31 dezembro 2005

 

Em maré de votos…

Notícias pairam no ar: a justiça vai abandonar aquele ar enjoado, meio empertigado, envelhecido, flácido, cansado…tudo isso sem as apetecidas plásticas cirúrgicas e até… sem botulinum toxin A!

Que esse enjoo, em 2006, ilumine uma nova justiça: moderna, renovada e retemperada…para valer mesmo!

Espero “impacientemente” que, neste congelado ano de 2006, seja uma realidade dizer: Vale a pena viver em Portugal…porque:

- os nossos “cientistas” (presentes e futuros) vão encontrar incentivo e colocação profissional no nosso país,

- o emprego vai crescer substancialmente, apesar dos longínquos planos “Ota” & “TGV”…

- os jovens vão poder perspectivar o futuro de forma positiva, com a garantia final de receberem a merecida reforma na velhice,

- os idosos vão ser instalados em casas acolhedoras, com todas as mordomias ansiadas,

- os pobres, os sem-abrigo, os dependentes etc. vão ser acolhidos de forma tal que vão querer mudar de vida, mesmo os mais resistentes,

- os bairros sociais vão ser demolidos e, em lugar deles, surgirão condomínios fechados de óptima qualidade,

- a “especialização” em qualquer área ou profissão vai ser uma realidade e todos vão querer aprender,

- as horas de trabalho dos portugueses vão ser melhor geridas e rentabilizadas, contribuindo para um substancial aumento da “produção”,

- a “burocracia”, os “lobbies”, os “jobs for the boys”, a “decadência”, a “negligência” etc. vão acabar de vez, deixando de “emperrar” a “máquina” estadual e para-estadual,

- vai ser um prazer ir a uma repartição ou serviço público, onde apenas funcionará a eficácia e a competência,

- todos vão querer pagar os devidos e reais impostos, de tal modo que os cofres vão abarrotar,

- o nirvana da integração comunitária global será atingido: com igualdade, sem discriminação, nem violência, numa vontade uníssona de reconstruir, de aceitar valores (admitindo a diversidade), de lutar, de progredir,

- todos vão, enfim, em liberdade, crescer interior e exteriormente, pautando-se pela verdade e pela responsabilidade, vivendo felizes para sempre…

26 dezembro 2005

 

Novo quadro para a política criminal (4) - As polícias e o Governo


A propósito de novos quadros para a política criminal como já se referiu (1, 2 e 3) a definição de modelos efectivos de prestação de contas constitui um imperativo democrático.
A proposta do Governo de uma Lei-Quadro de Política Criminal apesar de centrar o enfoque na criação de mais um instrumento de definição de política criminal, revela um novo sistema de prestação de contas ou escrutínio, por um lado a nova forma de definição político criminal (resolução da Assembleia da República com reserva de iniciativa do Governo), por outro a identificação dos destinatários desse novo instrumento.
Enquanto órgãos politicamente conformadores parece natural que o Parlamento e o Governo fiquem vinculados no âmbito das respectivas competências às resoluções (embora estejam por esclarecer as novas vias de preparação das definições de política criminal e de escrutínio, nomeadamente através de estudos de instituições cientificamente credíveis, dos efeitos criminológicos das leis e resoluções).
Já quanto aos destinatários que terão de responder pela sua execução parece indubitável a referência ao Ministério Público, o órgão constitucional autónomo com a titularidade da acção penal e responsável pela defesa da legalidade democrática. As questões essenciais neste segmento centrar-se-ão nos termos de fixação (e respectivos efeitos) de uma comunicação da Assembleia da República com pretendidas pretensões de conformação política da acção do MP por via distinta da lei (parece que se quis acentuar a dimensão não normativa da mesma ao fixar a forma de resolução).
Contudo, na proposta de lei do governo são também referidos como destinatários os «órgãos de polícia criminal e os departamentos da Administração Pública que apoiem as acções de prevenção e a actividade de investigação criminal» para que os mesmos observem «na distribuição de meios humanos e materiais, os objectivos, prioridades e orientações constantes das resoluções sobre a política criminal» (art. 11.º, nº 3 da proposta).

A criação de um espaço de acção dos órgãos de polícia criminal, em que de forma autónoma (relativamente ao MP e ao Governo) procedam à conformação das directrizes de política criminal fixadas pelo Parlamento é, antes do mais, constitucionalmente duvidoso atentos os arts. 219.º e 272.º da Constituição (já que se trata de órgãos dependentes de órgãos constitucionais, estes sim responsáveis pela prolação das medidas necessárias a conformar a actividade de repressão criminal).
Acresce que a pluralidade de responsáveis pela direcção da execução (recorde-se que mesmo não pensando nos outros departamentos da Administração Pública os órgãos de polícia criminal são múltiplos e inseridos numa pluralidade de ministérios, nomeadamente, Administração Interna, Justiça, Finanças, Defesa, Economia, Ambiente...) implica a dispersão das coordenadas de execução política (ao arrepio do que se apresenta como uma preocupação de unidade político criminal das instâncias formais de controlo).
Mas para além disso esta variação de interlocutor marca a desresponsabilização executiva do Governo que é o responsável jurídico-político pela execução da política criminal em sede de dotação de meios das instâncias de repressão criminal e pela direcção dos órgãos de polícia criminal e departamentos da Administração Pública naquilo em que estes não estejam subordinados ao Ministério Público (por força do sistema de (r)estrita dependência funcional da autoridade judiciária).

Em resumo, a responsabilidade jurídico-política pela assunção de prioridades e orientações traçadas pela Assembleia da República em sede de repressão criminal não pode competir às polícias mas ao Ministério Público e ao Governo, devendo as duas entidades prestar contas sobre a execução da política criminal definida pela Assembleia da República. Pois é preciso evitar que no momento de prestação de contas um governo, um qualquer governo, não assuma a sua responsabilidade dizendo que afinal «esta não é a minha polícia».

23 dezembro 2005

 

A SERENIDADE NA INQUIETAÇÃO…

Um dia ouvi o conhecido neurocirurgião João Lobo Antunes a falar sobre Ética, alertando que a «ética deve inquietar»!

Como em tudo na vida, também a praxis judiciária deve inquietar o Magistrado, levá-lo a reflectir, a interrogar-se sobre a forma como exerce a sua função…

Qualquer Magistrado, seja Juiz ou Ministério Público, esteja na primeira ou última instância, tem que se questionar, interrogar … abandonar a vida circunscrita e limitada, deixar de se arrastar pelos corredores das palavras, tantas vezes usadas e desgastadas, às vezes ocas, outras vezes sedutoras…

Os Magistrados são homens e mulheres sem prioridades… que devem lutar por enriquecer a vida de todos e de cada um de nós.

Quem recorre aos Tribunais confia neles, acredita que serão capazes de assegurar o respeito e a protecção dos seus direitos.
Por isso os Magistrados, depositários dessa confiança e de tais expectativas, têm o dever de permanentemente apurar a sua sensibilidade humana e jurídica para alcançar a melhor compreensão da realidade que lhes é apresentada.

Deixemos, por isso, as retóricas e as elaborações rebuscadas para os que se conformaram, porque ser Magistrado é estar ali a ouvir, a tentar compreender e solucionar o episódio da vida que cada um vem contar à sua maneira…

Mas, para isso, há que ter sentido de responsabilidade e ser exigente consigo próprio!
A auto-crítica, a vontade de melhorar são tão importantes…
Quem não será capaz de se inquietar e aí encontrar a serenidade?

21 dezembro 2005

 

Presidenciais e Ministério Público

O Ministério Público tem aparecido na campanha das presidenciais, mas é deveras precupante a forma como vários candidatos tên falado desse tema. Os candidatos da área do PS não escondem ressabiamentos e não conseguem deixar de afunilar e fulanizar a discussão em torno de um processo e de uma pessoa, para cujo lugar alguns gulosos se vão alinhando.
Só Jerónimo de Sousa soube pôr o dedo na ferida: na necessidade de salvaguardar o estatuto de autonomia do Ministério Público, de evitar a sua governamentalização.
O que pensam os outros, específica e concretamente, sobre isso? Era bom que o dissessem!

 

A "concepção inteligente" nas escolas dos EUA

Pode parecer anedota, mas é verdade: processa-se neste momento um debate intenso em certos estados dos EUA sobre se se deve ensinar nas escolas que a espécie humana começou com Adão e Eva, tal como ensina a Bíblia, ou antes segundo a teoria darwiniana da evolução das espécies. Os que defendem a primeira "tese" ( o mundo foi criado por um ser "inteligente" - Deus)conseguiram algumas vitórias junto das autoridades escolares. Mas agora um juiz federal da Pensilvânia veio impedir o ensino da "concepção inteligente" nas escolas públicas, em nome do princípio constitucional da laicidade do ensino público.
A questão poderá chegar ao Supremo Tribunal e então se verá quem ganha. Mas o que importa anotar é como um debate destes, que se julgaria datado do sec. XIX, está em curso no início do sec. XXI no país mais desenvolvido a nível científico! Tal a força que os "inteligentes" ganharam a nível nacional, desde a sociedade civil à Casa Branca.

 

A democracia, segundo a Casa Branca

Na sua visita à sede da NATO, há dias, a "Barbie" Rice, apertada pelos "parceiros" europeus, acabou por garantir que todo o pessoal dos EUA tem de respeitar a Convenção contra a Tortura. Não deixa de ser extraordinário que um país que assinou essa Convenção e que acusa não sei quantos países de a violarem venha agora dizer que se sente obrigado a respeitá-la.
Mas a verdade é que aquela declaração tinha sentido. É que Bush queria isentar (como na prática isentou e provavelmente continuará a isentar) os agentes da CIA da observância da Convenção e ameaçou mesmo vetar o projecto de lei em sentido contrário do senador McCain! Finalmente, sob enorme pressão, acabou por ceder.
Mas no dia seguinte soube-se doutra da mesma "equipa": Bush vem autorizando desde 2002 que a Agência para a Segurança Nacional realize escutas telefónicas e intercepção de mensagens electrónicas abrangendo milhares de cidadãos americanos, sem autorização judicial.
Inicialmente, e mais uma vez algo desfasada, "Barbie" Rice desmentiu. Mas no dia seguinte o próprio Bush veio confirmar, argumentando, como sempre, com o combate ao terrorismo, que tudo justifica, a seu ver.
Confirma-se, se fosse preciso confirmar, que os perigos que correm as liberdades nos EUA não são miragens ou fantasmas agitados por alguns "maldosos", mas são bem reais. O que está a acontecer nos EUA é a erosão lenta, mas imparável, dos direitos fundamentais.
E o pior é que esse modelo tende a ser exportado e aceite com muita compreensão. Há dois dias Nuno Rogeiro, esse expoente da nossa ciência política, dizia que as escutas seriam ilegais dentro do território dos EUA, mas não no exterior, pois aí seria apenas uma operação de espionagem, logo permitida. É extraordinário: a CIA não pode violar os direitos dos americanos, mas já o pode fazer quanto aos restantes cidadãos do mundo!
A tese de que vale tudo na luta contra o terrorismo é inaceitável: a democracia não pode ser suspensa para se defender a democracia!
E os delinquentes, ainda que "inimigos da democracia" ou mesmo "terroristas", também são pessoas, ou seja, titulares de direitos inexpropriáveis!

18 dezembro 2005

 

Prostituição

Os debates presidenciais já tinham proporcionado a condenação pela generalidade dos candidatos da legalização da prostituição, alguns deles exprimindo-se mesmo em termos duros, apelidando a prostituição de “escravatura do corpo” e outras fórmulas idênticas.
Agora vem o Governo manifestar-se sobre a matéria, declarando, pela voz do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, que a legislação actual não é suficiente e manifestando simpatia pelo “modelo sueco” e forte antipatia pelo holandês. Em contraste, a JS tem em preparação um projecto legislativo sobre a legalização da prostituição.
Os argumentos das diversas posições, aqui como noutras questões como o aborto e o consumo de drogas, são conhecidos. Mas não me contenho de fazer algumas breves considerações.
Em primeiro lugar, parece-me que o essencial aqui é partir de uma constatação: a prostituição é uma actividade (não quero chamar-lhe profissão para não escandalizar alguns) muito antiga e que nenhuma sociedade até hoje conseguiu eliminar, mesmo aquelas que a criminalizaram ou por qualquer forma perseguiram. No mundo de hoje ela não está em crise, antes alastra, ramifica-se e diversifica-se em várias “modalidades”. O que é preciso, pois, é pensar como lidar com o fenómeno.
Isto quer dizer que é preciso abandonar um prisma dogmático, quer puritano (que vê a prostituição como actividade escandalosa, moralmente condenável, “ruína das famílias”, etc.), quer feminista (escravidão da mulher), para adoptar uma perspectiva pragmática: como intervir para proteger os valores sociais e bens jurídicos que podem ser afectados com essa actividade.
É assim que é desde logo necessário distinguir as situações de tráfico e exploração das situações de livre exercício da prostituição. Só aquelas merecem obviamente criminalização.
Por outro lado, a criminalização dos clientes (solução sueca) é absolutamente ineficaz, porque leva a clandestinizar de novo a prostituição (e não à sua extinção!), com os inerentes perigos e prejuízos para as prostitutas. O modelo holandês é “arrepiante”, dizem. As “montras” são a suprema degradação. Com ou sem montras, porém, a Holanda, sempre pragmática, tolerante, avessa a dogmatismos e atenta aos problemas sociais (como o tem demonstrado em matéria de drogas, eutanásia, direitos de minorias sexuais, etc.), pretende e consegue resolver basicamente os problemas associados à prática da prostituição, ou seja: os problemas de saúde pública e os direitos das prostitutas.
Porque as palavras indignadas de condenação da exploração das mulheres, e portanto de recusa de qualquer regulamentação da prostituição, só têm conduzido à marginalização e estigmatização social das prostitutas, à completa negação de direitos sociais a que deveriam ter acesso, à sua desprotecção perante a violência de clientes e proxenetas. E também, não o esqueçamos, ao agravamento dos problemas de saúde individual e pública.
Portanto, o que se exigiria, no debate que o Governo e a JS prometem, em campos opostos ao que parece, seria menos dogmatismo, mais lucidez e pragmatismo.

 

Patriotismo

Sobre o patriotismo, tema recorrente de alguns candidatos presidenciais, quero dizer o seguinte.
Educado como fui no tempo da “outra senhora”, obrigado a cantar, além do hino nacional, o hino da Mocidade Portuguesa (“lá vamos cantando e rindo, levados, levados, sim…”), a acreditar no milagre de Ourique, na padeira de Aljubarrota, na superioridade moral da nossa missão civilizadora sobre a das outras nações europeias, etc., etc., etc., é natural que a palavra “Pátria”, que designava um absoluto ( «a Pátria não se discute»), me parecesse suspeita e incompatível com a democracia. E até hoje não encontrei motivos para alterar essa suspeita.
Eu sei, é claro, que esse termo tem sido usado em contextos progressistas. «Patria o muerte» foi o grito fundador da revolução cubana.
E na nossa história também o patriotismo foi várias vezes invocado pelas forças progressistas, como os liberais, depois os republicanos, mais tarde, em certos momentos, a oposição “legal” e clandestina a Salazar. Mas em qualquer desses casos, era um patriotismo sobretudo táctico, uma arma de arremesso contra os opositores, e não uma componente do ideário dessas correntes revolucionárias.
A meu ver, o conceito de Pátria tem ínsito inevitavelmente um sentido de afirmação, não de valores, de razões de ordem ética, mas sim de exaltação da superioridade ou, no mínimo, de contraste (em relação às outras pátrias), que tende para a afirmação de relações de poder, de domínio, de força entre elas. Patriotismo e universalismo são incompatíveis. O patriotismo é excludente e tende a ser intolerante. Dois patriotas de diferentes países dificilmente se entenderão e facilmente conflituarão.
No actual momento da história da Europa, convocar o patriotismo é erguer barreiras à construção europeia. O Estado-Nação não pode servir de referência democrática, antes constitui um travão à afirmação da Europa no mundo e constitui um estímulo à pulverização dos estados europeus, em plena época de alargamentos, em velha e nova Europa, eurocépticos e europeistas, etc., o que beneficia a superpotência do outro lado do Atlântico e adia a emergência da Europa enquanto grande referência dos valores expressos na sua Carta dos Direitos Fundamentais. Os efeitos do patriotismo estão bem à vista nestes dias de discussão do orçamento comunitário.
É evidente que a Europa, para o ser, tem que garantir a sua pluralidade, a sua riqueza de diferenças e contrastes. Não se pretende unificar a Europa mediante o método do “melting pot”. Mas as múltiplas e diversificadas peças que a constituem só podem constituir um mosaico, um único mosaico.
O patriotismo é incompatível com o ideal cosmopolita e universalista herdado do iluminismo, ideal esse que é o único que pode impedir o triunfo do mito hegeliano da encarnação do Espírito da História numa nação, assim legitimada a conduzir/dominar o mundo, seja ela a Prússia, como o seu criador pensava e queria, os EUA, como hoje eles se auto-proclamam, com a aprovação ou a submissão de muitos, ou alguma potência emergente, ou a emergir.
Como disse AntónioVieira (sim, o padre), cidadão português e do mundo, como poucos o foram, «para nascer um pouco de terra, para morrer toda a terra; para nascer Portugal, para morrer todo o mundo», palavras lembradas e aproveitadas por Ruy Belo para o título do seu belíssimo livro Toda a terra.
“Toda a terra” é a nossa pátria, que não exclui a terra onde nascemos, antes a inclui em harmonia com as dos outros.

16 dezembro 2005

 

Novo quadro para a política criminal (3) - 30 anos sem definição de política criminal ou com insuficiente escrutínio das políticas criminais?



Um dos pontos que se imporia discutir a propósito da política criminal e de uma lei-quadro sobre a mesma é o que tem sido feito em termos de definição e execução.
Esse foi sem dúvida um dos propósitos assumidos na iniciativa governamental em curso tendo-se dito que se era movido (e legitimado) pelo facto de no quadro vigente Portugal ter «desistido de definir uma política criminal». O que é um diagnóstico avassalador para o desempenho do Parlamento e do Governo.
Por muito atraente que se possa apresentar a adesão a uma avaliação histórica radical como a de a ausência de definição política num sector fundamental do Estado de direito, nesta sede tal retrato (sobre uma absoluta omissão e não propriamente sobre o desvalor da acção) parece ser facilmente desmentido pelos factos, temos mesmo múltiplos exemplos de definição de política criminal, podendo até dizer-se que, por vezes, se atropelam as redefinições de política criminal (vejam-se os casos dos crimes estradais, e sexuais ou o caso exemplar dos crimes no âmbito familiar). Mas não só, também as leis processuais são inequívocas definições de política criminal que tratam da relação do poder punitivo do Estado com o cidadão (não só nas expressões desse odioso poder como na dimensão do compromisso de segurança e as próprias razões do Estado).
Exemplos de uma e outra situação:
1. A alteração de 2001 do Código Penal correspondeu a uma nova definição que terá determinado (consciente ou inconscientemente) que, por exemplo, os tribunais deixassem de aplicar a pena acessória de proibição de conduzir aos homicídios e ofensas à integridade física cometidas com violação das regras estradais, história que foi explicada aqui com continuação aqui . Aí está uma definição político criminal que, complementada pela sua execução judicial em sede de consequências jurídicas do crime, deve ser objecto de discussão política que parece estar por fazer (apesar de tanto se falar de políticas de prevenção em matéria rodoviária).

2. O valor e a utilizabilidade das declarações do arguido produzidas no processo, que corresponde a uma importante expressão político criminal não só do modelo de processo mas do quadro de fixação de uma verdade estadual, a judiciária / penal. Constitui um verdadeiro imperativo democrático escrutinar a ponderação de valores políticos antinómicos expressa na definição das regras de fixação da verdade penal, que recorde-se é expressão de uma função estadual que se diz realizada «em nome do povo» (mas não deixa de ser estranho que num terreno em que a respeito de tudo e de nada se apresentam e confrontam opiniões sobre a justiça, sobre alternativas constitucionais, a propósito do recente caso julgado em Portimão os especialistas televisivos e a generalidade dos jornalistas se centrassem apenas na interpretação da lei e não se aproveitasse o ensejo para discutir as opções de regulação legal das declarações do arguido).

Em síntese, a propósito de um novo quadro de política criminal o que se impõe discutir não é se deve passar a ser definida uma política criminal para ser judiciariamente executada (algo que objectivamente sucede sempre que são criadas leis penais substantivas ou adjectivas, com ou sem consciência dos seus efeitos) mas, simplesmente:
1. Se são necessários novos instrumentos de definição de política criminal (e já agora quais);
2. E vias para o escrutínio das diversas instâncias de definição e execução da política criminal, constitucionalmente responsáveis por essas funções, repete-se: Assembleia da República, Governo (a quem a Administração Pública, nomeadamente as entidades policiais, está hierarquicamente subordinada e de quem os órgãos de polícia criminal dependem organizatória e disciplinarmente), Tribunais e Ministério Público (de quem os órgãos de polícia criminal dependem funcionalmente).

15 dezembro 2005

 

As palavras e os actos no espaço público

Tenho a impressão que os magistrados têm uma tendência fatal para o abismo. É uma impressão que venho solidificando há anos, baseada numa observação empírica do que se passa à minha volta. Em épocas de crise – e as crises só passaram a existir verdadeiramente de há dez anos a esta parte como expressões cíclicas de uma única crise que passou a ser omnipresente: a crise da justiça – os magistrados, em vez de minorarem os efeitos da crise, acentuam-nos. Actuam perfeitamente ao contrário daquilo que seria razoavelmente de esperar. É como se a situação de crise os entontecesse, ou criasse para eles uma zona de nevoeiro (para aplicar uma metáfora do filósofo José Gil) que os impedisse de ver com clareza o que está em causa e os levasse a um comportamento «gauche», às vezes mesmo grotesco, outras vezes simplesmente taralhouco, como o de uma mosca às voltas dentro de uma garrafa sem atinar com a saída. Em vez de terem uma percepção lúcida da estratégia a seguir para a saída da crise, mergulham nela cada vez mais, com uma espécie de fervor suicidário. São declarações para a comunicação social; são actuações processuais; são as mais diversas reacções individuais ou de grupo.
Na verdade, quer institucionalmente, quer sem ser de forma institucionalizada, os magistrados têm comportamentos públicos que não têm em mente a situação estrutural de crise da justiça e, dentro dela, a conjuntura específica em que são levados a agir. Habituados à posição recatada que recortava a figura do magistrado como um indivíduo isolado na «insularidade» da justiça e à intocabilidade que lhe advinha do prestígio das funções, os magistrados são, pelo menos, pouco hábeis (no sentido de não saberem avaliar os efeitos dos seus actos aos mais diversos níveis, desde o social ao mediático) e agem destrambelhadamente sobretudo quando são acossados pelos «media», produzindo declarações desconcertantes ou intervindo, mesmo ao nível processual, de uma forma que reflecte o seu tradicional e interiorizado isolacionismo social. O resultado é o que se tem visto tantas vezes: o de aprofundarem o fosso entre eles e os restantes cidadãos, entre o poder judicial e os restantes poderes, entre as instituições judiciárias e a comunidade.
Também há os que sentem a tentação de agir em conformidade com o que agora se designa de «politicamente correcto» e com a repercussão imaginária que os seus actos irão ter sobretudo na comunicação social. Também esses com frequência não prestam um bom serviço à justiça.
Com efeito, esses magistrados visam mais a sua imagem na comunicação social do que propriamente a imagem da justiça, fazendo coincidir aquilo que dizem ou fazem, ou a forma como reagem com o que é suposto (de um ponto de vista imaginário, claro) estar em conformidade com a representação social dominante em determinado momento acerca da justiça. Se criam uma dessintonia em relação à comunidade profissional a que pertencem, é mais com o fito no reconhecimento público, prestigiando-se a olhos leigos como singularidades desenvoltas e desempoeiradas que se destacam da pressuposta (também por eles) mediocridade reinante, e não com o primacial objectivo de melhorarem as instituições que servem. Problema maior do que este, porém, é quando este protagonismo se transporta para o interior da actividade profissional, reflectindo-se no exercício das funções. E se tal projecção protagonista pode não contender de forma essencial com a justeza das suas posições e decisões, a verdade é que ás vezes basta um ligeiro excesso na linguagem, um pequeno resvalamento para afirmações acessórias ou uma maior agressividade no tom para dar um contributo decisivo para o naufrágio em que acabaremos por perder-nos todos.

12 dezembro 2005

 

Era uma vez o português…

Em França discute-se a reforma da « loi Toubon » (loi n° 94-665 du 4 août 1994, relativa ao emprego da língua francesa), elogiando-se e enaltecendo-se a Língua da República, como «elemento fundamental da personalidade e do património» …

Em 1994, o Conselho Constitucional chegou mesmo a afirmar (décision n° 94-345 du 29 juillet 1994), que : «le recours à tout terme étranger ou à toute expression étrangère est prohibé lorsqu'il existe une expression ou un terme français de même sens approuvé dans des conditions prévues par les dispositions réglementaires relatives à l'enrichissement de la langue française».

São assim os franceses…sempre animados com a supremacia da língua inglesa…

Mas, noutros países (que não de língua francesa ou inglesa) também há preocupações linguísticas. É o património cultural.

E nós?
Qual vai ser o futuro da língua portuguesa?
Quem defende o português?

 

Psicologia judiciária…

É recorrente dizer-se que a atenção do julgador passa também pela aplicação dos conhecimentos adquiridos através dos diversos saberes, nomeadamente, provenientes da psicologia, da ciência etc.

Costumam apontar-se vários “sinais” que podem contribuir para aferir da credibilidade ou do descrédito de testemunha ouvida, designadamente, em audiência de julgamento.

Essa “sinalização” também se aplica a especialistas (v.g. psicólogos), seja quando depõem como testemunhas, seja quando actuam como peritos…: é o que resulta de uma leitura irónica do texto “O psicólogo como testemunha forense”, inserido no livro Psicologia Forense, coord. Rui Abrunhosa Gonçalves e Carla Machado.

Todos os cuidados são pouco para quem está na «bancada» do julgador…

07 dezembro 2005

 

Apontamentos sobre a(s) verdade(s) do judiciário e da política

A recorrente distinção entre responsabilidades judiciariamente reconhecidas (nomeadamente penal e cível) e outras responsabilidades sociais (em particular política) compreende não só a vertente jurídica mas também a factual sobre os juízos quanto aos factos, ao que se passou.
Para a leitura dos efeitos extraprocessuais dos enunciados de facto do procedimentos judiciários, importa destacar que (1) nos mesmos, enquanto actividade social, não é apenas a verdade que está em causa e (2) o princípio da segurança obriga a que exista um momento de encerramento da controvérsia, o caso julgado em que se conheceu o mérito da causa (com afirmação de convicções ou apenas de dúvidas razoáveis) ou mesmo em que este não foi conhecido (por falta de pressupostos processuais, como uma queixa tempestiva, ou por superveniente ocorrência de uma causa extintiva do procedimento, por exemplo por prescrição ou amnistia).
Aquela verdade judiciária embora seja a única relevante para o fim do concreto processo (por exemplo o exercício da pretensão punitiva do Estado por aquele facto quanto àquele arguido) é apenas uma verdade que nem sempre é a epistemicamente mais forte (nomeadamente porque o juízo judiciário é, ainda, essencialmente fundado nas formas de cognição comuns e muitas vezes por razões jurídico-políticas relacionadas com o fim do processo existir material informativo com valor epistémico que não poder ser utilizado).
A questão que se coloca é saber se a verdade judiciária, e em particular do processo penal, pode conviver com outras verdades, nomeadamente afirmadas por outros órgãos do Estado (por exemplo comissões parlamentares de inquérito) ou pela sociedade civil (no quadro de indagações factuais levadas a cabo, por exemplo, no âmbito do jornalismo ou da história).
Os argumentos apresentados no sentido negativo podem ter por referentes interesses públicos ou direitos subjectivos. No plano público era muitas vezes invocada (1) a necessidade de salvaguardar o prestígio do poder judicial e a sua legitimação; e (2) a preservação da independência para evitar influência extra-processual das futuras causas quando o procedimento judicial ainda pode vir a ser accionado ou reactivado. Claramente tem havido uma deflacção da protecção desses interesses públicos por força de uma maior horizontalidade social com reflexos na relação com o Estado e dos crescentes apelos ao escrutínio público dos diferentes poderes estaduais em que se exige a inclusão do judicial (em que diga-se de passagem me parece que no sistema anglo-americano existe uma tradição democrática enformadora muito mais forte do que no continental, mas isso são contas de outro rosário que podem até vir a animar uma discussão no Sine Die).
Quanto aos direitos subjectivos, os limites a supervenientes indagações é muito marcado por perspectivas centradas no direito à paz jurídica (sejam do condenado ou do absolvido, do acusado ou do não acusado), conexas com a protecção da presunção de inocência e seus corolários, em particular o direito a que imputações graves sejam impugnadas no contraditório do processo com o arsenal dos direitos de defesa consagrados na Constituição e na lei, que não têm correspondência com outros quadros de controvérsia e tensão social. Em contraponto, quem defende perspectivas mais restritivas de tais direitos subjectivos, argumenta com o carácter circunscrito do que está em jogo em cada processo (em particular no penal a sujeição a uma pena) e ainda certas aporias geradas por uma limitação mais intensa da liberdade de expressão quanto a factos socialmente mais danosos (porque objecto ou susceptíveis da repressão penal) por comparação com factos menos graves.

A problematização deste tema e dos valores em colisão, bem como sobre a redefinição política dos espaços de controvérsia social sobre factos que foram (estão a ser ou podem vir a ser) objecto de processos judiciais (em especial de processos penais), parece ser hoje uma exigência e será um bom sinal para a democracia que se superem tabus em nome da discussão racional.
A discussão na esfera pública dos valores em confronto constituirá mesmo uma exigência do Estado de direito, sob pena de tratamentos desiguais nesta matéria serem não propriamente fundados em variáveis objectivas e questões de princípio mas estritamente na competência de acção dos envolvidos (a estória sobre o que X fez e suas presumíveis vítimas está encerrada com a decisão judicial, já a estória sobre o que Y fez tem de ser conhecida para além do que o tribunal disse pois esse é um direito das vítimas).


Como nota final sublinhe-se que neste post apenas se pretendeu reflectir sobre a problemática do espaço aberto (ou fechado) para a controvérsia racional sobre factos objecto de processos judiciários, enquanto problema essencial da esfera pública (sobretudo quando se multiplicam os «discursos de verdade»). Outra coisa são as questões relativas a rejeições socio-políticas de afirmações epistémicas do judiciário ou mesmo de dados recolhidos no quadro de indagações judiciárias («aquilo não pode ser verdade», «aquilo tem de ser verdade», «tem de haver uma verdade», «a verdade é esta», «o que importa é»), independentes de uma discussão vinculada a cânones éticos de comunicação e sobretudo independente de qualquer quadro alternativo ao judiciário de verificação e falsificação, ou seja estritas expressões de um poder e uma autoridade (ou se se quiser de afirmação de uma hierarquia).

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A Barbie do Alabama

Miss Condoleeza Rice, a Barbie do Alabama, com o seu perfil esfíngico, é o oráculo da administração Bush. Com a sua boa dicção e um inglês bem melhor do que o do chefe, ela veio revelar a verdade, que é esta: não há nada a dizer, não há rigorosamente nada a dizer. Nós, cidadãos do mundo, temos de acreditar, que confiar no Império do Bem, que vela por nós. O Império não viola a lei (ele é a Lei!), não recorre à tortura (pois não, delega-a em terceiros, embora nem sempre, e Guantánamo e Bagram estão aí para o confirmar).
Quanto ao mais, sabemos agora que os tais transportes secretos de detidos secretos são simples rendições, usadas já desde os anos 80 na guerra às drogas (confirma-se que a guerra desencadeada por Reagan tem sido o laboratório das guerras subsequentes).
É claro que tem havido uns "enganos" pelo caminho, mas não passam de "danos colaterais", sempre inevitáveis em guerra.
Entretanto, o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros lá arranjou um buraco na sobrecarregada agenda para ir à AR falar dos voos secretos sobre território português. Mas ainda há alguma coisa para explicar? Não está tudo explicado?

 

Crucifixos

O artigo de ontem do Vital Moreira no Público é lapidar: uma coisa é o espaço público, por oposição a privado, e nesse espaço não há qualquer limitação a manifestações de natureza confessional (aliás a Igreja Católica utiliza-o amplamente, com procissões, cortejos e outras concentrações, toque de sinos, para fiéis e infiéis, etc.), outra coisa é o espaço do Estado, onde a laicidade consagrada na Constituição não pode permitir a apropriação de edifícios e instalações para manifestações de nenhuma religião.
Já sabemos que, mercê da tradição (melhor, das tradições, quase todas ou todas oriundas do Estado Novo), muitos actos oficiais são marcados pela intervenção ou presença de sacerdotes da Ingreja Católica, o que é claramente contrário ao espírito e à letra da Constituição. Já lá irei.
As escolas são um caso muito especial e daí a reacção a que assistimos. O crucifixo na escola primária orienta os tenros infantes para a verdadeira religião. É essa orientação precoce que a Igreja Católica não quer perder.
Aliás, não é por acaso que o Estado Novo também se empenhou especialmente na reintrodução do crucifixo nas escolas e não nos outros edificíos públicos, como os tribunais. Ao contrário do que acontece ainda hoje em alguns tribunais de Espanha, de Itália e da Baviera (e aposto que da Irlanda e da Polónia), nas salas de audiências do nosso País desde a 1ª República que não há crucifixo e também não há actualmente quaisquer referências religiosas no rito processual (desapareceu o juramento "alternativo" que permitia jurar por Deus).
Mas há concessões, como a presença de Sua Eminência na cerimónia de abertura do ano judicial no Supremo, onde se senta a par das mais altas autoridades do Estado, que muito humildemente se lhe dirigem ao tomarem da palavra.
E não falando já da missa, antecedida de confissões e comunhões (mas que terão os magistrados que confessar?), que na manhã do mesmo dia, e promovida por uma comissão de magistrados, advogados, funcionários e solicitadores, precede a cerimónia oficial, numa clara tentativa de acoplagem a esta...

06 dezembro 2005

 

O espelho e o reflexo da Justiça

A Justiça, aquela mulher… vai ter que se elevar, mas sem usar artifícios: não vale aqui usar sapatos de tacão alto!
Também não pode continuar, de olhar vazio, em frente ao espelho.

Toda a vida (refiro-me pelo menos aos últimos 15 anos) houve violações de segredos de justiça… só que, nesse tempo que já lá vai, o leitor avisado tinha que se esforçar um pouco mais: é que tinha de procurar a imprensa certa, se queria saber (com mais ou menos deturpação) o que se passava no «processo da moda», naquele que era «badalado» pela comunicação social.

E os segredos sempre se foram conhecendo, com mais ou menos rigor, certamente com mais proveitos para uns do que para outros.
O que foi ficando por descobrir e por publicitar foi quem «badalava» … de quem era a culpa?

A culpa, essa rival… vai-se escapando por todo o lado… mas uma coisa é certa: ninguém a quer!

Mas isso é só um exemplo…os erros vão-se colando e reproduzindo de forma variada, sem grandes preocupações: poucos andam “atrás” deles… e, depois, aparece muitas vezes a desculpa, que vai “perdoando”.

E onde estão os princípios?
Cumprir regras básicas (pontualidade, respeito, urbanidade, rigor, equilíbrio, bom senso, lealdade, sentido de responsabilidade…), esquecidas por alguns, contribuem para uma certa elevação!
Regras e princípios que, aliás, são de exigir em qualquer serviço público ou privado, até em qualquer forma de exercício de cidadania.

Preceitos legais não faltam, apesar de se imporem ajustamentos ou até mesmo alterações profundas aqui e ali. De qualquer forma há que saber usá-los… e com prontidão!

Será que tudo se resume a relações de poder? Então, como exercer o poder?
Não pode ser com sobranceria, nem com prepotência. A leviandade e a ignorância, que andam normalmente de mãos dadas, terão de ser rejeitadas. O laxismo e a demagogia deverão ser expulsos. A ideia de uma certa impunidade ou mesmo imunidade terão de ser recusados por quem tem sentido de responsabilidade. Também inconciliável com o poder é a “demissão”(a falta de exercício) do próprio poder.

Onde se esconderam os princípios elementares que devem sustentar todos os que exercitam formas de poder (seja este qual for)? E quem controla?
E por aí fora…

04 dezembro 2005

 

Mas que grande segredinho...

A justiça, aquela mulher de olhos vendados…tem que mudar o visual: comprar uns tampões descartáveis para por nos ouvidos e arranjar uma mordaça, não só para se calar por uns tempos mas, também, para deixar de “transpirar” aquele ar incógnito de «mona lisa». Depois, tem que abandonar aquela quietude de estátua, fazer um pouco de exercício e renovar ideias e projectos.

Quem quiser saber o que se passa em qualquer processo sigiloso ou saber o que dizem relatórios apelidados de “confidenciais” só tem que abrir os jornais e procurar títulos destacados!

E não digam que o defeito é das mulheres (que, antigamente, nem podiam pertencer à Maçonaria sob pretexto de não saberem guardar segredos…).
Hoje, ninguém guarda segredos, muito menos os relativos à justiça. Esses são os mais apetecidos.
Também, poucos são os “perseguidos” com sucesso: está quase legitimada a violação do segredo de justiça!

A devassa continua em roda livre.
Tudo anda a cochichar… uns mais alto que outros… por isso até já se foi ao lixo…
O que interessa é “informar” o público. E quem não se “pela” por um segredinho? É isto que muita imprensa pensa dos seus “queridos” leitores que, aliás, a sustentam.

E o desassossego vai-se instalando confortavelmente...

Todos se sentem habilitados a dar opiniões mesmo quando reina a ignorância: insultam em directo (nomeadamente pela tv) e nada acontece: paira no ar o direito à irresponsabilidade inconsequente.
Qualquer dia, por este andar, até será um direito constitucional…quem sabe?
Por isso, não se admirem, se o barco continuar a meter água…

 

Iraque: nova estratégia para a vitória, mais um passo para a derrota?

E então como vamos de democracia no Iraque?
Aparentemente tem avançado a institucionalização de um "Estado de direito", com a elaboração da Constituição, a sua aprovação por referendo e a próxima realização de eleições legislativas.
Mas tudo isso é falso, tudo é falso desde o princípio nesta guerra. Todo o processo político-legislativo em curso visa não mais do que legitimar a invasão e ocupação estrangeira e, subsequentemente, fazer do Iraque um protectorado dos EUA (na linguagem oficial americana: "um parceiro a corpo inteiro na guerra global contra o terrorismo" - a linguagem oficial, sobretudo a norte-americana, tem sempre que ser traduzida para linguagem comum).
A constituição "aprovada" só muito formalmente é democrática: divide o país em regiões, estimulando as divisões étnico-religiosas (e enfraquecendo-o enquanto entidade nacional face aos vizinhos e aos "protectores") e admite como "lei suprema" a "sharia", o que é um óbvio retrocesso num país que era laico.
Mas o pior de tudo é a situação que o país vive, e que não pára de agravar-se. A resistência popular à invasão surpreendeu tudo e todos e sobretudo os invasores, que parece que acreditaram na sua própria propaganda de que o povo iraquiano os iria receber de braços abertos (os mentirosos incorrigíveis acabam por acreditar nas suas próprias mentiras!). No dia em que Bush declarou terminadas as operações de guerra, no mesmo dia o povo iraquiano parece ter declarado implícita ou clandestinamente o início da resistência popular à ocupação. A resistência é muito variada, de tendências muito diferentes, mas é inquestionável que dispõe de um imenso apoio popular, sem o qual era completamente impossível a frequência diária de ataques às tropas invasoras e ao exército "iraquiano". É completamente ilegítimo falar de "terrorismo" a propósito da resistência em geral. Há efectivamente actos que se podem qualificar como tal, mas cometidos por grupos extremistas e que se suspeita serem constituídos por estrangeiros (os que se opuseram à guerra tinham advertido que a invasão iria estimular o terrorismo islâmico). Aliás, é a própria polícia iraquiana que suspeita que alguns crimes que suscitam mais repulsa, como os sequestros de estrangeiros, nada têm a ver com a resistência, pois serão cometidos por criminosos comuns. A resistência armada à ocupação estrangeira, uma ocupação feita à revelia do direito e das instituições internacionais e da opinião pública mundial, é absolutamente legítima, e aliás reconhecida em termos gerais pelo direito internacional e pela Constituição portuguesa (art. 7º, nº 3).
A dimensão e a intensidade da resistência tem levado a sucessivas correcções da estratégia americana e agora foi anunciada com pompa e circunstância uma nova estratégia para a vitória no Iraque: em suma, trata-se de tentar a "iraquização" do conflito, ou seja, que sejam os próprios iraquianos a fazer a guerra por conta do invasor. É que o governo dos EUA agora quer sair o mais depressa possível, porque a guerra já não é popular (já há mortos e dólares gastos a mais) e há eleições para o ano. Só que os EUA não podem sair de qualquer maneira, porque isso seria perigoso para a credibilidade do "Império". Perante este dilema - ter de sair, mas não poder sair - a administração Bush vem tentando a todo o custo "delegar" a guerra (mais um caso de "outsourcing").
Mas essa estratégia não tem tido qualquer sucesso e não parece que o possa vir a ter. As forças de segurança e militares montadas à pressa pelos americanos não têm credibilidade junto da população, precisamente por serem colaboradores dos ocupantes e, sem estes, não têm qualquer eficácia operacional. O mais que conseguem é fazer o trabalho mais sujo (constituição de milícias secretas, esquadrões da morte e centros de tortura), o que já levou Allawi, o primeiro homem de confiança dos americanos a dizer que a situação é agora pior do que nos tempos de Saddam Hussein.
Uma tese muito difundida, e com aparente razoabilidade, é a de que a saída dos EUA e da Grã-Bretanha seria o pior que poderia acontecer ao Iraque, porque seria o caos, a guerra civil, etc. Não sou dessa opinião. Entendo que a ocupação estrangeira é que é a causadora do caos e o seu fim é a primeira condição da pacificação. A ocupação motiva a resistência e impede a negociação, estimula o extremismo e dificulta os consensos, dá força ao islamismo em detrimento das correntes laicas e progressistas. A ocupação provoca um conflito sem fim à vista que vai minando recursos e vidas, empenhando o futuro das novas gerações. Só o fim da ocupação poderá abrir as portas às negociações e aos consensos entre os iraquianos, pois são eles que têm de decidir do seu futuro, não é verdade?

03 dezembro 2005

 

Para uma nova justiça

ou de como pôr cobro às principais causas que enredam a nossa justiça penal e contribuem para o seu descrédito não só no nosso Reino como também nos outros Reinos no seio dos quais queremos implantar-nos com o reconquistado brilho a que temos jus.



Um dos graves problemas com que se vem debatendo a nossa justiça penal, contribuindo grandemente para o seu descrédito é, segundo se diz, não haver uma só justiça, mas duas: uma para os que desde sempre sofreram os seus rigores - quero eu dizer, os pobres, os mal-amados da sociedade, os que têm vida precária, os marginais, os imigrantes e os excluídos – e outra para os chamados «poderosos». Para os primeiros, a justiça é mais ou menos célere, diria mesmo simplificada nos procedimentos e pronta na condenação; para os segundos, é lenta, pesada, complexa e nunca mais chega ao fim. Em relação àqueles, o processo corre fácil e fluidamente, sem recurso a grandes expedientes, sem graves problematizações teóricas e mesmo sem muitas palavras (na maior parte dos casos, um «faça-se justiça» é quanto basta); em relação a estes, o procedimento é recheado de incidentes logo a partir do seu início, questiona-se tudo até à mais exacerbante minúcia, espiolha-se o processado com a mais sofisticada aparelhagem microscópica, levantam-se problemas do mais elevado quilate teórico, gastam-se, não rios, mas verdadeiros oceanos de palavras, percorrem-se todas as vias de impugnação e escalam-se todas as instâncias, para depois voltarem a ser percorridas em escala descendente e de novo subidas em progressão hierárquica. O seu mais relevante interesse reside no forte contributo que dão para o burilamento dos institutos de direito penal e processual penal, supostamente - mas só supostamente - revertendo em favor de todos. Mas, tirando isso, só originam o descrédito do sistema, tanto mais que esses casos – os dos chamados «poderosos» - são os mais badalados na comunicação social, por razões que facilmente serão descortináveis.
Pois bem!, ainda há dias o Nosso Senhor O Supremo Magistrado da Nação, preocupado com tal estado de coisas, falou na necessidade de tratar os «poderosos» tal-qualmente os outros cidadãos deste Reino e exortou mesmo os tribunais a tratá-los em pé de igualdade com eles. E é aqui que eu queria dar o meu modesto contributo de cidadão preocupado com o que vai pelo país para a solução de tão magno problema. Se mo permitem Vossas Excelências, a minha proposta é muito simples. Pura e simplesmente é esta: acabar com os «poderosos». E não é difícil. Bastará atentar em que são uma classe muito pouco numerosa, apesar dos grandes problemas que dá. Os poderosos nunca foram muitos; foram sempre poucos, muito poucos. Ora, não é justo que, por causa de tão poucos, a justiça se ensarilhe em tantas voltas e caia no pior descrédito em que pode cair: o de ter duas bitolas.
Acabar com os «poderosos» é a forma mais adequada e equilibrada de resolver o problema, creiam Vossas Excelências. De contrário, estaremos ainda a falar dele daqui a dez anos, outros tantos como os que já decorreram sempre a falar no mesmo. Mas não pensem Vossas Excelências que estou a referir-me a uma literal liquidação dos «poderosos» - encostá-los a uma parede e pum, pum, pum! Não. Sei bem que estamos numa democracia e num Estado de direito democrático. Acabar com os «poderosos» é um simples modo de dizer que significa «acabar» com o seu poder. Tirar-lhes os direitos que fazem deles tão poderosos, como o de contratarem causídicos a tempo inteiro, mobilizarem académicos para produzirem extensas laudas de eruditos pareceres, criarem incidentes processuais de todo o género, esgrimirem em todas as instâncias ordinárias e extraordinárias. É que, no fundo, nem se trata de direitos, mas de «privilégios», como agora soe dizer-se, pois os outros cidadãos, na sua esmagadora maioria, não têm esses tão eufemisticamente chamados «direitos». Por isso a justiça não perde tanto tempo com eles. De modo que «acabar com os poderosos» no honesto sentido que eu aqui pretendo significar não é senão uma forma escorreita de estabelecer o reino da igualdade no nosso Reino.
E com isto me despeço humildemente de Vossas Excelências até à próxima proposta que me ocorrer a bem do país e da nossa vetusta Nação.

(Jonathan Swift 1665 – 1745)

01 dezembro 2005

 

A liberdade para todo o mundo

Lembram-se certamente da segunda "inauguração" de Bush, em Janeiro deste ano. Proclamou ele então que o grande objectivo deste seu segundo mandato era «a expansão da liberdade para todo o mundo». Esta proclamação solene foi levada a sério por alguns em Portugal. José Manuel Fernandes escreveu um editorial emocionado no Público: uma nova era tinha começado para a humanidade.
Desde então o que se passou? Que passos deu a liberdade? Progrediu a democracia, por exemplo, no Médio Oriente? A eleição de um presidente ultra-ortodoxo no Irão (reacção nacionalista ao discurso agressivo norte-americano) não o confirma; as eleições no Egipto foram o costume (roubadas); o resto do mundo árabe e muçulmano não deu qualquer passo para a democracia.
Houve, é certo, eleições no Afganistão. Mas eleições não significa democracia. A todo o custo tem vindo ali a ser montado um cenário democrático (um português já pagou com a vida a encenação). Mas por detrás da pintura estão os "senhores da guerra", que dominam a seu bel-prazer os respectivos territórios.
No conflito israelo-palestiniano houve, sim, algum progresso em direcção à paz. O pragmatismo parece finalmente prevalecer sobre o dogmatismo ideológico entre os israelitas. Aguardemos os próximos episódios.
E o Iraque? Bem, sobre o Iraque, onde tudo está tão negro, falarei depois.
Agora vou falar do principal promotor do retrocesso da democracia no mundo: os EUA!
Tudo o que se vem sabendo sobre os métodos de combate ao terrorismo é uma verdadeira história de terror que não tem fim. Já conhecíamos as fotografias de Abu Ghraib. Já sabíamos da existência de Guantánamo. Já tínhamos tomado conhecimento do memorial justificativo da tortura da autoria do actual ministro da Justiça Albert Gonzales. Mas os últimos tempos têm trazido mais notícias apavorantes. O novo director da CIA, Porter Goss, muito placidamente explica, recorrendo ao malabarismo de restringir o conceito de tortura internacionalmente reconhecido, que a sua instituição não faz mais do que aplicar «uma variedade de métodos únicos e inovadores» (cinismo, manipulação, mentira, tudo vale); e eventualmente para o trabalho mais sujo, há que «delegar em indivíduos no estrangeiro a possibilidade de aplicarem os seus critérios» (acrescentou o mesmo senhor). É o que poderemos chamar "outsourcing" em matéria de tortura.
Por outro lado, Guantánamo não é mais do que uma peça de um puzzle de dimensões exactas desconhecidas, mas espalhado pelo mundo, também aqui na nossa Europa. Para abastecer esse complexo sistema de terror a CIA freta aviões civis, descaracterizados, que cruzam continentes, pousam nos nossos aeroportos (nossos europeus e nossos portugueses!) transportando prisioneiros desconhecidos, que não deixam rasto. São os novos "submersos" dos campos de concentração. Aguardam-se novas notícias, novos episódios. Esta novela de terror não pára.
De Inglaterra, a "pátria da democracia", a pátria do primeiro parlamento livre, também chegam notícias más. A actuação da polícia de Londres no caso Menezes (atira-se primeiro, confirma-se depois!) e a posterior tentativa, primeiro de deformação dos factos, depois de boicote da investigação das responsabilidades do comandante da polícia (por desgraça, também ele Blair!) são sinais evidentes de degradação da qualidade da vida democrática em Inglaterra.
Ultimamente, as tentativas de Blair (o Tony) para fazer aprovar a lei dos 90 dias de detenção administrativa (ficou pelos 28, o que já não é pouco!) são também decepcionantes, mas coerentes afinal com a política por ele sempre seguida, mais parecendo aliás ele o herdeiro da sra. Thatcher, e não os conservadores na oposição .
Bem, mas há uma boa notícia, e fresca, para a democracia. Omar Bongo, presidente do Gabão há 38 anos, foi reeleito por mais 7. Não é certamente por acaso que a democracia se dá tão bem no Gabão: o país é um dos principais produtores africanos de petróleo e Bongo um grande amigo do Ocidente.

 

Estereótipos

A televisão, sobretudo a televisão, tem uma tendência irresistível para a simplificação. Quando alguém numa entrevista pretende dar uma resposta mais exaustiva ou menos conclusiva, logo o entrevistador interrompe, enfadado: «diga-me, sim ou não...». Sim ou não, não há outras respostas. Por outro lado, os problemas têm sempre soluções e os entrevistados têm que as levar no bolso, sob pena de caírem no completo descrédito.
A realidade é a preto e branco, não há cinzento: há o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e o injusto, etc. Não há meio termo. A realidade é tratada de acordo com atributos prévios definitivamente fixados. São clichés colados às coisas. São estereótipos. Se alguém se atreve a pô-los em questão, o entrevistador logo protesta: não é assim, toda a gente sabe como é, toda a gente!
No reino da simplificação e do senso comum, os estereótipos são senhores absolutos.

 

Os votos dos ausentes

46 deputados, exactamente 1/5 do total, faltaram à votação do Oraçamento do Estado!
Há aqui qualquer coisa que não está bem. O OE não é uma lei qualquer, deveria motivar a presença massiva dos deputados.
É claro que há uma explicação: na AR quem vota não são propriamente os deputados, individualmente considerados, mas sim os grupos parlamentares, contando-se os votos totais de cada grupo e não os votos dos presentes. Votam, em suma, os presentes e também os ausentes! Convém, é claro, ter as bancadas "compostas", para a fotografia.
Já houve casos de votos individualizados, ou seja, contra a indicação do respectivo grupo parlamentar. Mas são votos pré-anunciados.
Como cidadão, creio bem que só pode votar quem está presente. Na AR não pode haver votos por correspondência, por procuração ou votos implícitos. Só votos expressos pelos próprios titulares e presencialmente.
É indispensável para a legitimação da actividade legislativa.

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