31 maio 2011

 

A violência-espectáculo


Indigna-me a violência e, sobretudo a violência entre jovens levada a extremos que parecem assumir uma decidida vontade de causar dano grave no corpo ou na saúde da vítima, com aparente indiferença por consequências mais radicais que possam advir.
Por isso, as imagens transmitidas pela televisão daquela cena de pancadaria em que uma jovem espanca outra com chocante crueldade causaram-me revolta e estupefacção. Essas imagens foram, de resto, tão minuciosamente transmitidas nos seus detalhes, com uma obsessão tão voyeurista, que eram para causar impacto no telespectador.
Não menos me impressionou a cena do rapaz a filmar em vídeo o que se estava a desenrolar diante dos seus olhos, todo entregue ao ofício de captar os mínimos pormenores, sem perder nada daquele prato suculento que lhe estava a ser oferecido, e isso para depois colocar a «sua obra de arte» no facebook. Este é um triste sinal dos tempos: uma violência cega entre jovens e a violência transformada em espectáculo para oferecer às massas famintas.
Esta violência não é só o sintoma de uma degradação social geral e juvenil em particular, como é objecto de um culto patológico, que se promove à sublimidade do espectáculo e se erige em momento de eleição para obtenção de algum protagonismo nas chamadas «redes sociais». Não interessa que dois ou três contendores, seja a que pretexto for (o mais das vezes um pretexto fútil ou pretexto nenhum, a não ser o incitamento à própria violência, ou o puro desejo de amesquinhar o outro) se digladiem, se esfarrapem, se estrupiem; não interessa que uma vítima, eleita muitas vezes em função de uma qualquer fragilidade, seja seviciada com toda a crueldade e brutalidade. O que interessa é o momento único, espectacular, que uma tal violência institui e a que, com verdadeira propriedade, se pode chamar um reality-show, esse depravado objecto lúdico que os meios audiovisuais, com destaque para a televisão, foram os primeiros a promover e agora campeia banalmente, sob a forma de violência-espetáculo, nas «redes sociais», com agressores e vítimas a sério e realizadores improvisados, que tentam captar com todo o sangue frio de que são capazes o sangue verdadeiro que autentica a sua obra.
Ainda há dias, vi um filme de produção dinamarquesa (por sinal tendo ganho o globo de ouro do melhor filme estrangeiro 2011), um filme de Suzanne Biere, intitulado «Num Mundo Melhor», que questionava esse tipo de violência juvenil (mais particularmente, o designado «bulliyng») e que, no caso, conduziu a um desfecho dramático, mas ao mesmo tempo libertador, na medida em que levou a uma aquisição de consciência e a uma elevação da qualidade humana das personagens envolvidas. Que esse filme tenha passado numa das salas mais diminutas da cidade do Porto, totalmente à margem do circuito comercial, é também um triste sinal dos tempos.
Rejeito, por isso, a tese de alguns, como já ouvi, de que violência escolar e entre jovens houve sempre, só que dantes, no nosso tempo (isto é, há umas décadas atrás) havia mais silêncio em redor dessa violência. A meu ver, essa é uma forma de nivelar tudo e de se recusar a ver esta violência dos tempos actuais. Mas também rejeito a insistência obsessiva com que a comunicação social, principalmente a televisão, passa as imagens desta violência real, convertendo-as, de uma outra forma, em espectáculo ou objecto de incitamento a uma outra variante de violência: a da reacção irracional do público, a de um apelo demagógico à exemplaridade justiceira.

29 maio 2011

 

A prisão preventiva: algumas notas

Falando em geral:
A prisão preventiva é excepcional, diz a Constituição. Só pode ser aplicada quando outras medidas de coacção forem insuficientes. Se excepcional é, em geral, mais o é quando o arguido seja menor civilmente (embora imputável criminalmente). Nessa faixa etária, só quando as necessidades cautelares sejam verdadeiramente extraordinárias pode justificar-se a prisão preventiva.
A prisão preventiva não visa punir o arguido, pois ainda não há condenação. Tem uma função meramente cautelar do processo.
O perigo de continuação criminosa tem de ser aferido em concreto, tem de haver uma probabilidade forte de repetição da conduta criminosa.
O perigo de perturbação da ordem ou tranquilidade públicas não coincide com a relevância dada ao facto pela comunicação social. A ordem e tranquilidade de que fala a lei é a da sociedade em geral, não a do grupo social a que pertence o arguido ou a vítima.
Tudo isto vem na lei e nos códigos anotados.

27 maio 2011

 

O aborto de novo na agenda da direita

Pode ter sido apenas um "erro táctico", uma "gaffe", mas é sintomático. Ao falar na "reavaliação" da lei da IVG, e mesmo na eventualidade de um referendo, Passos Coelho revelou que a direita, mesmo a dita "civilizada", convive mal com a despenalização da IVG.
É evidente que o tema não é "tabu", ou melhor, não é tabu a tal reavaliação. Mas se for para "melhorar" a lei, não para a revogar!
Há passos civilizacionais que não podem estar sujeitos a maiorias de circunstância. A IVG, o casamento homossexual, a opção transexual (como, mais remotamente, o divórcio), só por preconceito ideológico (ou religioso) podem suscitar oposição. A lei portuguesa está, nestas matérias, razoavelmente actualizada e nenhum dano causou no tecido social, nenhum "pilar da comunidade" ameaça ruir.
Para quê então voltar ao passado? Procurando agradar aos sectores mais retrógrados, não estará até Passos Coelho a alienar estratos mais numerosos e dinâmicos da sociedade?
Note-se que no programa eleitoral do PSD nada se diz... Talvez tenha sido apenas uma tarde infeliz...

 

Contra o pensamento único

Quero chamar aqui a atenção para um livro de leitura obrigatória no momento que passa. É de Boaventura de Sousa Santos e chama-se "Portugal: Ensaio contra a Autoflagelação".
Retomando diversos temas de reflexão da sua obra, parte de um "diagnóstico português" de longa duração (o "palimpsesto" da nossa história) para a análise da situação actual (acordo com a troika, etc.), para depois ensaiar saídas possíveis "com dignidade e esperança"...
Renegociar a dívida, para já, procurar reestruturá-la mais tarde, como tarefas urgentes.
Concomitante, mas de mais longa duração, a luta pela "democratização da democracia", a nossa, e a da Europa, na perspectiva de que "outro mundo é possível"...
Será? Entre o realismo e a utopia, em que devemos apostar?
Vivemos hoje (digo agora eu) tempos de realismo, de excesso de realismo, que nos matam, que nos tiram de todo a esperança. Não valerá um pouco a pena arriscar a utopia? Não foi isso que fizeram os povos tunisino e egípcio (ninguém dava nada por eles há uns meses atrás...)?
Neste tempo de pensamento único, de rendição total ao capitalismo financeiro e aos seus agentes, de repetição diária na TV até à exaustão das receitas das troikas como fatalidade, sabe bem ler propostas alternativas...
Porque haverá alternativas, se houver forças que as quiserem protagonizar, se essas forças ganharem efectiva força. Quando o programa de "ajuda" começar a mostrar as suas garras, veremos se o povo português ainda tem unhas para responder.
Essa resposta poderia começar no dia 5 de Junho, mas não creio. É ainda cedo. As respostas virão, se vierem, mais tarde, quando começar a doer... Veremos então a energia que nos resta... Ou vamos apenas desdobrar a passadeira para os senhores do mundo pisarem?
Bom, a leitura do livro do Boaventura é mesmo obrigatória!

26 maio 2011

 

A falta de eficácia das polícias

Carneiro mata idosa e foge às autoridades
www.dn.ptHoje

23 maio 2011

 

Como teria sido em Portugal...

Tenho visto vários exercícios escritos especulando sobre o que teria acontecido a Dominique em Portugal. Cá para mim, teria acontecido o seguinte, pressupondo a detenção do delinquente.
Os telejornais da noite abririam com a participação do advogado do arguido, começando pela SIC, depois a TVI e finalmente a RTP. O advogado explicaria, indignado, perante um benevolente locutor, que tudo se tratava de uma cabala montada pelo MP, que só em Portugal podiam acontecer coisas assim, porque não é um Estado de Direito. Ameaçaria recorrer a todas as instâncias nacionais e internacionais.
De seguida, apareceriam os comentadores, dizendo que o MP arriscava o prestígio internacional do Estado Português, não se compreendendo que se prendesse uma tão alta personalidade com tão pouca prova, sabendo-se até como as empregadas de hotel são mentirosas e susceptíveis de suborno...
O passado da dita camareira seria vasculhado e acabaria referenciada como prostituta ou pelo menos tolerante ao sexo negociado...
Caso fosse decretada a prisão preventiva pelo juiz, os jornais iriam investigar quem era esse juiz, com tanta lata para tomar uma atitude tão afrontosa da tal alta personalidade mundial...
O advogado do arguido não largaria obviamente a televisão (alternando de canal, dispondo inclusivamente de instalações próprias em algum ou algns delas para pernoitar, se preciso), aí exercendo o seu "múnus", sempre ameaçando, lembrando a indemnização astronómica que o Estado Português teria de pagar e que o próprio juiz também teria de pagar, em acção de regresso do Estado...
Enfim, fico-me por aqui.

 

E ainda nos pedem para apertar o cinto...

Estes sim são problemas gravíssimos da "Justiça" portuguesa.

21 maio 2011

 

Ainda a justiça portuguesa


Só hoje vi que a conversa sobre justiça penal provocada pelo caso DSK tem prosseguido com muitos textos interessantes aqui no Sine Die (já que por motivos pessoais estive ausente desde este postal).
Aproveito para referir que o meu texto tinha apenas uma nota marginal sobre o sistema norte-americano. Ao qual está subjacente um modelo social e uma filosofia política em que as marcas diferenciadoras ainda estão ligadas à história, e, nomeadamente, à diversidade das revoluções francesa e americana, mas não deixa de ser possível, para exclusivos efeitos analíticos, traçar decomposições que permitam, nomeadamente, incidir a atenção em segmentos específicos como o processo penal (o que não tem implicados juízos em continuidade linear sobre o resto).
Em relação à detenção de DSK o que emerge ao nível dos sistemas de controlo social, pelo menos por ora, não é o sistema de penas e penitenciário (já o tinha dito aqui), não me pronuncio sobre indícios (não os conheço), mas suponho que foram dois juízes independentes que decidiram as medidas de coacção (não sei se bem, se mal) e que a defesa está assegurada por advogados competentes que já tiveram a possibilidade de esgrimir argumentos perante um juiz e o procedimento tem sido célere.
Não gosto de ver um arguido desnecessariamente algemado, e é óbvio que no caso não se apresentavam riscos de segurança que o tornassem necessário, mas, pelo motivo que expus não penso que existam elementos que me permitam concluir que esse procedimento foi determinado pelo intento de humilhação do político socialista francês ou do presidente do FMI.
Posso acrescentar que no caso de DSK parece existirem motivos para supor que não vai haver acordo sobre a pena e caso ele venha a ser sujeito a um julgamento penal, a defesa tem plenas condições de escrutinar a prova, expor argumentos e o veredicto será proferido com independência (já os julgamentos mediáticos são outra coisa).

Mas, como referi, no primeiro texto de Pedro Lomba o que para mim ressaltou independentemente da perspectiva sobre o sistema dos EUA que, ele, aliás, me parece que deixa em aberto é uma crítica certeira sobre um sistema de justiça penal que me diz mais respeito: o português. Com uma ineficácia brutal para lidar com arguidos com competência de acção, que não protege as vítimas, muitas vezes denota incapacidade de reacção tempestiva e construído com base em fins como «a realização da justiça e a descoberta da verdade material» tem difundido a percepção social de que afinal serve objectivos antagónicos.
Enfim, a constatação da deslegitimação de um subsistema que se me afigura essencial para uma sociedade funcional não é um desejo... pelo contrário.

 

Um desafio

Ao vazio ideológico dos debates televisivos seria importante perceber o que distingue verdadeiramente as propostas de execução de um programa do futuro governo, ainda que condicionado pela conjuntura económica. Seria interessante confrontar, sectorialmente, os partidos com a exequibilidade das suas propostas.
Um modesto desafio: porque não fazer isso na área da justiça?

20 maio 2011

 

DSK, a vigilância e a vizinhança

Dominique Strauss Kahn está agora em prisão domiciliária, com pulseira electrónica, uma fiança de um milhão de dólares, mais um fundo de garantia de cinco milhões de dólares, mais a vigilância contínua, durante 24 horas por dia de, pelo menos, um guarda armado, sendo que todas as despesas correm por conta do arguido (Na China, a família do condenado à morte também tem de pagar a bala mortífera).
O homem está indiciado por 7 (sete) crimes, tantos como os 7 (sete) pecados mortais. No bairro luxuoso de Manathan, onde está sedeada a sua casa, a vizinhança sente-se incomodada e parece que não quer ter nas proximidades um tal criminoso. Isto passa-se na cosmopolita Nova York, não na chamada América profunda, mas é como se Nova York fosse, sob esse aspecto, igual a qualquer obscuro recanto do globo, uma qualquer paragem do Alasca, onde pontificasse o génio de Sara Palin.

 

Referência bibliográfica

Para quem quiser conhecer realmente alguma coisa do processo penal americano aqui recomendo um livro do Pedro Soares de Albergaria, chamado "Plea bargaining": aproximação à justiça negociada nos EUA", da Almedina. Leiam especialmente o capítulo "Crítica".
A informação e o juízo crítico nunca é de mais.

 

O fascínio da repressão

As fotos de Dominique algemado, rodeado de polícias, achincalhado, encheu de júbilo alguns dos nossos cronistas. Era o "princípio da igualdade" no seu melhor!!!
Mas, para desilusão desses entusiastas, Dominique vai ser colocado em prisão domiciliária, com a condição do pagamento de uma caução de um milhão de dólares... Então, e o tal princípio da igualdade?
Do princípio da presunção de inocência é que nem é bom falar. Como explicou uma jornalista americana à porta do tribunal, protege-se a imagem da vítima, não a do arguido, porque é arguido... Grande cultura democrática!
Finalmente, o Dominique já está indiciado por sete crimes sexuais (que dão direito a umas boas dezenas de anos de prisão). Para um homem de 62 anos, nada mal...
O folhetim vai continuar. A maioria dos "pensadores" vai certamente continuar do lado do MP americano contra o Dominique... Temos ainda o Renato Seabra (colega do Dominique por escassos dias...), ultimamente um pouco esquecido. Por quem irão eles torcer?

19 maio 2011

 

Ainda a justiça americana


Acho interessante o debate que neste blogue se tem travado a propósito da prisão de Dominique Strauss Khan e do sistema de justiça americano. Muito do que se escreveu é do melhor que tenho lido sobre a matéria. E saúde-se a intervenção de alguns companheiros, que há muito não diziam de «sua justiça», e em artigos bem informados e de grande fôlego, reflectindo sensibilidades diferentes, o que só enriquece o pluralismo de posições que se deseja.
Por mim, limitei-me a escrever um desabafo mais ou menos impressionista, provocado pelas imagens que tinha acabado de ver na televisão e que me causaram grande revolta, e também pela forma espectacular, invasiva e completamente desproporcionada da actuação da justiça americana, amplificada pelos “media”, bem como pela excentricidade de um sistema penal que comina penas tão graves para crimes sexuais, como as que, entre nós, estão previstas para os tipos mais graves de crime de homicídio (e como não poderia ser assim, num sistema que mantém a pena de prisão perpétua e a pena de morte para certos crimes?).
Mas há ainda uma nota que não gostaria de postergar: a do pressuposto igualitarismo no tratamento de todos os que, ainda que só suspeitos, caem na alçada da justiça americana. É um igualitarismo cego, que não sabe distinguir entre os vários tipos de agentes de factos ilícitos, entre simples suspeitos e condenados após a realização de um julgamento. Acho que foi Pedro Soares Albergaria, cujo artigo curiosamente só vi no dia seguinte a ter «postado» o meu, apesar de ter sido introduzido uma dia antes deste (de ordinário, também não leio antes o que outros escrevem, para não me influenciar) salientou o traço esquizoide deste sistema, e eu não posso senão aplaudir.

 

A Justiça e os "poderosos": ao cuidado do Paulo (e por aqui me fico)

Pedro Lomba volta hoje, no Público, à questão dos "poderosos" e da "Justiça", a pretexto do "caso" DSK. E volta, diga-se, de modo bem mais sóbrio do que anteontem. É notório que terá lido J. Q. Whitman (autor que também remete, em vários pontos, para Tocqueville), para o qual, por coincidência, remeti no meu último postal (tal como fez, igualmente, Mouraz Lopes). A tese daquele autor, para explicar a oposição entre a severidade americana e a relativa "complacência" europeia em matéria penal, ou melhor, a tendência mais vincadamente igualitária do lado de lá do Atlântico e a maior preocupação com a dignidade do aguido (e sobretudo com a dignidade do condenado, pois é sobre as questões penitenciárias que o livro versa e em todo o caso é nesta sede que as difrenças são mais sugestivas) na europa, é a seguinte: enquanto na América a inexistência de uma sociedade aristocrática, vincadamente estratificada, implicou um nivelamento "por baixo" da resposta penal (a questão do estatuto social nunca foi um problema do sistema penal norte-americano, ao menos por comparação com os sistemas penais europeus), a profunda estratificação social das sociedades europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII, deixou-nos, por herança histórica, uma menor sensibilidade para a questão da igualdade dos cidadãos perante a lei (e de parte de quem tem por obrigação fazê-la cumprir). Devemos assumir isso como uma verdade (aquele autor, que se recomenda vivamente, demonstra-o à saciedade), e eu julgo tê-lo deixado claro no meu postal anterior. A Justiça norte-americana é inequivocamente mais eficaz do que a europeia na "perseguição" de delinquentes poderosos - e isso também é assim (por isso, mas também devido a uma questionável lassidão das estrutura de imputação, ao nível substantivo, e devido a um não menos questionável sistema de delação, garantido pela negociação da culpa, ao nível processual) por força daquela postura cultural diante do princípio de que cada cidadão conta apenas como um, mais um, cidadão. E isto é em si mesmo saudável e neste ponto, ao menos nesse, concordo com o articulista que acima citei: "um bocado mais de igualdade não nos faria mal".


Mas essa é só uma face da moeda. Aquela nivelação "por baixo" operada na cultura penal norte-americana levou a um certo "enquistamento" da resposta penal e especialmente da resposta penitenciária - por isso o citado autor americano refere (e outros como ele, ainda que com diversas comparações) que o actual direito penitenciário norte-americano está dois séculos atrasados em relação à evolução europeia e só é comparável ao de alguns países (suma ironia!) muçulmanos. Não admira, pois, que seja especialmente bem visto por aqueles que se empenham num, ou admiram um, direito penitenciário de sabor populista. Isso nota-se nos mais pequenos aspectos (que por aí já vi degradados a meras "technicalities"!): na América é preciso fazer o prisioneiro "sentir-se prisioneiro" e isso, supostamente, implica fazê-lo sentir-se recuar dois séculos; por isso as celas têm barras de ferro em vez de portas (não há privacidade para ninguém) e talvez por isso uma delicada senhora francesa veio chamar DSK de "chimpanzé com cio"; não são permitidos quase nenhuns objectos pessoais, que podem ser arbitrariamente apreendidos; os insultos dos guardas são tolerados; etc, etc. E isto é assim para todos, ricos e pobres, poderosos e fracos, brancos e negros, mulheres e homens. Essa é a parte boa; a que já não é tão boa - e que nos interpela para uma questão que não vejo respondida pelo Paulo, no postal abaixo, nem pelo o cronista acima citado - é a razão pela qual a igualdade só se pode fazer valer em limiares mínimos de dignidade ou até mesmo na ausência dela! Porque é que a igualdade só se pode fazer valer em "instituições totais"?, para usar a conhecida expressão de Goffman. É esse o grande problema, que muitos do que têm perorado sobre o temário não explicam. Como se quem vai comprar os berlindes tenha, por força, que trazer o saco todo! Como se um tratamento modicamente digno fosse incompatível com um tratamento razoavelmente igualitário!


A experiência histórica europeia é radicalmente distinta. Imperfeita, mas distinta; e porventura com melhor potencial de superação das suas imperfeições. O caminho para a igualdade em matéria penal não se fez, na Europa, nivelando "por baixo". Fez-se antes extendendo de modo progressivo ao cidadão comum, aos fracos, as prerrogativas penais (melhor: penintenciárias) dos poderosos, da nobreza, do clero e afins. A igualdade faz-se "de baixo para cima" - e a igualdade vista assim é, também, uma questão de dignidade. Isto é sugerido por um exemplo que hoje se nos antolha bizarro, mas nem por isso é historicamente neutro (se é que há alguma coisa neutra em história, ou em tudo o que é humano). Quando esse benemérito revolucionário, esse assassino em massa, que foi Robespierre, pugnou pela generalização da decapitação, durante o Terror, não foi por mesquinhas razões burocráticas, típicas dos genocidas, e nem por qualquer mesquinha "technicality" (como por vezes dizem aqueles que tudo querem justificar): para matar em massa não precisava de uma máquina como a fabricada pelo Dr. Guillotin. Já se matava em massa por enforcamento. Mas esse era, precisamente, o problema! Desde Grécia e desde Roma, ao que parece, o enforcamento foi consistentemente considerado (por razões que me escapam, é certo) uma das formas mais infames de fazer alguém ir daqui para o Além. Infamava o executado e - pior do que tudo - a sua família. Ora, de acordo com a cultura ocidental, gente de substância, pessoas de consequência, não podiam ser enforcadas. Um nobre, por exemplo, só podia ser executado pelo "aço". Verter sangue, muito sangue, era um privilégio de poucos. E esse tratamento diferenciado claramente perturbou os ideiais revolucionários - e ninguém era mais revolucionário do que o sensível Robespierre ("Discurso sobre as penas infamantes"). A decapitação generalizada foi, assim, uma medida igualitarista! (sem cabeça são todos iguais)


Hoje, a distância entre o direito penal europeu e o norte-americano não se faz em razão da forma de execução, desde logo porque na Europa já não se executa ninguém. Ou dito de outro modo: hoje, num certo sentido, há maiores diferenças entre a cultura penal europeia e a cultura penal norte-americana do que aquela que havia, há quase 3 séculos, entre a França reaccionária (a da forca) e a França revolucionária (a da guilhotina). Mesmo com as nossas deficiências igualitárias - que efectivamente se lamentam e com as quais não nos devemos conformar - julgo que não nos devemos envergonhar.


Devemos sempre ter muito cuidado com aquilo que desejamos ...


 

A cultura jurídica da brutalidade

Retomando o certeiríssimo artigo do Pedro Albergaria de anteontem, eu começarei por dizer que sou dos que padeço de uma visão negativa sobre a justiça do outro lado do Atlântico Norte, e os casos concretos que vêm a lume sempre me confirmam esse ponto de vista. Situando-me, portanto, como suspeito de "antiamericanismo", naquele como noutros aspectos, gostaria de alinhavar algumas considerações.
Ao contrário do que se afirma, e parece ser esse o ponto de vista do Paulo Dá Mesquita, o sistema penal americano parece-me tudo menos igualitário. De estranhar seria que o sistema de justiça fosse uma ilha num país em que a desigualdade social é matéria de dogma (sabido que é que os pobres só o são porque são preguiçosos e incapazes, e deus só recompensa os ricos, porque são diligentes e trabalhadores). As desigualdades judiciais serão tantas que só os ricos podem ter uma defesa eficaz, e essa geralmente é mesmo eficaz... No meio disto, a adversarialidade do processo penal vale bem pouco, a não ser como princípio retórico, ou melhor, vale para os tais que podem defender-se de forma eficaz... O princípio de oportunidade sem quaisquer limites, base da "negociação" do processo e da pena (e da denúncia de outros...), é também outro obstáculo óbvio ao princíoio da igualdade.
Mas o pior é ainda o sistema das penas (e esqueçamos de momento a pena de morte), que em alguns estados, como a Califórnia (que é um dos mais "civiizados") consagra a tal regra absurda do "à terceira é de vez" ("three strikes and you are out", para quem gosta das coisas em americano) que, além de absolutamente desproporcional, gerou uma população penitenciária que é a maior do mundo (ignoram-se é certo os dados da China...). E isso é mesmo o pior do pior: o sistema penitenciário. Não é preciso dizer mais.
Na sua globalidade, é um sistema brutal e desproporcionado, o contrário do que os estados de direito devem adoptar.
Que possa servir de referência para muitos europeus é apenas sinal da importância da hegemonia cultural, que é mais do que simples hegemonia, é um esmagador domínio da "cultura" americana (cultura, em sentido sociológico...).

 

«O meu tio da América»

Porque o que foi postado conforma, de alguma maneira, o essencial relativo a alguma ambivalência sobre o sistema penal norte-americano[partilhando quase tudo o que diz o Pedro Albergaria] retomo algo que, a propósito dos «resultados» daquele sistema, me parece essencial: a questão penitenciária. E, neste âmbito, sublinho a grande diferença na execução da pena de prisão nos sistemas norte americano e europeu. A não relevância da dignidade humana para o cidadão detido, sendo uma constatação inequívoca naquele sistema, leva a que pessoas como o Sr. James Q. Whitman, o mesmo de que fala o Pedro, («Comment expliquer la peine aux Etats Unis?» in Archives de Politique Criminelle, n.º 27, 2006)a afirmar que o «nivelamento por baixo» dos direitos dos presos assume consequências graves em todo o sistema penal norte americano.
Neste domínio, há claramente, uma grande distância em relação à afirmação normativa, nos países do Conselho da Europa, das Regras Penitenciárias Europeias.
Mesmo que na Europa a law in action deixe muito a desejar...

18 maio 2011

 

DSK – notas sobre o caso e os casos de processo penal

O caso do processo de DSK em NY suscitou alguns textos muito interessantes tanto no Sine Die, aqui, aqui e aqui, como noutros locais, merecedores de um debate alargado.
Como disse o Pedro De ordinário os fazedores de opinão domésticos têm uma de duas visões da América: amam-na ou odeiam-na. Tudo que vem do lado de lá do Atlântico ou é o melhor ou é o pior.
Sendo também verdade que hoje quando se fala de sistema de justiça na opinião publicada prevalece o embevecimento com a do outro lado Atlântico, por contraposição com a do último bocado de terra continental deste lado do oceano, aquele «é o melhor».
Em contraponto, sendo as leis e a sua leitura no nosso país uma coisa de juristas, entre estes, por muito silenciados que sejam na comunicação social, subsiste pujante o paroquialismo no olhar do «selvagem» sistema norte-americano que «é o pior» (o facto de muitas das nossas conquistas processuais virem de lá... a ser verdade não passou de um acidente histórico).
Sendo certo que há quem emerge com raro sentido de oportunidade surfando ondas e ultrapassando quaisquer espartilhos ideológicos para como observador privilegiado esclarecer o povo: É a cultura continental muito formalista, tecnicista e burocrática. Normalmente isto é misturado com uma retórica muito grande sobre a garantia dos direitos dos cidadãos, que não estão a garantir coisa nenhuma. Porque obviamente uma justiça atrasada é uma justiça negada. Temos problemas semelhantes, talvez não tão graves, em França e na Itália. Mas há outra cultura jurídica, a anglo-saxónica, que tem outra concepção: o cidadão quando mete uma acção em tribunal sabe exactamente o seu início e também quando termina. Nos tribunais norte-americanos os prazos são cumpridos.
Não partilhando a visão dicotómica denunciada pelo Pedro, parece-me que a sua superação exige análise crítica com níveis de abstracção rejeitados pela segurança das certezas imediatas (de leigos e juristas) sobre os pressupostos e operatividade do sistema de lá e o que se tem como adquirido relativamente ao «nosso». Existe, contudo, um outro trilho que também pode ajudar a desfazer alguns mitos, que conformam amores e ódios impressionistas, e que se apresenta menos agreste: a ponderação de «case studies», de cá e de lá (em particular ao nível do crime económico e de colarinho branco onde existem vários carecidos de leitura atenta).

O caso DSK relativo a um crime sexual é um dos muitos que se podem revelar exemplares para esse exercício de leitura dos sistemas processuais penais português e norte-americano. E neste ponto não digo nem alemão, nem francês, porque o código português de 1987 pretendeu sintetizar o melhor de todos os mundos e a questão que se me coloca cada vez com mais intensidade é se não conseguiu exactamente o inverso.

E já agora uma nota marginal, pergunta o Pedro Então, à míngua de concretas razões de segurança, porquê as algemas? Questão das algemas muito levantada a propósito de DSK já que interpela necessariamente a nossa sensibilidade o homem foi levado algemado, e eu acrescentaria despido de atacadores e gravata.
Nesse ponto, se bem me lembro do que li há uns anos, o procedimento estabelecido de uma forma geral quanto aos detidos (a questão dos presos em cumprimento de pena de prisão em certos Estados dos EUA já é de outra índole) teve na base exigências e críticas de movimentos liberais que confrontaram o sistema com a prática discriminatória, em face de múltiplas análises estatísticas, no algemar de detidos. Tendo as autoridades invocado que os critérios de leitura de risco adoptados pelas polícias implicavam tais variações estatísticas e na medida em que não quiseram assumir (nem os liberais exigir) a renúncia generalizada a esses procedimentos de segurança, o algemar de detidos e libertação de atilhos (atacadores, gravatas, cintos) passou a ser a regra em nome dos valores da igualdade e da democracia.

E quanto ao texto do outro Pedro, o Lomba, que também é um dos cronistas «que mais aprecio», não o interpretei como nosso Pedro (pois não me pareceu exultante com a justiça made in USA), e não tenho qualquer pejo em subscrever o sentido da sua asserção final (independentemente da perspectiva sobre o sistema dos EUA que, ele, aliás, me parece que deixa em aberto), pois a mim também «me apetece agradecer aos génios que criaram o nosso processo penal e montaram a tapeçaria do sistema de justiça. Não sei o que pretenderam garantir, se a justiça, se a inocência. Infelizmente, demasiadas vezes, não conseguiram nenhuma».

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A justiça americana no seu esplendor


Eis a justiça americana no seu esplendor.
Uma personagem internacional – Dominique Strauss Khan – o director-geral do FMI, é denunciado por uma empregada de quarto do hotel, que entrou no aposento onde ele se encontrava, de a querer violar, logo tendo sido dado alarme à polícia. Não o tendo encontrado já no hotel, a polícia correu até ao aeroporto, e prendeu o homem em pleno avião, que se preparava para levantar voo para Paris, mantendo-o detido até o apresentar à juíza competente.
O homem foi levado algemado e, depois de ouvido pela juíza, que também terá avaliado outras provas (nomeadamente a versão da vítima e os arranhões que o apontado prevaricador ostentaria no corpo) manteve-o preso, sem admissão de caução – um milhão de dólares era a proposta -, por haver perigo de fuga desse alto representante de uma instituição internacional, com sede, precisamente nos EUA. O homem foi metido numa das prisões mais temíveis e sinistras de Nova York.
Agora, arrisca uma gravíssima pena de prisão: 20 anos, segundo alguns; 25 anos, segundo outros e até mais, muito mais do que isso, a avaliar por alguns opinadores: setenta e tal anos de prisão, tendo em conta a multiplicidade de crimes que ele terá cometido sob a forma de tentativa, usando várias vias de penetração corporal – o que, bem vistas as coisas, e mesmo que tentadamente, o coloca numa maratona sexual invencível. Seja como for, há uma coisa que é dada como certa: o homem arrisca prisão pelo resto da vida que lhe sobeja.
Convenhamos que, mesmo a dar como certo que haja indícios fortíssimos de que Strauss Khan, ao qual não me liga nenhuma simpatia especial e, muito menos, à instituição que representa, tenha cometido esses crimes – e tais crimes, como disse, creio conterem-se na esfera da tentativa, e aqueles indícios, para além das versões previsivelmente contrapostas do presumível autor e da presumível vítima, creio serem indícios que podem ter leitura diversificada, podendo servir qualquer das versões, como será o caso dos arranhões no corpo, a menos que haja outra meio de prova de comprovada fiabilidade científica, ou que os factos tenham sido captados por meios técnicos de espionagem e de devassa da vida privada, que acho serem ilícitos mesmo nos EUA – convenhamos que está à vista algo de desajustado, de desproporcionado e de extravagante, quer nos preliminares processuais e nas medidas adoptadas, quer nas penas que se adiantam como aplicáveis
.
Isto é o que verdadeiramente se pode intitular de terrorismo penal.

17 maio 2011

 

Os opinadores e a Justiça "made in USA"

De ordinário os fazedores de opinão domésticos têm uma de duas visões da América: amam-na ou odeiam-na. Tudo que vem do lado de lá do Atlântico ou é o melhor ou é o pior. Não raro, a Justiça é um dos temas à volta do qual se gera um sem número de crendices mal alinhavadas; para uns, é a melhor do Mundo; para outros, a pior. Poucos são os que se dão ao cuidado de pensar, de submeter as suas opiniões ao escrutínio da razão e do estudo, de cotejá-las com factos, que são de acesso mais ou menos fácil. E, em boa verdade, nem sentem necessidade disso, pois a questão não é de factos e nem de razão. É uma espécie de religião - e, como se sabe, as "verdades" da religião não são refutáveis, não são falsificáveis. Se o fossem, não eram "verdades" religiosas - o critério das crendices não é a razão, mas a fé. É por isso que para esses fiéis (ou infiéis, depende do ponto de vista), qualquer aspecto da Justiça norte-americana, seja bom ou mau de acordo com uma análise modicamente racional e empírica, é defensável: tudo depende do lado da linha ideológica em que se postam. Há sempre uma maneira de defender ou de refutar uma evidência, há sempre um argumento que permite tornar bom ou desejável o que qualquer pessoa que nas suas opiniões não seja tão só iluminada pela crendice por força consideraria mau. E se isso falhar, há sempre mais um argumento, e outro e outro...


Vimos esse tipo de atitude aquando do caso Seabra. Aquilo era tudo "eficácia". Nenhum dos modernaços opinadores indígenas se questionou se não era um tudo-nada excessivo o homem (que também lá se presume inocente) só ter sido ouvido por uma juíza cerca de uma semana depois da detenção (cá seriam 48 horas); nem lhes ocorreu que a família dele teve de vender ou hipotecar a casa para garantir a defesa (cá, não tendo condições para pagar, era gratuito); nem os incomodou o facto de as declarações prestadas perante a polícia (sim, a da América, que tem uma incomparável tradição de brutalidade) o comprometerem no julgamento; ou ainda que a pena que enfrenta é pura e simplesmente impensável em qualquer outro país ocidental (isso, claro, se entretanto não for negociada, que ali é tudo business). Houve mesmo um Sr. jornalista que ficou impressionado (hó pacóvios!) com uma declaração do procurador encarregue do caso de que, na América (e por ser na América, claro), o Sr. Seabra beneficiava de uma "garantia adicional", que era, nem mais nem menos, do que o grand jury. Esta última foi porventura das maiores imbecilidades que alguns dos papalvos domésticos engoliram. Um tal elogio só podia provir de um ... prosecutor. Pois aquela figura é hoje um mero fantoche nas mãos do "MP" estadunidense. É verdade, foi uma figura que, historicamente, pela sua composição popular, teve um grande relevo na amenização das perseguições políticas da coroa inglesa em território americano. Hoje, faz o que o prosecutor quer e nas costas do arguido. Só quem nunca leu (ou finge que não leu) uma única página sobre o assunto é que não sabe que é assim. Mas a bondade dela sempre se pode explicar por um qualquer outro argumento que agora não me ocorre.


Agora, o caso DSK está a gerar mais uma onda de fervorosa religiosidade jurídico-comparada. É mais uma oportunidade para dizer mal da casa. Um ilustre comentarista nacional - por sinal um dos que mais aprecio - exulta com a Justiça made in USA (Pedro Lomba, Público 17.5.2011, "A queda de um anjo"). Implícita no texto está a ideia de seria impossível prender o Sr. Strauss-Kahn em Portugal. E isso talvez seja verdade. A Justiça lusa, tal como aliás as suas congéneres europeias, sobretudo as de matriz continental, têm com efeito um compromisso mais ténue do que a Justiça norte-americana com a ideia de igualdade formal perante a Lei. Inversamente, a Justiça norte-americana tem um compromisso muito mais frágil do que a europeia com o princípio da dignidade do cidadão arguido. Não é aqui lugar para perorar sobre as razões histórico culturais que explicam essas diferenças, razões que foram recentemente expostas de modo magnífico por um prestigiado comparatista e historiador do Direito. Deixo ficar apenas essa constatação, para ulteriores desenvolvimentos: a nossa (europeia) vantagem é o defeito "deles"; a vantagem deles é o nosso defeito.


Mas, voltando ao nosso opinador, diz ele duas coisas que suscitam reflexão e justificam sincera crítica. Um dos aspectos que louva é o de DSK, na sequência de várias diligências céleres e eficazes (pois aquilo é a América!), ter sido apresentado a um tribunal criminal "de algemas atrás das costas" (é a regra, porventura sem excepção, nos EUA; é, segundo creio, a excepção em todos os países europeus). Pergunta-se: porque é que isso é bom? Que razões justificam as algemas (e quatro o cinco rapazes tronchudos)? E, como se vê frequentemente, o que justifica os fatos às riscas (e, em alguns locais, "cor-de-rosa")? E algemas de pés e mãos? Não se trata, ainda, de um fulano que não foi julgado? Então, à míngua de concretas razões de segurança, porquê as algemas? Para o fazer "sentir-se como preso"? (por isso, faz parte e é tolerado na cultura dos guardas das penintenciárias norte-americanas atitudes como cuspir ou insultar os presos), como diz o autor para onde remeto acima? É essa a glória?


Mas Pedro Lomba diz mais. Referindo-se à incensada Justiça norte-americana, diz ainda que ela é feita com "uma clareza e previsibilidade, que não parece sacrificar nehum direito". Não percebo muito bem o que pretende significar com a "clareza", mas concordo com a "previsibilidade". Na América das sentencing guidelines as molduras penais, a mais de brutais, são estreitíssimas, sendo por isso que DSK "arrisca" (como se diz agora na tagarelice jornaleira) uma pena de 15 a 20 anos. Em nenhum outro país - ao menos daqueles onde as pessoas se lavam - há molduras destas. Mas elas são estreitas e brutais não por causa da Justiça, mas por causa da negociação (95 a 95% dos casos decididos nos States). Só é possível a negociação de penas (e também dos próprios factos!) à escala norte-americana, ali onde as molduras sejam efectivamente muito estreitas e elevadas. São elas que "alavacam" e replicam o poder de negociação do prosecutor. Isto é que é a verdadeira "previsibilidade" da Justiça norte-americana. Não tem nehuma "clareza". Pelo contrário, um tal sistema esconde hipocritamente as suas intenções (precisamente nos tribunais nova-iorquinos, os mais radicais em matéria de negociação, pode-se mesmo negociar o objecto do processo; em termos mais enxutos, posso acordar com o prosecutor que numa rua sentido único há dois sentidos...). Mas o que causa mais espanto é a ideia (não passa disso) de que aquele sistema "claro" e "previsível" "não parece sacrificar nenhum direito". Muito embora o cronista - é justo dizê-lo - fale apenas do que "parece" (e, como bem se sabe, nem sempre o que parece é), uma tal afirmação não lembra o Diabo! Vejamos uns números e frisemos uns aspectos, daqueles que vêm em estudos (norte-americanos, aliás) e não são o produto de profissões de fé.


Em 2005 (e está em crescendo) cumpriam pena de prisão na América cerca de 2 200 000 pessoas, sendo que 123 000 delas cumpriam prisão perpétua. O ratio de prisioneiros por 100 000 habitantes era de 737 (1 em cada 138 pessoas); e 1 em cada 20 crianças norte-americanas estará, em algum momento da sua vida, presa. Se se tiver em conta pessoas em liberdade condicional ou em regime de prova, o número ascende as uns estapafúrdios 7 000 000 de pessoas sob controlo do sistema penal! Estando em cumprimento de pena de prisão, no Mundo inteiro, cerca de 8 000 000 de pessoas, mais de 1/4 cumpre-a nesse glorioso sistema penitenciário que é o norte-americano. Muita dessa gente - a maioria mesmo - cumpre penas por crimes não violentos. O Supremo Tribunal Federal não reconhece, com consistência, um princípio de proporcionalidade como limite à aplicação de sanções (esta é ao cuidado dos autoproclamados liberais) e, assim, as penas de prisão aplicadas naquele país são 5 a 10 vezes (!) mais gravosas do que as propinadas na França ou na Alemanha (semelhantes às aplicadas em Portugal e no resto da Europa). Não é de estranhar, neste contexto, a aplicação de prisão perpétua a um indivíduo que furtou uma fatia de pizza, só porque em alguns Estados "à terceira é de vez". A questão é: são esses os sintomas de um sistema penal de excelência? Ou são antes de um sistema penal esquizóide? E por acaso se quiser insistir no argumento consequencialista (e é disso que se trata na mera inocuização penal, que é o que por ali grassa), esse sistema (e independentemente das "pentelhices" - como agora se diz - mediático-jornalinhas) tem-se mostrado eficaz no combate ao crime? E, se é, porque é que ele sobre sempre em flecha?


Isto vai longo, mas há mais. Parece que (resulta também do dito texto) que um recente acórdão de um tribunal da Relação é mote para todo o tipo de considerações sobre a Justiça pátria. Não me cabe - e nem posso ou devo - comentar a peça neste local. No entanto, admitindo a sua incorrecção para efeitos argumentativos, não se vê como pudesse macular irrevogavelmente toda a Justiça nacional (e, suponho, que as válidas razões de queixa dela não se focam primeiramente no conteúdo das decisões), sobretudo diante da luminosa Justiça made in USA. Não é nesse país que se julgam menores como se fossem adultos, ao ponto de há não muito tempo se ter pretendido julgar assim uma criança com 6 anos de idade? Não é aí que se executam doentes mentais? Não é nesse país que ainda se pune criminalmente a prostituta e só há bem pouco tempo deixou de ser punida a prática privada e consentida de actos homossexuais? E também não é nesse mesmo país que um cidadão pode ser perseguido pelo mesmo crime ao nível estadual e federal, e ser condenado duas vezes, sem violação a regra da proibição da double jeopardy? E também não foi aí que um alto responsável do "MP" veio à televisão dizer (que aquilo lá é preciso o voto), aquando da detenção de um conhecido administrador de uma multinacional, que tinha a esperança de que ele fosse posto numa cela junto de agressores sexuais? Ou ainda não é nesse país que se defendem, e aplicam, doutrinas paleolíticas da responsabilização penal sem culpa? (note-se: não é a decisão de um tribunal; é uma doutrina partilhada pelos tribunais e não raro vertida em forma de lei).


Muitos nosso compatriotas têm justíssimas razões de queixa (nomeadamente em termos de eficácia) do sistema de Justiça (quem tem culpa é questão que daria para 10 postais destes). E por isso, mesmo alguns dos informados acima da média deixam-se levar pelas lendas (às vezes são piores do que lendas, são lendeas mesmo) que diariamente lhes servem na televisão e nos jornais. Fartos da ineficácia nacional, desejam ardentemente aquela "eficácia" dos States, esquecendo que essa "eficácia", esse tipo de "eficácia", tem um outro lado menos sorridente. É daquelas em que o bebé vai junto com a água suja. Por isso convém ter cautelas, não exagerando. Comparações com os States podem trazer algumas surpresas.

16 maio 2011

 

Um crime (demasiado) oportuno para alguns

Habitualmente não me deixo seduzir por teorias conspirativas, mas este caso do presidente do FMI cheira-me a esturro. É demasiada sorte para Sarkozy, eliminar assim o principal rival... É também muita sorte para os EUA, porem a andar da presidência do FMI um europeu (e socialista)...
(Aquela empregada de hotel quase mudou o mundo!)
Enfim, aguardemos. Não esquecendo, porém, que também Julian Assange, o da WikiLeaks, está a ser peseguido por crime mais ou menos idêntico...
Será que está descoberta a receita para neutralização dos inimigos políticos?
Bem, custa a crer. (Mas, em todo o caso, cuidado com as empregadas de hotel e outras tentadoras de idosos.)

14 maio 2011

 

Uma (péssima) opção fracturante do PSD

Vejo noticiado na imprensa que o "futuro" governo do PSD será muito reduzido, apenas com dez ministérios, sendo fundidos num único os ministérios da Administração Interna e da Justiça.
Esta ideia pode parecer apenas "técnica" e virtuosa até, do ponto de vista orçamental, por eliminar um ministro e respectivo séquito...
Mas não é assim tão inocente e até bastante "fracturante" (para o mal!). É que aqueles dois ministérios tratam de coisas muito diferentes: o primeiro da segurança interna, o segundo da justiça. São matérias diferentes e com lógicas diferentes. Misturá-las redundará muito provavelmente na colonização da justiça pela segurança, na securitarização da justiça... A autonomia administrativa do sector da justiça (e da PJ, enquanto polícia de investigação) é essencial para a salvaguarda do funcionamento da justiça com os seus valores próprios.
Esta é uma questão importante, decisiva, não um mero "pintelho" (para usar da terminologia oficial, ou oficiosa, do partido em causa).
Esperemos que mudem de ideias até "lá". Ou que nem sequer o problema se ponha, por opção dos portugueses...

 

Que posso dizer?


O que é que posso dizer, sem cair na banalidade das celebrações, na expressão de sentimentos carregados de um vazio retórico ou nos elogios mais ou menos óbvios, de um amigo que acaba de ganhar o maior galardão atribuído a escritores do âmbito da lusofonia – o prémio Camões?
Nada, a não ser repetir as suas próprias palavras, na difícil arte poética da decifração do mundo, da existência, da nossa própria identidade, na busca talvez impossível de uma língua original:

Arte poética

Vai, pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?

(Manuel António Pina, Os Livros)

10 maio 2011

 

A dívida dos portugueses





Paulo Portas diz que cada português deve € 17000,00.
Mas isso era se todos os portugueses fossem, por igual, responsáveis pela dívida. Mas há uns que apenas ou principalmente pagam e outros que apenas ou principalmente são responsáveis.

09 maio 2011

 

Oportunidade de ouro

Esta é a oportunidade de ouro para o incipiente capitalismo português. O que muitos desejavam sem o conseguirem com a rapidez que a sua impaciência reclamava, hão-de consegui-lo agora, de uma penada, se souberem aproveitar bem as facilidades que a “troika” veio proporcionar: congelamento dos salários dos trabalhadores; pagamento de horas extraordinárias por baixo; facilitação dos despedimentos com redução das indemnizações a pagar e “ajustamento” do conceito de justa causa (a tão apregoada “flexibilização do mercado do trabalho); depreciação da negociação colectiva; redução da taxa social única (ou seja, redução da comparticipação das empresas à Segurança Social); encurtamento do prazo do subsídio de desemprego; cortes nas prestações sociais; privatização de grandes empresas públicas, etc., etc…
Não se pode dizer que tenha sido uma mau negócio, isso não. A “ajuda” externa não é, assim, tão má para todos os portugueses, como se pretende fazer crer. Alguns esfregarão as mãos de contentes, por se lhes ter deparado (“deparado” é como quem diz: as coisas não surgiram assim ao azar) uma benfazeja “crise”, que, de um golpe, lhes concede as facilidades que, em condições normais, a luta política democrática tornava mais morosas e mais difíceis de conseguir.

08 maio 2011

 

O regabofe das parcerias público-privadas

Há dias, à mesa de um repasto comemorativo num hotel da cidade, surpreendi uma conversa entre dois advogados (por sinal, um deles até me parece que é do PS), em que se falava de parcerias público-privadas. Dizia um deles para o outro: «Isto das parcerias público-privadas foi um descalabro. Contrataram-se escritórios de advogados, cujos serviços foram pagos principescamente, e para quê? Para fazerem contratos em que foram estabelecidas cláusulas leoninas contra o Estado e com transferência para este dos riscos próprios da actividade empresarial privada. No fundo, foi para os bolsos dos contribuintes que se conseguiu transferir os riscos de perdas e danos, ficando as empresas concessionárias com o único ónus de arrecadarem os lucros. Notável! Não me digam que o Estado não tinha juristas de mérito de quem se poderia socorrer e com a vantagem de tais juristas terem o dever de lealdade para com o Estado!»
Olhei para eles discretamente (pois eles estavam quase na minha frente), os nossos olhares cruzaram-se entre o interrogativo e o perplexo, e eu limitei-me a aplaudir interiormente, apenas com um ligeiro sorriso (segundo imagino) a aflorar-me a face.

 

Bin Laden

Bin Laden era certamente execrável, mas lá que fosse feita justiça, também não me parece. E ainda por cima com aqueles festejos em privado e em público. Foi executado, pura e simplesmente. Mas não morreu a Causa que ele representava; morreu ele. E se pensam que mataram o “monstro”, hão-de também lembrar-se que ele e os seus sequazes são uma criação (directa ou derivada) daqueles mesmos que o mataram. Assim têm actuado os USA: a perseguir e a matar os monstros por eles próprios criados. E depois há outro escolho monstruoso por trás desta execução: Guantánamo, a tortura, as confissões arrancadas sob tortura.

 

Bin Laden: execução em directo e exclusivo para a Casa Branca

Ficámos a saber mais uns pormenores sobre a operação "Obama vs. Osama".
A "operação" foi transmitida, em directo e em exclusivo, para a Casa Branca. Obama é um fanático dos "directos" e não quis perder, sendo para mais um Prémio Nobel da Paz, o espectáculo de uma execução em tempo real a milhares de kms de distância. Acompanhou-o um pequeno grupo de altas autoridades civis e militares (as religiosas declinaram o convite). No final, para selar o êxito da operação, foi servido champanhe francês enviado por Sarkozy para comemorar a execução de Khadafi, entretanto adiada "sine die".
Mas há mais pormenores. Quando surpreendido em sua casa pelos assaltantes, Bin Laden não estava armado, mas tentou resistir (ou porque não foi informado pelos invasores quem eram, ou porque a tradução foi mal feita), empunhando um mata-moscas. Foi imediatamente abatido (em "auto-defesa nacional", Eric Holder, procurador-geral americano, "dixit") por um dos membros do grupo invasor. O nome deste herói não poderá porém ser divulgado, por razões de segurança, o que é muito injusto porque ele é o mais notável americano do século XXI.
Não foram nem serão divulgadas fotos do cadáver, porque ficaram tremidas (mesmo morto Bin Laden metia medo) e podiam dar a (falsa) impressão de que tinha sido torturado antes de abatido.
A legalidade da operação tem sido posta em dúvida pelos círculos anti-americanos do costume. Mas Eric Holder esclareceu que ela era absolutamente coerente com a lei e os valores americanos.
Com a lei poderá haver dúvidas; mas com os "valores americanos", quem duvidará?

04 maio 2011

 

O programa do próximo governo

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02 maio 2011

 

O grande troféu de Obama

O troféu que Bush tanto procurou veio para às mãos de Obama: a cabeça de bin Laden, agora exibida ao mundo.
Obama beneficia de uma súbita relegitimação interna (alguém pode agora pôr em dúvida que ele é um verdadeiro americano?) e até internacional, aos olhos dos dirigentes europeus que se apressaram a felicitá-lo e certamente de comentadores e da comunicação social, que nunca deixa de realçar e incensar as "vitórias americanas".
Escamoteia-se que se tratou de uma execução não judicial. É por isso estranho que se diga que foi feita "justiça"... Justiça tipo Far-West, talvez, uma "justiça" que os EUA nunca renegaram nas suas intervenções no palco internacional.
Creio, em todo o caso, que bin Laden era já um homem do passado. Ele não significava nada para as multidões que invadiram, e continuam a invadir, as praças e as ruas das cidades árabes à procura de liberdade e justiça social. Essa é a via de libertação do povo árabe.

 

O erro notado e a sua fonte

No Correio da Manhã de sexta (29-4) surge em primeira página: «Violador de Telheiras a 7 dias da liberdade – Procurador não pediu alargamento do prazo da prisão preventiva».

E na notícia revela-se a razão do título e a fonte: «Em circunstâncias normais, o prazo de preventiva esgota-se em 14 meses se não houver condenação de primeira instância – como é o caso de Sotero, a ser julgado. Só se for decretada a especial complexidade. […] O procurador não pediu o alargamento de prazos, erro notado pelos advogados das vítimas, que fizeram agora um requerimento à pressa».

Talvez fosse bom que, antes de se apressarem, lessem o código (caso tivessem os instrumentos hermenêuticos para o efeito), pois as disposições conjugadas dos arts. 1.º, al. j), 215.º, n.º 1, c) e n.º 2, permitem perceber (mesmo a quem não seja muito inteligente) que o prazo da prisão preventiva (não gosto nada de dizer apenas «preventiva», apesar de ser corrente em certo jargão), antes da condenação em primeira instância, estando o arguido acusado de crimes de violação afinal é de 18 meses (independentemente da especial complexidade).

Para além do mais, a especial complexidade pode ser declarada oficiosamente pelo juiz (art. 215.º, n.º 4, do CPP)!

O que está na base do falso «erro notado»?

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01 maio 2011

 

Líbia: o desastre da intervenção da NATO

A NATO interveio na Líbia sob a credencial da resolução nº 1973, de 17 de Março, do Conselho de Segurança da ONU, alegadamente para evitar o massacre de civis. Mais de mês e meio depois, constata-se que o número de civis mortos aumenta constantemente, que a intervenção da NATO provocou uma guerra civil sem fim à vista e ainda que a NATO, como é costume, provoca, com os seus bombardeamentos, "danos colaterais" que só agravam a catástrofe humanitária.
É agora confessado pela NATO que o seu objectivo é derrubar o governo, não propriamente proteger civis. E, para tanto, recorre a todos os métodos, mesmo os mais indignos, como o de bombardear residências familiares, para atingir alvos específicos, com o risco de matar inocentes. É o que terá acontecido hoje, com o ataque desferido contra a residência de um dos filhos de Khadafi, que terá provocado a morte do filho e de três netos do "guia" líbio. Tal como Israel, a NATO não recua perante punições familiares ou colectivas para atingir os seus "inimigos"... Que grande autoridade moral para combater o regime do coronel!

 

Uma voz diferente na Europa

Poul Rasmussen, antigo primeiro-ministro dinamarquês e agora presidente do Parido Socialista Europeu (nada tem a ver com o outro Rasmussen, amigo e aliado de Bush, e que agora está na NATO), deu uma entrevista importante à Lusa, que passou praticamente ignorada porque disse coisas fora da corrente dominante na Europa. Disse ele que Portugal foi alvo de ataques especulativos dos mercados financeiros e que cabe à maioria conservadora na Europa a responsabilidade pela actual situação económica em Portugal. Mais disse que é injusto que um pequeno número de especuladores ataque a economia portuguesa e que sejam as agências de rating a avaliar as democracias. E mais referiu que se Portugal tivesse encontrado na UE líderes que coordenassem esforços para sair da crise através do investimento o país não estaria na situação em que está.
Bom, esta é uma voz socialista, realmente socialista. Mas isolada na Europa, sem influência, pois a esquerda está em queda livre e a extrema-direita bate à porta do poder por todo o lado. Mas sabe bem ouvir esta denúncia do miserável complot entre as agências de "rating" (com as permanentes baixas de "rating") e os especuladores (também chamados "mercados"), aproveitando as idas de Portugal "ao mercado" para impor juros usurários, cada vez mais insuportáveis, numa atitude de pura agiotagem bem típica do capitalismo actual, em que já não só as empresas que podem ser levadas à falência, até países independentes podem sofrer ataques que os ponham de joelhos e os obriguem a irem comer à mão dos senhores do capital, que se apresentam então solicitamente a "ajudar" os aflitos, nas condições por eles impostas, claro...
(É evidente que Portugal, pela mão do actual governo, se pôs a jeito, mas o procedimento dos credores e especuladores, seus agentes e agências, não deixa de ser miserável, embora coerente com a sua "ética", a ética do capitalismo selvagem, o actual).

 

Para uma política criminal europeia

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção) de 28 de Abril de 2011 (Processo C 61/11 PPU):
A Directiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, nomeadamente os seus artigos 15.° e 16.°, deve ser interpretada no sentido de que se opõe à legislação de um Estado Membro, como a que está em causa no processo principal, que determina a aplicação de uma pena de prisão a um nacional de um país terceiro, em situação irregular, unicamente porque este, sem motivo justificado, permanece no território desse Estado Membro em violação de uma ordem de deixar o referido território num prazo determinado.
Na fundamentação diz-se, entre outros argumentos que «os Estados Membros não podem prever, para remediar o fracasso das medidas coercivas tomadas para proceder ao afastamento forçado nos termos do artigo 8.°, n.° 4, da referida directiva, uma pena privativa da liberdade como a prevista no artigo 14.°, n.° 5 ter, do decreto legislativo n.° 286/1998, somente porque um nacional de um país terceiro, depois de ter sido notificado de uma ordem para deixar o território nacional e de ter expirado o prazo fixado nessa ordem, continua a permanecer irregularmente no território de um Estado Membro, antes devendo os Estados Membros prosseguir os seus esforços para executar a decisão de regresso, que continua a produzir efeitos.

Para além das repercussões concretas sobre as politicas de emigração nos estados da União, hoje tão em voga, é, também um passo significativo na concretização do que não pode ser uma política criminal europeia.

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