31 maio 2011
A violência-espectáculo
Indigna-me a violência e, sobretudo a violência entre jovens levada a extremos que parecem assumir uma decidida vontade de causar dano grave no corpo ou na saúde da vítima, com aparente indiferença por consequências mais radicais que possam advir.
Por isso, as imagens transmitidas pela televisão daquela cena de pancadaria em que uma jovem espanca outra com chocante crueldade causaram-me revolta e estupefacção. Essas imagens foram, de resto, tão minuciosamente transmitidas nos seus detalhes, com uma obsessão tão voyeurista, que eram para causar impacto no telespectador.
Não menos me impressionou a cena do rapaz a filmar em vídeo o que se estava a desenrolar diante dos seus olhos, todo entregue ao ofício de captar os mínimos pormenores, sem perder nada daquele prato suculento que lhe estava a ser oferecido, e isso para depois colocar a «sua obra de arte» no facebook. Este é um triste sinal dos tempos: uma violência cega entre jovens e a violência transformada em espectáculo para oferecer às massas famintas.
Esta violência não é só o sintoma de uma degradação social geral e juvenil em particular, como é objecto de um culto patológico, que se promove à sublimidade do espectáculo e se erige em momento de eleição para obtenção de algum protagonismo nas chamadas «redes sociais». Não interessa que dois ou três contendores, seja a que pretexto for (o mais das vezes um pretexto fútil ou pretexto nenhum, a não ser o incitamento à própria violência, ou o puro desejo de amesquinhar o outro) se digladiem, se esfarrapem, se estrupiem; não interessa que uma vítima, eleita muitas vezes em função de uma qualquer fragilidade, seja seviciada com toda a crueldade e brutalidade. O que interessa é o momento único, espectacular, que uma tal violência institui e a que, com verdadeira propriedade, se pode chamar um reality-show, esse depravado objecto lúdico que os meios audiovisuais, com destaque para a televisão, foram os primeiros a promover e agora campeia banalmente, sob a forma de violência-espetáculo, nas «redes sociais», com agressores e vítimas a sério e realizadores improvisados, que tentam captar com todo o sangue frio de que são capazes o sangue verdadeiro que autentica a sua obra.
Ainda há dias, vi um filme de produção dinamarquesa (por sinal tendo ganho o globo de ouro do melhor filme estrangeiro 2011), um filme de Suzanne Biere, intitulado «Num Mundo Melhor», que questionava esse tipo de violência juvenil (mais particularmente, o designado «bulliyng») e que, no caso, conduziu a um desfecho dramático, mas ao mesmo tempo libertador, na medida em que levou a uma aquisição de consciência e a uma elevação da qualidade humana das personagens envolvidas. Que esse filme tenha passado numa das salas mais diminutas da cidade do Porto, totalmente à margem do circuito comercial, é também um triste sinal dos tempos.
Rejeito, por isso, a tese de alguns, como já ouvi, de que violência escolar e entre jovens houve sempre, só que dantes, no nosso tempo (isto é, há umas décadas atrás) havia mais silêncio em redor dessa violência. A meu ver, essa é uma forma de nivelar tudo e de se recusar a ver esta violência dos tempos actuais. Mas também rejeito a insistência obsessiva com que a comunicação social, principalmente a televisão, passa as imagens desta violência real, convertendo-as, de uma outra forma, em espectáculo ou objecto de incitamento a uma outra variante de violência: a da reacção irracional do público, a de um apelo demagógico à exemplaridade justiceira.
29 maio 2011
A prisão preventiva: algumas notas
A prisão preventiva é excepcional, diz a Constituição. Só pode ser aplicada quando outras medidas de coacção forem insuficientes. Se excepcional é, em geral, mais o é quando o arguido seja menor civilmente (embora imputável criminalmente). Nessa faixa etária, só quando as necessidades cautelares sejam verdadeiramente extraordinárias pode justificar-se a prisão preventiva.
A prisão preventiva não visa punir o arguido, pois ainda não há condenação. Tem uma função meramente cautelar do processo.
O perigo de continuação criminosa tem de ser aferido em concreto, tem de haver uma probabilidade forte de repetição da conduta criminosa.
O perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas não coincide com a relevância dada ao facto pela comunicação social. A ordem e tranquilidade de que fala a lei é a da sociedade em geral, não a do grupo social a que pertence o arguido ou a vítima.
Tudo isto vem na lei e nos códigos anotados.
27 maio 2011
O aborto de novo na agenda da direita
É evidente que o tema não é "tabu", ou melhor, não é tabu a tal reavaliação. Mas se for para "melhorar" a lei, não para a revogar!
Há passos civilizacionais que não podem estar sujeitos a maiorias de circunstância. A IVG, o casamento homossexual, a opção transexual (como, mais remotamente, o divórcio), só por preconceito ideológico (ou religioso) podem suscitar oposição. A lei portuguesa está, nestas matérias, razoavelmente actualizada e nenhum dano causou no tecido social, nenhum "pilar da comunidade" ameaça ruir.
Para quê então voltar ao passado? Procurando agradar aos sectores mais retrógrados, não estará até Passos Coelho a alienar estratos mais numerosos e dinâmicos da sociedade?
Note-se que no programa eleitoral do PSD nada se diz... Talvez tenha sido apenas uma tarde infeliz...
Contra o pensamento único
Retomando diversos temas de reflexão da sua obra, parte de um "diagnóstico português" de longa duração (o "palimpsesto" da nossa história) para a análise da situação actual (acordo com a troika, etc.), para depois ensaiar saídas possíveis "com dignidade e esperança"...
Renegociar a dívida, para já, procurar reestruturá-la mais tarde, como tarefas urgentes.
Concomitante, mas de mais longa duração, a luta pela "democratização da democracia", a nossa, e a da Europa, na perspectiva de que "outro mundo é possível"...
Será? Entre o realismo e a utopia, em que devemos apostar?
Vivemos hoje (digo agora eu) tempos de realismo, de excesso de realismo, que nos matam, que nos tiram de todo a esperança. Não valerá um pouco a pena arriscar a utopia? Não foi isso que fizeram os povos tunisino e egípcio (ninguém dava nada por eles há uns meses atrás...)?
Neste tempo de pensamento único, de rendição total ao capitalismo financeiro e aos seus agentes, de repetição diária na TV até à exaustão das receitas das troikas como fatalidade, sabe bem ler propostas alternativas...
Porque haverá alternativas, se houver forças que as quiserem protagonizar, se essas forças ganharem efectiva força. Quando o programa de "ajuda" começar a mostrar as suas garras, veremos se o povo português ainda tem unhas para responder.
Essa resposta poderia começar no dia 5 de Junho, mas não creio. É ainda cedo. As respostas virão, se vierem, mais tarde, quando começar a doer... Veremos então a energia que nos resta... Ou vamos apenas desdobrar a passadeira para os senhores do mundo pisarem?
Bom, a leitura do livro do Boaventura é mesmo obrigatória!
26 maio 2011
A falta de eficácia das polícias
www.dn.ptHoje
23 maio 2011
Como teria sido em Portugal...
Os telejornais da noite abririam com a participação do advogado do arguido, começando pela SIC, depois a TVI e finalmente a RTP. O advogado explicaria, indignado, perante um benevolente locutor, que tudo se tratava de uma cabala montada pelo MP, que só em Portugal podiam acontecer coisas assim, porque não é um Estado de Direito. Ameaçaria recorrer a todas as instâncias nacionais e internacionais.
De seguida, apareceriam os comentadores, dizendo que o MP arriscava o prestígio internacional do Estado Português, não se compreendendo que se prendesse uma tão alta personalidade com tão pouca prova, sabendo-se até como as empregadas de hotel são mentirosas e susceptíveis de suborno...
O passado da dita camareira seria vasculhado e acabaria referenciada como prostituta ou pelo menos tolerante ao sexo negociado...
Caso fosse decretada a prisão preventiva pelo juiz, os jornais iriam investigar quem era esse juiz, com tanta lata para tomar uma atitude tão afrontosa da tal alta personalidade mundial...
O advogado do arguido não largaria obviamente a televisão (alternando de canal, dispondo inclusivamente de instalações próprias em algum ou algns delas para pernoitar, se preciso), aí exercendo o seu "múnus", sempre ameaçando, lembrando a indemnização astronómica que o Estado Português teria de pagar e que o próprio juiz também teria de pagar, em acção de regresso do Estado...
Enfim, fico-me por aqui.
E ainda nos pedem para apertar o cinto...
21 maio 2011
Ainda a justiça portuguesa
Só hoje vi que a conversa sobre justiça penal provocada pelo caso DSK tem prosseguido com muitos textos interessantes aqui no Sine Die (já que por motivos pessoais estive ausente desde este postal).
Aproveito para referir que o meu texto tinha apenas uma nota marginal sobre o sistema norte-americano. Ao qual está subjacente um modelo social e uma filosofia política em que as marcas diferenciadoras ainda estão ligadas à história, e, nomeadamente, à diversidade das revoluções francesa e americana, mas não deixa de ser possível, para exclusivos efeitos analíticos, traçar decomposições que permitam, nomeadamente, incidir a atenção em segmentos específicos como o processo penal (o que não tem implicados juízos em continuidade linear sobre o resto).
Em relação à detenção de DSK o que emerge ao nível dos sistemas de controlo social, pelo menos por ora, não é o sistema de penas e penitenciário (já o tinha dito aqui), não me pronuncio sobre indícios (não os conheço), mas suponho que foram dois juízes independentes que decidiram as medidas de coacção (não sei se bem, se mal) e que a defesa está assegurada por advogados competentes que já tiveram a possibilidade de esgrimir argumentos perante um juiz e o procedimento tem sido célere.
Não gosto de ver um arguido desnecessariamente algemado, e é óbvio que no caso não se apresentavam riscos de segurança que o tornassem necessário, mas, pelo motivo que expus não penso que existam elementos que me permitam concluir que esse procedimento foi determinado pelo intento de humilhação do político socialista francês ou do presidente do FMI.
Posso acrescentar que no caso de DSK parece existirem motivos para supor que não vai haver acordo sobre a pena e caso ele venha a ser sujeito a um julgamento penal, a defesa tem plenas condições de escrutinar a prova, expor argumentos e o veredicto será proferido com independência (já os julgamentos mediáticos são outra coisa).
Mas, como referi, no primeiro texto de Pedro Lomba o que para mim ressaltou independentemente da perspectiva sobre o sistema dos EUA que, ele, aliás, me parece que deixa em aberto é uma crítica certeira sobre um sistema de justiça penal que me diz mais respeito: o português. Com uma ineficácia brutal para lidar com arguidos com competência de acção, que não protege as vítimas, muitas vezes denota incapacidade de reacção tempestiva e construído com base em fins como «a realização da justiça e a descoberta da verdade material» tem difundido a percepção social de que afinal serve objectivos antagónicos.
Enfim, a constatação da deslegitimação de um subsistema que se me afigura essencial para uma sociedade funcional não é um desejo... pelo contrário.
Um desafio
Um modesto desafio: porque não fazer isso na área da justiça?
20 maio 2011
DSK, a vigilância e a vizinhança
O homem está indiciado por 7 (sete) crimes, tantos como os 7 (sete) pecados mortais. No bairro luxuoso de Manathan, onde está sedeada a sua casa, a vizinhança sente-se incomodada e parece que não quer ter nas proximidades um tal criminoso. Isto passa-se na cosmopolita Nova York, não na chamada América profunda, mas é como se Nova York fosse, sob esse aspecto, igual a qualquer obscuro recanto do globo, uma qualquer paragem do Alasca, onde pontificasse o génio de Sara Palin.
Referência bibliográfica
A informação e o juízo crítico nunca é de mais.
O fascínio da repressão
Mas, para desilusão desses entusiastas, Dominique vai ser colocado em prisão domiciliária, com a condição do pagamento de uma caução de um milhão de dólares... Então, e o tal princípio da igualdade?
Do princípio da presunção de inocência é que nem é bom falar. Como explicou uma jornalista americana à porta do tribunal, protege-se a imagem da vítima, não a do arguido, porque é arguido... Grande cultura democrática!
Finalmente, o Dominique já está indiciado por sete crimes sexuais (que dão direito a umas boas dezenas de anos de prisão). Para um homem de 62 anos, nada mal...
O folhetim vai continuar. A maioria dos "pensadores" vai certamente continuar do lado do MP americano contra o Dominique... Temos ainda o Renato Seabra (colega do Dominique por escassos dias...), ultimamente um pouco esquecido. Por quem irão eles torcer?
19 maio 2011
Ainda a justiça americana
Acho interessante o debate que neste blogue se tem travado a propósito da prisão de Dominique Strauss Khan e do sistema de justiça americano. Muito do que se escreveu é do melhor que tenho lido sobre a matéria. E saúde-se a intervenção de alguns companheiros, que há muito não diziam de «sua justiça», e em artigos bem informados e de grande fôlego, reflectindo sensibilidades diferentes, o que só enriquece o pluralismo de posições que se deseja.
Por mim, limitei-me a escrever um desabafo mais ou menos impressionista, provocado pelas imagens que tinha acabado de ver na televisão e que me causaram grande revolta, e também pela forma espectacular, invasiva e completamente desproporcionada da actuação da justiça americana, amplificada pelos “media”, bem como pela excentricidade de um sistema penal que comina penas tão graves para crimes sexuais, como as que, entre nós, estão previstas para os tipos mais graves de crime de homicídio (e como não poderia ser assim, num sistema que mantém a pena de prisão perpétua e a pena de morte para certos crimes?).
Mas há ainda uma nota que não gostaria de postergar: a do pressuposto igualitarismo no tratamento de todos os que, ainda que só suspeitos, caem na alçada da justiça americana. É um igualitarismo cego, que não sabe distinguir entre os vários tipos de agentes de factos ilícitos, entre simples suspeitos e condenados após a realização de um julgamento. Acho que foi Pedro Soares Albergaria, cujo artigo curiosamente só vi no dia seguinte a ter «postado» o meu, apesar de ter sido introduzido uma dia antes deste (de ordinário, também não leio antes o que outros escrevem, para não me influenciar) salientou o traço esquizoide deste sistema, e eu não posso senão aplaudir.
A Justiça e os "poderosos": ao cuidado do Paulo (e por aqui me fico)
A cultura jurídica da brutalidade
Ao contrário do que se afirma, e parece ser esse o ponto de vista do Paulo Dá Mesquita, o sistema penal americano parece-me tudo menos igualitário. De estranhar seria que o sistema de justiça fosse uma ilha num país em que a desigualdade social é matéria de dogma (sabido que é que os pobres só o são porque são preguiçosos e incapazes, e deus só recompensa os ricos, porque são diligentes e trabalhadores). As desigualdades judiciais serão tantas que só os ricos podem ter uma defesa eficaz, e essa geralmente é mesmo eficaz... No meio disto, a adversarialidade do processo penal vale bem pouco, a não ser como princípio retórico, ou melhor, vale para os tais que podem defender-se de forma eficaz... O princípio de oportunidade sem quaisquer limites, base da "negociação" do processo e da pena (e da denúncia de outros...), é também outro obstáculo óbvio ao princíoio da igualdade.
Mas o pior é ainda o sistema das penas (e esqueçamos de momento a pena de morte), que em alguns estados, como a Califórnia (que é um dos mais "civiizados") consagra a tal regra absurda do "à terceira é de vez" ("three strikes and you are out", para quem gosta das coisas em americano) que, além de absolutamente desproporcional, gerou uma população penitenciária que é a maior do mundo (ignoram-se é certo os dados da China...). E isso é mesmo o pior do pior: o sistema penitenciário. Não é preciso dizer mais.
Na sua globalidade, é um sistema brutal e desproporcionado, o contrário do que os estados de direito devem adoptar.
Que possa servir de referência para muitos europeus é apenas sinal da importância da hegemonia cultural, que é mais do que simples hegemonia, é um esmagador domínio da "cultura" americana (cultura, em sentido sociológico...).
«O meu tio da América»
Neste domínio, há claramente, uma grande distância em relação à afirmação normativa, nos países do Conselho da Europa, das Regras Penitenciárias Europeias.
Mesmo que na Europa a law in action deixe muito a desejar...
18 maio 2011
DSK – notas sobre o caso e os casos de processo penal
Etiquetas: cultura judiciária, democracia, estado de direito, processo penal, Terceira República
A justiça americana no seu esplendor
Eis a justiça americana no seu esplendor.
Uma personagem internacional – Dominique Strauss Khan – o director-geral do FMI, é denunciado por uma empregada de quarto do hotel, que entrou no aposento onde ele se encontrava, de a querer violar, logo tendo sido dado alarme à polícia. Não o tendo encontrado já no hotel, a polícia correu até ao aeroporto, e prendeu o homem em pleno avião, que se preparava para levantar voo para Paris, mantendo-o detido até o apresentar à juíza competente.
O homem foi levado algemado e, depois de ouvido pela juíza, que também terá avaliado outras provas (nomeadamente a versão da vítima e os arranhões que o apontado prevaricador ostentaria no corpo) manteve-o preso, sem admissão de caução – um milhão de dólares era a proposta -, por haver perigo de fuga desse alto representante de uma instituição internacional, com sede, precisamente nos EUA. O homem foi metido numa das prisões mais temíveis e sinistras de Nova York.
Agora, arrisca uma gravíssima pena de prisão: 20 anos, segundo alguns; 25 anos, segundo outros e até mais, muito mais do que isso, a avaliar por alguns opinadores: setenta e tal anos de prisão, tendo em conta a multiplicidade de crimes que ele terá cometido sob a forma de tentativa, usando várias vias de penetração corporal – o que, bem vistas as coisas, e mesmo que tentadamente, o coloca numa maratona sexual invencível. Seja como for, há uma coisa que é dada como certa: o homem arrisca prisão pelo resto da vida que lhe sobeja.
Convenhamos que, mesmo a dar como certo que haja indícios fortíssimos de que Strauss Khan, ao qual não me liga nenhuma simpatia especial e, muito menos, à instituição que representa, tenha cometido esses crimes – e tais crimes, como disse, creio conterem-se na esfera da tentativa, e aqueles indícios, para além das versões previsivelmente contrapostas do presumível autor e da presumível vítima, creio serem indícios que podem ter leitura diversificada, podendo servir qualquer das versões, como será o caso dos arranhões no corpo, a menos que haja outra meio de prova de comprovada fiabilidade científica, ou que os factos tenham sido captados por meios técnicos de espionagem e de devassa da vida privada, que acho serem ilícitos mesmo nos EUA – convenhamos que está à vista algo de desajustado, de desproporcionado e de extravagante, quer nos preliminares processuais e nas medidas adoptadas, quer nas penas que se adiantam como aplicáveis.
Isto é o que verdadeiramente se pode intitular de terrorismo penal.
17 maio 2011
Os opinadores e a Justiça "made in USA"
16 maio 2011
Um crime (demasiado) oportuno para alguns
(Aquela empregada de hotel quase mudou o mundo!)
Enfim, aguardemos. Não esquecendo, porém, que também Julian Assange, o da WikiLeaks, está a ser peseguido por crime mais ou menos idêntico...
Será que está descoberta a receita para neutralização dos inimigos políticos?
Bem, custa a crer. (Mas, em todo o caso, cuidado com as empregadas de hotel e outras tentadoras de idosos.)
14 maio 2011
Uma (péssima) opção fracturante do PSD
Esta ideia pode parecer apenas "técnica" e virtuosa até, do ponto de vista orçamental, por eliminar um ministro e respectivo séquito...
Mas não é assim tão inocente e até bastante "fracturante" (para o mal!). É que aqueles dois ministérios tratam de coisas muito diferentes: o primeiro da segurança interna, o segundo da justiça. São matérias diferentes e com lógicas diferentes. Misturá-las redundará muito provavelmente na colonização da justiça pela segurança, na securitarização da justiça... A autonomia administrativa do sector da justiça (e da PJ, enquanto polícia de investigação) é essencial para a salvaguarda do funcionamento da justiça com os seus valores próprios.
Esta é uma questão importante, decisiva, não um mero "pintelho" (para usar da terminologia oficial, ou oficiosa, do partido em causa).
Esperemos que mudem de ideias até "lá". Ou que nem sequer o problema se ponha, por opção dos portugueses...
Que posso dizer?
O que é que posso dizer, sem cair na banalidade das celebrações, na expressão de sentimentos carregados de um vazio retórico ou nos elogios mais ou menos óbvios, de um amigo que acaba de ganhar o maior galardão atribuído a escritores do âmbito da lusofonia – o prémio Camões?
Nada, a não ser repetir as suas próprias palavras, na difícil arte poética da decifração do mundo, da existência, da nossa própria identidade, na busca talvez impossível de uma língua original:
Arte poética
Vai, pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.
Se escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.
Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.
E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?
(Manuel António Pina, Os Livros)
10 maio 2011
A dívida dos portugueses
Paulo Portas diz que cada português deve € 17000,00.
Mas isso era se todos os portugueses fossem, por igual, responsáveis pela dívida. Mas há uns que apenas ou principalmente pagam e outros que apenas ou principalmente são responsáveis.
09 maio 2011
Oportunidade de ouro
Não se pode dizer que tenha sido uma mau negócio, isso não. A “ajuda” externa não é, assim, tão má para todos os portugueses, como se pretende fazer crer. Alguns esfregarão as mãos de contentes, por se lhes ter deparado (“deparado” é como quem diz: as coisas não surgiram assim ao azar) uma benfazeja “crise”, que, de um golpe, lhes concede as facilidades que, em condições normais, a luta política democrática tornava mais morosas e mais difíceis de conseguir.
08 maio 2011
O regabofe das parcerias público-privadas
Olhei para eles discretamente (pois eles estavam quase na minha frente), os nossos olhares cruzaram-se entre o interrogativo e o perplexo, e eu limitei-me a aplaudir interiormente, apenas com um ligeiro sorriso (segundo imagino) a aflorar-me a face.
Bin Laden
Bin Laden: execução em directo e exclusivo para a Casa Branca
A "operação" foi transmitida, em directo e em exclusivo, para a Casa Branca. Obama é um fanático dos "directos" e não quis perder, sendo para mais um Prémio Nobel da Paz, o espectáculo de uma execução em tempo real a milhares de kms de distância. Acompanhou-o um pequeno grupo de altas autoridades civis e militares (as religiosas declinaram o convite). No final, para selar o êxito da operação, foi servido champanhe francês enviado por Sarkozy para comemorar a execução de Khadafi, entretanto adiada "sine die".
Mas há mais pormenores. Quando surpreendido em sua casa pelos assaltantes, Bin Laden não estava armado, mas tentou resistir (ou porque não foi informado pelos invasores quem eram, ou porque a tradução foi mal feita), empunhando um mata-moscas. Foi imediatamente abatido (em "auto-defesa nacional", Eric Holder, procurador-geral americano, "dixit") por um dos membros do grupo invasor. O nome deste herói não poderá porém ser divulgado, por razões de segurança, o que é muito injusto porque ele é o mais notável americano do século XXI.
Não foram nem serão divulgadas fotos do cadáver, porque ficaram tremidas (mesmo morto Bin Laden metia medo) e podiam dar a (falsa) impressão de que tinha sido torturado antes de abatido.
A legalidade da operação tem sido posta em dúvida pelos círculos anti-americanos do costume. Mas Eric Holder esclareceu que ela era absolutamente coerente com a lei e os valores americanos.
Com a lei poderá haver dúvidas; mas com os "valores americanos", quem duvidará?
04 maio 2011
O programa do próximo governo
02 maio 2011
O grande troféu de Obama
Obama beneficia de uma súbita relegitimação interna (alguém pode agora pôr em dúvida que ele é um verdadeiro americano?) e até internacional, aos olhos dos dirigentes europeus que se apressaram a felicitá-lo e certamente de comentadores e da comunicação social, que nunca deixa de realçar e incensar as "vitórias americanas".
Escamoteia-se que se tratou de uma execução não judicial. É por isso estranho que se diga que foi feita "justiça"... Justiça tipo Far-West, talvez, uma "justiça" que os EUA nunca renegaram nas suas intervenções no palco internacional.
Creio, em todo o caso, que bin Laden era já um homem do passado. Ele não significava nada para as multidões que invadiram, e continuam a invadir, as praças e as ruas das cidades árabes à procura de liberdade e justiça social. Essa é a via de libertação do povo árabe.
O erro notado e a sua fonte
No Correio da Manhã de sexta (29-4) surge em primeira página: «Violador de Telheiras a 7 dias da liberdade – Procurador não pediu alargamento do prazo da prisão preventiva».
E na notícia revela-se a razão do título e a fonte: «Em circunstâncias normais, o prazo de preventiva esgota-se em 14 meses se não houver condenação de primeira instância – como é o caso de Sotero, a ser julgado. Só se for decretada a especial complexidade. […] O procurador não pediu o alargamento de prazos, erro notado pelos advogados das vítimas, que fizeram agora um requerimento à pressa».
Talvez fosse bom que, antes de se apressarem, lessem o código (caso tivessem os instrumentos hermenêuticos para o efeito), pois as disposições conjugadas dos arts. 1.º, al. j), 215.º, n.º 1, c) e n.º 2, permitem perceber (mesmo a quem não seja muito inteligente) que o prazo da prisão preventiva (não gosto nada de dizer apenas «preventiva», apesar de ser corrente em certo jargão), antes da condenação em primeira instância, estando o arguido acusado de crimes de violação afinal é de 18 meses (independentemente da especial complexidade).
Para além do mais, a especial complexidade pode ser declarada oficiosamente pelo juiz (art. 215.º, n.º 4, do CPP)!
O que está na base do falso «erro notado»?
Etiquetas: ética da discussão, Importa-se de repetir?, Justiça
01 maio 2011
Líbia: o desastre da intervenção da NATO
É agora confessado pela NATO que o seu objectivo é derrubar o governo, não propriamente proteger civis. E, para tanto, recorre a todos os métodos, mesmo os mais indignos, como o de bombardear residências familiares, para atingir alvos específicos, com o risco de matar inocentes. É o que terá acontecido hoje, com o ataque desferido contra a residência de um dos filhos de Khadafi, que terá provocado a morte do filho e de três netos do "guia" líbio. Tal como Israel, a NATO não recua perante punições familiares ou colectivas para atingir os seus "inimigos"... Que grande autoridade moral para combater o regime do coronel!
Uma voz diferente na Europa
Bom, esta é uma voz socialista, realmente socialista. Mas isolada na Europa, sem influência, pois a esquerda está em queda livre e a extrema-direita bate à porta do poder por todo o lado. Mas sabe bem ouvir esta denúncia do miserável complot entre as agências de "rating" (com as permanentes baixas de "rating") e os especuladores (também chamados "mercados"), aproveitando as idas de Portugal "ao mercado" para impor juros usurários, cada vez mais insuportáveis, numa atitude de pura agiotagem bem típica do capitalismo actual, em que já não só as empresas que podem ser levadas à falência, até países independentes podem sofrer ataques que os ponham de joelhos e os obriguem a irem comer à mão dos senhores do capital, que se apresentam então solicitamente a "ajudar" os aflitos, nas condições por eles impostas, claro...
(É evidente que Portugal, pela mão do actual governo, se pôs a jeito, mas o procedimento dos credores e especuladores, seus agentes e agências, não deixa de ser miserável, embora coerente com a sua "ética", a ética do capitalismo selvagem, o actual).
Para uma política criminal europeia
A Directiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, nomeadamente os seus artigos 15.° e 16.°, deve ser interpretada no sentido de que se opõe à legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que determina a aplicação de uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro, em situação irregular, unicamente porque este, sem motivo justificado, permanece no território desse Estado Membro em violação de uma ordem de deixar o referido território num prazo determinado.
Na fundamentação diz-se, entre outros argumentos que «os Estados Membros não podem prever, para remediar o fracasso das medidas coercivas tomadas para proceder ao afastamento forçado nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da referida directiva, uma pena privativa da liberdade como a prevista no artigo 14.°, n.° 5 ter, do decreto legislativo n.° 286/1998, somente porque um nacional de um país terceiro, depois de ter sido notificado de uma ordem para deixar o território nacional e de ter expirado o prazo fixado nessa ordem, continua a permanecer irregularmente no território de um Estado Membro, antes devendo os Estados Membros prosseguir os seus esforços para executar a decisão de regresso, que continua a produzir efeitos.
Para além das repercussões concretas sobre as politicas de emigração nos estados da União, hoje tão em voga, é, também um passo significativo na concretização do que não pode ser uma política criminal europeia.