquilo é uma confusão: uns são reis, outros são príncipes, outros são presidentes, outros são primeiro-ministros, uma barafunda em poucos dias, mas garanto-te que já não volto lá até ao fim do meu mandato, tu é que lá hás-de ir mais vezes, minha querida… são os ossos do ofício…
R.: Nunca me queixei deles.
B.: Tu realmente pareces feita de aço, mas não sei se será completamente assim…
R.: Vamos então falar um pouco dessa viagem?
B.: Claro, foi para isso que te chamei, minha querida. Vamos lá ver: o que é que eu vou dizer a uns e outros. Porque aquilo é muito complicado: Israel de um lado, os ára-bes do outro, mas os árabes também não se entendem entre eles…
R.: Uma coisa para mim é clara: temos que dar um impulso à Autoridade Palesti-niana (que de autoridade só tem o nome, reconheça-se), para isolar os radicais do Hamás. Parece-me também que não se pode deixar de falar no Estado Palestiniano, mas é arriscado falar em datas, porque os israelitas podem não gostar…
B.: Tu desculpa, mas esses judeus que vão para… eu estou fartinho deles, são duma arrogância, julgam que têm o rei na barriga, julgam que me podem impor soluções e factos consumados, quando eles não passam de um protectorado nosso naquela região…
R.: George, cuidado com as palavras…
B.: Então eles não estão sob a nossa protecção? Sem ela não teriam eles sido já lançados à água?
R.: Sim, mas eles são um posto avançado da nossa civilização naquela zona, tão vital para os nossos interesses…
B.: Para os nossos interesses, dizes bem, e são os nossos interesses que os ameri-canos me confiaram defender. Não podemos ficar subordinados aos interesses deles.
R.: Temos que tentar harmonizar as coisas.
B.: Harmonizar sim, desde que eles saibam que é aqui em Washington que as coisas são decididas!
R.: George, mas eles não podem ter essa percepção, eles são inteligentes e teimo-sos!
B.: Deixa isso comigo! Os gajos têm sempre lavado a melhor. O Bill, coitado, tentou a todo o custo obter uma solução e não conseguiu e a culpa foi do tal Bibi, que anda por lá outra vez. Eu vou ser duro. Tenho um ano para fazer alguma coisa, não os vou deixar andar a empatar. E vou explicar-lhes que eles têm que ceder alguma coisa aos palestinianos, se querem ganhar a maior fatia.
R.: Eles não gostam de dar, só gostam de receber!
B.: Os judeus parece que são mesmo assim. Mas eles têm de perceber que che-gou a altura de tomar decisões. Aliás, esta é até a melhor altura para eles, porque os palestinianos estão profundamente divididos, não é assim?
R.: Esse parece-me o nosso argumento fundamental. Se o adversário está enfra-quecido, a solução mais correcta não é esmagá-lo, é chegar a um acordo com ele, um acordo, digamos, “leonino”, para utilizar a linguagem jurídica. Claro que, em direito, um tal acordo seria nulo, mas em política é diferente.
B.: Muito bem, estamos de acordo. Eu vou ser claro com os judeus: quero um acordo definitivo entre eles e os palestinianos até ao fim deste ano e quero estar pes-soalmente presente na assinatura desse acordo. Não achas que assim poderei ainda rece-ber o Prémio Nobel da Paz?
R.: Com certeza, já outros o receberam com pior currículo, quero dizer, com menos boas acções…
B.: Bom, vamos lá ver como isso corre… já estou ansioso pelo regresso… e como estará lá o tempo? Ao menos, não chove, não é? Tenho que pedir à Laura que veja o boletim meteorológico.
R.: Chuva, esperemos que só de esperança.
B.: Deste-me agora uma boa imagem para eu citar nos meus discursos: uma “chuva de esperança”. Mas será que eles sabem o que é chuva?
(Risos de ambos)

02 janeiro 2008

 

Atenção ao tabaco, aos vigilantes e à comunicação social

O presidente da ASAE (peço desculpa por não saber traduzir esta sigla) foi surpreendido a fumar uma cigarrilha às 02:30 horas do dia 1 no Casino do Estoril. A lei do tabaco já vigorava a partir da última badalada da meia-noite e, no entanto, o presidente da ASAE estava a fumar uma cigarrilha. O Diário de Notícias fotografou o dito presidente da ASAE a fumar a dita cigarrilha e noticiou o facto na 1.ª página, vendo-se nitidamente o presidente da ASAE a fumar a cigarrilha, envolto numa nuvem de fumo. O telejornal do 1.º Canal da TV deu grande destaque ao presidente da ASAE, por estar a fumar uma cigarrilha às 02:30 horas no Casino do Estoril, depois de entrar em vigor a lei do tabaco e mostrou a primeira página do Diário de Notícias com a fotografia do presidente da ASAE a fumar a referida cigarrilha. Ao mesmo tempo, o 1.º Canal da TV mostrou um Centro Comercial com vigilantes atentos a qualquer “movimento suspeito” (sic) de qualquer pessoa que tentasse puxar do cigarro, e efectivamente viu-se uma senhora que puxou do cigarro e logo um vigilante atento a qualquer “movimento suspeito” abeirou-se da senhora que puxou do cigarro e mandou-a acabar de fumar na rua.
O 2.º Canal da TV deu grande destaque ao presidente da ASAE, por estar a fumar uma cigarrilha às 02:30 horas no Casino do Estoril, depois de ter entrado em vigor a lei do tabaco e mostrou a primeira página do Diário de Notícias com a fotografia do presidente da ASAE a fumar a referida cigarrilha. Ao mesmo tempo, o 2.º Canal da TV mostrou um Centro Comercial com vigilantes atentos a qualquer “movimento suspeito” (sic) de qualquer pessoa que tentasse puxar do cigarro, e efectivamente viu-se uma senhora que puxou do cigarro e logo um vigilante atento a qualquer movimento “movimento suspeito” abeirou-se da senhora que puxou do cigarro e mandou-a fumar na rua.

 

Ano novo,vida nova?

Terminou o ano de 2007; entrou 2008. Mas será que há um ano que acaba de vez e outro que começa de novo no fluir ininterrupto do tempo? Nada acaba de vez a não ser com a morte e nada começa de novo a não ser quando começa. Os velhos problemas entram sem cerimónia pelo ano novo dentro, sem receio algum (sem vergonha) das suas barbas brancas, e a mesma rotina de vida faz caminho pelo ano novo, seguindo trajectos que os nossos passos conhecem de cor. No dia seguinte à estúrdia estapafúrdia que assinala a passagem de ano, já tudo e todos entram nos eixos, rodando nos mesmos velhos carris de sempre. Ano novo? Que ano novo? Só se for por entrar em vigor a chamada lei do tabaco, que proíbe de fumar nos locais públicos e mesmo privados. Isto para que os portugueses, suaves como sempre, ou apenas portugueses, para seguirmos o exemplo das autoridades sanitárias de cortarmos nos adjectivos e higienizarmos a prosa como convém, possam ter o seu direito (europeu) a só serem poluídos pelas outras múltiplas poluições mortais e assim morrerem com os pulmões livres de nicotina.
Ano novo? Que ano novo? Só se for por aumentarem os preços dos produtos básicos, pois essa é a velha novidade que abre inevitavelmente os telejornais logo a seguir à passagem do ano. Enquanto esses preços sobem, os salários baixam, ao menos na medida em que não acompanham a subida do custo de vida. Olha a grande novidade! Olha o grande augúrio do ano que começa! Continuar a apertar o cinto.
Enquanto isso, a guerra do Iraque vai para o seu 5.º ano de loucura; o Afganistão continua mergulhado na sua grande barafunda; o Paquistão dá mostras de andar cada vez mais à deriva e constituir uma séria ameaça de disseminação de armamento nuclear; o Médio Oriente não sai da cepa torta; o equilíbrio ecológico mundial continua a enfrentar a resistência dos USA, que se estão nas tintas para esse equilíbrio, enquanto AL Gore, esse apóstolo convertido ao ambientalismo, prega dramaticamente no deserto.
Ano novo? Que Ano novo? Tudo é velho como a estupidez humana.

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