31 outubro 2007
O Arquiduque na Câmara dos Pares
(Mas por vezes é célere a passagem do estado de graça à desgraça.)
30 outubro 2007
O 31 em torno do 30 nº 3
O Pedro Soares Albergaria já se pronunciou sobre o novo nº 3 do art. 30.º, do Código Penal e a «ignorância» sobre entendimento jurídico maioritário anterior que envenenaria as críticas da ex-provedora Catalina Pestana.
Não quero retomar a questão jurídico-penal, já que concordo com a ideia de que se pode dar por adquirido que no plano jurídico a norma não introduz uma qualquer rotura jurídica, embora, em face das intervenções públicas de vários juristas me pareça perfeitamente justificado o juízo dos não juristas de que se operou uma alteração efectiva.
Parece-me mais importante o escrutínio social sobre um processo de produção legislativa, que se revelou até à data dificultado pelos actores respectivos que (com excepção de Rui Pereira que propôs até a eliminação do crime continuado) não assumiram de forma clara as respectivas intencionalidades no processo legislativo, o que não ilide o significado dos alinhamentos na votação da especialidade.
De qualquer modo tudo leva a crer que o special one aproveitou para voltar à carga demonstrando que não sendo um artista dos 7 instrumentos se revela afinal um deputado dos 6 acordeons, só se esquecendo de explicar o empenho em forçar a consagração, contra o voto dos outros partidos, da mera reprodução do unanimismo jurisprudencial, parecendo absolutamente desinteressado sobre o respectivo efeito jurídico – será apenas mais um contributo do agora membro do CSMP, na linha já esperada, para promover o o prestígio da AR? Como o Pedro Soares Albergaria chamou, bem, à colação a ideia de «mera tentativa», talvez valha a pena recordar que para efeitos políticos o «desvalor de acção» é relevante!
A estória, contudo, não acabou e haverá juristas não convencidos que apresentam como grande solução a eliminação do nº 3 do art. 30.º do Código Penal (a respeito desta suposta panaceia nem me atrevo a adiantar dúvidas derivadas dos princípios da aplicação da lei no tempo). Estranhamente no meio de tanta opinião não se vê ninguém:
a) argumentar contra a tese perversa de uma aplicação da lei desresponsabilizante dos operadores judiciários por via de um alegado automatismo na aplicação da figura do crime continuado a uma pluralidade de abusos sexuais contra uma única vítima (que nem antes, nem depois das mudanças legislativas se apresenta legítima) – uma coisa é a discussão sobre os sinais políticos outra é a sua valia prescritiva;
b) estranhar que soluções político criminais sejam apenas sustentadas no ensino e mundividência de um professor de direito penal ou mesmo de vários professores, no fundo despolitizando estritas opções políticas.
Será porque as catilinárias estão definitivamente fora de moda que não se aproveita para uma discussão sobre a figura do crime continuado, cuja eliminação proposta por Rui Pereira foi recusada pelos representantes corporativos com assento na UMRP?
Etiquetas: leis; AR
Os juizes não são funcionários públicos
Subitamente, no início do Outono, a Assembleia da República aprovou a proposta de Lei sobre a reforma dos regimes de vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, expressamente determinando a sua aplicabilidade aos juízes.
Num passo rápido, célere e sobretudo demonstrativo do força do poder político eliminam-se anos de história, documentos internacionais que vinculam Estado Português e sobretudo faz-se tábua rasa da própria Constituição.
«Os Tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo» – artigo 205º da Constituição, para quem sabe e não sabe.
Nos Tribunais só aos juízes compete administrar a justiça (reserva de juiz), «não podendo ser atribuídas funções jurisdicionais a outros órgãos, designadamente à Administração Pública» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República, 3ª edição, anotada).
Os juízes não são funcionários públicos,
Os juízes não podem ser funcionários públicos.
Os juízes não serão funcionários públicos.
Por vezes as coisas claras são as mais difíceis de ver.
Senhor Presidente da República: a norma aprovada pela Assembleia da República é brutalmente inconstitucional.
Mostrem as provas!
Porém, isso pouco importa aos EUA. A Casa Branca tem a certeza de que tal programa existe e tanto basta para aplicar sanções, ameaçar intervir militarmente, e eventualmente levar a ameaça à prática.
A campanha está a ser conduzida de forma tão hábil que já meio mundo está convencido de que de facto o Irão tem ou está a procurar ter armas nucleares. A UE alinha com os EUA na estratégia de afrontamento a Irão. Provas? Para quê?
O processo é rigorosamene idêntico ao do Iraque. Também então o responsável pelas inspecções, Hans Blix, disse que não tinha provas da existência das armas de destruição maciça. Mas os EUA rejeitaram os seus relatórios e fizeram-o sair à pressa do Iraque, para não ser apanhado pelas bombas. Os EUA tinham "provas" da existência das armas e mostraram-nas aos "amigos", ao nosso Barroso, por exemplo, que confirmou que as viu (!!!) Afinal, não havia armas, quanto mais provas! E o referido Barroso ainda não explicou o que viu!
Mas, nessa ocasião, países importantes como a Alemanha e a França denunciaram a manobra.
Agora, o caso está pior. Toda a gente tem a certeza, sem se saber por quê, de que o Irão está à beira de fabricar armas nucleares!
Garante-o a Casa Branca? Mas que garantias pode dar uma clique que nos habituou à mentira mais descarada como forma normal de governação? Que provas há, desta vez? Serão melhores do que da outra? Mostrem-nas, carago (carago, não, carago!)!
Alarmismo inútil
O imparável sucesso do casal Blair
O casal vai de vento em popa. A mulher, conhecida militante dos direitos humanos, também não se perde. Cada conferência de promoção e defesa dos ditos direitos é paga a peso de oiro. Este simpáico casal sabe-a toda.
Já têm debaixo de olho um solar acastelado do sec. XVII. E, se houver justiça, à semelhança da sra. Thatcher, o Tony vai acabar em barão.
29 outubro 2007
498 beatos
Nenhum reparo haveria, porém, a fazer, por parte de quem não comunga dos valores católicos, senão respeitar as opções da Igreja, não fora o seguinte: é que esses beatos pertenciam todos ao sector "nacionalista" da Guerra Civil de Espanha, não tendo sido contemplada com a mesma distinção nenhuma das vítimas (ou dos mártires, como queiram) dos franquistas.
Pode a Igreja admirar-se se se fizer uma leitura política desta opção?
Uma procuradora muito especial
Não esconde isso. Toda a sua actividade ao longo dos anos tem sido dirigida exclusivamente para a culpabilização dos sérvios e para a legitimação da acção da NATO.
E vai mais longe. Faz chantagem com o governo sérvio actual (que não pode ser acusado de não ser democrático): ameaça-o de que não dá "luz verde" para as negociações do processo de adesão ou associação da Sérvia à UE enquanto não lhe forem entregues os seus inimigos de estimação, Mladic e Karadzic.
Assume assim plenamente a sua condição de fiel instrumento político da NATO e clarifica a função política que o TPI foi chamado a desempenhar: criminalizar os inimigos da NATO e legitimar a agressão à Sérvia.
O que seria aliás de esperar de um "tribunal" composto por juízes dos países agressores e vencedores, se não precisamente a justiça dos vencedores, a justiça da força?
27 outubro 2007
Reflexões sobre a escutaria
Pelos vistos, há um excesso de escutas no nosso reino. E sabem porquê? Porque no nosso reino fala-se de mais. É só blá-blá-blá. Se as pessoas não dessem tanto à língua como dão, não havia para aí tanta escutaria. Quem tem a mania de escutar perderia o hábito de andar atrás das portas ou com o ouvido sempre enfiado em aparelhos sofisticados para captar conversas à distância, nomeadamente as feitas por telecomunicação. Ai estes nossos tempos tecnológicos!
Sim, se as pessoas trabalhassem mais e não falassem tanto e sobretudo se manifestassem menos, estas coisas não aconteceriam, ou seriam drasticamente reduzidas ao mínimo, quer dizer, ao essencial. Por isso, aprovo medidas do estilo das que toma a nova classe dos empreendedores, que querem a todo o custo evitar que os trabalhadores se juntem e, por isso proíbem esses contactos durante o serviço, porque já se sabe que onde há reunião, há falatório. Além disso querem que trabalhem mais, fazendo o trabalho de dois ou três trabalhadores, porque assim, trabalhando mais, falam menos, e evita-se essa escutaria que vai para aí.
Por conseguinte, calem-se as pessoas com trabalho, que essa será uma boa maneira de erradicar esta pecha de nos escutarmos uns aos outros, ou melhor: de uns escutarem outros. Acabe-se com esses ociosos das escutas Ah! E acabe-se com essa pouca vergonha de certos comerciantes sem escrúpulos fazerem uma publicidade descarada a esses novos aparelhos que permitem falar à distância. Chegam a incitar os cidadãos e sobretudo jovens em formação, a falarem com total desatino por meio desses aparelhómetros. Claro! Depois não querem que haja escutas. Ora, uma coisa incentiva a outra.
O Senhor Procurador-Geral da Coroa disse numa entrevista a uma gazeta que havia escutas a mais no nosso país e que até suspeitava de andar a ser escutado. Logo alguns dos nossos mais brilhantes analistas se puseram a dizer que aquilo que o Senhor Procurador-Geral queria dizer na sua mensagem era isto: denunciar vigorosamente o sistema, dando um valente murro na mesa, porque o sistema está de tal modo torto, que só uma entidade de tal craveira que desse um sopapo daqueles na mesa conseguiria chamar a atenção de todo o reino: “Acabem-se com marqueses e duques e com essa escutaria que para aí vai. Acabe-se com o feudalismo!” Só assim se conseguiria pôr ordem no reino. Finalmente! Ah brilhantes comentadores! Eles anunciam o novo mundo.
Toda a gente espera agora que na próxima terça-feira haja um grande reboliço no Parlamento, quando lá for o Senhor Procurador-Geral, mai-lo Senhor Ministro. Uma subversão que acabe com o feudalismo e a velha escutaria no nosso reino.
(Jonathan Swift 1665 – 1745)
25 outubro 2007
A fase erótica do capitalismo
Entrámos, com as constantes OPA, OPV, associações e fusões, na fase erótica.
O filme do Benfica
Julgava eu que na Europa isto não acontecia, agora que, segundo penso, já acontece menos nos EUA.
Não percebo como é que o João Botelho caiu na esparrela de um contrato assim...
Bem, o filme está aí, cheio de futebol, sexo e crime.
Vai ser um sucesso de bilheteira. Para os benfiquistas, é obrigatório.
22 outubro 2007
A confusão das escutas
É a confusão. O Senhor Procurador-geral da República diz aqui que há escutas sem lei. O Prof. Marcelo, implacável avaliador de todos nós, diz, no seu sermão dominical, que há lei que consente escutas (pelos serviços de informação) onde ela manifestamente não existe ou, se existe, é tão secreta como as próprias escutas e os serviços que escutam. Enquanto não se entendem, continuo modestamente a pensar, como disse aqui há mais de um ano, que talvez seja altura de estudar serenamente o fenómeno de modo a melhor poder controlá-lo, tal como outros países já fizeram, sem demagogia e sem barulhos de fundo (esquisitos ou não), de processos mediáticos ou outros.
Bom pai
Pais assim, onde há?
Barulhos esquisitos
Se tem suspeitas de ilegalidades, deve mandar averiguar, não queixar-se a um jornal.
Assim fica tudo no ar, uma "boca" mais lançada para uma opinião pública já cansada de tantas e tantas afirmações enigmáticas e contraditórias sobre a justiça portuguesa.
20 outubro 2007
Porreiro, pá!
Cá dentro as coisas não correm tão bem, lá isso é verdade. Imagina que no mesmo dia do nosso sucesso apareceram aqui (não sei se deste por isso) 200 mil energúmenos a vociferar contra a minha superior governação. São uns ingratos! Depois de tudo o que tenho feito por todos! É claro que 200 mil em 10 milhões não é muito e os outros 9 800 000 estão certamente comigo.
Lembro-me das aflições em que te viste aqui há uns atrás e já começo a compreender a tua pressa de mandar bugiar o pagode.
Olha, vai lá vendo que lugares há por aí nessas Europas. Se vires algum que me possa agradar, segura-o. Aliás, ainda te falta muito tempo para o fim do mandato?
19 outubro 2007
Breve conversa Brown/Sócrates
O que pretende Brown, insisto? Orientar a investigação num dado sentido? Saberá ele que a investigação criminal em Portugal não depende do Governo? Terá Sócrates, em tão breve conversa, tido tempo para lhe explicar isso?
Já agora: admitiria Brown conversas do PM português sobre investigações criminais em Inglaterra?
Seringas: para que servem?
E precisamente porque existe droga e consumo de estupefacientes é essencial tornar o mais possível seguro e isento de riscos esse consumo. A seringa e o preservativo (pois também há sexo homossexual, quer se queira quer não!) são instrumentos essenciais de uma política de saúde nos estabelecimentos prisionais.
Era isto que se impunha explicar aos ferozes "inimigos da droga".
Contudo, parece que a discussão do passado dia 17 em sede de comissão parlamentar não foi muito esclarecedor. A grande dúvida, que o Ministro da Justiça não terá esclarecido frontalmente, é se os guardas prisionais continuarão a apreender a droga que encontram. Aos jornalistas, à saída, o governante terá dito que sim.
Bom, eu gostaria de dizer o seguinte sobre esta matéria: é inquestionável que a redução de danos não torna lícito o consumo e muito menos impõe a disponibilização pelo Estado de estupefaciente para o consumo. Contudo, a redução de danos impõe uma atitude (pragmática) de tolerância perante o ilícito, sob pena de frustração do objectivo pretendido com essa estratégia.
Por outras palavras: ao entregar a seringa a um recluso, o guarda prisional não lhe vai evidentemente proporcionar uma dose de estupefaciente; mas também não deve procurar impedir a todo o custo o acto de consumo a que a entrega da seringa obviamente se destina.
Porque, se o fizer, o que acontecerá é que o recluso, da vez seguinte, já não pedirá uma seringa nova, antes irá utilizar uma seringa já usada (com os inerentes riscos), evitando assim denunciar o acto de consumo.
Por isso, se se quiser levar a sério a redução de danos dentro das prisões, a vigilância dos guardas deverá ser canalizada contra o comércio ilícito de estupefacientes, não contra o consumo inserido nos parâmetros da redução de danos.
Aguardemos a experiência (porque se trata ainda apenas de um programa experimental em dois estabelecimebtos prisionais). Em qualquer caso, parece que o tabu ideológico está derrubado.
A festa da democracia
Também os profetas do fim do sindicalismo, a plêiade ilustre de intelectuais orgânico-governamentais que tem procurado construir um suporte ideológico para as políticas oficiais, têm matéria para reflectir. 200 mil pessoas é obra! Em qualquer país do mundo...
18 outubro 2007
Flexi-segurança (2)
Não sei se é mera coincidência, mas enquanto assim for esta receita parece-me duvidosa.
Flexi-segurança (1)
Isto é que é flexi-segurança!
17 outubro 2007
As minhas desculpas
Ficam, pois as minhas desculpas.
A ilusão queirosiana
Se tudo se resumisse a uma pura ilusão que se desvanecesse em ferrugem! O pior é que a ilusão continuou por todo o século XX, até se transformar num pesadelo de consequências práticas talvez irreversíveis. E os homens dotados de uma certeza mais pura do que é a Vida e a Felicidade também não despontaram da ilusória beatitude queirosiana.
16 outubro 2007
A insustentável leveza da Senhora ex-provedora
Não lhe teria ficado mal, porém, consultar um ou outro jurista (ou mesmo um protojurista que frequentasse, digamos, o 1.º ano da faculdade de Direito) antes de se dedicar a tão arriscada aventura como a de entrar, sem rede, pela discursividade jurídico-penal. Se o tivesse feito, teria logo concluído que desde há muito tempo algumas da mais importantes figuras da ciência penal nacional pugnavam pela solução que ficou agora consagrada. A título de exemplo, logo em 1975, ainda antes da entrada em vigor do actual Código Penal, assim se pronunciou o Prof. Figueiredo Dias; e em 1983, em escrito versando as soluções do actual CP (1982), enfileirou pela mesma tese o Prof. Faria Costa. Trata-se de personalidades que influenciaram e influenciam de modo muito relevante a jurisprudência pátria e em razão disso aquela tese é a que domina claramente (talvez até mesmo de modo indisputado) nos tribunais portugueses (talvez por isso, admito, fosse dispensável a alteração). Duvido, no entanto, que a ex-provedora se importe com estas minudências da dogmática penal. Importante mesmo, é aparecer na TV e agitar as águas, ainda que à custa da imagem da instituição que postiçamente defende e de uma Justiça que apesar de exasperadamente lenta, é certo, não parece preocupar os portugueses pela falta de seriedade.
Seja como for, ainda que por mero exercício de raciocínio a alteração legal tenha sido adoptada de modo conventicular e que com ela mais não pretendesse, o poder político e qualquer sorte de pedreiros-livres, “salvar a pele” dos seus apaniguados de consequências mais gravosas, ficar-se-ia, nesse caso, para usar mais uma vez a linguagem penal, em estádio de mera tentativa: verificados os pressupostos do crime continuado, com ou sem a alteração legal, a solução prática seria sempre a mesma.
14 outubro 2007
Sabia que...
E, no entanto,
não obstante a SIDA e a Tuberculose serem doenças de declaração obrigatória, nem sequer haverá a rotina (e tão pouco é obrigatório) de fazer o teste de rastreio do VIH/Sida de quem recorre a certos serviços de saúde (v.g. cirurgia), apesar do perigo existente de os profissionais que lá trabalham, sem o saberem, poderem (além de ser contaminados) vir a transmitir o vírus a outros utentes…
Sobre a margem de risco de transmissão do vírus “após exposição percutânea do profissional de saúde”, ver também o Relatório nº 49 do CNECV, de Julho de 2006, elaborado por Rui Nunes e Oliveira Ascensão, sobre “a execução do teste de detecção do VIH após exposição ocupacional”.
Apocalipse
«Quando acabará de uma vez por todas esta sociedade degenerada de tantos excessos, excessos da mente, do corpo e da alma?
Então, surgirá a alegria na terra, quando esse vampiro mentiroso e hipócrita, que se chama civilização, se extinguir; o homem abandonará o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio que se desmorona, a cidade que cai, para se ir juntar à égua e à loba.
Depois de passar a vida nos palácios e a gastar os pés nas calçadas das grandes cidades, o homem irá morrer nos bosques.
A terra estará seca por causa dos incêndios que a queimaram, e cheia do pó dos combates; o sopro da desolação atravessá-la-á, assim como aos homens, e ela não dará mais do que frutos amargos e rosas de espinhos, como as plantas açoitadas pelos ventos que morrem antes de florirem.
Se tudo tem que terminar, a terra há-de gastar-se à força de ser maltratada, pois o universo há-de estar já farto deste grão de pó que faz tanto ruído e altera a majestade do nada. O ouro acabará por se esgotar à força de passar por muitas mãos e corromper; estes eflúvios de sangue hão-de desaparecer, o palácio há-de vir abaixo sob o peso das riquezas que contém, a orgia há-de ter um fim e nós despertaremos.
Então soará uma imensa gargalhada de desespero, quando os homens depararem com o vazio, quando se tiver que abandonar a vida pela morte, pela morte que come, que sempre tem fome. E todo o mundo rugirá para logo se precipitar no vazio, o homem virtuoso maldirá da sua virtude e o vício romperá em aplausos.
Alguns homens errando pela terra árida chamarão uns pelos outros; irão uns de encontro aos outros, e retrocederão espantados, assustados de si mesmos, e morrerão. Que será do homem, então, sendo como é mais feroz do que as outras feras, mais vil que os répteis? Adeus para sempre, carros resplandecentes, marchas militares e pessoas de renome; adeus ao mundo, a estes palácios, a estes mausoléus, aos prazeres do crime e aos gozos da corrupção! A pedra cairá abruptamente, esmagada pelo seu próprio peso, e a erva crescerá por cima. Os palácios, os templos, as pirâmides, as colunas, o mausoléu do rei, o ataúde do pobre, a carcaça do cão, tudo isso ficará ao mesmo nível, sob a terra.
Então o mar sem diques espraiar-se-á pelas margens em repouso e as suas águas banharão a cinza ainda fumegante das cidades; as árvores crescerão e reverdecerão, sem uma mão que as tolha e as abata; os rios correrão pelas pradarias salpicadas de flores, a natureza será livre, sem o homem para sufocá-la, e essa raça ficará para sempre extinta, pois estava inquinada desde a raiz.»
Gustave Flaubert, Mémoires d’un fou
10 outubro 2007
Caçadores de palavras alheias?
Ora, é este tipo de comportamento jornalístico que vai fazendo campanha e com o qual penso que não podemos conformar-nos. Então, sempre que falamos com um jornalista, temos que nos precaver para um possível desvio das nossas palavras para fins que ao jornalista convêm? Teremos de ver no jornalista que nos aborda numa esquina e desata a falar connosco, ou nos telefona sobre um qualquer assunto um presumível roubador daquilo que estamos a dizer? O interlocutor do jornalista não pode ser um simples interlocutor? Tem que ser necessariamente um objecto que pode render ao jornalista uns linguados no jornal ou uns palavreados na rádio ou na televisão? Se é assim, é caso para termos medo destes profissionais e fugirmos deles a sete pés.
Creio que a protecção conferida pela Constituição a certos direitos fundamentais do indivíduo, entre os quais o direito à palavra, contrariam frontalmente esse tipo de procedimento. No mesmo sentido, vão certas incriminações do Código Penal, como, por exemplo, a do art. 199.º, que pune a gravação, sem consentimento, de palavras não destinadas ao público e a utilização de gravações nessas condições. Também o Código Deontológico vai contra esse tipo de procedimento.
Porém, a jornalista em causa diz que não lhe foi pedida reserva. Ora, não será isto uma inversão das situações? Não deverá ser o jornalista a pedir autorização para dar publicidade a palavras que lhe sejam dirigidas, a menos que essa autorização esteja pressuposta inequivocamente numa dada situação, como, por exemplo, quando o jornalista da rádio ou TV se acerca de uma pessoa com o microfone na mão e o interlocutor desata a responder às suas perguntas?
09 outubro 2007
Acções de rotina
Quem ordenou esta “acção de rotina” policial, que, a pegar, faz temer por um regresso a práticas odiosas que estão no nosso subconsciente colectivo?
Ainda bem que o ministro da Administração Interna ordenou já ao Inspector-Geral da Administração Interna a instauração de um processo de averiguações. Tendo em conta essa reacção pronta e o carácter independente da autoridade que vai instruir o processo, esse é um sinal seguro de que o Governo se demarca deste tipo de acções, como, aliás, não podia deixar de ser.
ADN...
08 outubro 2007
Complexidade e democracia
Um rico argumento, já agora será que o povão percebe a complexidade da política económica, e ainda há quem queira submetê-la a eleições...
Etiquetas: democracia
Costas e colunas
07 outubro 2007
Ministério Público e Tribunais (2) – A dita gestão e o seu órgão
Este postador decerto desconhecia a existência do CSMP, contudo apesar desse pecadilho vai permitir-se agora indagar em que se concretiza essa actividade gestionária dos magistrados do MP, que, ao que parece, centra-se em duas tarefas: apreciação dos relatórios classificatórios dos inspectores e realização do movimento de magistrados.
A primeira das aludidas tarefas só pode ser compreendida se se tiver em atenção que o CSMP não é um órgão técnico, a nomeação (interna e externa) dos seus membros é de cariz estritamente político e não compreende um escrutínio de competências, tem um funcionamento colegial de acordo com a regra da maioria e profere decisões finais (diga-se que em quantidades avassaladoras em curtos períodos de tempo de deliberação) sobre relatórios de inspectores singulares, cuja forma de selecção também não obedece a qualquer escrutínio conhecido (o respectivo exercício também não está vinculado a factores mensuráveis ou rígidos). As notações servem assim para identificar e destacar disfunções ao nível das competências mínimas e prestar o reconhecimento pelo decurso do tempo no exercício das funções e não para discriminar magistrados em função das competências e habilitações técnico-profissionais (daí que inexista qualquer conexão, relevante no funcionamento burocrático, entre as classificações e competências aferidas relativamente a funções ou áreas profissionais mas apenas a categorias da cadeia).
Já sobre o movimento, em regra anual, de transferências e promoções de magistrados é um acto estritamente mecânico, sujeito a um conjunto de variáveis rígidas (a antiguidade e a classificação que, além de um dado inócuo em termos substanciais, ao fim de algum tempo é quase invariavelmente a mesma, dita de «mérito»), que poderia ser feito através de um simples programa informático (sendo necessário apenas um técnico informático devidamente habilitado sobre as poucas variáveis) que, atento o escalonamento dos concorrentes, os distribuísse em função das suas ordens de preferências. O colégio dos membros do conselho servirá, nesta magna tarefa, apenas para detectar eventuais “erros” (independentemente do que sejam estes) – este funcionamento é bem exemplificado aqui ou como se refere aqui, «quem quiser estar atento compreende e até entende!».
Isto é gestão? Eu arriscaria pensar que não.
06 outubro 2007
O 15-9 ou o terramoto judiciário
É claro que a entrada em vigor de um novo código (e desta vez foram dois, com alterações tão extensas e profundas que equivalem a novos códigos) exige sempre um esforço acrescido por parte dos aplicadores da lei, mas exigir um esforço assim, à sobreposse, para além de desumano, é incorrer acintosamente no risco de se adoptarem soluções precipitadas, multiplicando problemas que se poderiam evitar, se tudo tivesse corrido de uma forma mais preocupada com as pessoas e o amadurecimento das situações. Afinal, já se fala em alterar novamente as alterações que entraram em vigor num sábado! Isto não é só fazer apelo ao brio profissional dos magistrados e funcionários, depois de se ter feito impender sobre eles o ónus de todas as incongruências do sistema judiciário.