25 novembro 2009

 

Declaração de Lisboa

Aprovada pela MEDEL/ASJP/SMMP

Declaração de Lisboa

A independência dos juízes e a autonomia do Ministério Público perante o Tratado de Lisboa



A justiça na Europa encontra-se numa fase de enormes desafios.

O Estado de direito numa Europa dos cidadãos e para os cidadãos só é compatível com um sistema judicial independente, imparcial e eficaz, assente no princípio da confiança.

O acesso à justiça, estabelecido pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, foi assumido e desenvolvido pela Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, no artigo 47º declara que «Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma acção perante um tribunal. Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo. É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça».

A entrada em vigor do Tratado de Lisboa introduz profundas alterações no âmbito do acesso dos cidadãos à justiça, consubstanciadas na adopção da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na sua força vinculativa, na adopção plena do princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e na possibilidade de criação de um Ministério Público Europeu, implica significativas alterações aos sistemas judiciais e impõe alterações normativas em várias domínios da organização judiciária e do procedimento.

Nesse sentido o direito à justiça deve evoluir no sentido do respeito e desenvolvimento dos princípios já estabelecidos em documentos internacionais aprovados no âmbito do Conselho da Europa nomeadamente, a Recomendação n.º 94 (12) do Comité de Ministros sobre a Independência, a Eficácia e o papel dos Juízes e a Recomendação 2000 (19) sobre o Papel do Ministério Público no Sistema de Justiça Penal, os documentos aprovados pelo Conselho Consultivo dos Juízes Europeus e pelo Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus, sobre a garantia da independência dos juízes e a autonomia do Ministério Público, a eficácia do sistema e os recursos disponíveis e indispensáveis, exigindo-se um reforço dessas garantias de modo a assegurar a efectividade do princípio da confiança mútua entre os sistemas.

Finalmente, assegurando o que é afirmado em vários documentos internacionais, o direito dos juízes e dos procuradores a livremente criarem associações profissionais com os fins de salvaguarda da sua independência e protecção dos seus interesses, como garantia da própria independência do sistema judicial deve ser absolutamente respeitado pelos Estados.


Lisboa, 13 de Novembro de 2009.

 

E agora, José?

«El Gobierno de Reino Unido supo diez días antes de la invasión de Irak -el 20 de marzo de 2003- que el régimen de Sadam Husein no tenía la capacidad de utilizar armas químicas y que ese arsenal podía haber sido "desmantelado". La comisión investigadora también ha escuchado hoy que el Gobierno que dirigía el laborista Tony Blair, incondicional aliado del entonces presidente estadounidense, George W. Bush, conoció igualmente antes de que comenzara la guerra que no existían vínculos entre el régimen de Sadam y la red terrorista Al Qaeda», El Pais, 25.11.2009

 

No fio da navalha

Uma coisa que ressaltou do debate de ontem no «Prós e Contras”, mais uma vez dedicado à justiça, sempre no “fio da navalha”, foi a balbúrdia interpretativa acerca das escutas telefónicas e da entidade competente para autorizar as mesmas quando estão em causa o presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro, e bem assim se as escutas anuladas devem ou não permanecer nos autos até ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
Estavam lá dois professores universitários da mesma Universidade (um deles tendo pertencido à Unidade de Missão que se encarregou da reforma dos códigos penal e processo penal), um juiz desembargador e o bastonário da Ordem dos Advogados.
O desacordo não podia ter sido mais clamoroso do que foi. Os campos ficaram divididos em irremediáveis posições contrapostas. Uma autêntica refrega verbal. Quem tinha dúvidas com mais dúvidas ficou. Imagina-se o cidadão comum a estorcer-se na cadeira em penoso esforço de compreensão, se é que teve paciência para chegar ao fim sem desligar o televisor e ir para a cama praguejando contra os juristas.
A apresentadora do programa, pertencendo à categoria dos cidadãos comuns, como ela própria disse, viu-se e desejou-se para enfrentar aquele mar encapelado.
Um observador mais atento e paciente e com mediana perspicácia para captar algumas mensagens terá, no entanto, percebido outra coisa importante: se a justiça anda no fio da navalha, as leis em Portugal, feitas a reboque dos acontecimentos e marteladas à última hora à feição de certos interesses, são de cortar à faca.

23 novembro 2009

 

Participação política e corrupção

Cerca de 400 membros do Congresso dos EUA receberam à volta de 11 milhões de dólares de um grupo de apoio às sanções ao governo cubano nos últimos cinco anos, diz o "Público" do dia 18 último. E adianta que, em véspera da discussão das restrições das viagens a Cuba no Congresso, alguns deles mudaram as suas posições depois de receberem as verbas...
O director da organização benemérita diz que está simplesmente a exercer o direito à participação política. E interroga-se: então os sindicatos podem apoiar ($$$ falando) congressistas pró-trabalho, os judeus podem ajudar a eleger congressistas pró-Israel, e nós não podemos ajudar a eleger congressistas que apoiem os nossos pontos de vista?
Pergunta sagaz, sem dúvida.
A "compra de deputados" faz parte do "sistema". Poderia pensar-se que tal prática seria considerada corrupção e, como tal, punível.
Mas não: trata-se simplesmente do exercício do direito indeclinável à "participação política".

 

O julgamento do século

O século ainda só leva nove anos, mas já está eleito o julgamento deste sec. XXI.
Vai realizar-se em Nova York e nele vão ser julgados Khalid Sheik Muhammed e mais quatro prisioneiros de Guantánamo.
O facto de o procurador-geral ter remetido o caso para um tribunal comum é (ao menos aparentemente) uma vitória do Estado de Direito. Agora, a justiça americana, com tantos aficionados em Portugal, vai ter oportunidade de mostrar o que vale. Irá realizar um julgamento justo, com todas as regras de um processo equitativo? A pressão vai ser tremenda. O procurador-geral já disse que não vai haver "problemas", isto é, os acusados terão de ser condenados, essa é a única expectativa admissível, e Obama, o próprio Obama, aliás um jurista, já disse que os acusados vão ser condenados à morte!
Como se aguentará o tribunal? Irá, nomeadamente, aceitar as provas obtidas (comprovadamente) mediante tortura? Haverá outras provas válidas a que se possa agarrar para fazer a vontade ao presidente?
Se estes prisioneiros vão a julgamento, presume-se que público, outros há que serão submetidos às famigeradas comissões militares. Teremos um "sistema dualista": os tribunais quando se espera obter facilmente uma condenação; as comissões quando as provas não existem, ou são inválidas...
Certo é que há quem afirme que os EUA nunca libertarão, ainda que absolvidos, certos prisioneiros. Se foram absolvidos dos crimes que lhe são imputados, serão internados, como "prisioneiros de guerra", até ao fim da guerra. Qual guerra, perguntarão? A guerra contra o terrorismo, evidentemente. E quando acaba essa guerra? Quando os EUA decretarem o encerramento.
Tudo legal,portanto.

21 novembro 2009

 

Jogo de perguntas e respostas


Se se conhece as ideias políticas dos que se atrevem a discordar não é a força dos seus argumentos que permite afastar esse pecado original: «Deixemo-nos de rodriguinhos jurídicos com que alguns juristas disfarçam a sua militância política».
Relativamente àqueles que, sem passado de «militância política», agem em sentido de que se discorda o problema já será a falta de informação sobre a sua orientação: «Que sabemos nós dos detentores do poder judiciário? Por onde andaram, que ideias políticas professam?». Duas perguntas empíricas sobre matérias em que não se admite segredo seguidas de duas interrogações básicas sobre a Constituição: «E a pergunta fatal: qual a raiz do seu poder soberano? Com que legitimidade o exercem? ». Quem fala assim é um jurista, um advogado... sem « rodriguinhos jurídicos», que age «tendo consciência dos riscos que corre»(?)

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20 novembro 2009

 

Um referendo que não engana

Circula por aí uma petição a apresentar à AR para que a proposta legislativa sobre o casamento homossexual seja submetida a referendo.
Parece-me de todo evidente que com esta proposta, e dados os antecedentes nacionais, pretende-se acima de tudo chegar a uma situação de impasse legislativo, tal como sucedeu com a IVG (entre 1998 e 2007) e a regionalização (de 1999 até hoje). Em Portugal, se se quiser paralisar um processo legislativo, é submetê-lo a referendo! Porque o processo é moroso e incerto, não só pelos prazos e multiplicidade de passos a percorrer até à marcação do referendo, como pelo seus resultados, sempre questionáveis e problemáticos, já que dificilmente, se não impossivelmente, tendo em conta a permanente desactualização dos cadernos eleitorais, se obterá uma decisão vinculativa do eleitorado.
Não é certamente por acaso que todos os nomes divulgados que promovem o referendo são de pessoas que se opõem ao casamento homossexual. É gato escondido com o rabo de fora...
Aliás, desta vez, o casamento homossexual fez parte dos programas eleitorais dos partidos (pela positiva ou pela negativa), tendo obtido uma clara maioria os partidos que o promovem. Nenhuma ilegitimidade existe para a AR legislar.
Já agora, recomendo o voto de vencida da Cons. Maria João Antunes no acórdão nº 359/2009 do TC. Às vezes aprende-se mais com os vencidos do que com os vencedores.

 

Tony out

Não posso deixar de dizer o que me vai na alma com a derrota da Inglaterra e do seu candidato na corrida para a presidência do Conselho Europeu.
Bastará dizer que foi uma vitória da Europa, da Europa dos valores, contra eurocépticos, oportunistas e malabaristas, vitória da seriedade sobre a baixeza moral e a ausência de escrúpulos na política.
Tony, o pau-mandado de Bush durante oito anos, o mentiroso e falsificador de documentos e de provas, o histrião maior dos palcos internacionais, vai defitivamente para a reforma. É uma vitória da ética na política internacional.
(Choram agora os seus admiradores portugueses, nomeadamente Teresa de Sousa e José Manuel Fernandes, que fizeram o possível para promover a sua candidatura nas páginas do jornal onde trabalham, mas isso passa-lhes com o tempo, é a vida).
Mas a Europa entendeu dever "indemnizar" a Inglaterra pela nega ao Tony, e nomeou uma lady, decerto que distinta, uma vez que baronesa, mas desconhecida e sem créditos firmados, para a política externa. Não sei se é uma autêntica baronesa de sangue azul ou se é uma destas baronesas "ad hoc", como a sra. Thatcher. Em qualquer caso, terá eventualmente que se relacionar com plebeus da cena internacional, como Lula, Chávez, Morales e tantos outros párias que governam por esse mundo fora... Certamente que irá fazer um esforço para suportar esses contactos. Mas por que razão impor-lhe tal sacrifício?

 

Tony Blair

Depois do fabuloso embuste em que, de parceria com Bush, Toni Blair, o “auspicioso” trabalhista da 3.ª via, desencadeou a criminosa aventura do Iraque, levá-lo a presidente da União Europeia seria um insulto, mais do que um prémio imerecido. Ainda bem que isso foi compreendido e as suas pretensões a ser um político com o penacho de um alto cargo europeu foram baldadas. Tony Blair devia refugiar-se no seu canto a penitenciar-se pelos erros passados, porque o facto de se ter convertido ao catolicismo é manifestamente insuficiente para a dimensão de expiação que se lhe exige.

17 novembro 2009

 

Apelo à união da corporação

No artigo de hoje no "Público", Vital Moreira faz um vibrante apelo à união de todos os políticos perante o inimigo potencial de todos: os magistrados.
Textualmente: "Decididamente,o poder político não pode estar permanentemente à mercê destas emboscadas judicial-mediáticas. Em vez de se regozijarem com essas situações e de as explorarem politicamente em seu proveito, os líderes da oposição e os titulares de outros cargos políticos deveriam pensar que poderá também chegar a sua vez de serem vítimas dos abusos de poder de agentes da justiça e da voragem da imprensa pelas acusações, fundadas ou inventadas, contra os ocupantes do poder."
Portanto, ocupantes do poder e ocupantes da oposição, há que reunir as hostes da corporação, todos são interessados nesta batalha: reagir contra as acusações dos agentes da justiça, ainda que fundadas...
Mais claro não se pode ser!!!

 

Previsibilidade da justiça

Uma das ideias fortes do programa do Governo na área da justiça é a da sua "previsibilidade". E adianta-se que "os cidadãos e as empresas devem poder conhecer os prazos previsíveis dos diferentes tribunais, em função do tipo de acção...".
Até aqui muito bem. Parece-me uma ideia boa, quer para os cidadãos, quer para os próprios "operadores" da justiça, que passam a ter uma referência temporal para a tramitação e conclusão da causa.
Mas avança-se ainda com a criação de "novos mecanismos para a uniformização da jurisprudência e novas formas de trabalho cooperativo, de modo a diminuir as discrepâncias no tratamento de situações semelhantes". E aqui as coisas tornam-se mais duvidosas. Agora a previsibilidade já não é só do prazo, é também do teor da decisão...
Esperemos para saber o que será o tal "trabalho cooperativo" (?!) dos tribunais. Mas suscita necessariamente muitas reservas a ânsia de "uniformização" da jurisprudência.
É que a jurisprudência, quer por incidir no tratamento de singulares "casos de vida", quer por ser trabalho de uma multiplicidade de sujeitos sem relação hierárquica (a não ser a que resulta das ordens dos tribunais superiores) é um domínio em que a pluralidade de juízos sempre será inevitável e a uniformização uma meta sempre problemática.
Uma preocupação excessiva pela uniformidade é tributária de uma concepção autoritária da justiça e dos tribunais, que valoriza a jurisprudência que vem "de cima" em detrimento da "ousadia" dos escalões inferiores, favorecendo a autoridade contra a criatividade, estiolando, a prazo, a evolução da jurisprudência e do próprio direito, que se alimenta da casuística que os tribunais tratam no seu dia-a-dia.
A uniformização possível, e desejável, consegue-se com os mecanismos actualmente previstos nas leis processuais, e também, de alguma forma, com o esforço na formação dos magistrados e ainda com o desenvolvimento da própria cultura jurídica, da doutrina, etc.
A tentação de uniformizar à força é que não é nada recomendável...

14 novembro 2009

 

Proposta de lei

Ao que nos é dado aperceber, o primeiro-ministro foi escutado acidentalmente, como pode suceder a qualquer interlocutor que intervenha numa conversação telefónica com um indivíduo que, com autorização fundamentada do juiz de instrução, seja alvo de escuta, com vista à descoberta de um crime em investigação – um crime que tem de ser grave e constar da própria lei que permite a intercepção, designado por isso mesmo de crime de «catálogo». O juiz de instrução não é obrigado a prever ou adivinhar com quem vai falar o intercepcionado. Se isso é «espionagem política», o melhor é passar a qualificar o facto como tal e começar a responsabilizar o Ministério Público e o juiz de instrução quando não prevejam ou adivinhem a qualidade dos interlocutores do sujeito que tenha sido alvo da escuta.

 

Juiz de instrução

O juiz de instrução não é para fazer a investigação de crimes. Essa função é do Ministério Público, coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal. Entre nós, a seguir ao "25 de Abril", já tivemos o modelo do juiz de instrução a intervir na fase preparatória do processo crime, pelo menos quando estava em causa certo tipo de delitos. A experiência foi desastrosa. Deixemos o juiz de instrução com as funções que actualmente tem: juiz garante das liberdades na fase de investigação, a cargo do Ministério Público, e dirigente da instrução quando ao inquérito se siga essa fase, a requerimento do arguido ou do assistente, conforme o Ministério Público tenha acusado ou arquivado o processo. A instrução destina-se, então, a comprovar judicialmente essa decisão do Ministério Público, em ordem a determinar se o processo deve ou não seguir para julgamento. Essas, sim é que são funções de um juiz.
Como o mostram as discussões actuais sobre o tema, o modelo do juiz de instrução à espanhola ou à francesa está em declínio, por muito tentador que pareça ser para alguns membros da magistratura judicial ter um juiz à Baltazar Garzon.

13 novembro 2009

 

Espionagem política

Apelidar de "espionagem política" escutas autorizadas por um juiz de instrução é sinal de um certo descontrolo emocional, que não encaixa na imagem de quem proferiu a "acusação". Mau sinal...

 

Comissão para a Reforma Penal

A nova Comissão para a Reforma Penal é equilibrada e cientificamente credível.
Esperemos que trabalhe depressa e bem.
Cá estaremos para analisar as propostas.

12 novembro 2009

 

Rendimentos, património e reinserção

Pode encontrar-se aqui uma crítica jurídica e literariamente subtil dos impostos sobre o património.

11 novembro 2009

 

O empurrão de Walesa

Anteontem à noite Walesa empurrou sozinho os dominós que simbolizavam o Muro, assumindo assim, solitariamente, a responsabilidade pela queda do dito.
Não era isso que estava previsto, ou melhor, estava previsto que outros o ajudariam nesse gesto simbólico. Mas ele teimou (a teimosia é uma suas características) e conseguiu despachar os outros, nomeadamente o então primeiro-ministro da Hungria.
Achei estranho que Walesa (e o seu Solidariedade) fosse considerado o grande motor da queda do Muro. Mas ele explicou: a principal responsabilidade cabe a João Paulo II (50%), pertencendo 30% ao Solidariedade e só 20% ao "resto do mundo"!
Portanto, Walesa não estava de facto sozinho, a sua mão era movida do espaço celeste por João Paulo II (50%+30%, portanto).
E o povo alemão, de um lado e do outro do Muro, ficou a saber que pouco ou nada fez para o derrubar.

09 novembro 2009

 

As duas justiças

Claro que há duas justiças: uma para os "poderosos" e outra para o comum dos criminosos. Essa constatação creio que foi pela primeiravez enunciada em público, em plena democracia, por um alto responsável da Administração da Justiça: o ex-Procurador-Geral da República Cunha Rodrigues, já lá vão mais de 10 anos. Actualmente, qualquer pessoa fala disso, como se fosse um fenómeno recente, e até já vi jornalistas, em artigos de opinião, assacarem essa realidade ao suposto péssimo trabalho (ou "má prestação", como agora se diz) de juízes e magistrados do Ministério Público. A conjuntura é favorável a esse tipo de afirmações gratuitas. Acontece que, em relação aoa comum dos criminosos, a lei não basta para assegurar uma defesa minimamente aceitável e, em relação aos "poderosos", sobejam-lhes os meios para se defenderem da lei que os incrimina. No primeiro caso, a justiça é mais simples e, muitas vezes, sumária; no segundo, é mais complicada, recheada de incidentes e, muitas vezes, fica pelo caminho.

 

Berlusconi não tem tempo para os tribunais

Com a declaração de inconstitucionalidade da "lei Alfani", parecia que Berlusconi estava perdido e que tinha mesmo que responder nos tribunais.
Mas este malabarista tem imensos recursos. Agora que os processos retomaram a sua tramitação, o Cavaliere pensa noutras soluções para continuar impune. Vai mais uma vez tentar alterar a lei, agora a lei do processo. E, para já, avisou os tribunais de que tem muitas viagens ao estrangeiro marcadas para os próximos tempos, além de compromissos internos que o impedem de se deslocar ao tribunal!
(Quanto tempo mais os italianos aturarão este farsante?)

 

Muros

A queda do Muro de Berlim é um acontecimento inesquecível, mesmo vivido de longe. A sua construção assentou na ideia insensata (quase demente) de que é possível fechar um povo à chave, mesmo que seja para o tratar bem.
Quando o Muro caiu parecia que o futuro vinha aí. Afinal, o que veio é mais parecido com o passado do que com o futuro.
E quanto a muros, também a situação não é famosa. A ideia pegou mesmo. Além dos muros imateriais, em que sobressai a nossa Europa-fortaleza, há mesmo muros mais altos e extensos do que o de Berlim, como é o caso do muro entre Israel e a Cisjordânia e o muro entre os EUA e o México.
Mas estes estão justificados: são contra os bárbaros...

 

O que convém não esquecer

«Quando se investiga gente com poder, já se sabe que se corre o risco de ser atacado.»
(Luís Moreno Ocampo, procurador do Tribunal Penal Internaciona, El País, 7/11).

08 novembro 2009

 

Ainda os vôos secretos

Não sendo, ainda, o «fim de uma história negra», vale a pena sublinhar que um Tribunal de Milão, após um julgamento independente e imparcial, condenou 23 agentes da CIA pelo sequestro de um cidadão que em 2003 foi levado de Itália para a Alemanha e posteriormente para o Egipto no âmbito do chamado caso dos «vôos secretos».
Independentemente da efectividade da decisão para os arguidos, que foram julgados à revelia, trata-se de mais uma afirmação de que em alguns países da Europa ainda há um poder independente para quem só a lei é o limite quando estão em causa violações de direitos humanos.
Tão perto…e tão longe!

06 novembro 2009

 

Acordo ortográfico?

Numa pequena suspensão da caminhada para o fim de semana, esperando que este post não seja entendido como assunção de ignorância sobre desenvolvimentos mais recentes do português escrito, permito-me, sem renúncia a mais aturada investigação, pedir ajuda.
Alguém me pode esclarecer se o último período desta carta é fruto de um novo acordo ortográfico?

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03 novembro 2009

 

As "eleições" no Afeganistão

A farsa das "eleições" no Afeganistão chegou ao fim, um fim muito pior que o começo, que já era mau.
O estado de guerra que o país vive não permitia, à partida, a realização de eleições livres e genuínas. Mas os países do "Ocidente" precisavam de um suplemento de "legitimação" para convencerem as suas próprias populações (não a do Afeganistão, evidentemente, essa é carne para canhão, em termos literais) de que é necessário reforçar os efectivos militares naqueles país.
Mas a emenda foi muito pior que o soneto. As eleições foram uma embrulhada de irregularidades e fraudes, de tal forma que o "Ocidente" se viu obrigado a mandar recontar os votos e a fazer com que o vencedor deixasse de ter a maioria absoluta, para que houvesse uma segunda volta, o que daria uma aparência de maior transparência e legalidade.
Mas o candidato alternativo não foi na farsa e desistiu. Em todo o caso, teria que haver segunda volta. Mas o "Ocidente" fez saber que não estava interessado em dispender esforços e meios na segurança às eleições e assim miraculosamente o candidato mais votado passou automaticamente a vencedor!
Estou seguro que esta impostura não enganará os afegãos. E muito dificilmente o pessoal de cá. Alguém acredita sinceramente nessas "eleições"?
E agora que fazer, Obama? Porque é que disse que esta guerra era para ganhar? É certo que todos os presidentes dos EUA têm que ter uma guerra (que cumpre diversas funções políticas, internas e externas, militares e económicas), mas há um limite: é que os EUA não gostam de perder... e agora estão à beira de...
É um dilema terrível para um presidente dos EUA: retirar sem ganhar... Não será melhor dar rapidamente o dito por não dito, retirar enquanto é tempo, porque ninguém lhes pediu para entrarem?

 

O "serviço de Justiça"

Do programa do Governo relativo à Justiça sobressaem as seguintes afirmações preliminares: "O Governo promoverá novas políticas para melhorar a qualidade do serviço público de Justiça, pugnando por uma Justiça que seja vista pelos cidadãos mais como serviço do que como poder. O Governo orientará a sua acção no sentido de a Justiça ser virada para o cidadão, como consumidor de um serviço."
É mesmo assim: a Justiça vista como um serviço, entre outros, à disposição não propriamente do cidadão, mas sim do consumidor (essa versão pós-moderna do cidadão)!!!
Será então que "ir à Justiça" é o mesmo que ir à mercearia ou ao cinema? É um puro acto de "consumo"? Ao entrar no tribunal, o cidadão, perdão, o consumidor vai na realidade consumir alguma coisa (para além, talvez, de tempo e paciência)?
Sob a aparente capa (meritória) de promoção da cidadania, o programa aponta claramente para a administrativização da função judicial, que é um dos poderes do Estado, um dos seus poderes soberanos, como vem na Constituição, que o programa do Governo não pode alterar.
E a mutação do cidadão em consumidor também não é uma promoção, mas sim uma redução do seu papel e estatuto.
Esta concepção administrativista/funcionalista da Justiça, por muito bem intencionada que seja, perverte os fundamentos do Estado de Direito.
Os pretendidos ganhos em termos de celeridade, transparência, produtividade e previsibilidade, objectivos obviamente desejáveis, não podem ser obtidos à custa do estatuto constitucional dos tribunais enquanto órgãos de soberania, nem das garantias dos juízes, nem da autonomia do MP.
Mas aguardemos a concretização em propostas de lei das ideias gerais agora enunciadas.

02 novembro 2009

 

Face demasiado visível

Cada vez gosto menos destas investidas anti-corrupção aparatosas, com nomes de código próprias de filmes policiais negros, detenções acompanhadas mais ou menos em directo pelos jornalistas, muito alarido todo o dia nos diversos canais de TV, repórteres em permanência à porta dos tribunais à espera da saída dos detidos, atropelando-se uns aos outros para serem os primeiros a dar a notícia das medidas de coacção, a divulgação intensiva da fotografia dos políticos envolvidos (já de alguma forma condenados...).
Sabemos que o Zé Povo está ansioso por encontrar "culpados" para sobre eles descarregar todas as desgraças que o sobrecarregam. E que a luta contra a corrupção é um tema altamente rentável para a comunicação social.
Mas a investigação criminal é incompatível com a exibição, o espectáculo, o palco.
Há que pôr termo a estes procedimentos exibicionistas, que não são correctos (para dizer o mínimo), e que, pelas expectativas que geram junto da opinião pública, expectativas que ninguém pode garantir que sejam cumpridas, acabam por acumular ainda maior frustração na população.

 

A crise da comunicação social

Vou pegar na afirmação final da crónica da passada quinta-feira de Manuel António Pina, intitulada «O tornozelo de Ronaldo» e que proclama esta indignação: «A existência de tantos portugueses, os mais vulneráveis, com fome devia encher-nos de culpa e de vergonha, deveria ser manchete de jornais, notícia de abertura dos telejornais. Não é. É o TGV e o tornozelo de Cristiano Ronaldo (…)» Esta denúncia aponta o dedo à actual situação da comunicação social, um sector que está cada vez mais em crise. O mensário Le Monde Diplomatique (e provavelmente não será o único órgão a fazê-lo) tem vindo a dedicar a esta crise os últimos números.
Toda a gente reconhece que a imprensa, no seu figurino clássico, tem estado em perda contínua. É o número de consumidores que investe cada vez menos na compra de jornais, preferindo outros meios de comunicação, como a Internet, o telemóvel e o audiovisual, atraídos pelas novas tecnologias e pelo preço que as novas empresas de comunicação que concentram todos esses meios oferecem por um “pacote” desses produtos; são as receitas publicitárias que decrescem a olhos vistos, elas próprias preferindo também outros meios, como os já referidos e ainda a “colocação de produtos em filmes de ficção e nas séries televisivas”, como lembra Serge Halimi no número de Outubro do mensário referido.
O declínio da imprensa escrita, por força dessas condicionantes e de uma incapacidade para se renovar, acarreta, por seu turno, uma perda de qualidade constante, senão mesmo a sua total degradação. Com menos dinheiro proveniente das receitas de publicidade e da compra de jornais, estes investem cada vez menos em meios mais dispendiosos: em deslocações, em correspondentes e em delegações em vários pontos do território ou no estrangeiro, em reportagens de grande fôlego, em investigações mais complexas. O jornalismo que dai resulta, como sublinha o mesmo Serge Halimi, submete-se cada vez mais «às receitas cozinhadas pelos serviços de markting: culto do artigo curto, dos temas ditos de “sociedade”, recurso aos títulos bombásticos sobre ninharias, inquéritos de rua, assuntos de proximidade.»
Este panorama é agravado pelo recurso cada vez em maior escala, por parte das empresas, aos “precários” – jornalistas em regra muito jovens que trabalham em condições miseráveis, numa total ausência de direitos e sempre sob a ameaça de despedimento. Jornalistas que se prestam a todo o tipo de trabalho, que sujam as mãos em tarefas menos dignificantes ou até contra a ética jornalística, que suportam todo o tipo de abusos, mas calando-os para não sofrerem retaliações. Leia-se o lancinante artigo de João Pacheco “Vamos brincar aos jornais”, no mesmo número do Le Monde Diplomatique, e ficar-se-á a perceber um pouco mais do mundo obscuro e "marginal" que é hoje o do jornalismo.
Pelo que diz respeito ao audiovisual, o panorama não é melhor, ao menos no que diz respeito à qualidade do jornalismo que se pratica. Com outro aparato espectacular (e aqui a informação é quase sempre espectáculo), o que verdadeiramente conta são os chamados “casos do dia”, as notícias sobre crimes, os “casos chocantes” (mas não do estilo dos que são denunciados por Manuel António Pina), as tricas políticas, os faits divers, os sucessos de contornos telenovelescos. O referido Serge Halimi refere as conclusões a que chegou, a tal propósito, o Instituto Nacional do Audiovisual em França, com os “casos do dia” a subirem exponencialmente e os dramas pessoais a ganharem terreno sobre os dramas colectivos. Mas as coisas não se passam de modo muito diferente entre nós.
Em face deste panorama, em que a informação é uma mercadoria, programada segundo a lógica da máxima rentabilização e da remuneração dos accionistas, congregados em empresas que abarcam todo o vasto sector das comunicações e reflectindo a degradação das relações laborais, que é a marca do capitalismo selvagem dos nossos dias (Veja-se o artigo de Sandra Monteiro «Que jornalismo queremos?» no mesmo número do Le Monde Diplomatique (versão portuguesa), como é que é possível a prática de um jornalismo que dê relevância às questões fundamentais da sociedade, como a fome que grassa entre tantos portugueses, em vez das frioleiras do tipo do «tornozelo de Ronaldo»?

01 novembro 2009

 

"Novo começo" do "Público"?

Hoje deu-se a anunciada mudança de director do "Público". E no editorial fala-se de um "novo começo". Talvez seja exagero, porque se mantêm dois dos três anteriores directores-adjuntos. Mas é evidente a intenção por parte da actual direcção de se demarcar da anterior. Há aliás o reconhecimento de que o jornal perdeu "credibilidade" com os "incidentes que rodearam a última campanha eleitoral" (ou seja, com a notícia sobre os "espiões" e as "escutas"), e também de "um excesso de peso ideológico no jornal". De facto, "Público", sob a direcção do cessante director, não se cansava de doutrinar diariamente os seus leitores sobre as vantagens e a inevitabilidade do liberalismo económico e as ilusões da regulação do Estado na economia, as ilusões dos direitos fundamentais sociais e económicos, etc. Foram também os anos de intenso alinhamento com Bush e a direita israelita.
Esperemos, então, menor "peso ideológico" e mais isenção, como agora se promete.

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