29 junho 2006

 

Mais um capítulo da guerra ao terrorismo: A declaração da invalidade das comissões militares

O acórdão Hamdam v. Rumsfeld do Supremo Tribunal dos EUA hoje anunciado cujo efeito imediato não é de monta e o mediato não é inteiramente claro (nomeadamente a susceptibilidade da aplicação das Convenções de Genebra, para além do art. 3, poder ser judicialmente imposta, vejam-se as motivações dos juízes Stevens e Kennedy, bem como a circunstância de se invocar essencialmente o poder legislativo do Congresso e não violações da Constituição material), tem um inequívoco valor simbólico, em especial se for lido em conjunto com o acórdão Rasul v. Bush & Al Odah v. United States (sumário deste pode ser visto aqui).

PS- Não se entusiasmem, são só 177 páginas em que, para além das declarações dos vencidos, é necessário confrontar as justificações dos juízes Stevens e Kennedy que integraram a maioria tangencial com variantes, sobretudo, importantes para definir o sentido de jurisprudência futura.

 

Oito anos depois (ou oito anos perdidos)

Transcrevo, sem mais, o texto que enviei para uma sessão realizada pela UMAR no Porto no dia em que se perfizeram oito anos sobre o referendo (frustrado e frustrante) de 1998 sobre a despenalização da IVG.

Oito anos perdidos
Há oito anos o povo português foi chamado a pronunciar-se em referendo sobre a despenalização do aborto por opção da mulher nas primeiras 12 semanas de gravidez. Como se sabe, a maioria votou contra a proposta, mas o referendo não foi vinculativo, por terem comparecido menos de metade dos eleitores. A Assembleia da República podia ter continuado o processo legislativo e aprovado na especialidade a lei, para o que dispunha de maioria parlamentar. A desistência de levar por diante o processo legislativo constituiu um acto de inadmissível cedência às forças retrógradas que continuam a opor-se a qualquer evolução legislativa nesta matéria, como cedência tinha já sido a convocação do referendo, combinada à pressa entre os dirigentes máximos do PS e do PSD já depois de aprovada a despenalização na generalidade. Esse referendo não foi pedido por nenhuma força política ou da sociedade civil, nem por nenhum movimento de cidadãos. Por isso, não espanta que o eleitorado dele se tenha alheado, numa demonstração, aliás, de que delegava na Assembleia da República a resolução do problema. Não houve nenhuma vitória do “não”. Porque nos referendos só há vitórias quando são vinculativos. A falta de carácter vinculativo de um referendo traduz-se na devolução do poder legislativo à Assembleia da República. A Assembleia tinha, assim, toda a legitimidade jurídica e política para legislar.
Nestes oito anos decorridos desde o referendo de 1998, pouco ou nada se modificaram as condições em que as mulheres abortam ou as razões que as levam a abortar. A morte da Lisete do Aldoar mostra-nos que não é uma figura de retórica falar dos perigos que enfrentam as mulheres mais pobres quando recorrem ao aborto. Os diversos julgamentos realizados confirmam-nos que é real o perigo de as mulheres que abortam sofrerem a humilhação da exposição pública em tribunal e mesmo de serem condenadas.
Oito anos depois, a questão da despenalização do aborto continua enredada num novelo de hesitações, cedências e contradições por parte de muitos dos que se dizem seus defensores e que têm altas responsabilidades passadas e presentes na manutenção deste impasse. A insistência na realização de novo referendo, já depois de inviabilizada a sua realização em 2005, alegadamente em cumprimento de “promessas eleitorais” (preocupação aqui especialmente levada a sério!), revela o receio de enfrentar o problema e os opositores da despenalização, já que existem condições jurídicas e políticas para resolver o problema por via parlamentar.
A realização de novo referendo é incerta se e quando, pois depende sobretudo do Presidente da República, que é quem o convoca (ou não!). Se for efectivamente convocado, todos os partidários da despenalização têm de unir-se em torno dessa causa e formar um grande movimento cívico que dê corpo à vontade maioritária do povo português de consagrar o direito de opção da mulher em matéria de maternidade e que leve o eleitorado a exprimir veementemente essa vontade no referendo.

 

Os juízes e as férias

Será muito difícil que os juízes marquem julgamentos no período das duas últimas semanas de Julho e até, pelo menos, na primeira semana de Setembro. Não por uma questão de rebeldia, mas por razões práticas que estão à vista.
Em primeiro lugar, ficando equiparados, nesse aspecto, ao regime da função pública, eles têm direito a, pelo menos, 30 dias úteis de férias (os mais velhos terão mais). Ora, os dias úteis que tem o mês de Agosto, somados aos dias úteis do período do Natal e da Páscoa, descontados e devidamente compensados os dias que têm de fazer de turno nas férias, não chegam para perfazer o tempo de férias a que têm direito. Por conseguinte, terão que recorrer ao período que vai de 15 a 31 de Julho, que a lei, afinal, acabou por reconhecer que pode ser utilizado para o efeito.
Em segundo lugar, é preciso ver que os juízes têm de fazer as decisões dos últimos julgamentos que realizaram, ao mesmo tempo que têm de assegurar o andamento normal dos processos pendentes e dos que continuaram a entrar até ao dia 15 de Julho. Grande parte destes terá de ficar, no que implica de estudo aprofundado e preparação para julgamento, para depois das férias. Assim, para salvaguardarem a integralidade das férias, porque não vão fazer as decisões dos últimos julgamentos, nem fazer o referido estudo dos processos entrados em pleno período de gozo daquelas, a tendência será mesmo para não fazer marcações de julgamentos (ressalvados os processos urgentes) algum tempo antes daquele dia 15 de Julho.
Quanto ao tempo após-férias, será de notar, como referido, os processos que entraram mesmo em cima do dia 15 de Julho, e ainda os processos que foram distribuídos entre o dia 15 e o dia 31 de Julho, que não irão ser movimentados por quem eventualmente não estiver de férias a não ser nos seus aspectos correntes e reclamativos de providências imediatas. A isto acresce o número de processos que, por não serem urgentes, não foram distribuídos em Agosto (férias judiciais de Verão) e que irão ser distribuídos em torrente após as férias, como águas que se soltam das albufeiras represadas, uma vez abertas as comportas, juntando-se àqueles processos que são distribuídos normalmente logo nas primeira semana de Setembro.
Quem tem experiência disto sabe que essa perturbação a seguir às férias demora tempo até se normalizar. No Supremo Tribunal de Justiça, que apesar do imenso trabalho não tem a freima da 1.ª instância, era preciso, nos anos até aqui decorridos, o período até ao Natal para, com redobrado esforço, se equilibrar o barco.
E já não falo das leis que são publicadas durante as férias e dos acórdãos do Tribunal Constitucional que continuam a ser publicados também no Diário da República e cuja leitura terá de ser deixada para depois das férias, a menos que haja alguém que a ache indispensável e de sabor insubstituível mesmo nesse período.
Ora, os senhores críticos e vigilantes da forma como os juízes cumprem ou não os novos planos de produtividade terão tudo isto em mente?

27 junho 2006

 

A luz ao fundo do túnel?

É com todo o gosto que publico no Sine Die um texto de Ana Rita Pecorelli.
É verdade que sob a égide do combate ao terrorismo se tem vindo a assistir ao proliferar de posições proteccionistas e de segurança. Evocam-se os atentados do 11 de Setembro, de Madrid e de Londres, do Médio-Oriente e outros e com estes se fundamentam medidas que se apelidam de indispensáveis e excepcionais, algumas encabeçadas pelos EUA, como bem exemplifica Patrícia Naré Agostinho, no seu post "Qual Big Brother, qual carapuça."
Neste ambiente de desconfiança permanente, tudo vem sendo permitido (e consentido)... e se até aqui se pretendiam controlar movimentos suspeitos, a porta está aberta para a supervisão da palavra, da imagem e porque não... da própria identidade. Passar despercebido e incólume poderá em breve traduzir-se em mera utopia...
Contudo, é bom saber que nem para todos a receita de sucesso do combate ao terrorismo passa apenas pela proclamada segurança proteccionista. O jornal Primeiro de Janeiro divulga uma sondagem realizada em Espanha, dando conta que cerca de 60% dos espanhóis apoiam o diálogo que o governo espanhol deverá iniciar em Julho com a organização separatista basca ETA. Numa altura considerada por vários observadores como "decisiva" para o futuro do País Basco, a sondagem indica que apenas 32% dos espanhóis não apoia o avanço do diálogo com a ETA, que em Março declarou um cessar-fogo. A sondagem volta a confirmar o crescente distanciamento entre a posição do partido de oposição sobre a ETA e a posição do eleitorado, com mais de 56% dos inquiridos a criticar o facto do partido continuar a rejeitar qualquer diálogo com a organização.
Não tivesse aquela maioria de espanhóis coabitado com sucessivos atentados terroristas e não tivesse já assistido a tentativas goradas de combate a tal fenómeno, certamente o resultado de tal sondagem não assumiria qualquer significado e cairia no esquecimento, como tantos outros. Não sendo todos diplomatas, especialistas ou técnicos de terrorismo, a maioria dos espanhóis defende o recurso à arma mais relutante e também mais barata e menos intrusiva da liberdade de cada um: o diálogo.
Que do mesmo se faça luz!
Ana Rita Pecorelli

26 junho 2006

 

Dois acórdãos recentes do Supremo Tribunal dos EUA – a propósito de processo penal e política

No recente acórdão Hudson v. Michigan (15-6-2006), confirmou-se a conhecida e tangencial divisão política do Supremo Tribunal dos EUA, que legitima uma leitura externa no sentido de que os juízes decidem os casos de acordo com as suas ideologias ou preferências políticas. No caso a maioria (5-4), num acórdão relatado por Scalia entendeu que a violação do «knock and announce» na realização de buscas infringe o IV Aditamento à Constituição mas não implica a proibição de utilizar a prova obtida, existindo outros mecanismos que podem ser utilizados para prevenir a prática pela polícia de tal infracção (em particular disciplinares e cíveis), tendo a opinião vencida sido expressa numa fundamentação ainda mais longa do que a da maioria (a qual aliás teve matizes expressas na declaração do juiz Kennedy).
Já no acórdão sobre os casos Hammon v. Indianna e Davis v. Washington (19-6-2006) também relatado por Scalia verificou-se um maior consenso do Tribunal (8-1, a favor do recorrente e 9-0 contra o recorrente), na linha da jurisprudência marcada por um outro acórdão relatado por Scalia Crawford v. Washington de 2004 (em que foram vencidos o entretanto falecido presidente do Tribunal Rehnquist, que subscreveu uma incisiva declaração de vencido, e a juíza O’Connor que também já saiu do tribunal)
Estes acórdãos revelam, nomeadamente, que a propósito do processo penal se marcam cisões politicamente identificáveis à luz de uma leitura externa, preferida pelos analistas de ciência política (caso Hudson e a própria argumentação expendida em prol das posições vencedora e vencida), mas que simultaneamente existem questões em que as divisões são de teor jurídico mais estrito (mesmo que relativamente a instituições de base do common law, o caso Crawford que veio a gerar os casos Hammon e Davis e com não menos importantes consequências no law enforcement), cisão metodológica que nestes arestos se verificou a propósito de temas que no domínio do direito probatório os teóricos denominam como as distintas extrinsic probative policy e auxiliary probative policy. Mas, acima de tudo, estes acórdãos denotam o patamar elevado de argumentação clara e sem tibiezas que se opera em termos jurídicos (e é objecto de compreensão social que vai além dos iniciados), expressão de uma democracia em que, mesmo em momentos críticos, a ética da comunicação (ainda que com recurso a discutíveis modelos retóricos, como a utilização da história realizada pelo juiz Scalia, aliás muito criticado em alguns acórdãos por outro juiz conservador, o antigo presidente do tribunal Rehnquist) prevalece sobre a estrita expressão da autoridade (um exemplo que deveria ser seguido... mas a tradição, nomeadamente filosófica, é muito importante nestas matérias).

24 junho 2006

 

Qual Big Brother, qual carapuça!

"Aqueles capazes de abdicar da liberdade para obter um pouco de segurança temporária não merecem nem a segurança, nem a liberdade."
Benjamin Franklin


Tendo presentes as notícias que ultimamente têm vindo a público sobre as políticas de segurança dos Estados Unidos, nunca é demais recordar estas palavras.
Foram as alterações introduzidas no Foreign Intelligence Surveillance Act pelo USA Patriot Act (cujas siglas significam impressivamente e a rondar quase o poético Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism), as escutas indiscriminadas realizadas pela NSA, os voos da CIA e agora o controlo pela mesma agência de transacções financeiras.
Sendo duvidosa a existência de lei que o permita, a não ser uma declaração de emergência que viu a luz logo após 11 de Setembro de 2001, e sem que haja autorização do Congresso.
Big Brother? Nah...
O Big Brother ao pé disto é uma brincadeira de crianças. É que, pelo menos, na ficção de Orwell cada um sabia que estava a ser vigiado e era constantemente avisado disso.

23 junho 2006

 

Grão, a grão?… não chega!

Mas será que o Governo pensa que vai encher os Cofres Públicos, depois da publicação das listas dos devedores ao Fisco e à Segurança Social?

Mas que visão de “merceeiro” é esta da Direcção Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, da Direcção Geral dos Impostos e da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo?

É assim que o governo combate a evasão e a fraude fiscal?

Por este andar, qualquer dia nos serviços do Estado (quem sabe até numa repartição de finanças), aparece um “anúncio” devidamente adaptado, como o que se segue, que um dia, em férias, encontrei na Argentina…


20 junho 2006

 

O subsistema de saúde dos jornalistas

Tomo a liberdade de inserir aqui uma tabela que me foi enviada por mão amiga relativa ao subsistema de saúde dos jornalistas (Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas) e que, tendo sido integrado, ao que apurei, no regime da Segurança Social já no tempo do ministro Armando Bacelar, manteve todavia as regalias específicas que já vinham de trás e que o actual ministro Vieira da Silva declarou manter. Comparem-se com as da ADSE e do SNS. As receitas, ao que também apurei de forma insuficiente, provirão das próprias empresas de comunicação social, mas também, nos termos legais, da publicidade.

TABELA DE REEMBOLSO DE DESPESAS DE ACÇÃO MÉDICO-SOCIAL
TIPO DE DESPESA COMPARTICIPAÇÃO
CONSULTAS MÉDICAS TABELA ADSE
INTERNAMENTO HOSPITALAR ( MÁXIMA POR DIÁRIA ) TABELA ADSE
DIÁRIAS NAS TERMAS 1/40 SMN
INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS a) 100%
MÉDICO AJUDANTE, ANESTESIA E INSTRUMENTISTA 100%
PISO DA SALA DE OPERAÇÕES E PARTOS 100%
ECG, RX, TOMOGRAFIAS, ANÁLISES E EXAMES DIVERSOS b) 100%
TRANSFUSÕES DE SANGUE E OXIGÉNIO 100%
TRATAMENTOS TERMAIS c) 100%
TRANSPORTES EM AMBULÂNCIAS PARA HOSPITAIS 100%
TRATAMENTOS MÉDICOS E ASSISTÊNCIA AO PARTO 80%
SERVIÇOS DE ENFERMAGEM d) 80%
TRATAMENTOS DENTÁRIOS e) 80%
PRÓTESES DENTÁRIAS TABELA ADSE
PRÓTESES AUDITIVAS, ORTOPÉDICAS E APARELHOS DIVERSOS b) 75%
REPARAÇÃO DE APARELHOS 75%
MEDICAMENTOS f) E UTILIZAÇÃO DE MATERIAL 75%
AGENTES FÍSICOS ( EX: ULTRA SONS ) b) 75%
LENTES, ARMAÇÕES E LENTES DE CONTACTO g) 75%
TRATAMENTOS ESPECIAIS 75%
ECODOPPLER 80%
EXAMES NEUROLÓGICOS 80%
TRATAMENTO DE QUIMIOTERAPIA 100%
DISPOSITIVOS INTRA-UTERINOS 100%
TIRAS E APARELHOS PARA DIABÉTICOS 100%
LITOTRÍCIA 80%
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA TABELA ADSE
OBSERVAÇÕES:
a) O recibo deve vir acompanhado de um relatório médico a indicar a intervenção efectuada.
b) Os recibos devem vir acompanhados das respectivas prescrições médicas.
c) É necessária declaração médica justificando doença adequada às termas.
d) É necessária a discriminação da quantidade dos actos praticados.
e) Os recibos devem indicar os tratamentos efectuados bem como os seus valores unitários.
f) É necessário o envio da receita médica, onde deve colar os códigos de barras dos medicamentos,
incluindo a parte Estado-Utente.
g) O recibo deve ser acompanhado da receita médica com a graduação das lentes. No caso de
lentes de contacto deve vir ainda um relatório médico a indicar a necessidade do uso das mesmas.

 

Aos grandes homens do Momento

Gazetilha

Dos Lloyd Georges da Babilónia
Não reza a história nada.
Dos Briand da Assíria ou do Egipto,
Dos Trotskys de qualquer colónia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que escrito.


Só um parvo dum poeta, ou um louco
Que fazia filosofia,
Ou um geómetra maduro
Sobrevive a esse tanto pouco
Que está lá para trás no escuro
E nem a história já historia.

Ó grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje!


Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

19 junho 2006

 

Delírio neoliberal

Reproduz José Manuel Fernandes, director do Público, a opinião de alguém que não cita, segundo a qual Cavaco e Sócrates deviam assumir os papéis que em algumas empresas (presume-se que de sucesso) são desempenhados, respectivamente, pelo chairman e pelo chief executive officer, o primeiro a exigir e desafiar, o segundo a planear, propor e executar. Uma relação tensa, mas ao mesmo tempo confiante. Enfim, se eles tiverem alguma dúvida sobre o que têm a fazer, o JMF explica-lhes.
Só que o país não é propriamente uma corporation. E nós não somos clients ou employees, somos citizens.

 

Manchetes, copianço e corrupção

Os jornais têm um problema todos os dias (falo dos diários): arranjar uma manchete apelativa, daquelas que enchem o olho e levam o incauto a adquirir irresistivelmente o periódico, atraído pela "bomba". Os ditos "de referência" não fogem à regra, pois a vida está difícil e a concorrência é muita.
Hoje, por exemplo, o Diário de Notícias saiu com uma manchete a toda a largura (quase tapando o Cristiano Ronaldo!) intitulada: "Países com mais corrupção copiam mais na escola". Como se sabe, o tema da corrupção é muito popular em Portugal. Toda a gente é contra a corrupção (mesmo os corruptos). A comunicação social frequentemente "bate" no assunto, que vende bem e assim dá-se um "toque" de preocupação cívica. É ouvida invariavelmente a Maria José Morgado, elevada a oráculo nacional sobre a matéria. Naquele dia, perpassa um frémito de comoção cívica pela opinião pública e por todos os "responsáveis" que forem auscultados. Depois, a vida continua.
Mas de que fala a notícia do DN? Reporta-se ela a um estudo da Faculdade de Economia do Porto cuja conclusão global é a seguinte: existe uma "forte correlação" entre a corrupção no mundo dos negócios e a fraude académica. Mais concretamente, explicam as autoras do estudo que "é provável que quem adopte actividades não éticas na sala de aulas as venha também a adoptar no mundo dos negócios". Chegaram a esta conclusão depois de estudarem 21 países. Mas encontraram duas excepções (e que excepções!): a Nigéria e a Argentina.
Confesso que me sinto muito perplexo. Então é assim tudo tão simples e linear: quem copia na escola é um corrupto eventual? E quem copiou no seu passado escolar é agora um corrupto no activo? Vamos então, para investigar a corrupção, começar pelo passado escolar do suspeito? Ou até considerar suspeitos todos os copiadores identificados? Vamos todos passar à acção e tentar apurar se o vizinho, os amigos, os inimigos, o chefe, os governantes, os dirigentes políticos, etc., copiaram na escola? Inversamente, como poderemos evitar que alguém apareça a dizer que nos passou uma cábula ou que nos viu lançar o olho para a prova do vizinho do lado? Estaremos todos sujeitos à delação e ao pelourinho público?
E já agora: não existirão "correlações fortes"entre o copianço e outras "realidades"? As excepções (de peso) constatadas não invalidam ou tornam desde logo problemática a conclusão?Este estudo meramente estatístico que valor científico pode reivindicar? Alguém acredita que o fenómeno da corrupção ficou mais esclarecido? Servirá o "estudo" para mais do que para manchete de um domingo?

15 junho 2006

 

A sedução da “flexibilidade”…

Se não há flexibilidade nas políticas do governo português, qualquer dia o país encerra definitivamente (e não é para obras....).

Já começaram a encerrar ou manifestaram essa intenção (apesar da eventual discussão sobre alternativas - criadas ou existentes - de superior qualidade) v.g. quanto a maternidades, hospitais psiquiátricos, escolas, estabelecimentos prisionais.

Fábricas pertencentes a empresas nacionais ou internacionais têm vindo a ser encerradas e outras estão em vias disso (actualmente temos o caso da Opel - Azambuja v. Saragoça - com 1700 trabalhadores, a fazer fé nas notícias dos jornais).

Grandes projectos de investimento têm vindo a ser gorados logo na fase das negociações por razões que a razão desconhece.

Eu sei que não deve ser fácil governar um país que parece ingovernável. Claro que é muito mais “atraente” protestar, criticar, denegrir, destruir (sem critério, nem responsabilidade) do que construir.

Mas, o governo não pode limitar-se a seduzir (com todo o espectáculo mediático envolvente), superficialmente o povo português com uma ágil ginástica de palavras, verbalizando (apenas) em discursos, projectos, estratégias, resoluções ou reformas (embora, muitos desses objectivos sejam, na verdade, necessários se queremos evoluir).

Há que ser maleável, flexível, aberto e ter uma visão de futuro a curto e a longo prazo.
Claro que os resultados também só se alcançam a longo prazo.
Mas, não haverá já demasiados sinais para inflectir na visível intransigência?
É que sem esclarecimentos públicos convincentes e claros, sem informações que expliquem certas atitudes políticas (nem tudo é “segredo de deuses”) tudo parece prepotência e intolerância.

Será que os incentivos do governo português ao investimento nacional e estrangeiro são tão sedutores assim, como acontece noutros países próximos (v.g. em Espanha)?
É que quando chega a hora da verdade toda a gente (e estou a exagerar) se vai embora ou fecha a porta... e os sinais positivos do crescimento económico têm sido insignificantes para tantas medidas e restrições que até agora foram tomadas.

Um elevado nível de “transparência”, de “clareza” e de “eficácia” talvez permitissem ainda apaziguar os protestos, as greves e seduzir de algum modo os parceiros sociais, os investidadores, bem como mobilizar e sensibilizar a participação activa da sociedade civil.
A transparência, a clareza e a flexibilidade são uma forma de permitir o controlo externo necessário à consolidação da moderna democracia.
A eficácia é necessária para o sucesso das promessas feitas e para credilibilizar a actuação governativa.
De resto, estes deverão ser, também, objectivos para quem quer estar na “vanguarda da modernidade”!
É que a bonança das favoráveis sondagens não são eternas...

14 junho 2006

 

Notícias tímidas de tráfico de órgãos

O texto que se segue vem a propósito da notícia, de ontem e hoje, timidamente destacada, em meio de comunicação social (RTP 1 e 2), sobre o tráfico de órgãos nos EUA. Mas, convém lembrar que, o tráfico de órgãos acontece a nível mundial, em variados países, pecando a notícia pelo seu cariz redutor.

A pesquisa biomédica, seja clínica (com finalidades de diagnóstico ou de terapêutica de um paciente) ou não clínica (com finalidades puramente científicas, sem qualquer função de diagnóstico ou de terapêutica), visando promover o bem-estar do ser humano e uma progressiva melhoria da qualidade de vida – ou seja, prosseguindo um interesse da colectividade - vai sendo objecto de regulamentação diversa pela necessidade de “proteger a dignidade humana e a identidade”, bem como pela exigência de “garantir o respeito pela integridade e outros direitos e liberdades fundamentais” do ser humano.

Face à necessidade de incentivar e acompanhar os avanços da ciência médica, vários “diplomas” (uns com eficácia jurídica, outros sem ela, mas todos procurando uniformizar uma série de princípios a respeitar, bem como salvaguardar um mínimo de regras ou códigos de conduta), provenientes das mais diversas instituições internacionais (v.g. Nações Unidas, Organização Mundial de Saúde, Conselho da Europa, União Europeia), têm procurado estabelecer uma série de directrizes relativas a aspectos específicos e gerais da biomedicina. Isto porque também estão em causa, entre outros, princípios éticos, questões socio-culturais, filosóficas e outros interesses e valores que se prendem, designadamente, com convicções religiosas.

O interesse subjacente dos diversos Estados é, por um lado, promover a doação de órgãos e tecidos de origem humana, por a sua transplantação ser “parte integrante dos serviços de saúde” (permite salvar vidas) e, por outro, combater o tráfico, a comercialização de órgãos e tecidos de origem humana (neste sentido ver, entre outros, a Convenção de Oviedo, ratificada por Portugal e o seu Protocolo Adicional relativo ao transplante de órgãos e tecidos de origem humana, feito em Estrasburgo em 24/1/2002, este ainda não ratificado por Portugal).

Claro que os órgãos e tecidos de origem humana a transplantar tanto podem ser obtidos de pessoas vivas, como de pessoas falecidas (isto para não falar no “xenotransplante”). No caso das pessoas falecidas, estando em causa órgãos “vascularizados” (que para sobreviverem necessitam de fluxo sanguíneo), a colheita e o transplante têm de ser feitos em poucas horas: o que significa que é preciso fixar regras claras, transparentes e objectivas, sobre a verificação da morte (quanto a critérios médicos de morte cerebral, ver art. 12 da Lei nº 12/93 de 22/4, Declaração da Ordem dos Médicos publicada no DR I-B de 11/10/1994 e Lei nº 141/99 de 28/8) e sobre as condições em que essa colheita e transplante podem ser feitos (ver arts. 10 a 14 da cit. Lei nº 12/93, ver DL nº 244/94 de 26/9 quanto ao RENNDA e ver a Portaria nº 31/2002, de 8/1, quanto a autorização prévia do Ministro da Saúde, ouvida a OPT, para a actividade de colheita de tecidos ou órgãos de origem humana para fins de transplantação e para a actividade de transplantação).

Isto sem esquecer que, não obstante “o interesse terapêutico do receptor”, a colheita de órgãos e tecidos em pessoa viva, pelos riscos que acarreta para a saúde do dador, deve ser o último recurso, ou seja, apenas pode ser efectuada quando “essa colheita não possa provir do corpo de pessoa falecida”, nem exista outro “método terapêutico alternativo de eficácia comparável” (art. 19 da Convenção de Oviedo e art. 10 do Protocolo Adicional supra referido, não ratificado).

Por causa da escassez da maior parte dos órgãos e tecidos de origem humana susceptíveis de ser transplantados, a sua atribuição deve ser feita de acordo com “critérios médicos objectivos”, de forma transparente, para maximizar os benefícios da transplantação e para permitir um equitativo (sem discriminações) acesso dos doentes aos serviços de transplantes, tendo em atenção os registos existentes nas listas de espera oficiais e o interesse superior do paciente (receptor). Com interesse quanto à gestão das listas de espera e prazo de espera em matéria de transplante de órgãos, ver a Recomendação Rec (2001) 5.

Entre nós estará tudo claro e transparente? Uhm...

Mas continuemos. Estando em causa a dignidade humana (que se protege mesmo para além da morte) e o direito à saúde, a “cedência” de orgãos e tecidos deve ter uma natureza altruística, baseada na ideia de solidariedade, tendo presente que a pessoa não deve ser olhada como um objecto e, como tal, está fora do comércio jurídico. Essa gratuitidade será também uma forma de luta contra a exploração e o tráfico de orgãos e tecidos, assim se protegendo os “mais pobres”, os mais vulneráveis, que são os que estão sujeitos a práticas ilícitas (com recurso a violência, a coacção, a ameaça) de organizações criminosas.

Além disso há que salvaguardar o bem-estar e a saúde (segurança sanitária, direito aos cuidados de saúde e a seguimento médico mesmo depois da “colheita” e “transplante” do orgão ou tecido, direito à privacidade, direito à confidencialidade) quer do dador, quer do receptor.

Depois, quer o dador, quer o receptor, têm que estar “adequadamente informados quanto ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos” (mesmo dos riscos imprevisíveis mas que podem acontecer), para poderem decidir em liberdade e de forma consciente, ou seja, para de forma autónoma prestarem um consentimento livre, esclarecido e inequívoco, o qual pode ser a todo o tempo livremente revogável (ver art. 8 da cit. Lei nº 12/93 e art. 5 da Convenção de Oviedo). O que exige, da parte do médico, uma informação leal, adequada e intelígivel. É que é o “direito à autodeterminação informacional” (art. 35 CRP) que está em causa e, portanto, é preciso proteger e respeitar. Da mesma forma há que respeitar “a vontade expressa de não ser informado” (ver art. 10 nº 2 da Convenção de Oviedo).

Só em situações excepcionais é permitida a colheita de órgãos (não vitais) ou substâncias não regeneráveis, como sucede entre nós, quando haja uma relação de parentesco até ao 3º grau (art. 6 nº 2 da cit. Lei nº 12/93 que é mais restritivo do que o art. 19 da Convenção de Oviedo). Mas, “a dádiva nunca é admitida quando, com elevado grau de probabilidade, envolver diminuição grave e permanente da integridade física e da saúde do dador (art. 6 nº 4 da cit. Lei nº 12/93). Ou seja, nas palavras do referido Protocolo Adicional à Convenção de Oviedo, “quando houver um sério risco para a vida ou para a saúde do dador” a colheita é proibida.

Muita gente não saberá (o que até agora não tem servido de escusa, apesar da ausência dass “campanhas de informação” a que se refere o art. 15 do DL nº 12/93) que “não tendo manifestado a qualidade de não dador” junto do Ministério da Saúde, passam a ser considerados como “potenciais dadores post mortem”. Mas, claro, essa falta de lealdade e transparência não interessará divulgar porque é elevada a escassez de órgãos e tecidos humanos, não obstante em muitas situações terem mais possibilidades de êxito os transplantes feitos a partir de colheitas em pessoas vivas do que das feitas em pessoas declaradas mortas.

Pois bem. Não obstante a necessidade de actualização da nossa legislação específica sobre esta matéria (o que não passa apenas pela previsão de uma incriminação, como acontece com o art. 160 do Anteprojecto de revisão do CP de 2006), a verdade é que basta ler as respostas (ou falta delas) a questionário feito em 2002 pelo Conselho da Europa aos seus Estados Membros, sobre o tráfico de órgãos (tornado público em 2/6/2004 e que pode ser encontrado no site do Conselho da Europa), para se perceber como o mesmo é tratado nos vários países, v.g. em Portugal.

Em 2002 e 2003 investigações sobre tráfico de órgãos praticamente não existiam e as que existiam (que ainda não tinham sido arquivadas por falta de provas) estavam em curso, em averiguações. Será ignorância minha, admito, mas, até aos dias de hoje, a situação não se deve ter alterado, apesar de todas as notícias (jornalísticas e outras) e dos relatórios de altas Instituições que a cada passo fazem eco do “tráfico de órgãos”.

De qualquer forma, alguém fiscaliza alguma coisa para saber se existem indícios de tráfico de órgãos no respectivo país?
Certamente que não será conveniente, nem haverá interesse (é elevada a penúria de órgãos), nem será prioridade na prevenção da criminalidade. Ou irão ser diferentes as propostas do governo português sobre política criminal?

Conclusão: quando o Anteprojecto de revisão ao CP entrar em vigor passaremos a ter uma bonita incriminação (que pune de alguma forma o tráfico de órgãos), mas, se tudo continuar na mesma, faltará a dita «matéria-prima» que preencha tal previsão.

Entretanto, o governo que não se esqueça de fazer, até 1/11/2006, a transposição a que se refere o artigo 7 da Directiva 2006/17/CE da Comissão, de 8/2/2006, publicada no JO L 38 de 9/2/2006.

E, já agora, porque é que, não obstante a iniciativa da República Helénica (JO C 100 de 26/4/2003, pp. 27 a 30), a União Europeia está a demorar tanto a aprovar e a publicar a “Decisão-Quadro relativa à prevenção e repressão do tráfico de órgãos e tecidos humanos?

 

Relatório imparcial

Afinal, ao contrário do que os maldosos do costume disseram, os civis palestinianos mortos numa praia de Gaza não foram atingidos pela artilharia israelita, mas sim pela explosão de uma mina terrestre colocada pelo Hamás.
Quem o garante é um relatório das "Forças de Defesa Israelitas", o que é uma garantia de imparcialidade e isenção.

 

Visita de médico

Não se percebe por que é que Bush só esteve 5 horas em Bagdad. Assim nem teve tempo para cumprimentar os numerosos amigos que ali tem. E depois chega sem avisar, sem ser convidado. Bem sei que não precisa, é ele que manda ali. Mas então já nem se confia nos amigos? E tudo numa corrida: uns apertos de mãos, umas fotografias e até à vista!
Faz-me lembrar a "demonstração de soberania" levada a cabo pela tropas portuguesas em Novembro de 1973, em Madina do Boé, já depois de proclamada a independência pelo PAIGC. Era preciso mostrar que era tudo mentira, que Portugal dominava todos os centímetros do território da Guiné. E então organizou-se uma operação com grande aparato bélico: uns tantos sujeitos importantes saltaram de helicópteros para o chão, tiraram rapidamente umas fotografias demonstrativas de que as tropas portuguesas dominavam perfeitamente a zona e, em menos de 10 minutos, levantaram voo, para não mais voltarem. Menos de um ano depois, Portugal retirava da Guiné.
Será que os EUA aguentarão mais tempo?

 

Make-up da paridade?

Só uma palavra para aplaudir o agendamento para 5/7 próximo da nova discussão e votação da Lei da paridade (face ao veto Presidencial).

Esperemos que não haja adiamentos, nem outro tipo de obstáculos (v.g. de diversão ou fogo de vista) à sua aprovação antes das férias grandes da Assembleia da República.

Ou será grande a ilusão mas ainda maior será a desilusão?

13 junho 2006

 

Outros tempos... outros fiscais


Desde 1937 até 1970 vigorou entre nós um imposto sobre o uso de acendedores e de isqueiros e para evitar a fuga ao imposto lá estava, como não podia deixar de ser, o funcionário do Estado que exercia funções de fiscalização ou repressão do uso de acendedores ou isqueiros.
Em 1965 esclareceu-se que as multas devidas por infracção do artigo 1.º do Decreto-Lei nº 28219, de 24 de Novembro de 1937, não eram convertíveis em prisão e que a "captura em flagrante delito" só poderia ocorrer se o transgressor, "recusando-se a pagar imediatamente a multa e a importância do imposto, não provar a sua identidade e residência."



Ao que parece este fiscal vai renascer das cinzas, mas com outras funções: a de fiscalização ou repressão dos cigarros, "que deve, no limite, chamar as autoridades administrativas ou policiais sempre que um cliente esteja a fumar em local proibido e não modifique o seu comportamento."
Estes "fiscais", porém, não beneficiarão da sua quota-parte da multa ao contrário do que sucedia naqueles outros tempos.
Imagens retiradas de Coisas de Outros Tempos

12 junho 2006

 

O dia caótico da Boa-Hora

Hoje o Público começou uma série de reportagens sobre a Boa-Hora. O título da primeira reportagem é "O relógio da Boa-Hora", referência irónica e porventura certeira à tradicional falta de pontualidade dos tribunais. Quanto ao texto, é um conglomerado de instantâneos, um caleidoscópio de imagens e de impressões de quem vagueou pelo edifício conventual durante um dia de trabalho.
O que é mais curioso e que me motiva a escrever é a chamada de 1ª página, que ostenta o título: "O dia caótico da Boa-Hora". Será o título da autora da reportagem. Não parece, para quem lê o texto da reportagem. Há ali um qualquer desfasamento. Uma coisa é certa: não podia faltar a palavra "caos", falando de justiça. É como quando se fala de droga: é obrigatória a palavra "flagelo". É assim: os estereótipos vencem (quase) sempre.

 

Falta de controlo parental na net…

Não é novidade a notícia que foi hoje publicada, v.g. no Diário Digital aqui, sobre um estudo feito que incidiu em jovens de vários países que utilizam a net sem controlo parental.

Efectivamente, já pelo menos há 3 anos, a nível da UE, a propósito do “futuro da política europeia de regulação audiovisual”, a Comissão alertara em Comunicação ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao CESE e ao CR, de 15/12/2003, COM (2003) 784 final, que «os meios audiovisuais desempenham um papel central não só no funcionamento das sociedades democráticas modernas, mas também na definição e transmissão de valores sociais, na medida em que exercem uma grande influência sobre os conhecimentos, crenças e sentimentos dos cidadãos. (…) Quase todos os lares na UE estão equipados com aparelhos de televisão e muitos possuem dois ou mais aparelhos. A penetração da transmissão por cabo e por satélite varia muito de país para país, tal como a estrutura do ramo (existem mais de 6000 operadores). Em 2002, em média, cerca de metade dos lares na UE dispunha de acesso a redes por cabo, mas apenas 31% dos lares possuíam efectivamente assinaturas de serviços por cabo. (…) O tempo médio diário de visionamento de televisão em 2002 manteve a sua importância em todos os Estados‑Membros, com variações pouco significativas em relação a 2001. A Áustria continua a ser o país onde as pessoas menos vêem televisão (153 minutos), enquanto a Espanha é o país onde se lhe consagra mais tempo (262 minutos). Os tempos de visionamento seguem padrões semelhantes nos países em vias de adesão, oscilando entre 165 minutos na Eslovénia e 256 minutos na Hungria».

E, na Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho de 12/3/2004, que adopta um programa comunitário plurianual para a promoção de uma utilização mais segura da Internet e das novas tecnologias em linha {SEC (2004) 148}, COM/2004/0091 final - COD 2004/0023, a propósito de uma sondagem feita na época e que incidiu na Dinamarca, Irlanda, Islândia, Noruega e Suécia, verificou-se que «97% das crianças desses países com idades compreendidas entre os 9 e os 16 anos utilizaram já um computador. Das crianças que estabeleceram "conversas" na Internet, 4 em 10 declararam que as pessoas com quem entraram em contacto via Internet mostraram o desejo de as conhecer pessoalmente. 14% das crianças encontraram-se com alguém com quem travaram conhecimento na Internet, enquanto apenas 4% dos pais pensam que os filhos o fizeram. 44% das crianças que utilizam a Internet visitaram, acidental ou propositadamente, um sítio Web pornográfico. 25% receberam material pornográfico através da Internet. 30 % das crianças visualizaram sítios Web com cenas de violência, enquanto apenas 15 % dos pais pensam que os filhos o fizeram.».

Também, no Relatório de avaliação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu relativos à aplicação da recomendação do Conselho de 24 de Setembro de 1998, em relação à protecção de menores e da dignidade humana, 27/2/2001, COM (2001) 0106 final, foram analisadas as medidas adoptadas por alguns Estados-Membros (v.g. códigos de conduta, sistemas de classificação e de filtragem fiáveis, sistemas técnicos de controlo parental no ambiente digital, “linhas directas” para a denúncia de conteúdos ilegais ou nocivos, cooperação dos operadores com as autoridades judiciárias e policiais), a nível do desenvolvimento dos meios de comunicação digitais, nomeadamente Internet, radiodifusão digital e jogos de vídeo. Concluiu-se pela necessidade de se tomarem medidas para reforçar a protecção dos menores e da dignidade humana nos sectores da radiodifusão e da Internet (Conclusões do Conselho de 23 de Julho de 2001, respeitantes ao relatório de avaliação da Comissão sobre a aplicação da recomendação relativa à protecção dos menores e da dignidade humana, publicadas no JO C 213 de 31/07/2001 pp. 0010 – 0011).

Ainda no Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de decisão do Parlamento Europeu e do Conselho que adopta um programa comunitário plurianual para a promoção de uma utilização mais segura da internet e das novas tecnologias em linha», COM (2004) 91 final — 2004/0023 (COD), publicado no JO C 157 de 28/6/2005, pp. 136-140, se chamava à atenção dos fornecedores de acesso que «dado que as crianças estão muitas vezes mais avançadas do que os seus pais no que toca à utilização da Internet, os sistemas de filtragem do correio, de eliminação de vírus, de protecção contra as intrusões e de controlo parental deviam ser instalados previamente e ser fáceis de utilizar e controlar pelas pessoas sem conhecimentos técnicos específicos».

Não obstante toda a regulamentação europeia que vai sendo publicada, a verdade é que muitos pais, consciente ou inconscientemente, se têm demitido das suas funções quando ignoram ou quando não se intimidam com a fonte de conhecimentos (positiva e negativa) que a Internet constitui para os seus filhos menores, em fase de crescimento, ávidos de novos conhecimentos e experiências.

O que nos arrasta para o tema da família enquanto agente principal de educação. É que hoje a aprendizagem, implica aquisição de conhecimentos, de qualificações e de competências, fazendo-se ao longo da vida, de forma continuada, pela via formal e pela via informal e não formal, tendo em vista a realização da pessoa e a sua adequada integração cultural, social e profissional. É necessário, por isso, cultivar a aprendizagem permanente, aumentando a qualificação e a eficiência, só assim se podendo responder aos desafios que são colocados, nomeadamente, a nível da competitividade do mercado de trabalho.

Educar é formar e informar e é olhar para os jovens, neste particular para os adolescentes, como «agentes de mudança», a quem é preciso incutir a necessidade de participação activa e cívica na comunidade, como forma de melhor poderem responder aos desafios que lhes vão sendo colocados no dia a dia.

Isto implica aceitar que, em certas áreas, o processo de aprendizagem tradicional de certa forma se inverteu, sendo antes os jovens adolescentes a contribuir para a «educação» dos adultos. A aceitação e reconhecimento por parte dos adultos desta «troca» de informação e conhecimentos, não só facilita o contacto e a proximidade com os adolescentes como, por sua vez, permite que estes se tornem mais responsáveis, confiantes e seguros.

Mas, sendo na adolescência que se aprende o papel de adulto, é natural que os jovens pocurem imitar os adultos que conhecem. O processo de socialização a que o menor é sujeito desde a infância, embora dependa sempre de uma construção individual, varia consoante a educação que recebe, sendo fundamental o apoio activo da família (família estruturada, onde haja um clima de confiança e de comunicação entre pais e filhos).

À medida que vai crescendo, a personalidade do adolescente vai-se consolidando, sendo necessário tutelar o seu desenvolvimento. Essa tutela tem de ser feita de forma equilibrada, com regras e valores universais, mas sem o exagero de um controlo muito rígido e, também, sem laxismo, sob pena de os resultados finais serem contraproducentes e, portanto, negativos.

Claro que é necessário que o adolescente tenha alguém a quem possa recorrer (em quem confie), para poder desabafar, apresentar as suas dúvidas e conflitos que vai atravessando ao longo do seu processo de desenvolvimento. Por isso, é natural que os pais de hoje queiram ser os confidentes dos filhos.

A família, concretamente os pais, tem um papel essencial na estruturação da personalidade dos filhos. É necessário começar a educar os filhos fornecendo-lhes, à medida do seu crescimento e das suas interrogações, toda a informação a que devem ter acesso sobre as diversas matérias que se suscitarem, criando um ambiente aberto, dialogante, autêntico, sem tabus, preconceitos ou falsas representações, dessa forma se propiciando um amadurecimento gradual, que lhes vai permitir e facilitar a tomada de atitudes conscientes e responsáveis.

Mas, ser alguém em quem o filho confia, não significa confundir tarefas, nem inverter ou igualar os papéis quer dos pais, quer dos filhos. Creio que o sistema familiar falha, por um lado, quando há uma certa confusão de papéis cultivada pelos adultos e que se reflecte nos jovens e, por outro, quando existem famílias desestruturadas, que são excluidas socialmente.

É, por isso, determinante que os próprios pais saibam dar o exemplo, se tornem modelos a seguir e que sejam os primeiros a quem os filhos possam (sintam vontade de) confiar os seus sentimentos, dúvidas, interrogações ou segredos, que lhes vão surgindo à medida do seu desenvolvimento e curiosidade naturais. Os pais, só conseguem proteger o desenvolvimento da personalidade dos filhos, se se envolverem activamente na transmissão de valores e de atitudes e comportamentos cívicos. Educar também é vigiar e analisar os resultados à medida do crescimento dos filhos, para continuar a sensibilizar e a orientar. Mas, claro, todos os agentes (tradiconalmente a escola, a família e os media) de educação são importantes para o bem-estar e para o desenvolvimento do menor. Sendo assim (não falando agora dos pais que agridem os professores):

Será que a Escola, sem o apoio complementar activo da família, dos pais, conseguirá garantir a inclusão social dos jovens?

E, não havendo família estruturada, conseguirão os jovens no futuro próximo adquirir as competências que a sociedade lhes vai exigir?

Estará garantida a ambicionada sustentatibilidade do modelo social europeu?

 

(Can)gurus

O artigo do Vítor Dias no Público do dia 9 veio recordar-me a passagem por Lisboa de um tal Jack Welch, de profissão guru, que nos veio lembrar (a nós que arrastamos a triste condição de portugueses) que devíamos ter vergonha da imagem que têm de nós os estrangeiros.
É preciso de facto ter muita lata para que um súbdito do país de Bush (que nos últimos anos tanto sangue e cadáveres transporta às costas, ou manda transportar) se arrogue autoridade moral para falar assim. É uma imensa e intolerável arrogância, quase sempre aliada a uma ignorância quase total em tudo o que ultrapassa o estrito saber e respectivas ferramentas, a destes gurus que, tal como os cangurus (de que são uma versão abreviada), saltitam pelo mundo fora, fazendo conferências geralmente depois de lautos jantares em clubes elegantes e lá vão soltando (por vezes arrotando) as suas receitas mágicas, sempre iguais qualquer que seja a latitude ou o meridiano, e recebendo no final, claro, os seus honorários, invariavelmente em dólares, devidos pelas migalhas do seu imenso saber que se permitiram partilhar com os autóctones, emparvecidos, bebendo babosos as palavras escorrendo daqueles (can) gurus que adornam os seus altares.
Sim, a imagem do país não será boa. Mas a realidade é talvez pior. E é com a realidade que nós vivemos que nos devemos preocupar.

 

Dossier sensível: imigração económica e fluxos migratórios

Os imigrantes são atraídos para a Europa pela proximidade, pela necessidade de fugirem a guerras, a ditaduras, a opressões, à insegurança, à pobreza, a catástrofes etc.

Muitos dos estrangeiros em situação irregular contribuem activamente para o desenvolvimento de sectores básicos da economia dos Estados-Membros da União Europeia (v.g. desempenhando trabalhos mais ou menos precários “na construção civil, na agricultura, na restauração, na limpeza, nos serviços domésticos” e noutras actividades rejeitados pelos nacionais, pelos «cidadãos europeus», não obstante a crescente taxa de desemprego): dessa forma os imigrantes, ainda que clandestinos, são motores de crescimento e enriquecimento do país de acolhimento.

À União Europeia interessa atrair uma imigração altamente qualificada proveniente de países terceiros, por permitir um maior desenvolvimento económico da Europa: por isso, essa imigração selecionada é assediada com propostas de inclusão, com vistos de autorização de residência e de trabalho (ainda que provisórios) e com o reconhecimento de um conjunto de direitos iguais aos dos cidadãos europeus. São propósitos egoístas e utilitárias de «países ricos» em detrimento dos «países pobres», que esquecem as necessidades de crescimento destes, normalmente carentes economicamente e subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.

A necessidade de proteger os direitos humanos e as liberdade fundamentais de todos os cidadãos (nacionais ou estrangeiros) e o respeito pelo princípio da não discriminação não se compaginam com critérios utilitários, nem tão pouco com a distinção entre “imigrantes documentados” e “não documentadas” (estes últimos no sentido de estarem em situação irregular ou serem clandestinos).

Claro que, a busca de trabalho melhor remunerado do que no país de origem acaba por arrastar consigo, mais cedo ou mais tarde, a migração das famílias, tantas vezes numerosas, o que significa também o direito ao «reagrupamento familiar».

E, o «reagrupamento familiar», os casamentos mistos (como forma de aquisição de nacionalidade), o reconhecimento da paternidade ou da maternidade (mecanismo também utilizado para adquirir vistos de residência) mostram a vontade de integração no país que escolheram, o que implica a necessidade de renovar os «modelos de integração» europeus.

Sendo diferentes as legislações de cada Estado-Membro quanto à admissão da imigração económica há que encontrar um mínimo de normas comuns que facilitem a execução de uma eficaz política comunitária global que venha a ser adoptada nesta matéria, nomeadamente tendo em vista a prioridade da redução dos fluxos migratórios clandestinos, assegurando ao mesmo tempo a protecção dos imigrantes contra o racismo e a xenofobia e garantindo “condições de trabalho decentes e um tratamento equitativo a nível social e profissional”.

Ora, a gestão de toda essa imigração económica, conjugada com o princípio da preferência comunitária e da liberdade de circulação, exige uma harmonizada e credível política europeia de acolhimento e de integração quando, sistemática e simultaneamente, se fala em “mundialização” e em “globalização”.

Importa reajustar, a nível europeu, uma série de normas mínimas comuns, designadamente a nível da política de vistos e de autorizações de residência e de trabalho que facilitem a admissão e a mobilidade - consoante as particulares necessidades de cada Estado-Membro - dos trabalhadores migrantes, v.g., quando são afectados pelo desemprego, pela mudança do local de trabalho ou até pela alteração de actividade em função das ofertas de trabalho.

Claro que para tal era importante que, previamente, cada Estado-Membro, atendendo à respectiva situação nacional e necessidades de mercado laboral, ou seja, atendendo à sua capacidade de recepção, fosse capaz de determinar o volume de admissão de imigrantes de países terceiros, sem desrespeitar o princípio da preferência da mão-de-obra nacional e comunitária.

E, também, se impõe que haja uma troca de informações fiáveis entre os Estados-Membros, que devem cooperar entre si para essa política comunitária, para a harmonização das diversas legislações, visando, por um lado, o combate da imigração ilegal e a sua prevenção e, por outro, o alargamento transparente dos canais da imigração legal.

Os clandestinos são, na maior parte das vezes, vítimas, o que significa que há que lutar contra a exploração do trabalho ilegal (de baixo custo, não declarado) e, quantas vezes, ainda, lutar contra redes de criminalidade transnacional e contra a corrupção.

Por outro lado, os “indocumentados” são também as maiores vítimas do desemprego e até de tratamentos desumanos, que chegam à escravidão, o que leva à necessidade de combater eficazmente a criminalidade, nomeadamente, o tráfico de seres humanos que, ao mesmo tempo, vai acompanhando as variadas rotas migratórias.

E, quantos imigrantes não existem, com qualificações não reconhecidas na União Europeia, que estão a ser explorados ou a perderem-se em produtividade e rendimentos, não sendo justamente remunerados, por não serem atendidas as respectivas competências.

Ou seja, a União Europeia também terá de combater eficazmente toda uma economia paralela, informal, que se vai desenvolvendo nos Estados-Membros e que se sustenta à custa da exploração do trabalho ilegal, promovendo e alimentando essa mesma imigração clandestina.

Além disso, o regresso ao país de origem do imigrante deve ser apoiado e não deve ser sancionado com a perda de residência no país de acolhimento; ou seja, deve ser facilitada e agilizada, com medidas cirúrgicas específicas, quer a “migração de retorno”, quer a “migração circular”.

Dessa forma se conseguiria compatibilizar os diferentes interesses em jogo, por um lado assegurando as necessidades de mão-de-obra dos Estados-Membros da União Europeia e, por outro, permitindo o desenvolvimento dos países de origem e facilitando a realização dos conhecidos “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”.

Acresce que, o envelhecimento da população europeia, a diminuição da população activa e o próprio declínio na evolução demográfica (que, ainda assim, conta com o “saldo migratório”) vai levar a que a União alargada se veja na necessidade de abrir progressivamente as suas portas aos nacionais de países terceiros.

Não esquecendo, também, que a velha europa se debate com uma certa crise de recursos humanos em determinados sectores económicos, pela falta de trabalhadores qualificados em particulares mercados laborais, também desinteressados, designadamente, em actividades sazonais.

Tudo isto tem a ver com a própria sustentabilidade económica da União alargada e com as necessidades de satisfazer o mercado laboral no presente e no futuro.

Claro que a atracção europeia pelos imigrantes altamente qualificados se debate ainda com a concorrência com outros países desenvolvidos, como os EUA e o Canadá, que oferecem melhores condições, levando, por isso, esses imigrantes a não optarem pela Europa.

O que quer dizer que, a política comunitária da imigração económica deverá ser bem gerida, de uma forma flexível e sempre actualizada, procurando um justo equilíbrio dos interesses em confronto, promovendo com rigor e racionalidade, de forma pedagógica, uma adequada e sustentada mobilidade, bem informada sobre as necessidades de emprego e tendências do mercado laboral na UE, assegurando vantagens mútuas equilibradas quer para os países de origem, quer para os países de acolhimento.

Ao mesmo tempo, o acolhimento, a integração e a adaptação (aos valores da Europa alargada) dos nacionais de países terceiros, bem como o desenvolvimento das suas competências, exigem uma integrada coordenação de várias políticas a nível europeu, uma vez que abrange diversos domínios (aprendizagem da língua, formação profissional, educação, cultura, integração social, habitação, saúde, apoio familiar, participação na vida civil e política etc.), exigindo ainda apoio financeiro comunitário adequado a nível dos Estados-Membros de acolhimento e dos próprios Países de origem (que, dessa forma, poderiam prestar a formação e qualificação necessárias às necessidades da mão-de-obra solicitada, mesmo antes da saída dos candidatos à migração legal, como vem sendo proposto por diversas instituições da UE).

Tudo isto aponta para uma abordagem global, equilibrada e coerente de políticas comuns a nível da União alargada, exigindo medidas proactivas e de cooperação também entre os próprios Estados-Membros entre si, de modo a partilharem responsabilidades na boa gestão dos fluxos migratórios, sempre respeitando os direitos e liberdades fundamentais em conformidade com o quadro jurídico internacional, v.g., no que respeita ao direito de qualquer pessoa livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado e de o abandonar e regressar ao seu país e ao direito ao asilo e a protecção internacional (arts. 13 e 14 da Declaração Universal dos Direitos do Homem).

Por isso, como justificar “a introdução de critérios discriminatórios a nível dos direitos fundamentais para atrair categorias específicas de imigrantes” (v.g. cartão verde da UE emitido em um Estado-Membro e válido em todo o território comunitário), aceitando os “qualificados” e rejeitando os “não qualificados”?

Como deverá o país de acolhimento compensar o país de origem, em vias de desenvolvimento, pela perda e fuga de cérebros para a União Europeia? Ou então como deverá ser incentivada a “mobilidade dos cérebros”?

Como gerir os fluxos migratórios sem a prévia colaboração e cooperação equilibrada entre os países de acolhimento da UE e os países de origem e de trânsito?

Como normalizar os fluxos migratórios sem realizar os «Objectivos de Desenvolvimento do Milénio»?

Como lutar contra a imigração ilegal sem olhar às razões que movem os fluxos migratórios e sem reforçar os laços de solidariedade com os países de origem?

Como combater o trabalho ilegal e a economia informal sem políticas estruturadas que englobem, entre outras medidas (v.g. programas de regularização dos imigrantes ilegais e melhor adequação do sistema de repatriamento), variadas sanções que venham a ser efectiva e prontamente executadas contra as empresas e empregadores (pessoas individuais ou colectivas) que se envolvem nesse tipo de actividades?

De outra forma, como conseguir alcançar o propósito comum de combater eficazmente a criminalidade transnacional, proteger as minorias e os migrantes particularmente vulneráveis?

11 junho 2006

 

Camões e o seu dia

Para além do Camões escritor, existe a figura mítica, espécie de emblema nacional, sucessivamente aproveitado por emblemas particulares, geralmente de signo conservador, como foi o caso do Estado Novo. A democracia tentou "democratizar" Camões, mas a verdade é que ele é hoje sobretudo uma referência nostálgico-nacionalista, principalmente para as "comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo".
Triste destino, dir-se-á. Mas Camões merecia melhor? Camões é um homem do Renascimento, do Renascimento tardio, com vastíssima cultura e não menor experiência do mundo e da vida. Da conjugação destes elementos, excepcionais no seu tempo (qual foi o intelectual do seu século que pôde viajar como ele e contactar com tantas e tão diversas culturas?), poderia esperar-se uma visão do mundo universalista e humanista, até tendencialmente racionalista. Mas não. A sua mundividência é estreitamente nacionalista, saudosista, belicista e mística (quase "beata", às vezes). Os Lusíadas não são a epopeia do homem renascentista, mas sim a exaltação de um aventura guerreira, cuja vanguarda é atribuída ao povo português pelos desígnios divinos, à maneira medieval. A exortação camoniana é à guerra à "moirama" para triunfo do "império cristão", triunfo do bem sobre o mal. Esta exortação à guerra de civilizações (mudam-se os tempos, mantêm-se as vontades!) revela a incapacidade de Camões de ultrapassar uma visão medieval, de ser coerente com a sua cultura renascentista.
Enquanto Montaigne, pela mesma época, encaminhava as suas reflexões sobre as experiências e "desilusões" do mundo para uma visão crítica, humanista e cosmopolita, Camões mergulhava num desespero místico-nacionalista ("sebastianista" com D. Sebastião vivo!). Dois padrões opostos de reacção aos "desconcertos do mundo", que haviam de marcar indelevelmente as culturas e os destinos dos dois países. Camões, ao contrário de Montaigne, tem um "dia". Mas Montaigne pertence à genealogia da liberdade e da "emancipação" (para utilizar vocabulário "pós- moderno"). Camões está no campo oposto. Para nosso mal.

10 junho 2006

 

A estratégia do confronto

Vejam-se as reacções dos professores a propósito da intenção do Governo de instituir a sua avaliação pelos pais dos alunos. Para além de francamente mal recebida pelos próprios e pelos respectivos sindicatos, abateu-se sobre essa classe profissional como que uma onda de indignação, de desalento e de sentimento de perseguição. O Governo, segundo muitas dessa reacções a que vamos assistindo pelos órgãos de comunicação social, estaria a fazer dos professores bodes expiatórios e a fazer recair sobre eles o odioso de todas as ineficiências do sistema de ensino. Ao mesmo tempo, tem-se dado uma imagem apocalíptica das escolas em que invariavelmente os alunos protagonizam cenas de indisciplina, de rebaldaria e mesmo de barbárie, porque muitos desses alunos são oriundos de meios onde predomina a violência e a falta de rudimentares princípios de educação, o que se reflectiria no quotidiano escolar com a subversão selvagem da disciplina.
Mesmo Prado Coelho, sempre tão encomiástico em relação ao actual Governo, tem alinhado nesse coro de protestos à ministra da Educação e contribuído para pintar essa imagem catastrófica das escolas, em que alunos insubordinados infernizam a vida dos professores, transformados em vítimas impotentes, profissionais frustrados, incompreendidos, sem autoridade, que se arruínam, degradam e deprimem, acabando, na melhor das hipóteses, no psiquiatra. E não só Prado Coelho, mas também Fátima Bonifácio, normalmente muito expedita a criticar outros profissionais que resistem à política de ataque aos «privilégios», e ainda outros intelectuais, que têm em comum o serem professores. Ás vezes dá a sensação que pouco faltará para se começar a defender, como já sucede noutras paragens, o regresso ao autoritarismo, aos açoites paternais e às «palmadas no rabo», tão violenta e mediaticamente criticadas há dias a propósito de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Como a realidade é fluida e mutante nos dias que correm!
Neste contexto, destaca-se o artigo do militante do BE, João Teixeira Lopes, publicado no «Público» de 8 do corrente, em que, apesar de causticar a diabolização «de forma constante e provocatória ⌠de⌡uma classe profissional que tem de ser envolvida e não afastada dos processos de mudança», traça um panorama sociológico das instituições escolares que fundamentalmente reproduz as diferenças das classes sociais, incluindo uns e excluindo outros, lembrando que, se existe uma realidade «que massacra (…) centenas de professores», também a escola exerce violência sobre muitos alunos, os mais desfavorecidos, «abandonando-os e humilhando-os, tantas vezes, no pretexto do estereótipo da ignorância, da estupidez, ou do “tu não nasceste para isto”».
Ora, não pretendendo alongar-me mais, retiro para já estas conclusões: a) – O Governo tem atacado várias corporações profissionais, a pretexto de ataque aos privilégios e ineficiência dos serviços, que realmente existe em muitos casos; tem-no feito de forma demagógica, quer tomando medidas que primam sobretudo pela espectacularidade e por um populismo de óbvias intenções, quer pondo em causa ou permitindo que se ponha em causa a honorabilidade desta ou daquela classe profissional no seu conjunto (hoje, os magistrados; amanhã, os funcionários públicos de uma forma geral; mais adiante, os professores, e por aí fora); b) – Cada classe profissional atacada reage invariavelmente como se fosse o principal alvo eleito de medidas persecutórias, dramatizando as condições em que trabalha, mas com frequência muitos dos «humilhados e ofendidos» de hoje, que com toda a razão se encolerizam por se verem identificados com a inoperância do sistema, que os ultrapassa e pela qual é injusto que sejam responsabilizados, pelo menos globalmente, gozaram o espectáculo da humilhação dos outros e até «ajudaram à missa», como se costuma dizer, sem curarem de saber das razões que lhes assistem e sem perceberem o método maquiavélico que está em jogo; c) – Esse método consiste em atacar cirurgicamente este e aquele grupo ou corporação profissionais para criar a divisão, segundo o princípio de que se deve dividir para reinar, ao mesmo tempo que se procura atrair a simpatia popular por meio de medidas que caem no goto do povinho, mas que, muitas vezes, ofendem perigosamente a auto-estima dos profissionais de certo ramo, levando-os a perder as estribeiras e a lucidez para analisarem friamente as situações.

 

Liga Portuguesa Contra o Cancro

A Liga Portuguesa Contra o Cancro, representada pela Presidente da Direcção, também recebeu uma condecoração (Ordem de Cristo).

Ainda bem que se reconhece o trabalho de mérito que vem sendo desenvolvido por essa Associação, tão útil na investigação, na prevenção do cancro e na assistência aos doentes oncológicos.

 

As ambições do género feminino

Agora que já terminou a cerimónia de entrega das condecorações, sem querer ser incómoda ou desagradável, aproveito para realçar que, dos 26 agraciados, apenas 4 eram mulheres!

09 junho 2006

 

vem aí o 10 de Junho...

Desta vez quem são os ilustres condecorados?
O que fizeram?
Oh, não quero saber.
Vou antes olhar para «a pequena palmeira» de Raoul Dufy (1905), que está no Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid.


 

ainda a paridade...

Pois é.
A Resolução e o Plano de acção adoptados pelos Ministros dos Estados que participaram na 6ª Conferência Ministerial Europeia sobre a igualdade entre as mulheres e os homens (Estocolmo, 8 e 9 de Junho de 2006) já podem ser consultados no site do Conselho da Europa.

 

Mais uma cavaca para a fogueira da paridade…

E que tal ao menos ler (no site http://www.coe.int/DefaultFR.asp) o discurso de Terry Davis (Secretário Geral do Conselho da Europa) na 6ª Conferência Ministerial Europeia sobre a igualdade entre as mulheres e os homens a decorrer em Estocolmo (8 e 9 de Junho de 2006)?

06 junho 2006

 

Começaram os incêndios

Começaram os incêndios. Isto, afinal, parece que é mesmo para arder, não obstante a determinação de extinguir a chama dos cigarros.

 

O haxixe e o bom Bracolletti

Meti o carro por aí acima em busca de um refúgio, passei a fronteira que já não é fronteira, olhei de esguelha, pela janela, a faiscante Ria de Vigo e só me detive lá mais para diante nas apaziguadoras baías das Rias Bajas. Estava farto de processos, de tráficos de droga, de crimes de abuso sexual, de correios electrónicos com mensagens profissionais, de noitadas a ponderar penas. Levei livros, livros, livros… para ler à sombra, rodeado por tantas águas, nas horas de canícula, e estancar tanta sede de letra impressa, que não a letra entediante decalcada em formas computorizadas de sentenças, acórdãos, motivações de recurso.
Levei Eça, claro! o eterno e universal Eça de Queirós. Eterno e universal até no sentido que Cardoso Pires denunciava como sendo o escritor que todas as «elites» nacionais pretensamente cultas e provincianas estão sempre prontas a citar e a admirar com infinita dose de «charme».
Levei Eça, entre outros, e reli os «Contos», ou uma porção deles. Já os li e reli muitas vezes, mas os «textos» (os bons «textos» literários) são para ler muitas e muitas vezes. A leitura de um «texto» é inesgotável. Por isso é que ainda somos capazes de ler os «textos» da Antiguidade Clássica e deles extrair prazer. A propósito, lembram-se de como o Jacinto d’«A Cidade e as Serras», tendo começado a criar empatia com a «incivilizada» Tormes, lia Homero na enxerga do seu rude quarto e emitia de vez em quando uma gargalhada sonora que ecoava pela imensidão dos salões vazios, ao sensibilizar-se com o humor de tal ou qual passagem da «Odisseia»?
Pois bem. Nenhuma leitura esgota uma obra, sendo através de cada leitura que ela se reactualiza constantemente. E também sucede que a relevância que damos em certo momento a determinadas factos confere aos «textos» uma inesperada vitalidade. É o caso, por exemplo, do rejuvenescido interesse pelo referido romance «A Cidade e as Serras», devido à importância que a ecologia adquiriu no nosso tempo.
Durante muito tempo, reli o prefácio das «Prosas Bárbaras», de que particularmente gosto, sem nunca ter atentado numa certa passagem em que Batalha Reis, o autor de tal prefácio, referindo-se ao entusiasmo de Eça por uma certa substância que trouxe do Médio Oriente, a certa altura diz: «Analisou, minuciosamente, as sensações que lhe dera, no Cairo, o uso do haxixe, e as visões fantásticas que nos preparava – porque ele e o Conde de Resende haviam-nos trazido haxixe misturado a geleia, a bolos e a pastilhas que se fumavam nuns cachimbos especiais.»
Foi a relevância moderna conferida aos estupefacientes e a minha experiência na área da repressão da disseminação desses produtos que me fez ver com olhos não inocentes, porventura até euforicamente escandalizados, esse fantástico interesse de Eça – imaginem! Eça de Queirós! – pelo haxixe.
Agora, neste fim de semana, foi a releitura dum conto - «Um poeta lírico» - que fez nascer para mim uma personagem que até aí eu ignorara: Bracolletti. O que tem de particular este Bracolletti? Uma debilidade, como diz Eça: «É singularmente guloso de rapariguinhas de doze a catorze anos: gosta delas magrinhas, muito louras, e com o hábito de praguejar. Colecciona-as pelos bairros pobres de Londres, com método. Instala-as em casa, e ali as tem, como passarinhos na gaiola, metendo-lhe a papinha no bico, ouvindo-as palrar todo baboso, animando-as a que lhe roubem os xelins da algibeira, gozando o desenvolvimento dos vícios naquelas flores da lama de Londres, pondo-lhes ao alcance as garrafas de gin para que os anjinhos se embebedem, e quando alguma, excitada de álcool, de cabelo ao vento e face acesa, o injuria, o arrepela, baba obscenidades, - o bom Bracolletti encruzado no sofá, de mãos beatamente cruzadas na pança, o olhar afogado em êxtase, murmura no seu italiano da costa síria:
Piccolina! Gentilleta!»
Enfim, foi preciso ter passado pelas Casas Pias, por todo este alarido à volta dos crimes sexuais e pela hipersensibilidade social a este tipo de crimes, com reflexos na minha prática profissional, para descobrir este verdadeiro estupor, que é «o bom Bracolletti».

04 junho 2006

 

Entrelinhas

Da leitura da mensagem do Presidente da República à Assembleia da República a propósito da Lei da Paridade consegue extrair-se o sentido da razão do veto presidencial. Sublinho as seguintes passagens:
"Considero um pilar fundamental da qualidade da democracia portuguesa o aumento da participação das mulheres na vida política.Como tal, à luz das disposições do artigo 109º da Constituição, entendo constituir uma obrigação do legislador, tanto a remoção de discriminações negativas em razão do sexo no acesso a cargos políticos, como, também, a promoção da igualdade no exercício de direitos políticos. (...)
A dignificação dos direitos políticos das mulheres constitui uma prioridade constitucional que deve ser atingida através de meios adequados, progressivos e proporcionados e não por mecanismos sancionatórios e proibicionistas que concedam às mulheres que assim acedam a cargos públicos um inadmissível estatuto de menoridade."
Pena é que estas "razões" tenham ficado nas entrelinhas e que se apresente como "objecção de fundo" os mecanismos sancionatórios previstos em tal Lei.
Note-se também que se evita num outro parágrafo chamar as coisas pelos seus nomes, pois a discriminações negativas contrapõe-se não, como seria de esperar, discriminações positivas mas "medidas positivas que promovam a paridade".

 

Mulher-Cão (1994)


Bem, ao ler os dois últimos textos do Maia Costa, lembrei-me de Paula Rego e da série Mulher-cão.

03 junho 2006

 

Paridade em perigo

O veto presidencial à lei de paridade não surpreende, porque toda a discriminação positiva é alheia ao ideário liberal. Note-se que, se o veto incide especificamente sobre o artigo que previa como sanção para a violação da paridade a rejeição da lista eleitoral, todo ele assenta numa retórica argumentativa contrária a esse tipo de discriminação.
O que verdadeiramente surpreende é a pronta aceitação do veto por parte do PS e do primeiro-ministro. Então a paridade não era uma das bandeiras do PS?
É claro que a lei pode ser retomada alterando o regime de sanções. Mas a reacção do PS é toda ela de mesuras e vénias para com o PR, numa atitude quase patética. E quanto às sanções, será que o estabelecimento de uma multa será suficientemente dissuasor? Não estará realmente a ideia de paridade em perigo?
Esta decisão do PR, a sua primeira afirmação "ideológica", de cariz claramente conservador (mau grado a estranha posição do PCP nesta matéria), não augura nada de bom. A questão do aborto, que reentrará na agenda política depois de férias (é o que está prometido pelo PS), será a próxima prova.

 

Dia nacional do cão

Sem qualquer menosprezo pelo fiel companheiro dos humanos, pergunto se a oposição à direita não terá proposta mais "fracturante" do que esta. Será que, perante a convergência de ideias com o PS, constatada no último congresso do PSD, é o cão que divide a direita da esquerda socialista?

02 junho 2006

 

Surpresas não há…

Concordo com Maia Costa.
São lições tardias de “moral”!
Mas, certamente que o Iraque não será a última invasão americana…

 

Transsexualidade em Espanha

Hoje o Conselho de Ministros Espanhol aprovou um projecto de lei que permite a rectificação do registo de nascimento de uma pessoa, quanto à menção do sexo, desde que o requerente junte informação médica com diagnóstico de “disforia do género” e que prove ter sido tratado medicamente durante pelo menos 2 anos para adaptar o seu físico ao sexo que reclama.
Para além da correspondência com “a verdadeira identidade do género”, o mesmo projecto de lei contempla a mudança do nome próprio “para que não haja discordância com o sexo reclamado”.

Deixa de ser necessária a prova da realização de cirúrgia para mudança de sexo (sendo certo que, a prova de ter sido feita tal cirúrgia antes da publicação da lei, é bastante para requerer a rectificação do registo).

Na exposição de motivos explica-se que a transsexualidade “é uma realidade social que exige uma resposta do legislador para garantir o livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade das pessoas, cuja identidade do género actual não corresponde ao sexo com que inicialmente foram registadas”.

 

Lições tardias de moral

Segundo a imprensa de hoje, os soldados norte-americanos no Iraque vão ter uma formação "adicional" de ética e moral.
A pergunta que eu deixo é se não é tardia essa "formação".

 

Desinformar noticiando

A notícia de hoje do Público sobre as estatísticas da justiça de 2005 é um bom exemplo de desinformação. Não se duvida dos números indicados, que aliás são, ao que parece, recolhidos do relatório anual do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do MJ. A desinformação reside em algumas subtilezas que passo a apontar. Desde logo no título: o número astronómico de processos pendentes, apresentado secamente, desde logo induz uma imagem de desordem e caos no sector. Imagem que se avoluma logo no primeiro parágrafo com a "acusação" de aumento significativo das pendências em 2005 relativamente aos anos anteriores, assim como da duração média dos processos.
Contudo, uma leitura atenta da notícia revela que a grande pendência é relativa à jurisdição cível e que aí somente as execuções constituem mais de dois terços das pendências. Na área criminal o aumento dos processos pendentes verifica-se gradualmente desde 2000, mas já na justiça laboral os números estabilizaram.
E quanto à referida duração média dos processos, apenas na área cível houve aumento da duração média, verificando-se tendência contrária nas restantes jurisdições. E nada se diz, por exemplo, sobre os tribunais superiores, onde a duração média tem diminuído acentuadamente, como facilmente se pode comprovar.
Em resumo: lida com atenção a notícia, ela própria revela uma realidade muito mais complexa do que é enunciado no título e no parágrafo inicial. Mas um leitor pouco ou mesmo medianamente atento tenderá a ler e assimilar a "mensagem" inicialmente proposta, mensagem aliás confirmativa da percepção corrente na opinião pública: que a justiça "não funciona".
A "notícia" funciona assim não como veículo de factos (as estatísticas da justiça em 2005), mas como ratificação de estereótipos consolidados nesta matéria.

 

Espelho meu, espelho meu, diz-me o que andam a fazer os Marines?

É que não basta só dizer - como o terá feito Bush - que a “Prisão de Abu Ghraib foi o maior erro dos EUA".

Quando é que a governação dos EUA começa a preocupar-se, zelosamente, em “re-educar” os seus militares, promovendo (ao menos …) o respeito pela dignidade humana e pelos direitos humanos para evitar as tragédias que se vão repetindo e conhecendo cada dia que passa?

Fazendo fé nas últimas notícias (embora ainda “com pouca visibilidade”), massacres no Iraque, nomeadamente executados por Marines americanos, terão ocorrido em Ishaqi (11 civis mortos) e em Haditha (24 civis mortos) …

 

UE e Aung Suu Kyi

A UE não quis deixar de marcar posição contra o regime militar de Myanmar, em particular contra a prorrogação da detenção de Aung Suu Kyi.

Por isso, foi hoje publicado no JO L 148 o Regulamento (CE) nº 817/2006 do Conselho de 29/5/2006 (que renova as medidas restritivas aplicáveis à Birmânia/Myanmar e revoga o Regulamento (CE) nº 798/2004).

Claro que as restrições são as “social e politicamente correctas e adequadas”, para quem preza direitos humanos, não prejudicando outros interesses económicos…

É a globalização, a ditadura da economia, a imagem da “Europa alargada”, etc., etc…

 

“Ressocialização” de espaços e atitudes nos Tribunais Portugueses

Também, BAAMONDE, Xulio Ferreiro, La víctima en el proceso penal, Madrid: La Ley-Actualidad, SA, 2005, pp. 180-183, aponta várias soluções para evitar a vitimização secundária, partindo da ideia de que é necessário dotar o processo penal de uma nova orientação, tendo em atenção os interesses e as necessidades da vítima (a nível dos “operadores da justiça” – v.g. polícias, funcionários, magistrados - importa mudar a atitude e forma de contacto com a vítima, criando maior empatia; há que oferecer medidas de protecção e assistência se necessário; estando em causa vítimas menores, pode-se aliviar a ansiedade do depoimento, em julgamento, através da separação física em relação ao arguido, de modo a que não se estabeleça o contacto visual ou então permitir que as declarações sejam prestadas junto a uma pessoa que o apoie; pode-se adequar as instalações judiciais às necessidades das vítimas e testemunhas; nos tribunais ter salas de espera suficientes de modo a separar as testemunhas de acusação das da defesa; facilitar estacionamento, transporte público, pessoal habilitado a prestar informações, especialmente destinadas a resolver dúvidas, como informações pontuais sobre os horários previstos para as intervenções processuais e suspensões dos julgamentos; edição de folhetos informativos que indiquem os direitos das vítimas e os lugares onde podem obter assistência).

Nas medidas que possam vir ainda a ser tomadas não se pode esquecer, além do mais, a garantia dos direitos de defesa do arguido, bem como o direito a um processo equitativo.

Em particular, quanto ao depoimento prestado pelo menor, fora da presença do arguido, ver BARRETO, Irineu Cabral, “Os Direitos da Criança – na Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, in Direitos das Crianças, Corpus Iuris Gentium Conimbrigae 3, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 85-88, alertando para a jurisprudência do TEDH, no sentido de «o princípio do contraditório ficar protegido se o defensor ou o seu representante estiverem presentes e [o] possam interrogar», citando, ainda, os Casos A.M. v. Itália, ac. de 14/12/1999 e SE. v. Itália, ac. de 12/1/1999 (queixa nº 36686/97).

GASPAR, António Henriques, “Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Direito Penal e Processual Penal) 2002”, RPCC, ano 13, fasc. 2, Abril-Junho 2003, pp. 266 e 267, recorda o Caso S.N. v. Suécia, ac. de 2/7/2002, no qual o “Tribunal apreciou a compatibilidade entre o modo como foram prestadas as declarações da vítima em processo por crime de natureza sexual e as garantias concedidas pelo artigo 6, § 3, alínea d), da Convenção», sendo certo que, «[nas] circunstâncias do caso, a testemunha que estava em causa – a vítima - foi a única prova na qual se baseou a convicção dos tribunais sobre a culpabilidade».
Assim, continua o mesmo Autor, «impôs-se ao Tribunal averiguar se o arguido dispôs de uma oportunidade adequada e suficiente de exercer os seus direitos de defesa a respeito da prova produzida por essa testemunha. (…) O TEDH fez notar que o registo de vídeo das primeiras declarações prestadas na polícia foi exibido durante o julgamento e na audiência no recurso, e que o registo das segundas declarações foi lido perante o tribunal do julgamento e a gravação destas declarações foi passada perante o tribunal de recurso. Nestas circunstâncias, tais medidas foram consideradas suficientes para permitir ao requerente contraditar, no decurso do processo, as declarações e a credibilidade da testemunha, tanto que tal contradita se revelou eficaz, pois o tribunal de recurso reduziu a pena aplicada ao requerente por considerar não provados parte dos factos de que era acusado. Embora reiterando que a prova obtida através de testemunha, em condições nas quais os direitos de defesa não são assegurados na extensão normalmente exigida pela Convenção, deve ser tratada com extrema cautela, o Tribunal considerou que, no caso, as instâncias internas haviam agido com a cautela exigível na avaliação das declarações prestadas pelo menor durante a investigação».

Salienta ainda GASPAR, António Henriques que, no Caso Craxi v. Itália, ac. de 5/12/2002, apreciou-se «a valoração de prova testemunhal produzida em fase anterior à audiência pública. (…) Com efeito, em certas circunstâncias, pode ser necessário que as autoridades judiciárias recorram a declarações prestadas na fase do inquérito ou da instrução, nomeadamente quando a impossibilidade de reiterar as declarações é devida a factos objectivos, como é por exemplo a morte do seu autor, ou quando seja necessário proteger o direito da testemunha a manter o silêncio sobre circunstâncias que podem originar a sua responsabilidade penal. Se o arguido tiver oportunidade, adequada e suficiente, de contraditar tais declarações, no momento em que foram produzidas ou posteriormente, a sua utilização não afecta, apenas por si mesma, o artigo 6, § 3, alínea d). No entanto, os direitos de defesa serão limitados de modo incompatível com o artigo 6 sempre que uma condenação se baseie, unicamente ou de maneira determinante, nas declarações de uma pessoa que o arguido não teve oportunidade de interrogar ou fazer interrogar, seja na fase anterior, seja durante a audiência».

 

A sala de audiências

Na semana passada o Ministro da Justiça referiu-se ao posicionamento do Ministério Público na sala de audiências para advogar a sua colocação em plano inferior ao dos juízes e paralelo ao dos advogados (estou a citar de cor, a ideia era esta aproximadamente).
Postas as coisas nestes exactos termos, a "ideia" tenderá a ser vista como (mais uma) medida punitiva contra o MP (e ninguém dirá que não era esse o objectivo principal do seu autor...). Contudo, não é esse o único, nem porventura o principal, problema que a nossa sala de audiências contém.
Lembrei-me então de trazer para este espaço uma reflexão escrita em 2000 e que por motivos vários nunca publiquei. Aqui a deixo, efectuados alguns cortes para encurtar e tornar o texto mais legível na blogosfera.


Para a democratização da sala de audiências

A sala de audiências é, de todo o espaço judiciário, o segmento mais marcado pela influência de uma visão autoritária da justiça, pois é o lugar central do exercício do poder. Aí, a arquitectura, a decoração da sala e a própria ritualização dos actos, serão elementos importantes da administração de uma justiça autoritária: na distribuição dos espaços, com a desigualdade de planos entre acusação e defesa, e a “humilhação” do acusado no “banco dos réus”; na decoração, com a representação de cenas de batalhas e outras cenas históricas quase sempre de conteúdo intimidatório, viradas que estão “para baixo”, e também de alegorias ferozes da justiça.
A sala de audiências dos nossos tribunais está concebida como um espaço de intimidação pessoal do acusado e onde existe um desequilíbrio notório em desfavor da defesa relativamente à parte contrária, o ministério público. A sala de audiências condensa toda uma concepção que nos orienta desde a porta do palácio da justiça: a da justiça/Thémis, a justiça cega e guerreira, a justiça que acima de tudo quer infundir respeito e temor a todos indistintamente, e não apenas julgar e proteger quem a procura em demanda da palavra justa que restaure a paz jurídica.
E se o 25 de Abril modificou a arquitectura judiciária, já quanto à sala de audiências, não se pode dizer que tenha trazido qualquer alteração significativa relativamente ao modelo anterior.
Lamentavelmente pouca atenção se tem prestado a este tema, como se a cena judiciária, o espaço em que se administra a justiça, fosse indiferente para o exercício da função de julgar.
As características da sala de audiências actual são as seguintes: separação da sala em duas zonas, uma para o público, a outra para o tribunal e restantes intervenientes processuais; diferenciação de planos entre o tribunal e o ministério público, por um lado, e os advogados, por outro, e ainda entre a bancada destes e o pavimento da sala; confinamento do réu dentro de uma «teia» (o «banco dos réus»).
Esta hierarquia de planos, discriminando a defesa em benefício da acusação, e o encerramento do réu no seu «banco» exprimem em toda a sua crueza (ou crueldade) quer o autoritarismo da cena e do acto, quer o pré-juízo de culpabilidade que envolve o réu, «degradado» a uma posição cénica humilhante de «pré-condenado», mau grado ainda gozar da presunção de inocência.
Várias ideias-força devem, a meu ver, guiar a concepção da sala de audiências (e vou referir-me exclusivamente à audiência penal). Desde logo, a laicidade. Não apenas no sentido de ausência de referências de índole religiosa (como os crucifixos), que a I República baniu dos tribunais, como também as alusões ideológicas, disfarçadas de referências “patrióticas”, com que o Estado Novo povoou as salas que construiu. Da mesma forma, a iconografia da Justiça deverá ser repensada, em ordem a eliminar o acima referido carácter “terrorista” com que ela é representada. Em suma, a sala de audiências deve ser um espaço sóbrio, neutro. Essa sobriedade não deve, porém, prejudicar um aspecto essencial, que é a funcionalidade. Este aspecto liga-se com outro, que é a solenidade.
A audiência não é uma “reunião de trabalho”, um encontro informal entre partes adversas. A audiência é um debate sujeito a regras rigorosas, desenrolando-se num espaço e num tempo próprios. A audiência tem um ritual específico, que não é apenas, nem sequer sobretudo, pompa e circunstância, mas sim uma sábia distribuição do direito à palavra por todos os sujeitos processuais, em ordem a habilitar o juiz a proferir a palavra final – a que dita a justiça do caso. O rito processual da audiência (o seu cerimonial) é uma garantia imprescindível dos direitos das partes e, dessa forma, da realização da justiça. A ritualização processual é a redução do conflito subjacente aos limites de uma luta igual, em que vão ouvir-se os argumentos da razão, e não os da força.
Essa ritualização relaciona-se intimamente com a solenidade, e historicamente foi adquirindo aspectos diversos consoante as culturas judiciárias. É universalmente utilizado um traje profissional para magistrados e advogados, e essa «tradição» não constrange de nenhuma forma a realização de uma cerimónia de índole genuinamente democrática. O traje simultaneamente investe e identifica o papel de cada um na cena perante o público, o que aliás é importante para a clarificação dos seus poderes, dos seus deveres, do seu estatuto.
Um aspecto ligado a este é o da distribuição e hierarquia dos lugares. Quer no plano simbólico, quer no funcional, parece inevitável a centralidade e a proeminência do lugar do juiz. Ele é o presidente da cerimónia e é ele quem vai decidir. Ele está acima das partes e equidistante delas. Ele está naturalmente num lugar mais alto e central.
As partes, além de equidistantes do juiz, devem situar-se no mesmo plano. Donde, inquestionavelmente, o ministério público não pode conservar o plano proeminente que sempre foi o seu na sala de audiências portuguesa, pois na audiência, e embora mantendo o seu estatuto de órgão de justiça (não sendo, portanto, "advogado do Estado" e, muito menos, "advogado do Governo", porque o nosso processo penal não é um puro processo de partes) que lhe impõe sempre um dever de imparcialidade e objectividade idêntico ao do juiz, ele é aí sobretudo uma das partes em litígio, aquela que formulou a acusação, a qual, é certo, não é obrigado a defender na alegação final, mas que tem o dever funcional de explorar em todas as suas virtualidades em ordem ao seu sucesso. Em síntese, os princípios do acusatório e da igualdade das partes impõem uma estrita igualdade de direitos na audiência entre acusação e defesa, e consequentemente um posicionamento igual na cena judiciária.
Mas o arguido, onde colocá-lo? Ao lado do seu advogado, integrando a bancada da defesa, como no processo civil? Ou no tradicional “banco dos réus”?
Diga-se desde já com toda a clareza que só a primeira solução se afigura compatível com o princípio da presunção de inocência e com o princípio da igualdade de armas, com o processo acusatório, em suma. Na verdade, a colocação do arguido no clássico “banco”, completamente rodeado pela “teia”, confina-o a um espaço fechado, encerra-o num espaço que simbolicamente antecipa o espaço prisional. O “banco dos réus” é um lugar submetido à vigilância do tribunal e à observação do público, degradando o arguido à condição de objecto do processo. Por outro lado, o processo acusatório faz do arguido uma parte, o verdadeiro adversário do ministério público na audiência. Por isso, o arguido deve estar ao lado do seu advogado, formando uma única bancada, situada em frente da do ministério público. Só assim haverá igualdade de armas na sua plenitude. Por outro lado, só assim o arguido terá porventura condições para uma defesa eficaz e sem limitações. É que, para articular devidamente a defesa com o seu advogado, o arguido deverá poder estar permanentemente em contacto com ele, transmitindo-lhe informações que aquele não possua e que poderão ser essenciais para a instância das testemunhas e mesmo para a preparação das alegações orais finais.
É claro que o arguido é não só um sujeito processual, como também um meio de prova, devendo submeter-se ao interrogatório do juiz logo no início da audiência, não se podendo furtar às respostas sobre a identidade pessoal, e tendo o direito de prestar declarações, nessa altura como em qualquer momento da audiência, sobre o objecto do processo. Enquanto meio de prova, o arguido não pode usufruir da sua posição «cénica» de parte. Quando prestar declarações, ele deverá deslocar-se para o lugar destinado àqueles que prestam declarações perante o tribunal (testemunhas, peritos e o próprio assistente quando indicado como meio de prova).
Falemos então desse outro sujeito processual – as testemunhas. Na nossa sala tradicional, elas sentam-se numa cadeira colocada à frente da “teia” que encerra o arguido, viradas de frente para o juiz e de lado para as partes, que não dispõem geralmente (nomeadamente os advogados de defesa e de acusação) de uma completa visibilidade do rosto das testemunhas por elas instadas. Por isso, justifica-se inteiramente a disposição italiana acima citada, quando fala da necessidade de o lugar das testemunhas ser visível tanto para o juiz como para as partes. A cadeira destinada às testemunhas deve situar-se ao centro, de forma a que a testemunha esteja frente-a-frente com o juiz e equidistante das partes e de todos perfeitamente visível e audível.
Por último, esse silencioso (por vezes nem tanto…) mas indispensável «sujeito processual» – o público. Não participando directamente no debate, a presença do público, melhor, a abertura da sala à presença popular, é um elemento estrutural de uma justiça democrática. Sem publicidade, a justiça não é digna desse nome. A publicidade é aliás um princípio adquirido desde a criação, com o liberalismo, do processo penal das garantias, e tem um claro sentido de controlo externo, de controlo democrático, da actividade dos magistrados. Em termos de geografia da sala, estes princípios obrigarão certamente a que o público não seja relegado para uma mera posição de “corpo presente”. A sua presença não deve ser meramente “alegórica”. O “povo”, não tendo evidentemente a faculdade de intervir na audiência, tem certamente o direito de ver e ouvir o que ali se passa. A sala de audiências deve, pois, ser construída em termos de esse direito ser efectivo.
Nos dias de boje, a publicidade da audiência não se pode, porém, restringir à mera presença de público. O interesse da audiência pode não ser meramente local, antes de âmbito regional ou mesmo nacional (para não dizer mais). Isto quer dizer que a publicidade da audiência significa hoje a possibilidade de divulgar pelos órgãos de comunicação social o que se passou dentro da sala. Significa consequentemente que é essencial conferir condições de trabalho aos “mediadores” da informação – os jornalistas. Necessário é pois conferir-lhes um espaço próprio, que lhes permita transmitir uma informação correcta e isenta.
Duas notas ainda sobre a comunicação social. A primeira é que parece seguro que uma informação correcta só poderá ser transmitida por profissionais habilitados, ou seja, com um mínimo de preparação jurídica. A formação adequada dos jornalistas e a sua credenciação para o acompanhamento da audiência são essenciais para o exercício da sua função. Por outro lado, publicização da audiência não exige de forma alguma as “transmissões em directo”, quer por imagem, quer mesmo apenas por via sonora. O julgamento que se desenrola na sala de audiência não pode ser dobrado por um outro desenvolvendo-se fora do seu espaço específico, que é o único que confere as garantias às partes para que a justiça seja feita. A justiça-espectáculo dos media é uma perversão da justiça democrática e a ela não podem ser feitas quaisquer concessões.
Um último aspecto tem a ver com a transparência. Esta ideia-força, estrutural numa justiça democrática, reporta-se a um extenso número de aspectos dos actos praticados na audiência, da leitura da acusação, passando pela reprodução oral das provas escritas contidas no processo, até à sentença, cuja motivação (não só de direito, como de facto) é indispensável para o controlo externo da função de julgar. O processo oral, acusatório e contraditório, que é o nosso, exige que tudo passe pela audiência, pelo debate, não havendo lugar para espaços recônditos ou penumbras processuais a partir da acusação.
Mas a transparência impõe não só essa exaustividade, como ainda outro aspecto — a identificação do julgador. Com efeito, o anonimato do juiz tem ressonâncias inquisitórias, ressonâncias do tempo do juiz inquisidor, o juiz sem rosto, transcendente e inacessível. A identificação do juiz, a personalização do tribunal, tem uma dupla função: por um lado, dessacralizante (a justiça é administrada por homens comuns investidos democraticamente naquela função) e, por outro, responsabilizante, na medida em que expõe mais facilmente a decisão do tribunal ao juízo crítico da opinião pública.
Isto implica que o juiz (bem como o magistrado do ministério público, para o qual valem igualmente as considerações expostas) esteja identificado na sala de audiências.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)